CPC
LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º
VARGAS, Paulo S.R.
LEI
13.105, de 16 de março de 2015 Código de
Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
Art.
8º Ao aplicar o
ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
·
Sem
correspondência no CPC/1973
1.
INTERPRETAÇÃO
E APLICAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Ao exigir do juiz na
aplicação do ordenamento jurídico o atendimento aos fins sociais e às
exigências do bem comum, a promoção da dignidade da pessoa humana e a
observância da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência,
o dispositivo ora comentado consagra legislativamente uma moderna concepção da
função jurisdicional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Entendo que o art. 8º do CPC
se volta à atividade jurisdicional do juiz e não à aplicação do direito ao caso
concreto, porque nesse caso os princípios que devem nortear o juiz são os do direito
material aplicável. Há varias decisões que tem como fundamento a dignidade da
pessoa humana, a proporcionalidade e a razoabilidade, mas todos esses
princípios, diretos fundamentais ou regras se prestam a resolver a crise
jurídica de direito material. O Código de Processo Civil é um diploma
processual instrumental, e como tal, deve regulamentar a atividade
jurisdicional e não a aplicação do direito ao caso concreto. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
2.
FINS
SOCIAIS E EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM
A parte inicial do art. 8º
do CPC é a reprodução praticamente literal do art. 5º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei 4.657/1942), apenas substituindo
o termo “lei” por “ordenamento jurídico”, o que deve ser elogiado ao passo que
reconhece não ser a lei a única fonte do Direito.
Ao prever que o juiz, ao
aplicar o ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais e às exigências do
bem comum, deve se compreender que os fins sociais do processo são a concretização
do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido
como a preservação do Direito por meio do processo.
Significa dizer que essa
parte inicial do art. 8º do CPC não deve ser compreendida como uma carta de
alforria processual dada ao juiz para interpretar e explicar o ordenamento
jurídico processual em busca de um suposto fim social ou bem comum. O juiz deve
respeito às formas processuais previstas pela lei, não havendo bem comum maior
que a preservação de tais regras no caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção
Neves, p. 18/19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016, Editora Juspodivm).
3.
DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA
Nos termos do art. 1º, III,
da CF, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República,
tratando-se de direito fundamental. Sua inclusão no art. 8º do CPC, ainda que
traga certo charme e aspecto de contemporaneidade ao diploma legal, traz muitas
dúvidas e poucas certezas.
Ainda longe de uma definição
no plano material, o direito fundamental à dignidade humana agora se aplica à
atividade jurisdicional. Concordo com parcela da doutrina que já teve
oportunidade de se manifestar sobre o dispositivo legal ora comentado, de que a
dignidade da pessoa humana se identifica no plano processual com o princípio do
devido processo legal. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Diz o art. 5º, LIV, da CF,
que “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”, consagração atual do princípio
ora analisado. É pacífico o entendimento de que o devido processo legal
funciona como um supraprincípio, um princípio-base, norteador de todos os
demais que devem ser observados no processo. Além do aspecto processual, também
se aplica atualmente o devido processo legal como fator limitador do poder de
legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos
direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
Ainda que exista certa divergência
a respeito da sua origem, costuma-se creditá-la à previsão contida na Magna
Carta de João Sem Terra, de 1215, que utilizava a expressão law of the land, tendo surgido a
expressão due process of Law para
designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Tratando-se de um
princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte,
no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo
legal, pois na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo
dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros
princípios derivados do devido processo legal. Não foi essa, entretanto, a
opção do direito pátrio, que, além da previsão do devido processo legal, contém
previsão de diversos outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais
como o contraditório, a motivação das decisões, a publicidade, a isonomia etc.
a opção deve ser louvada em razão da evidente dificuldade de definir
concretamente o significado e o alcance do princípio do devido processo legal,
mas deve ser registrado que, apesar de o art. 5º, LIV, da CF ser encarado como
norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que
mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido
processo legal (Dinamarco, Instituições,
v. 1, p. 243). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo
Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Atualmente, o princípio do
devido processo legal é analisado sob duas óticas, falando-se em devido
processo legal substancial (substantive
due process) e devido processo legal formal (procedural due process). No sentido substancial, o devido processo
legal diz respeito ao campo da elaboração e da interpretação das normas
jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando
uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. É
campo para a aplicação dos princípios – ou como prefere parcela da doutrina,
das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como
controle das arbitrariedades do Poder Público. (Daniel Amorim Assumpção Neves,
p. 19/20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016,
Editora Juspodivm).
Originariamente voltado para
a atuação do Poder Público, o devido processo legal substancial também vem
sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais, ainda que tal vinculação deva ser
ponderada no caso concreto com o princípio da autonomia da vontade (Didier, Curso, p. 31-32). Exemplo perfeito
encontra-se no caso da aluna de universidade paulista quase expulsa de seus
quadros em rezão de ter assistido à aula de minissaia, mediante sindicância interna
na qual não se concedeu direito de defesa à estudante. Ainda que a faculdade
seja privada e tenha um regulamento por ela mesma criado, é natural que esse
regulamento não possa contrariar os direitos fundamentais.
