sábado, 26 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 - Da invalidade do Negócio Jurídico VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 -
Da invalidade do Negócio Jurídico
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 166. É nulo o negócio jurídico quando: 1

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; 2

II – for ilícito, impossível o indeterminável o seu objeto; 3

III – o motivo determinante, comum e ambas as partes, for ilícito; 4

IV – não revestir a forma prescrita em lei; 5

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade: 6

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; 7

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.8

1.        Invalidade do negócio jurídico

Genericamente, os defeitos do negócio jurídico acarretam sua invalidade. A invalidade do negócio jurídico é um gênero que compreende tanto a anulabilidade (CC, art 171), quanto a nulidade (CC, art 166) do negócio jurídico. Conforme bem sintetizado por Humberto Theodoro Júnior, “a diferença entre elas não é de substância, mas apenas de intensidade ou grau”. (1) Sendo considerado grave o defeito do negócio jurídico, maior será a intensidade de sua invalidade, o que significa dizer que o negócio jurídico será nulo e não produzirá efeitos. Inversamente, sendo de menor gravidade o defeito que macula o negócio jurídico, será ele considerado anulável, o que corresponde a uma intensidade menor de invalidade, hipóteses que se admite que o negócio jurídico será nulo produza efeitos até que seja anulável. Não existe regra dogmática ou conceitual que fixe uma rígida distinção entre os casos de nulidade e de anulabilidade. É o legislador, inspirado pelos valores da sociedade que irá determinar a intensidade da gravidade do defeito do negócio jurídico e se o negócio jurídico será nulo ou anulável. Basta ver que na vigência do Código Civil de 1916 a simulação era considerada como caso de mera anulabilidade do negócio jurídico e, no Código atual leva à nulidade do negócio jurídico (CC, art 167). Inversamente, a venda feita de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes, ou a venda sem outorga uxória, que antes eram consideradas nulas, atualmente, são meramente anuláveis (CC, arts 496 e 1.649).

2.        Negócio jurídico celebrado por absolutamente incapaz

Diante da ausência de discernimento e de capacidade cognitiva necessária à plena compreensão das consequências e implicações dos atos civis, os absolutamente incapazes não podem, por si sós, externar validamente sua vontade. Se a vontade negocial é necessariamente dirigida à realização dos efeitos jurídicos pretendidos, é até mesmo intuitiva a necessária compreensão desses efeitos jurídicos. Não se pode admitir que alguém possa querer realizar um negócio jurídico se sequer compreende o que é esse negócio jurídico. Como consequência, os atos praticados por um absolutamente incapaz serão nulos.

3.        Objeto ilícito, impossível ou indeterminável

Diz o artigo 104 do Código Civil que a validade do negócio jurídico requer “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. Contudo, referido dispositivo é omisso quanto às consequências da desatenção a esse requisito. Coube ao artigo 166, II dizer que o negócio jurídico com objeto ilícito, impossível ou indeterminável será nulo.

