DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 164, 165 -
Da Fraude Contra Credores – Legitimidade
passiva
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção VI–
Da Fraude Contra
Credores - vargasdigitador.blogspot.com
Art 164. Presumem-se,
porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de
estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e
de sua família. 1
1.
Presunção legal de boa-fé
Como é até mesmo intuitivo, nem todos
os negócios jurídicos praticados pelo devedor insolvente terão o escopo de
fraudar seus credores, da mesma forma, não se pode esperar que o devedor
insolvente se abstenha completamente de continuar a realizar negócios
jurídicos. Pautado nessa inafastável realidade, o legislador acertadamente
presumiu coo de boa-fé os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de
estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e
de sua família. À princípio, portanto, tais negócios jurídicos serão todos
integralmente válidos e plenamente eficazes. Não impede, contudo, que tais
negócios presumidamente realizados de boa-fé venham a ser considerados
ineficazes provando-se que foram realizados em fraude. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina. Material apud Direito.com em 23.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Citando
Fraudes, p.306-308, Roberto Gonçalves
comenta a respeito da validade dos negócios ordinários celebrados de boa-fé,
pelo devedor. “Malgrado o devedor
insolvente esteja inibido de alienar bens de seu patrimônio, para não agravar e
ampliar a insolvência, admitem-se exceções, como na hipótese em que ele contrai
novos débitos para beneficiar os próprios credores, possibilitando o funcionamento
de seu estabelecimento, ou para manter-se e à sua família. (Fraudes, cit.,
p.306-308, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 463 - pdf
– parte geral).
Dispõe, com efeito, o art 164 do
Código Civil:
“Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios
ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou
industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.”
Permite-se, portanto, ao devedor
insolvente, evitar a paralisação de suas atividades normais, fato este que
somente agravaria a sua situação, em prejuízo dos credores, que veriam
frustradas as possibilidades de receber os seus créditos.
Dessa forma, o dono de uma loja, por
exemplo, não fica, só pelo fato de estar insolvente, impedido de continuar a vender
as mercadorias expostas nas prateleiras de seu estabelecimento. Não poderá,
todavia, alienar o próprio estabelecimento, porque não se trataria de negócio
ordinário, nem destinado à manutenção de sua atividade comercial.
A
novidade trazida pelo Código de 2002, no citado art 164, é que os gestos
ordinários do devedor insolvente são válidos não apenas quando eles derivam da
necessidade de manter os estabelecimentos mercantis, rurais ou industriais que
possuem, mas também quando se destinam à subsistência
daquele e de sua família. Essa inovação permite que o devedor insolvente venha
a contrair novo débito, destinado apenas à própria subsistência ou à de sua
família. A regra tem caráter assistencial, mas grade dose de subjetividade, e
poderá, efetivamente, como afirma Silvio Rodrigues, “ampliar o campo da
controvérsia” (Direito
civil, cit., v. 1, p. 236, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 464 - pdf
– parte geral).
Oportuna, nesse aspecto,
a recomendação de Yussef Said Cahali: “Impõe-se, realmente, seja admitida a
possibilidade de contraprova da presunção de boa-fé, como também se recomenda
certa prudência e mesmo algum rigor do juiz na verificação desse elemento
subjetivo, a fim de que se evitem certas práticas abusivas pelo devedor
insolvente, ora em prejuízo de alguns, ora em detrimento de todos os credores,
poupando a justiça de ser utilizada como instrumento para uma legitimação
injustificável de conduta maliciosa do devedor”. (Curso, cit., v. 1, p. 231,
apud, Roberto
Gonçalves, Direito civil comentado, 2010
– p. 464 - pdf – parte geral).
A possibilidade de o dispositivo em
questão ensejar uma perigosa interpretação liberal fez com que se pretendesse,
durante a tramitação do Projeto de Código Civil, a sua supressão.
Art 165. Anulados os negócios fraudulentos, a
vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de
efetuar o concurso de credores. 1
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único
objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese,
sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.
1.
Efeitos
da ação pauliana
A anulação do negócio jurídico impõe
que se restituam as partes ao estado em que se encontravam antes dele (CC, art
182). A solução ordinária, portanto, seria restituir o bem alienado ao
patrimônio do devedor, que deveria restituir o preço pago ao adquirente. Não é
isso, entretanto, o que ocorre na fraude contra credores. Atestando a inadequação
da solução dada pelo legislador ao tratamento da fraude contra credores, o
artigo 165 expressamente distancia a “anulação” do negócio jurídico fraudulento
de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem” do negócio jurídico
fraudulento de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se
tenha de efetuar o concurso de credores”. Com isso, o legislador acaba
explicitando que o escopo do instituto da fraude contra credores nada mais é do
que preservar a responsabilidade pelas dívidas do devedor sobre os bens
alienados em fraude. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 23.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Comentando Ação
pauliana ou revocatória, sob o enfoque de Roberto Gonçalves, “A ação anulatória do negócio jurídico
celebrado em fraude contra os credores é chamada de revocatória ou pauliana, em
atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano. É a ação pela qual
os credores impugnam os atos fraudulentos de seu devedor. (Washington
de Barros Monteiro, Curso, cit., v.
