sexta-feira, 10 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
·         Sem correspondência no CPC/1973

1.    INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Ao exigir do juiz na aplicação do ordenamento jurídico o atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, a promoção da dignidade da pessoa humana e a observância da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, o dispositivo ora comentado consagra legislativamente uma moderna concepção da função jurisdicional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Entendo que o art. 8º do CPC se volta à atividade jurisdicional do juiz e não à aplicação do direito ao caso concreto, porque nesse caso os princípios que devem nortear o juiz são os do direito material aplicável. Há varias decisões que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e a razoabilidade, mas todos esses princípios, diretos fundamentais ou regras se prestam a resolver a crise jurídica de direito material. O Código de Processo Civil é um diploma processual instrumental, e como tal, deve regulamentar a atividade jurisdicional e não a aplicação do direito ao caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    FINS SOCIAIS E EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM

A parte inicial do art. 8º do CPC é a reprodução praticamente literal do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei 4.657/1942), apenas substituindo o termo “lei” por “ordenamento jurídico”, o que deve ser elogiado ao passo que reconhece não ser a lei a única fonte do Direito.
Ao prever que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, deve se compreender que os fins sociais do processo são a concretização do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido como a preservação do Direito por meio do processo.
Significa dizer que essa parte inicial do art. 8º do CPC não deve ser compreendida como uma carta de alforria processual dada ao juiz para interpretar e explicar o ordenamento jurídico processual em busca de um suposto fim social ou bem comum. O juiz deve respeito às formas processuais previstas pela lei, não havendo bem comum maior que a preservação de tais regras no caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18/19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Nos termos do art. 1º, III, da CF, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, tratando-se de direito fundamental. Sua inclusão no art. 8º do CPC, ainda que traga certo charme e aspecto de contemporaneidade ao diploma legal, traz muitas dúvidas e poucas certezas.
Ainda longe de uma definição no plano material, o direito fundamental à dignidade humana agora se aplica à atividade jurisdicional. Concordo com parcela da doutrina que já teve oportunidade de se manifestar sobre o dispositivo legal ora comentado, de que a dignidade da pessoa humana se identifica no plano processual com o princípio do devido processo legal. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Diz o art. 5º, LIV, da CF, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, consagração atual do princípio ora analisado. É pacífico o entendimento de que o devido processo legal funciona como um supraprincípio, um princípio-base, norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Além do aspecto processual, também se aplica atualmente o devido processo legal como fator limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
Ainda que exista certa divergência a respeito da sua origem, costuma-se creditá-la à previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que utilizava a expressão law of the land, tendo surgido a expressão due process of Law para designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tratando-se de um princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte, no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo legal, pois na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros princípios derivados do devido processo legal. Não foi essa, entretanto, a opção do direito pátrio, que, além da previsão do devido processo legal, contém previsão de diversos outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais como o contraditório, a motivação das decisões, a publicidade, a isonomia etc. a opção deve ser louvada em razão da evidente dificuldade de definir concretamente o significado e o alcance do princípio do devido processo legal, mas deve ser registrado que, apesar de o art. 5º, LIV, da CF ser encarado como norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido processo legal (Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 243). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Atualmente, o princípio do devido processo legal é analisado sob duas óticas, falando-se em devido processo legal substancial (substantive due process) e devido processo legal formal (procedural due process). No sentido substancial, o devido processo legal diz respeito ao campo da elaboração e da interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. É campo para a aplicação dos princípios – ou como prefere parcela da doutrina, das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19/20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Originariamente voltado para a atuação do Poder Público, o devido processo legal substancial também vem sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ainda que tal vinculação deva ser ponderada no caso concreto com o princípio da autonomia da vontade (Didier, Curso, p. 31-32). Exemplo perfeito encontra-se no caso da aluna de universidade paulista quase expulsa de seus quadros em rezão de ter assistido à aula de minissaia, mediante sindicância interna na qual não se concedeu direito de defesa à estudante. Ainda que a faculdade seja privada e tenha um regulamento por ela mesma criado, é natural que esse regulamento não possa contrariar os direitos fundamentais.
No sentido formal encontra-se a definição tradicional do princípio, dirigido ao processo em si, obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais. Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado com a ideia de um processo justo, que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