4.        Motivo determinante, comum a ambas as partes.

Conceitualmente, o motivo deve ser entendido como os efeitos particulares subjetivamente almejados por cada um dos contratantes. (2) Quem celebra um contrato de compra e venda de uma determinada área, por exemplo, pode vir a celebrá-lo pra futuramente nela construir uma casa. A causa (função concreta) desse contrato de compra e venda é, sempre e independentemente da vontade das partes, a troca da coisa pelo preço; o motivo desse contrato de compra e venda, por sua vez, é subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa, e pode sequer ser conhecido daquele que vendeu a área (construção de uma casa, posterior arrendamento, revenda etc.). Diferentemente do que ocorre com a causa, o motivo, como regra, não tem relevância jurídica. Trata-se, como é até mesmo intuitivo, de uma exigência de segurança jurídica nas relações interpessoais, as quais ficariam seriamente comprometidas caso se permitisse que os aspectos puramente subjetivos e individuais (variáveis e na maioria das vezes sequer conhecidos pelo outro contratante) pudessem comprometer a eficácia e validade dos negócios jurídicos. Todavia, esses motivos subjetivos podem tornar-se juridicamente relevantes quando forem comum a ambas as partes e forem determinantes pra a celebração do negócio. Francisco Paulo de Crescenzo Marino ilustra o conceito de motivo juridicamente relevante com um interessantes exemplo. Imagine-se um indivíduo que, movido pela intenção de presentear um amigo, dirige-se a uma loja e adquire um utensílio doméstico, informando ao vendedor a intenção com que efetuara tal compra. Em tal hipótese, mesmo havendo conhecimento por parte da loja vendedora do motivo que levou o indivíduo a adquirir tal utensílio o motivo permanece sem relevância jurídica alguma. Mesmo que o conhecimento da loja vendedora acerca da intenção do comprador de presentear o amigo tivesse determinado alguns aspectos da contratação como, por exemplo, a inclusão de um cupom de troca, uma embalagem para presente ou ainda o compromisso de entregar no domicílio do amigo presenteado, ainda assim não se poderia caracterizar o motivo como juridicamente relevante. Esse motivo de presentear o amigo, entretanto, poderia tornar-se juridicamente relevante caso tivesse sido adquirido como presente de casamento em uma loja incumbida de elaborar uma lista de presentes para os noivos. Neste caso, tendo em vista que os vendedores incrementam suas vendas com esse tipo de serviço, a intenção de presentear acaba por influenciar o próprio vínculo sinalagmático, adquirindo, com isso, relevância jurídica. (3) Nos casos em que os motivos adquirirem relevância jurídica, sua licitude torna-se um requisito essencial de validade dos negócios e sua eventual ilicitude levará à nulidade do negócio jurídico.

5.        Inobservância de forma prevista em lei

Como regra geral, vige no direito brasileiro o princípio da liberdade das formas, a qual reputa válida todos os meios de exteriorização da vontade. Em alguns casos, porém, a lei exige determinada forma específica para a validade do ato. Em tais hipóteses, a inobservância dessa forma levará a nulidade do negócio (CC, art 166, IV).

6.        Preterição de solenidade que a lei considere essencial para a sua validade

Nem toda solenidade se refere à forma do negócio jurídico. No caso do casamento, por exemplo, exige o legislador que a cerimonia se realize em local que fique de portas abertas durante todo o ato (CC, art 1.534). Outros negócios jurídicos cuja validade dependem de solenidades específicas são os testamentos (CC, arts 1.862 e ss). Em tais casos, a inobservância de tais solenidades expressamente previstas em lei acarreta a nulidade do negócio jurídico.

7.        Negócio jurídico com objetivo de fraudar lei imperativa

Deve-se entender a expressão lei imperativa, como todo preceito legal que não possa ser afastado pela vontade das partes. Deparando-se contra uma vedação legal presente em lei imperativa, frequentemente tentam as partes desviar-se de tais vedações por meio de vias transversas. Evidentemente, entretanto, não se pode permitir que as partes firmem negócios jurídicos com esse escopo desvirtuado de fraudar lei imperativa, hipótese que naturalmente leva à nulidade dos negócios jurídicos. Tome-se, por exemplo, uma recente tentativa que algumas concessionárias de energia elétrica de doação fizeram de condicionar a prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica para alguns proprietários de redes particulares de doação dessas redes. Diante da liberalidade que deve marcar toda doação, os tribunais passaram a entender que a imposição desse tipo de condição caracterizaria uma tentativa de fraudar essa disposição imperativa que deve qualificar as doações (TJ-SP, Apel. n. 0035586-73.2010.8.26.0576, rel. Des. Maury Bottesini, j. 3.10.12).

