CPC
LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 17
VARGAS, Paulo S.R.
LEI
13.105, de 16 de março de 2015 Código de
Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO
Art.
17. Para postular em
juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
Correspondência
CPC 1973: Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e
legitimidade.
1.
CONDIÇÕES
DA AÇÃO
A
retirada do termo “condições da ação” do CPC animou parcela da doutrina a
levantar a questão do afastamento desse instituto processual de nosso sistema
processual, de forma que o interesse de agir e a legitimidade passassem a ser
tratados como pressupostos processuais ou como mérito, a depender do caso
concreto.
Essa
parcela da doutrina entende que o CPC teria consagrado o binômio pressupostos processuais-méritos, e que, “ao
adotar o binômio, as condições da ação não desapareceriam. É o conceito
‘condição da ação’ que seria eliminado. Aquilo que por meio dele se buscava
identificar continuaria obviamente a existir. O órgão jurisdicional ainda teria
de examinar a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido.
Tais questões seriam examinadas ou como questões de mérito (possibilidade
jurídica do pedido e legitimação ad
causam ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e
legitimação extraordinária)”.
Corroboraria
tal entendimento o fato de que diante do CPC a propositura da nova ação extinta
por ausência de legitimidade e/ou interesse de agir depende da correção do
vício que levou à sentença sem resolução do mérito (art. 486, § 1º). Há também
a previsão do § 2º do art. 966: nas hipóteses previstas no caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora
não seja de mérito, não permita a
repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 42, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Ao
se admitir que as condições da ação não existem mais como instituto processual
autônomo, cabendo agora analisar-lhes como pressupostos processuais ou mérito a
depender do caso, seria ver consagrada no CPC a teoria abstrata do direito de
ação.
Certamente
é tema que ainda suscitará muitos questionamentos e dúvidas, mas em minha
primeira visão sobre o assunto não creio que o CPC tenha adotado a teoria do
direito abstrato de ação. Prova maior é que nas hipóteses já mencionadas de
vedação à repropositura da ação, como do cabimento da ação rescisória, o CPC
deixa claro que não haverá julgamento de mérito. Como a legitimidade e o
interesse de agir dificilmente podem ser enquadrados no conceito de
pressupostos processuais, por demandarem análise da relação jurídica de direito
material alegada pelo autor, concluo que continuamos a ter no sistema
processual as condições de ação. E vou ainda mais longe. Apesar do respaldo
doutrinário significativo e de inúmeras decisões judiciais acolhendo-a, o CPC
não consagrou a teoria da asserção, mantendo-se nesse ponto adepto da teoria
eclética. Ainda que não caiba ao Código de Processo Civil adotar essa ou aquela
teoria, ao prever como causa de extinção do processo sem resolução do mérito a
sentença que reconhece a ausência de legitimidade e/ou interesse de agir, o CPC
permite a conclusão de que continua a consagrar a teoria eclética. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 42, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Entendo,
portanto, que tanto o CPC/1973 como o atual CPC consagram a distinção entre
pressupostos processuais, condições da ação e mérito. O criador da teoria
eclética, pela qual foram explicadas as condições da ação, foi Liebman, que em
seus primeiros estudos sobre o tema entendia existirem três espécies de
condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e
legitimidade, tendo sido essa construção consagrada pelo nosso ordenamento
processual. E, com base nesse entendimento, o CPC/1973 consagrava três condições
da ação. Ocorre, porém, que o próprio Liebman reformulou seu entendimento
original, passando a defender que a possibilidade jurídica estaria contida no
interesse de agir, de forma que ao final de seus estudos restaram somente duas
condições da ação: interesse de agir e legitimidade. (Daniel Amorim Assumpção
Neves, p. 42/43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016, Editora Juspodivm).
É
nesse sentido o art. 17 do CPC ao prever que “para postular em juízo é
necessário ter interesse e legitimidade”. Ainda que se possa entender que o
dispositivo consagra a doutrina de Liebman a respeito do tema, tenho a
impressão de que, de alguma forma, o legislador atendeu aos críticos da teoria
eclética, em especial aos defensores da teoria do direito abstrato de ação.
