sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 164, 165 - Da Fraude Contra Credores – Legitimidade passiva VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 164, 165 -
Da Fraude Contra Credores – Legitimidade passiva
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção VI–
Da Fraude Contra Credores - vargasdigitador.blogspot.com

Art 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. 1

1.        Presunção legal de boa-fé

Como é até mesmo intuitivo, nem todos os negócios jurídicos praticados pelo devedor insolvente terão o escopo de fraudar seus credores, da mesma forma, não se pode esperar que o devedor insolvente se abstenha completamente de continuar a realizar negócios jurídicos. Pautado nessa inafastável realidade, o legislador acertadamente presumiu coo de boa-fé os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. À princípio, portanto, tais negócios jurídicos serão todos integralmente válidos e plenamente eficazes. Não impede, contudo, que tais negócios presumidamente realizados de boa-fé venham a ser considerados ineficazes provando-se que foram realizados em fraude. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel MezzalinaMaterial apud Direito.com em 23.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Citando Fraudes, p.306-308, Roberto Gonçalves comenta a respeito da validade dos negócios ordinários celebrados de boa-fé, pelo devedor. “Malgrado o devedor insolvente esteja inibido de alienar bens de seu patrimônio, para não agravar e ampliar a insolvência, admitem-se exceções, como na hipótese em que ele contrai novos débitos para beneficiar os próprios credores, possibilitando o funcionamento de seu estabelecimento, ou para manter-se e à sua família. (Fraudes, cit., p.306-308, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 463 - pdf – parte geral).

Dispõe, com efeito, o art 164 do Código Civil:

Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.”

Permite-se, portanto, ao devedor insolvente, evitar a paralisação de suas atividades normais, fato este que somente agravaria a sua situação, em prejuízo dos credores, que veriam frustradas as possibilidades de receber os seus créditos.

Dessa forma, o dono de uma loja, por exemplo, não fica, só pelo fato de estar insolvente, impedido de continuar a vender as mercadorias expostas nas prateleiras de seu estabelecimento. Não poderá, todavia, alienar o próprio estabelecimento, porque não se trataria de negócio ordinário, nem destinado à manutenção de sua atividade comercial.

A novidade trazida pelo Código de 2002, no citado art 164, é que os gestos ordinários do devedor insolvente são válidos não apenas quando eles derivam da necessidade de manter os estabelecimentos mercantis, rurais ou industriais que possuem, mas também quando se destinam à subsistência daquele e de sua família. Essa inovação permite que o devedor insolvente venha a contrair novo débito, destinado apenas à própria subsistência ou à de sua família. A regra tem caráter assistencial, mas grade dose de subjetividade, e poderá, efetivamente, como afirma Silvio Rodrigues, “ampliar o campo da controvérsia” (Direito civil, cit., v. 1, p. 236, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 464 - pdf – parte geral).

Oportuna, nesse aspecto, a recomendação de Yussef Said Cahali: “Impõe-se, realmente, seja admitida a possibilidade de contraprova da presunção de boa-fé, como também se recomenda certa prudência e mesmo algum rigor do juiz na verificação desse elemento subjetivo, a fim de que se evitem certas práticas abusivas pelo devedor insolvente, ora em prejuízo de alguns, ora em detrimento de todos os credores, poupando a justiça de ser utilizada como instrumento para uma legitimação injustificável de conduta maliciosa do devedor”. (Curso, cit., v. 1, p. 231, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 464 - pdf – parte geral).

A possibilidade de o dispositivo em questão ensejar uma perigosa interpretação liberal fez com que se pretendesse, durante a tramitação do Projeto de Código Civil, a sua supressão.

Art 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. 1

Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.

1.        Efeitos da ação pauliana

A anulação do negócio jurídico impõe que se restituam as partes ao estado em que se encontravam antes dele (CC, art 182). A solução ordinária, portanto, seria restituir o bem alienado ao patrimônio do devedor, que deveria restituir o preço pago ao adquirente. Não é isso, entretanto, o que ocorre na fraude contra credores. Atestando a inadequação da solução dada pelo legislador ao tratamento da fraude contra credores, o artigo 165 expressamente distancia a “anulação” do negócio jurídico fraudulento de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem” do negócio jurídico fraudulento de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores”. Com isso, o legislador acaba explicitando que o escopo do instituto da fraude contra credores nada mais é do que preservar a responsabilidade pelas dívidas do devedor sobre os bens alienados em fraude. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 23.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).


