DIREITO
ECONÔMICO: A ORDEM ECONÔMICA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA –
LIVRO ESCRITO POR EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE
NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS
DIGITADOR
CAPÍTULO
5
A
ORDEM ECONÔMICA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
O presente capítulo pode ser
considerado o núcleo central em torno do qual gravita toda a Constituição
Econômica e, por esta razão, faremos um retrospecto de alguns conceitos que já
foram tratados nos capítulos anteriores, mas que, nesse passo, devem ser revisitados
para a melhor apreensão do modelo econômico adotado em nossa ordem
constitucional.
Nos termos do art. 170 da
Constituição Federal, a ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
1.
Soberania nacional;
2.
Propriedade privada;
3.
Função social da propriedade;
4.
Livre concorrência;
5.
Defesa do consumidor;
6.
Defesa do meio ambiente;
7.
Redução das desigualdades regionais e
sociais;
8.
Busca do pleno emprego;
9.
Tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no país;
10. Livre
exercício de atividade econômica independente de autorização, nos termos da
lei.
Tomaremos aqui como ordem
econômica o conjunto de preceitos que indiquem os princípios e as regras
preordenadas a influir de forma cogente, seja para o particular seja para o
Estado, sobre a realidade econômica na qual atuam os agentes econômicos no
mercado, em um regime de apropriação privada do produto da atividade econômica.
Ditas normas de ordem
pública econômica tendem à aplicação imediata sobre os fatos aos quais se
voltam, não impactando os pretéritos, mas atingindo os fatos futuros e os
pendentes (veja-se o caso da mudança de padrão monetário, atingindo até mesmo a
coisa julgada).
Importa salientar, ainda,
algumas noções básicas sobre a teoria dos princípios, para que se tenha uma
dimensão mais clara sobre o papel do texto para todo o ordenamento jurídico
brasileiro.
O texto constitucional e a
norma dele extraída não se confundem.
Normas não são textos, mas
representam os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática dos
textos normativos. Os dispositivos se constituem no objeto da interpretação, e
as normas, seu resultado.
O significado do texto
constitucional é algo que depende de seu uso e de sua interpretação. Esta não
se caracteriza como um simples ato de descrição de um significado previamente dado,
mas como um ato de decisão que constitui os sentidos de um texto.
O intérprete da ordem
econômica não descreve simplesmente o significado dos termos ali constantes;
ele constrói os significados diante do caso concreto, daí por que não se pode
conceber a ideia de que a aplicação do Direito envolve uma atitude de conceitos
prontos antes mesmo do processo de aplicação.
Existem, no entanto,
significados mínimos constatáveis antes do processo de interpretação
(“trabalho”, “propriedade”, “meio-ambiente” etc.), masque se desenham somente
diante do caso concreto.
O intérprete da ordem
econômica não só constrói, mas reconstrói o sentido diante do texto e do caso
concreto, para dali retirar a norma pelo processo de interpretação. Interpretar
é construir a partir de algo, por isso implica em reconstruir.
É preciso substituir a
convicção de que o dispositivo identifica-se com a norma, pela constatação de
que é o ponto de partida da interpretação; a função do intérprete não é
meramente descrever significados, mas reconstruir sentidos, concretizando o
ordenamento jurídico diante do caso concreto.
O ordenamento estabelece a
realização de fins, a preservação de valores e a realização ou busca de
determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação
desses valores.
Assim, faremos uma breve
distinção entre princípios e regras para enfim passarmos à análise do art. 170
da Constituição Federal.
Princípios estabelecem
fundamentos normativos para interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo,
direta ou indiretamente, normas de comportamento. São pensamentos diretivos.