Naturalmente, mantém-se pela proposta analisada a teoria eclética, exigindo-se
no caso concreto a existência de interesse de agir e legitimidade para que o
juiz possa resolver o mérito. A retirada, entretanto, da possibilidade jurídica
do pedido nem sempre levará o juiz a entender as situações que hoje são
analisadas sob a ótica dessa condição da ação como causas de falta de interesse
de agir. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Acredito
que o juiz passe, ao menos em algumas situações, a simplesmente julgar
improcedente o pedido do autor. Nesse sentido, o Enunciado 36 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “As hipóteses de impossibilidade
jurídica do pedido ensejam a improcedência liminar do pedido”. Essa nova
realidade, com a aprovação do Código de Processo Civil em vigor, nos termos
propostos, tende a se verificar especificamente quando o pedido for
juridicamente impossível. Se um Estado da Federação pede sua retirada do
Brasil, o juiz afirma que o Estado não tem esse direito e julga o pedido
improcedente, sendo que sob o CPC/1973 deveria julgar extinto o processo sem a
resolução de mérito.
Por
outro lado, nas hipóteses em que a impossibilidade jurídica não deriva do
pedido, mas das partes ou da causa de pedir, entendo mais adequado que, mesmo
diante da aprovação do dispositivo ora comentado, o juiz continue a extinguir o
processo sem a resolução de mérito, agora com fundamento na ausência de
interesse de agir, em sua modalidade adequação.
Numa cobraça de dívida de jogo, por exemplo, não parece correto o julgamento de
improcedência, o que significaria que o direito de crédito alegado pelo autor
não existe, o que não condiz com a realidade. Afinal, a vedação no sistema
jurídico para a cobrança judicial dessa espécie de dívida não quer dizer que
ela não exista. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo
Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
2.
INTERESSE
DE AGIR
A
ideia de interesse de agir, também chamado de interesse processual, está
intimamente associada à utilidade da prestação jurisdicional que se pretende
obter com a movimentação da máquina jurisdicional. Cabe ao autor demonstrar que
o provimento jurisdicional pretendido será capaz de lhe proporcionar uma
melhora em sua situação fática, o que será o suficiente para justificar o
tempo, a energia e o dinheiro que serão gastos pelo Poder Judiciário na
resolução da demanda.
O
interesse de agir deve ser analisado sob dois diferentes aspectos: a
necessidade de obtenção da tutela jurisdicional reclamada e a adequação entre o
pedido e a proteção jurisdicional que se pretende obter (STJ, 4ª Turma, REsp
954.508/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 28.08.2007). . (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Haverá
necessidade sempre que o autor não puder obter o bem da vida pretendido sem a
devida intervenção do Poder Judiciário. Em regra, havendo a lesão ou ameaça de
lesão a direito, consubstanciada na lide tradicional, haverá interesse de agir,
porque, ainda que exista a possibilidade de obtenção do bem da vida por meios
alternativos de solução de conflitos, ninguém é obrigado a solucionar seus
conflitos de interesse por essas vias alternativas. Na jurisdição voluntária há
lide presumida, decorrendo a necessidade da própria previsão legal que obriga
as partes à intervenção jurisdicional.
Por
adequação se entende que o pedido formulado pelo autor deve ser apto a resolver
o conflito de interesses apresentado na petição inicial. Sendo a lide
consubstanciada numa resistência à pretensão de obtenção de um bem da vida,
cabe ao autor requerer uma prestação jurisdicional que seja apta a afastar essa
resistência, com isso liberando seu caminho para a obtenção do bem da vida
pretendido. Na realidade, não sendo adequada a pretensão formulada para resolver
a lide narrada na petição inicial, a tutela pretendida é inútil, faltando
interesse de agir ao autor (STJ, AgRg no MS 12.393/DF, 1ª Seção, Rel. Min.
Humberto Martins, j. 12.03.2008). . (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43/44,
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
3.
LEGITIMIDADE
Conforme
tradicional lição doutrinária, a legitimidade para agir (legitimatio ad causam) é a pertinência subjetiva da demanda ou, em
outras palavras, é a situação prevista em lei que permite a um determinado
sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito formar o polo passivo
dessa demanda.
A regra
geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no
art. 18 do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode
pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação
ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação
ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema
processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária,
com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 44, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Excepcionalmente
admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de
terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária.
Registre-se
a existência de correr doutrinária que defende a limitação da legitimação extraordinária
à tutela individual, afirmando que por meio dessa espécie de legitimação se
defende em juízo um direito subjetivo singular de titularidade de pessoa
determinada. Sendo o direito difuso de titularidade da coletividade (sujeitos
indeterminados e indetermináveis) e o direito coletivo de uma comunidade –
classe, grupo ou categoria de pessoas (sujeitos indeterminados, mas
determináveis) -, inaplicável a eles a legitimação extraordinária. Sob forte
influência dos estudos alemães a respeito do tema, defendem que a legitimação
ativa nas ações que têm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira
espécie de legitimidade, chamada de legitimidade autônoma para a condução do
processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 44, Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
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