1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito
civil, cit., p.503; Silvio Rodrigues, Ação
pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva do
Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 456 - pdf
– parte geral).
Por definição, a
ação pauliana visa a prevenir lesão ao direito dos credores causada pelos atos
que têm por efeito a subtração da garantia geral, que lhes fornecem os bens do
devedor, tornando-o insolvente.
Da
natureza jurídica
O Código Civil de
2002 manteve o sistema do diploma de 1916, segundo o qual a fraude contra
credores acarreta a anulabilidade do
negócio jurídico. A ação pauliana, nesse caso, tem o negócio fraudulento
lesivo aos credores, determinando-se o retorno do bem, sorrateira e
maliciosamente alienado, ao patrimônio do devedor.
O Código de 2002
não adotou, assim a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa do negócio, defendida por ponderável parcela da
doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não
anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude à execução,
declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o
negócio válido entre os contratantes: o executado-alienante e o terceiro
adquirente.
Para essa corrente,
a ação pauliana tem natureza declaratória de ineficácia do negócio jurídico em
face dos credores, e não desconstitutiva. Se o devedor, depois de proferida a
sentença, por exemplo, conseguir levantar numerário suficiente e pagar todos
eles, o ato de alienação subsistirá, visto não existirem mais credores.
Alguns autores,
como Lamartine Corrêa e Humberto Theodoro Júnior, criticaram o sistema adotado
pelo atual Código no tocante aos efeitos da fraude, pois preferiam, em lugar da
anulabilidade, a ineficácia relativa do negócio jurídico. Para este último, o
sistema adotado pelo novo Código representa um retrocesso, pois o próprio
direito positivo brasileiro, após o Código de 1916, já havia dispensado a esse
tipo de fenômeno o tratamento adequado da ineficácia em relação à fraude
praticada no âmbito do direito falimentar e do direito processual civil.
Também Yussef Said
Cahali assevera que “o efeito da sentença pauliana resulta do objetivo a que
colima a ação: declaração de ineficácia jurídica do negócio fraudulento.
Durante a
tramitação do Projeto do Código Civil na Câmara Federal foi apresentada uma
emenda, a de n. 193, pretendendo que a fraude contra credores acarretasse a
ineficácia do negócio jurídico fraudulento em relação aos credores
prejudicados, e não a sua anulação. A isso respondeu a Comissão Revisora, em
seu relatório:
“O Projeto segue o
sistema adotado no Código Civil (de 1916), segundo o qual a fraude contra
credores acarreta a anulação. Não se adotou, assim, a tese de que se trataria
de hipótese de ineficácia relativa. Se adotada esta, teria de ser mudada toda a
sistemática a respeito, sem qualquer vantagem prática, já que o sistema do
Código (de 1916) nunca deu motivos a problemas, nesse particular. Ademais, o
termo revogação, no sistema do Código
Civil (de 1916) e do Projeto, é usado para a hipótese de dissolução de contrato
pela vontade de uma só das partes contratantes (assim, no caso de revogação de
doação, por ingratidão). E nesse caso a revogação opera apenas ex nunc, e não ex tunc. Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação do negócio
jurídico por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do
devedor (revogação), ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o
credor, alegando a fraude, peça a decretação da anulação do negócio entre o
devedor e terceiro. São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas,
mas que atingem o mesmo resultado prático. Para que mudar? (José
Lamartine Corrêa de Oliveira. A parte
geral, cit., Humberto Theodoro Júnior, Negócio
jurídico. Existência. Validade. Eficácia. Vícios. Fraude. Lesão. RT, 780/11. Fraudes,
cit., p. 385.
Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p.503; Silvio
Rodrigues, Ação pauliana ou revocatória,
in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456
- pdf – parte geral).
Cândido Rangel
Dinamarco, por sua vez, com assento na teoria da ineficácia superveniente, afirma que o negócio fraudulento é
originariamente eficaz e só uma sentença constitutiva
negativa tem o poder de lhe retirar a eficácia prejudicial ao credor. (Fundamentos do processo civil moderno, v. 1,
p. 567, apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456
- pdf – parte geral).
Segundo ainda
assinala Yussef Said Cahali, “a
jurisprudência de nossos tribunais é pacífica no sentido de afirmar que a ação
pauliana não é real, nem relativa a imóvel; é pessoal; visa à revogação de ato
fraudulento e, eventualmente, pode versar sobre imóvel; seu objetivo é a
restauração do estado jurídico anterior, i.é, a recomposição do patrimônio do
devedor, que constitui a garantia do credor ameaçado pelo ato fraudulento. (Fraudes,
cit., p. 334, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 458 - pdf
– parte geral).
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