Por outro lado, as regras
podem ser definidas como comandos de aplicação na base do tudo ou nada. Se a
hipótese da incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a
consequência normativa deve ser aceita, ou é a regra válida e a consequência
normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão
de regras, para a determinação de sua aplicação dever-se-á recorrer a critérios
cronológicos (lei posterior revoga lei anterior), de hierarquia (lei superior
prepondera sobre lei de hierarquia inferior) e de especialidade (lei especial
prevalece sobre lei geral).
Sintetizando os critérios
usuais entre princípios e regras, poderíamos afirmar:
·
Critério do caráter hipotético condicional:
regras possuem uma hipótese e consequência que predeterminam a decisão, sendo
aplicadas no modo “se”, “então”; enquanto os princípios apenas indicam o
fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra
para o caso concreto;
·
Critério do modo final de aplicação: regras
são aplicadas de modo absoluto na base do “tudo ou nada” e os princípios são
aplicados de modo gradual “mais ou menos”;
·
Critério de relacionamento normativo:
fundamenta-se na ideia de que a antinomia entre as regras consubstancia
conflito solucionável pela exceção ou declaração de invalidade, ao passo que os
princípios imbricam-se, solucionando o conflito mediante ponderação que atribua
uma dimensão de peso a cada um deles;
·
Critério do fundamento axiológico: considera
os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para a
decisão a ser tomada.
Em resumo: regras possuem
uma hipótese e uma consequência, ao passo que os princípios apenas indicam o
fundamento a ser utilizado pelo aplicador.
Não se deve esquecer, ainda,
do princípio da unidade da Constituição, segundo o qual a consideração do texto
constitucional como sistema aberto de regras e princípios aponta para o sentido
de unidade hierárquico-normativa.
Tal princípio é uma
exigência de coerência do sistema jurídico e dirige-se a juízes e autoridades
encarregados de aplicar regras e princípios jurídicos no sentido de os “lerem”
e “compreenderem”, na medida do possível, como se fossem obra de um só autor,
exprimindo uma concepção do Direito e da Justiça, bem como revelando uma igualdade
hierárquica no que tange à sua validade, prevalência normativa e rigidez.
Podemos resumir, então, que
os princípios impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da
prescrição de comportamentos havidos como necessários, e as regras são normas
descritivas de comportamentos devidos ou atributivos de poder.
Necessário, ainda, tocarmos
no tema dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para os fins de interpretação
e aplicação dos princípios e regras que regulam a ordem econômica.
Os postulados não impõem a
promoção de um fim, mas estruturam a aplicação do dever de promover um fim; não
prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e argumentação relativamente
a normas que imediatamente prescrevem comportamentos. Em síntese: não descrevem
comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem.
O postulado da razoabilidade
procura a congruência ou pertinência entre o critério e a medida discriminatória.
Deve haver na correlação entre hipótese de incidência e a natureza do ato uma
adequação entre o geral e o particular, demonstrando observância ao princípio
da isonomia que se preordena a dar aos iguais tratamento igual e aos desiguais
tratamento desisonômico na medida de suas desigualdades.
Por outro lado, o postulado
da proporcionalidade se volta para a aferição no campo da concretude da
resposta a três perguntas elementares:
1)
O ato é adequado? É apto ao atingimento do
fim a que foi concebido?
2)
Ele é necessário? Existe outro meio menos
oneroso capaz de atingir o objetivo visado?
3)
Ele é proporcional em sento estrito? As
vantagens do seu cometimento superam os custos e constrições da sua realização?
Poderemos, grosso modo,
destacar de forma sistemática as diferenças principais entre os postulados
acima aludidos à luz de um critério eminentemente prático:
RAZOABILIDADE
|
PROPORCIONALIDADE
|
- plano abstrato
-
generalidade
-
questão de direito
-
razão entre motivos e fins
-
nexo interno e externo com a Constituição Federal
-
premissa maior
-
Proibição de retrocesso social da norma
|
-
plano concreto
-
pessoalidade
-
questão de fato
-
nexo entre meios e fins
-
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
-
premissa menor
-
proibição de excesso do ato concreto
|
Direito e Economia
Economia é uma ciência social
que tem como campo de atuação a sociedade e como objeto o estudo dos fenômenos
relativos à produção, distribuição e consumo de bens materiais. Também estuda
as necessidades materiais da coletividade e a sua satisfação, a organização da
produção, a circulação de bens e a repartição de riquezas.
