sábado, 11 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 9º - VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 9º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e I(II;
III – à decisão prevista no art. 701.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Segundo o art. 5º, LV, da CF, “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Também na Lei de Arbitragem (art. 21, § 2º, da Lei 9.307/1996) existe expressa previsão para que se cumpra o contraditório no processo arbitral. O contraditório e a ampla defesa são tratados pelo texto constitucional no mesmo dispositivo legal, mas nesse tópico a análise será limitada ao princípio do contraditório.
Tradicionalmente, considera-se ser o princípio do contraditório formado por dois elementos: informação e possibilidade de reação. Sua importância é tamanha que a doutrina moderna entende tratar-se de elemento componente do próprio conceito de processo. Nessa perspectiva, as partes devem ser devidamente comunicadas de todos os atos processuais, abrindo-se a elas a oportunidade de reação como forma de garantir a sua participação na defesa de seus interesses em juízo. Sendo o contraditório aplicável a ambas as partes, costuma-se também empregar a expressão “bilateralidade da audiência”, representativa da paridade de armas entre as partes que se contrapõem em juízo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O conceito tradicional de contraditório exige alguns apontamentos. A informação exigida pelo princípio é naturalmente associada à necessidade de a parte ter conhecimento do que está ocorrendo no processo para que possa se posicionar – positiva ou negativamente – a esse respeito. Fere o princípio do contraditório qualquer previsão legal que exija um comportamento da parte sem instrumentalizar formas para que tome conhecimento da situação processual. No tocante à reação e à interpretação de quem a verificação concreta desse segundo elemento depende da vontade da parte, que opta por reagir ou se omitir, é importante lembrar que a regra do ônus processual nesse caso limita-se aos direitos disponíveis. Nestes, o contraditório estará garantido ainda que concretamente não se verifique reação, bastando que a parte tenha a oportunidade de reagir. Nas demandas que têm como objeto, direitos indisponíveis, o contraditório exige a efetiva reação, criando-se mecanismos processuais para que, ainda que a parte concretamente não reaja, crie-se uma ficção jurídica de que houve a reação. Assim, não se presumem verdadeiros os fatos alegados pelo autor diante da revelia do réu quando a demanda versar sobre direitos indisponíveis (art. 345, II, do CPC). Nos direitos disponíveis só há reação quando faticamente a parte reagir, enquanto nos direitos indisponíveis a reação é jurídica, porque ainda que a parte não reaja faticamente, a própria lei prevê os efeitos jurídicos da reação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Diante do exposto, não é feliz a redação do art. 9º, caput, do CPC, ao prever que o juiz não proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida. Na realidade, não há qualquer ofensa em decidir sem que a outra parte tenha sido ouvida, já que a manifestação dela é um ônus processual. A única compreensão possível do dispositivo legal é de que a decisão não será proferida antes de intimada a parte contrária e concedida a ela uma oportunidade de manifestação. Afinal, a circunstância de poder ser ouvida, que não se confunde com efetivamente ser ouvida, já é o suficiente para se respeitar o princípio do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Percebeu-se, muito por influência de estudos alemães sobre o tema, que o conceito tradicional de contraditório fundado no binômio “informação + possibilidade de reação” garantia tão somente no aspecto formal a observação desse princípio. Para que seja substancialmente respeitado, não basta informa e permitir a reação, mas exigir que essa reação no caso concreto tenha real poder de influenciar o juiz na formação de seu convencimento. A reação deve ser apta a efetivamente influenciar o juiz na formação de seu convencimento. A reação deve ser apta a efetivamente influenciar o juiz na prolação de sua decisão, porque em seu contraditório seria mais um princípio “para inglês ver”, sem grande significação prática. O “poder de influência” passa a ser, portanto, o terceiro elemento do contraditório, tão essencial quanto os elementos da informação da reação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Essa nova visão do princípio do contraditório reconhece a importância da efetiva participação das partes na formação do convencimento do juiz, mas a sua real aplicação depende essencialmente de se convencerem os juízes de que assim deve ser no caso concreto. Posturas como a do juiz que recebe a defesa escrita em audiência nos Juizados Especiais e sem sequer folhear a peça passa a sentenciar certamente não vão ao encontro da nova visão do contraditório. O mesmo ocorre quando desembargadores conversam, leem, ou excepcionalmente se ausentam enquanto o advogado faz sustentação oral perante o Tribunal. Como observa a melhor doutrina, somente por meio de um constante e intenso diálogo do juiz com as partes se concretizará o contraditório participativo, mediante o qual o poder de influência se tornará uma realidade.
Apesar de não ser expresso no sentido de estar contido no conceito de contraditório o poder de influência, o art. 7º do CPC pode conduzir a essa interpretação ao exigir que o juiz zele pelo efetivo contraditório, que somente será realmente efetivo se, além da informação e da possibilidade de reação, esta for concretamente apta a influenciar a formação do convencimento do juiz. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    CONTRADITÓRIO INÚTIL