No sentido formal
encontra-se a definição tradicional do princípio, dirigido ao processo em si,
obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na
condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de
seus direitos materiais. Contemporaneamente, o devido processo legal vem
associado com a ideia de um processo justo, que permite a ampla participação
das partes e a efetiva proteção de seus direitos. (Daniel Amorim Assumpção
Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016,
Editora Juspodivm).
4.
PROPORCIONALIDADE
E RAZOABILIDADE
Não é tranquila a doutrina na conceituação da
natureza jurídica da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo considerados
postulados, princípios e regras a depender do doutrinador que enfrenta o tema. A
própria distinção entre ambas é muitas vezes colocada em dúvida, ainda que seja
prefeível entender-se a razoabilidade como referente à compatibilidade entre os
meios e fins de uma medida e a proporcionalidade como regra de construção de solução
jurídica diante da colisão de dois direitos fundamentais.
Na aplicação das normas
processuais, portanto, o juiz deve se valer da proporcionalidade e da
razoabilidade, mas sem se esquecer do princípio da legalidade, também
devidamente consagrado no art. 8º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20,
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
Um exemplo de aplicação da
regra da proporcionalidade na interpretação e aplicação de norma processual é a
possibilidade de o juiz alterar a ordem da penhora prevista no art. 835 do CPC.
Segundo o caput do dispositivo legal,
o magistrado deve seguir preferencialmente a ordem, o que permite sua inversão,
salvo na hipótese de dinheiro (art. 855, § 1º, do CPC), mas não há no
dispositivo qualquer menção de quais os requisitos para tanto. O Superior
Tribunal de Justiça entende que a inversão será admitida quando não onerar em
demasia o executado e não sacrificar significativamente a eficácia executiva,
em nítida aplicação da regra da proporcionalidade (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp
436.961/PR, rel Min. Mauro Campbell Marques, j, 17/12/2013, DJe 05/02/2014). (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Quando
há isenção de recolhimento de custas processuais, como ocorre com o autor de
processo coletivo e com o beneficiário da assistência judiciária, entende o
Superior Tribunal de Justiça que viola o princípio da razoabilidade e a
imposição de que o oficial de justiça ou o perito judicial arquem, em favor do
Erário, com as despesas necessárias para o cumprimento dos atos processuais
(STJ, 1ª Seção, REsp 1.144.687/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 12/05/2010, DJe
21/05/2010).
A incorreta percepção de que sejam sinônimos ou mesmo
que, apesar de diferentes, as regras da proporcionalidade e da razoabilidade
sempre são aplicadas em conjunto, também é sentida na aplicação de tais regras
a normas e fenômenos processuais, como se pode notar em julgamento do Superior
Tribunal de Justiça no qual se decidiu que as astreintes nortear-se pelos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ, 1ª Seção, REsp
1.112.862/GO, rel. Min. Humberto Martins, j. 13/04/2011, DJe 04/05/2011,
Recurso Especial repetitivo tema 149). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20/21,
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
5.
PRINCÍPIOS
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A parte final do art. 8º do
CPC consagra para a atividade jurisdicional três dos cinco princípios da Administração
Pública previstos no art. 37 da CF/1988: legalidade, publicidade e eficiência. Não
consta do dispositivo processual o princípio da impessoalidade, por ser tal
tema tratado no processo civil como garantia do juízo natural, e da moralidade,
já que no art. 5º do CPC está devidamente consagrado o princípio da boa-fé
objetiva. É curiosa a inclusão do princípio da publicidade, devidamente
consagrado no art. 11 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
O princípio da legalidade
exige do juiz a aplicação da norma processual no caso concreto, com o que se
garantirá o devido processo legal. É natural que atualmente não haja mais uma
visão restritiva de que a legalidade seja exclusivamente a aplicação da lei, já
que a lei não é a única fonte do Direito. Portanto, por princípio da legalidade
deve-se entender a aplicação do direito processual ao caso concreto, inclusive as
normas que dão às partes certa liberdade para determinarem a norma a ser
aplicada no caso concreto, como ocorre, por exemplo, no negócio jurídico
processual (art. 190 do CPC) e no saneamento do processo compartilhado (art.
357, § 2º, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O juiz, ao aplicar o
entendimento consagrado no Enunciado nº 4 da ENFAM, que determina que no
reconhecimento da incompetência absoluta não deve ser aplicado o art. 10 do
CPC, estará violando dois dispositivos ao mesmo tempo: o art. 10 e o art. 8º do
CPC. Na realidade, sempre que o juiz não segue as regras processuais previstas
em lei ou determinadas pela vontade das partes, nos limites legais, estará
violando o dispositivo ora comentado.
O princípio da eficiência exige
que todos os órgãos da Administração Pública exerçam suas funções de forma
eficiente, ou seja, de modo a propiciarem o grau máximo de satisfação, não
podendo ser diferente com o Poder Judiciário. Sendo a função do Poder
Judiciário, a tutela de direitos pela atividade jurisdicional, cabe ao Poder
Judiciário prestar um serviço eficiente, atendendo na plenitude o ideal de
acesso à ordem jurídica justa, alcançando-se o melhor resultado, no menor
espaço de tempo e trazendo aos jurisdicionados a maior satisfação possível. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
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