As necessidades humanas são
infinitas e múltiplas mas os recursos são escassos, daí a necessária opção entre
os usos alternativos de um mesmo produto e o seu processo de escolha.
A economia surge como uma ciência
que estuda a atividade econômica, isto é, toda atividade referente à produção,
distribuição e consumo de bens, bem como a adequação entre os recursos
disponíveis e as necessidades existentes dentro de uma sociedade num dado
momento histórico.
Estudar o Direito Econômico
implica analisar a relação entre economia e direito, bem como pesquisar as
causas justificadoras desse novo ramo do direito que envolve a disciplina
jurídica da produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços.
Evidente que, no trato com
tais questões jurídicas o Judiciário desenvolve intensa atividade de
interpretação, redundando em decisões com nítidos efeitos econômicos e, apenas
para citar dois exemplos, lembremo-nos da correção monetária do Fundo de
Garantia de Tempo de Serviço e a inaplicabilidade da limitação dos juros reais
em 12% ao ano, ambos decretados pelo Supremo Tribunal Federal.
A análise econômica do
Direito investiga a resposta a duas questões importantes: (a) uma questão
positiva sobre qual o impacto das normas legais no comportamento dos agentes
econômicos (trabalhadores, consumidores, Estado e empresários) em termos de
suas decisões e bem-estar; (b) uma questão normativa a respeito de quais as
vantagens relativas de determinadas normas legais em termos de bem-estar
social.
Para responder a estas
questões, a análise econômica do Direito aplica a metodologia da análise
microeconômica (que analisamos no capítulo 1), o denominado individualismo
metodológico.
Os agentes econômicos tomam
suas decisões de forma racional, isto é, comparando benefícios e custos (não só
os monetários), dado o conjunto de informações disponíveis. O bem-estar da
sociedade é medido pela agregação do bem-estar dos seus membros.
Neste sentido, os princípios econômicos são deduções de uma premissa geral que dita
que os seres humanos se comportam racionalmente (eu diria instintivamente, grifos de Vargas Digitador) no sentido de
maximizar a sua satisfação pessoal. Esta ferramenta básica permite estender o
uso da economia a outros campos que não o do estudo do comportamento dos
indivíduos e organizações no mercado.
A economia, como estudo do
comportamento racional pode ser útil para qualquer ramo do Direito, inclusive
dos Direitos Humanos, fornecendo indicações quanto à escolha da disciplina
jurídica mais adequada em caso de valores conflitantes.
Como se vê, a análise
econômica do Direito consiste na aplicação dos princípios da análise econômica
aos problemas do Direito. A análise assume que os seres humanos são racionais
(procuram maximizar seus interesses instintivamente
– grifo de Vargas Digitador) e reagem aos incentivos a que estão
submetidos.
Podemos visualizar o fruto
dessa análise constatando, por exemplo, que o aumento de determinado tributo
pode levar a um aumento da sonegação; a imposição da obrigatoriedade do uso do
cinto de segurança pode levar os motoristas a se sentirem mais seguros e
dirigirem mais depressa, aumentando a gravidade dos acidentes (Isso é ser racional? - grifo de Vargas
Digitador); a proibição de beber ao conduzir pode levar os alcoólatras a
concentrar, no tempo em que não estão dirigindo, o consumo do álcool,
aumentando a gravidade da doença e aumentando eventualmente a violência
doméstica (idem – ibidem);
Veja-se que não se está
fazendo nenhuma defesa à proibição de tais condutas, apenas utilizamos a
análise econômica para demonstrar efeitos “invisíveis” (instintivas - grifo de Vargas Digitador), de políticas a priori muito boas.