Afirma-se que o contraditório é um princípio absoluto – para alguns uma  garantia – vedado qualquer afastamento no caso concreto tanto pelo legislador como pelo operador do direito. Ainda que se compreenda a importância do princípio, é preciso compatibilizar o contraditório com todos os demais princípios, o que poderá mostrar no caso concreto que o contraditório pode não se mostrar indispensável como se costuma imaginar.
O contraditório é moldado essencialmente para a proteção das partes durante a demanda judicial, não tendo nenhum sentido que o seu desrespeito, se não gerar prejuízo à parte que seria protegida pela sua observação gere nulidade de atos e até mesmo do processo como um todo. Qual o sentido, à luz da efetividade da tutela jurisdicional, em anular um processo porque neste houve ofensa ao contraditório em desfavor do vitorioso? O autor não foi intimado da juntada pela parte contrária de um documento e a seu respeito não se manifestou. Houve ofensa ao contraditório, não há dúvida, mas relevável se o autor ainda assim sagrou-se vitoriosa na demanda. A citação ocorreu em homônimo do réu, vício gravíssimo – chamado por alguns de vício transrescisório pela possibilidade de alegação a qualquer momento, até mesmo depois do prazo da ação rescisória – que impede a regular formação da relação jurídica processual. Ocorre, entretanto, que o pedido do autor foi rejeitado, ou seja, o réu, mesmo ser ter sido citado, sagrou-se vitorioso na demanda. Que sentido teria anular essa sentença por ofensa ao contraditório? A resposta é óbvia: nenhum. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Os exemplos trazidos têm como objetivo demonstrar que no caso concreto a ofensa ao princípio do contraditório não gera nulidade em toda e qualquer situação, não representado uma diminuição do princípio a sua aplicação à luz de outros princípios e valores buscados pelo processo moderno. O afastamento pontual do contraditório, nos termos expostos, é não só admitido, como também recomendável.
Por outro lado, também se admite que o próprio procedimento, de forma ampla e genérica, afaste em algumas situações o contraditório, evitando o chamado “contraditório inútil”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A sentença proferida inaudita altera parte que julga o mérito em favor do réu que nem foi citado (art. 332 do CPC) certamente não se amolda ao conceito de contraditório, porque nesse caso o réu não é sequer informado da existência da demanda. Mas realmente se pode falar em ofensa ao princípio do contraditório? Exatamente qual seria a função de citar o réu e permitir sua reação se o juiz já tem condições de dar a vitória definitiva da demanda (sentença de mérito) a seu favor? Evidentemente, nenhuma digna de nota, não se podendo antever qualquer agressão ao ideal do princípio do contraditório nessas circunstâncias. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Da mesma forma é a previsão do art. 1.019, caput, do CPC, que permite ao relator do agravo de instrumento negar seguimento ao recurso por meio de decisão monocrática proferida liminarmente. Nesse caso, são dispensadas a intimação do agravado e a abertura de prazo para contrarrazões porque ele já teve o melhor resultado possível com o julgamento proferido liminarmente. Novamente afasta-se o contraditório por reconhecer a inutilidade de sua observação no caso concreto. Essas circunstâncias de dispensa pontual do contraditório são mantidas no CPC, ainda que sofram algumas modificações procedimentais que serão tratadas em sede própria. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O CPC, entretanto, e aqui de forma diferente do diploma legal revogado, cria uma regra geral que consagra a dispensa do contraditório inútil. Nos termos do art. 9º, caput, do CPC, não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Ou seja, a exigência de oitiva prévia se dá exclusivamente para a prolação de decisão contra a parte, entendendo-se, a contrario senso, que a decisão a seu favor poderá ser proferida por oitiva prévia. Trata-se, à evidência, do fundamento da dispensa do contraditório inútil: se a decisão irá favorecer a parte não há qualquer necessidade de ouvi-la antes de sua prolação, servindo o dispositivo legal ora analisado como regra geral a legitimar tal dispensa para qualquer situação.