Não é tranquila a doutrina na conceituação da natureza jurídica da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo considerados postulados, princípios e regras a depender do doutrinador que enfrenta o tema. A própria distinção entre ambas é muitas vezes colocada em dúvida, ainda que seja prefeível entender-se a razoabilidade como referente à compatibilidade entre os meios e fins de uma medida e a proporcionalidade como regra de construção de solução jurídica diante da colisão de dois direitos fundamentais.
Na aplicação das normas processuais, portanto, o juiz deve se valer da proporcionalidade e da razoabilidade, mas sem se esquecer do princípio da legalidade, também devidamente consagrado no art. 8º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Um exemplo de aplicação da regra da proporcionalidade na interpretação e aplicação de norma processual é a possibilidade de o juiz alterar a ordem da penhora prevista no art. 835 do CPC. Segundo o caput do dispositivo legal, o magistrado deve seguir preferencialmente a ordem, o que permite sua inversão, salvo na hipótese de dinheiro (art. 855, § 1º, do CPC), mas não há no dispositivo qualquer menção de quais os requisitos para tanto. O Superior Tribunal de Justiça entende que a inversão será admitida quando não onerar em demasia o executado e não sacrificar significativamente a eficácia executiva, em nítida aplicação da regra da proporcionalidade (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 436.961/PR, rel Min. Mauro Campbell Marques, j, 17/12/2013, DJe 05/02/2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
           
            Quando há isenção de recolhimento de custas processuais, como ocorre com o autor de processo coletivo e com o beneficiário da assistência judiciária, entende o Superior Tribunal de Justiça que viola o princípio da razoabilidade e a imposição de que o oficial de justiça ou o perito judicial arquem, em favor do Erário, com as despesas necessárias para o cumprimento dos atos processuais (STJ, 1ª Seção, REsp 1.144.687/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 12/05/2010, DJe 21/05/2010).
            A incorreta percepção de que sejam sinônimos ou mesmo que, apesar de diferentes, as regras da proporcionalidade e da razoabilidade sempre são aplicadas em conjunto, também é sentida na aplicação de tais regras a normas e fenômenos processuais, como se pode notar em julgamento do Superior Tribunal de Justiça no qual se decidiu que as astreintes nortear-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ, 1ª Seção, REsp 1.112.862/GO, rel. Min. Humberto Martins, j. 13/04/2011, DJe 04/05/2011, Recurso Especial repetitivo tema 149). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20/21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

5.    PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A parte final do art. 8º do CPC consagra para a atividade jurisdicional três dos cinco princípios da Administração Pública previstos no art. 37 da CF/1988: legalidade, publicidade e eficiência. Não consta do dispositivo processual o princípio da impessoalidade, por ser tal tema tratado no processo civil como garantia do juízo natural, e da moralidade, já que no art. 5º do CPC está devidamente consagrado o princípio da boa-fé objetiva. É curiosa a inclusão do princípio da publicidade, devidamente consagrado no art. 11 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da legalidade exige do juiz a aplicação da norma processual no caso concreto, com o que se garantirá o devido processo legal. É natural que atualmente não haja mais uma visão restritiva de que a legalidade seja exclusivamente a aplicação da lei, já que a lei não é a única fonte do Direito. Portanto, por princípio da legalidade deve-se entender a aplicação do direito processual ao caso concreto, inclusive as normas que dão às partes certa liberdade para determinarem a norma a ser aplicada no caso concreto, como ocorre, por exemplo, no negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) e no saneamento do processo compartilhado (art. 357, § 2º, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O juiz, ao aplicar o entendimento consagrado no Enunciado nº 4 da ENFAM, que determina que no reconhecimento da incompetência absoluta não deve ser aplicado o art. 10 do CPC, estará violando dois dispositivos ao mesmo tempo: o art. 10 e o art. 8º do CPC. Na realidade, sempre que o juiz não segue as regras processuais previstas em lei ou determinadas pela vontade das partes, nos limites legais, estará violando o dispositivo ora comentado.

O princípio da eficiência exige que todos os órgãos da Administração Pública exerçam suas funções de forma eficiente, ou seja, de modo a propiciarem o grau máximo de satisfação, não podendo ser diferente com o Poder Judiciário. Sendo a função do Poder Judiciário, a tutela de direitos pela atividade jurisdicional, cabe ao Poder Judiciário prestar um serviço eficiente, atendendo na plenitude o ideal de acesso à ordem jurídica justa, alcançando-se o melhor resultado, no menor espaço de tempo e trazendo aos jurisdicionados a maior satisfação possível. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

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