O mérito da análise
econômica do Direito é o de levar-nos a pensar sobre estas consequências
inesperadas.
Globalização
Imagine-se uma empresa
sediada no Brasil e produtora de motores. Poderá esta empresa, com vistas a
diminuir seus custos e ampliar sua competitividade, adquirir partes da máquina
que produz na China, Austrália ou na Espanha, através de um pedido formulado
pela Internet. Em qual hora do dia ou da noite, ou mesmo fora do Brasil, o
executivo chefe da empresa, lanchando uma fruta exótica fora de estação, poderá
estar operando seu laptop em qualquer lugar do planeta, consultando os melhores
preços, prazos e vantagens dos componentes de que a empresa necessita,
contratando em inglês, francês ou espanhol e transferindo ao pagamentos
respectivos on-line...
Pode-se dizer que a
globalização redundou no fim das barreiras nacionais e na integração planetária
dos mercados, dos meios de comunicação e dos transportes. Como no exemplo
acima, uma empresa pode ser abastecida por vários fornecedores que se encontram
em várias partes do mundo, cada um oferecendo as melhores condições de preço e
qualidade naqueles produtos em que têm maiores vantagens comparativas.
A globalização, dessa forma,
implica, basicamente e de forma simplificada, na eliminação de barreiras
comerciais (possibilidade de aquisição de produtos em quaisquer países),
liberalização dos mercados de capitais (realização de transações financeiras interbancárias
a nível planetário) e na possibilidade de produção independente de fronteiras,
abolindo a distância (território / fronteiras) e o tempo.
Neoliberalismo
A globalização, como
fenômeno econômico e social em escala planetária, deu respaldo à ideologia do
neoliberalismo (e com ela não se confunde), que se baseia no argumento segundo
o qual a liberalização do mercado otimiza o crescimento e a riqueza no mundo, e
leva à melhor distribuição deste incremento. Toda tentativa de controlar e
regulamentar o mercado apresenta resultados negativos, pois restringe a
acumulação de lucros sobre o capital, impedindo, assim, a taxa de crescimento.
As palavras de ordem do
neoliberalismo são menos Estado, fim das fronteiras, desregulação dos mercados,
moedas fortes, privatizações, equilíbrio fiscal e competitividade global.
No campo das políticas
macroeconômicas recomenda-se rigorosa austeridade fiscal e disciplina monetária
com corte de gastos, implementação de reformas administrativas, previdenciárias
e fiscais. Na vertente microeconômica, exige a desoneração do capital para que
possa aumentar sua competitividade no mercado internacional aberto e
desregulado.
Tais reformas estruturais e
institucionais foram implantadas no Brasil nos anos 90, voltadas para a
desregulação dos mercados financeiro e do trabalho, privatização de empresas
estatais, supressão de monopólios estatais e serviços públicos com ampla
abertura comercial.
Sem querer aprofundar a
questão, o fato é que no Brasil seus críticos afirmam que a implantação desta
ideologia levou o país ao aumento dos encargos públicos financeiros, queda das
taxas de investimento e crescimento, deterioração das contas externas, concentração
de riqueza, redução da participação do salário na renda e aumento acentuado do
desemprego e subemprego. (Quero deixar
claro não ser essa minha visão, lembrando o boom do euro na Europa e
consequente “fabricação de dólar” para garantir a maior dívida do mundo, seja
dos EUA, há bem pouco tempo atrás – prova disso, é que após o aparente
equilíbrio, serem obrigados os donos da moeda, retirarem de circulação cerca de
3 (três) trilhões de dólares do mercado - grifo de Vargas Digitador).
Nossa análise do direito
econômico, pois, não poderá deixar de observar estas premissas do mundo
globalizado e da ideologia neoliberal à qual está submetida a direção de nossa
economia desde ao menos o início da década de 1990.
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