8.        Nulidade do negócio jurídico expressa na lei

Por fim, outros casos bastante evidentes de nulidade são as que se referem a disposições específicas em que o próprio legislador expressamente assim estabelece. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de compra e venda em que o arbítrio do preço cabe a apenas uma das partes (CC, art 489), ou no contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro (CC, art 762). Nem sempre, contudo, o legislador expressamente mencionará a nulidade do negócio jurídico como consequência. E isso não é necessário. Basta que o legislador tenha proibido sua prática para que a nulidade seja a consequência a ser imposta. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1) Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184) Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 422.
(2)      Enzo Roppo, O contrato, p. 199.
(3)     Francisco Paulo De Crescenzo Marino, Contratos coligados no direito brasileiro, p. 161.

Na balada de Roberto Gonçalves, a expressão “Da inviabilidade do negócio jurídico”, abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico. É emprega para designar o negócio que não produz os efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de acordo com o grau de imperfeição verificado.

O Código Civil de 2002 deixou de lado, assim, a denominação utilizada pelo diploma de 1916, que era “Das nulidades”.

O Citado Código não acolheu a distinção entre anulabilidade e rescindibilidade, sugerida pelo Professor Couto e Silva (que pretendia, nos artigos relativos ao estado de perito e lesão, a mudança da expressão anulável por rescindível), por entender o legislador que não há razão de fundo para sua adoção. Justificou Moreira Alves: “Estabelecendo o Código Civil brasileiro atual (de 1916) – princípio que foi mantido no Anteprojeto – que a fraude contra credores é vício que acarreta a anulabilidade, seria incoerente considerar a lesão e o estado de perigo – vícios da manifestação de vontade que se aproximam do dolo e da coação – causas de rescindibilidade. Preferi, portanto, não introduzir no nosso direito essa distinção, que surgiu na França por motivos históricos e em termos diversos dos atuais. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 118, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Também não seguiu o novo Código Civil a tricotomia existência-validade-eficácia do negócio jurídico, destacada particularmente por Pontes de Miranda. O ato válido, mas sujeito a termo ou condição suspensiva, não se reveste de eficácia imediata, visto que somente após o implemento do termo ou da condição terá possibilidade de produzir o efeito desejado pelas partes.

Não foram aceitas, porém as sugestões para que, após o capítulo referente aos defeitos do negócio jurídico, se abrisse um específico para a condição, termo e encargo, com a denominação “Da eficácia dos negócios jurídicos”. Optou-se por considerar tais institutos como auto limitações da vontade, disciplinando-os depois de se estabelecerem os requisitos de validade do negócio jurídico e de se tratar de dois aspectos ligados à manifestação de vontade: a interpretação do negócio jurídico e a representação. (José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 101, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Art 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. 1, 2

§ 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: 3

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º. Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

1.        Negócio jurídico simulado

No negócio jurídico simulado, as partes fingem, encenam, aparentam realizar um negócio jurídico que, em verdade, não existe. Nele, as partes propositadamente e conscientemente manifestam a vontade de realizar um negócio jurídico cujos efeitos não são verdadeiramente queridos, mas que são manifestados apenas e tão somente para encobrir sua verdadeira intenção. São elementos essenciais da simulação (a) uma divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real de ambas as partes; (b) um acordo simulatório (ou contradeclaração), conhecido apenas pelas partes, por meio da qual se convenciona que o negócio jurídico simulado não as vinculará verdadeiramente, mas que servirá apenas para assim aparentar aos olhos de terceiros; (c) o escopo de enganar esses terceiros que não conheceram o verdadeiro conteúdo do negócio. É grande a inovação prática e conceitual do instituto da simulação trazida pelo Código Civil de 2002. Considerava o Código Civil de 1916 que apenas a simulação fraudulenta era causa de anulabilidade do negócio jurídico. A simulação inocente, feita sem o objetivo de fraudar a lei ou terceiros não tinha consequência alguma. A má-fé, essa intencional vontade de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei era requisito essencial à caracterização da simulação, não mais presente na sistemática do atual Código Civil nesse sentido é o enunciado n. 152 da III Jornada de Direito Civil: “toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante”.