Comentando Ação pauliana ou revocatória, sob o enfoque de Roberto Gonçalves, “A ação anulatória do negócio jurídico celebrado em fraude contra os credores é chamada de revocatória ou pauliana, em atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano. É a ação pela qual os credores impugnam os atos fraudulentos de seu devedor. (Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p.503; Silvio Rodrigues, Ação pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva do 
Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 456 - pdf – parte geral).

Por definição, a ação pauliana visa a prevenir lesão ao direito dos credores causada pelos atos que têm por efeito a subtração da garantia geral, que lhes fornecem os bens do devedor, tornando-o insolvente.

Da natureza jurídica

O Código Civil de 2002 manteve o sistema do diploma de 1916, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. A ação pauliana, nesse caso, tem o negócio fraudulento lesivo aos credores, determinando-se o retorno do bem, sorrateira e maliciosamente alienado, ao patrimônio do devedor.

O Código de 2002 não adotou, assim a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa do negócio, defendida por ponderável parcela da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude à execução, declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes: o executado-alienante e o terceiro adquirente.

Para essa corrente, a ação pauliana tem natureza declaratória de ineficácia do negócio jurídico em face dos credores, e não desconstitutiva. Se o devedor, depois de proferida a sentença, por exemplo, conseguir levantar numerário suficiente e pagar todos eles, o ato de alienação subsistirá, visto não existirem mais credores.

Alguns autores, como Lamartine Corrêa e Humberto Theodoro Júnior, criticaram o sistema adotado pelo atual Código no tocante aos efeitos da fraude, pois preferiam, em lugar da anulabilidade, a ineficácia relativa do negócio jurídico. Para este último, o sistema adotado pelo novo Código representa um retrocesso, pois o próprio direito positivo brasileiro, após o Código de 1916, já havia dispensado a esse tipo de fenômeno o tratamento adequado da ineficácia em relação à fraude praticada no âmbito do direito falimentar e do direito processual civil.

Também Yussef Said Cahali assevera que “o efeito da sentença pauliana resulta do objetivo a que colima a ação: declaração de ineficácia jurídica do negócio fraudulento.

Durante a tramitação do Projeto do Código Civil na Câmara Federal foi apresentada uma emenda, a de n. 193, pretendendo que a fraude contra credores acarretasse a ineficácia do negócio jurídico fraudulento em relação aos credores prejudicados, e não a sua anulação. A isso respondeu a Comissão Revisora, em seu relatório:

“O Projeto segue o sistema adotado no Código Civil (de 1916), segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulação. Não se adotou, assim, a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa. Se adotada esta, teria de ser mudada toda a sistemática a respeito, sem qualquer vantagem prática, já que o sistema do Código (de 1916) nunca deu motivos a problemas, nesse particular. Ademais, o termo revogação, no sistema do Código Civil (de 1916) e do Projeto, é usado para a hipótese de dissolução de contrato pela vontade de uma só das partes contratantes (assim, no caso de revogação de doação, por ingratidão). E nesse caso a revogação opera apenas ex nunc, e não ex tunc. Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação do negócio jurídico por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do devedor (revogação), ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a decretação da anulação do negócio entre o devedor e terceiro. São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o mesmo resultado prático. Para que mudar? (José Lamartine Corrêa de Oliveira. A parte geral, cit., Humberto Theodoro Júnior, Negócio jurídico. Existência. Validade. Eficácia. Vícios. Fraude. Lesão. RT, 780/11. Fraudes, cit., p. 385. Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p.503; Silvio Rodrigues, Ação pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456 - pdf – parte geral).

Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, com assento na teoria da ineficácia superveniente, afirma que o negócio fraudulento é originariamente eficaz e só uma sentença constitutiva negativa tem o poder de lhe retirar a eficácia prejudicial ao credor. (Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, p. 567, apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456 - pdf – parte geral).

Segundo ainda assinala Yussef Said Cahali, “a jurisprudência de nossos tribunais é pacífica no sentido de afirmar que a ação pauliana não é real, nem relativa a imóvel; é pessoal; visa à revogação de ato fraudulento e, eventualmente, pode versar sobre imóvel; seu objetivo é a restauração do estado jurídico anterior, i.é, a recomposição do patrimônio do devedor, que constitui a garantia do credor ameaçado pelo ato fraudulento. (Fraudes, cit., p. 334, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 458 - pdf – parte geral).

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