3.    CONTRADITÓRIO DIFERIDO (OU POSTECIPADO)

A estrutura básica do contraditório é: (i) pedido; (ii) informação da parte contrária; (iii) reação possível; (iv) decisão. Essa ordem dos elementos que de maneira mais completa determina o contraditório é percebida inclusive na estrutura do processo de conhecimento: (i) petição inicial; (ii) citação; (iii) respostas do réu; (iv) sentença.
É, realmente, mais adequada a estrutura do princípio do contraditório porque a decisão a ser proferida pelo juiz só ocorre depois da oportunidade de ambas as partes manifestarem-se a respeito da matéria que formará o objeto da decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Essa ordem, apesar de ser a preferível, pode excepcionalmente ser afastada pelo legislador, como ocorre na concessão das tutelas de urgência inaudita altera partes, em situações de extrema urgência nas quais a decisão do juiz deve preceder a informação e reação da parte contrária. Nesse caso, haverá um “contraditório diferido ou postecipado”, porque, apesar de os elementos essenciais do princípio continuarem a existir, a inversão da sua ordem tradicional antecipa a decisão para o momento imediatamente posterior ao pedido da parte. A estrutura do contraditório diferido é: (i) pedido; (ii) decisão; (iii) informação da parte contrária; (iv) decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24/25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tradicionalmente associado às tutelas de urgência, deve ser lembrado que nessa espécie de tutela convivem as duas formas de contraditório. A tutela cautelar, por exemplo, pode ser concedida somente por meio de sentença, depois do regular andamento do processo, não deixando, nesse caso, de ser uma tutela de urgência. Por outro lado, o juiz pode postergar para depois da apresentação da contestação a decisão sobre a tutela antecipada requerida na petição inicial, e, caso a conceda nesse momento, ela também não deixará de ser uma tutela de urgência.
Fica claro, portanto, que o contraditório tradicional não deve ser descartado quando se fala em tutela de urgência, devendo, inclusive, ser justificada sua aplicação no caso concreto. Sendo excepcional o contraditório diferido, só deve ser admitido se o respeito ao contraditório tradicional representar concretamente um sério risco à efetividade da tutela a ser concedida. Esse risco deriva de dois fatores: a ciência do réu permitir a prática de atos materiais que levam à ineficácia da tutela pretendida (p. ex., na busca e apreensão de incapazes) ou a demora natural para que o réu seja citado e tenha oportunidade de se manifestar (p. ex., na sustação de protesto). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A tutela da evidência também convive com as duas formas de contraditório, ora analisadas. Tutela da evidência é aquela fundada na grande probabilidade de a parte ter o direito que alega, sem a necessidade de o tempo ser inimigo da efetividade, não sendo crível que, à luz do princípio do acesso à ordem jurídica justa, tenha que esperar o final do processo para que seja a tutela concedida jurisdicionalmente.
O contraditório diferido é excepcional, devendo ser utilizado com extrema parcimônia, até porque a prolação de decisão sem a oitiva do réu capaz de invadir a esfera de influência do sujeito que não foi ouvido é sempre uma violência. Apesar disso, seja em razão do manifesto perigo de ineficácia (tutela de urgência), seja pela enorme probabilidade de o direito existir (tutela de evidência), o contraditório diferido cumpre com a promessa constitucional do art. 5º, LV, da CF. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Conforme já analisado, a melhor interpretação – senão a única – do art. 9º, caput, do CPC, é no sentido de ser criada uma proibição de decisão judicial antes de o juiz dar oportunidade de manifestação à parte contrária. O parágrafo único do dispositivo prevê as exceções a essa regra, consagrando dessa forma as hipóteses de admissão do contraditório diferido.
Apesar de no primeiro inciso estar prevista a tutela provisória de urgência, é importante ficar registrado que, exatamente como ocorre no sistema atual, continuará a existir tutela de urgência concedida após a oitiva da parte contrária à que elaborou o pedido. Pela forma como restou redigido o dispositivo legal fica a falsa impressão de qualquer tutela de urgência legitima o contraditório diferido, em interpretação que não deve ser prestigiada. Significa que não basta ser tutela provisória de urgência, mas que nesta haja risco de perecimento do direito e/ou ineficácia da tutela pretendida para se excepcionar regra consagrada no caput do art. 9º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

No inciso II do dispositivo ora comentado o texto final do Código de Processo Civil sanou injustificável omissão contida no projeto de lei originariamente sancionado no Senado ao incluir entre as hipóteses de tutela concedida mediante contraditório diferido a tutela da evidência nas hipóteses previstas no art. 309, incisos II e III. A regra é repetida no art. 311, parágrafo único, do CPC. Que permite a concessão liminar da tutela de evidência nessas duas hipóteses. Como se pode notar, o legislador exclui a hipótese prevista no art. 309, I, dando a entender que a concessão de tutela da evidência, quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, só pode ser concedida por meio do contraditório tradicional. A hipótese prevista no inciso IV do art. 311 do CPC exige o contraditório tradicional porque o fundamento da tutela da evidência nesse caso depende do teor da contestação a ser apresentada pelo réu. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25/26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O legislador, ao prever o cabimento de contraditório diferido apenas às duas hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311 do CPC, cometeu um erro crasso, desconsiderando que o rol de hipóteses de cabimento de tutela da evidência previsto por tal dispositivo é meramente exemplificativo. Parcialmente corrige seu erro no inciso III, do art. 9º do CPC, ao prever cabimento de contraditório diferido na expedição do mandado monitório, espécie de tutela da evidência não prevista no art. 311 do CPC.

Mas nada fala a respeito das liminares do processo possessório (art. 562 do CPC) e nos embargos de terceiro (art. 678 do CPC), que também são espécies de tutela da evidência ausente do rol do art. 311 do CPC. Como não é razoável imaginar-se que com o Código de Processo Civil atual, tais liminares não possam mais ser concedidas, inaudita altera partes, é essencial uma interpretação extensiva do art. 9º, II, deste Código. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

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