2.        Simulação absoluta e relativa

Na simulação absoluta as partes enganosamente manifestam sua vontade de realizar um negócio jurídico tão somente para enganar terceiros, não havendo intenção real de manifestar nenhum negócio jurídico válido. Costuma-se afirmar que na simulação absoluta dois são os negócios jurídicos existente. O negócio jurídico aparente, desprovido de qualquer conteúdo real e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que esse negócio aparente verdadeiramente não produzirá efeito algum. Ao contrário, na simulação relativa, as partes fingem realizar um negócio jurídico que não querem que serve de fachada para encobrir o verdadeiro negócio jurídico desejado. Na simulação relativa, existem, portanto, três negócios jurídicos. O negócio jurídico aparente (ou simulado), desprovido de qualquer conteúdo real, o negócio jurídico real (ou dissimulado), cujo conteúdo é o verdadeiramente querido pelas partes e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que o negócio jurídico aparente não terá eficácia verdadeira alguma e que o negócio real é que verdadeiramente obrigará as partes. A distinção mostra-se importante diante das consequências expressamente atribuídas à simulação pelo legislador. Diz o caput do artigo 167 que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Por essa razão, na simulação relativa, apenas o negócio simulado será nulo, o negócio jurídico dissimulado, sendo válido em sua forma e substância será válido e vinculará normalmente as partes. Por sua vez, na simulação absoluta, negócio jurídico real algum haverá para que se reconheça a validade.

3.        Hipóteses de simulação

As hipóteses de simulação mencionadas pelo § 1º do artigo 167 são meramente exemplificativas, tendo sido positivadas pelo legislador apenas e tão somente por serem hipóteses bastante corriqueiras em que as partes recorrem ao artifício da simulação. É o que ocorre quando os negócios jurídicos ‘aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem” (inciso I). É o que a doutrina costuma chamar de simulação subjetiva, em que a pessoa verdadeiramente beneficiada ou obrigada pelo negócio jurídico não corresponde a real pessoa do negócio. Humberto Theodoro Júnior exemplifica com o pai que quer vender um imóvel ao filho sem o consentimento dos demais. Em razão disso, simula vender o imóvel a um terceiro que posteriormente irá vende-lo ao filho. (1)  Substancialmente (simulação objetiva), é corrente que as pessoas firmem negócios jurídicos que contêm “declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira” (Inciso II). O exemplo mais corriqueiro desse tipo de simulação ocorre em compra e venda de imóveis, em que as partes avençam um preço muito inferior, visando, com isso, lesar o fisco recolhendo impostos substancialmente inferiores. Além disso, ocorre ainda simulação objetiva quando os “instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados” (inciso III). Isso ocorre frequentemente para fraudar credores, cônjuges, ou sócios etc. Por meio de tal expediente, as partes simulam ter o negócio jurídico sido realizado fora do período em que seria devida alguma prestação de contas, meação ou haveres evitando, com isso, que esses terceiros prejudicados aufiram parte dos benefícios desse negócio jurídico. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Pegando carona com Roberto Gonçalves, vê-se que Simulação é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. Ou, na definição de Clóvis, “é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.” (Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 6. ed., 1940, art 102, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Simular significa fingir, enganar. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de engar terceiros ou fraudar a lei. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 494-495, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Trata-se, em realidade, de vício social. A causa simulandi tem as mais diversas procedências e finalidades. Ora visa a burlar a lei, especialmente a de ordem pública, ora a fraudar o Fisco, ora a prejudicar a credores, ora até a guardar em reserva determinado negócio. A multifária gama de situações que pode abranger e os seus nefastos efeitos levaram o legislador a deslocar a simulação do capítulo concernente aos defeitos do negócio jurídico para o da invalidade, como causa de nulidade.

Como ilustra Washington de Barros Monteiro, urde-se a simulação com mais frequência do que se pensa; com ela tropeçamos a todo instante, sob as roupagens mais diferentes. Não só na vida social, como também na judicial e na extrajudicial ela é comum. Nos repertórios de jurisprudência numerosas as alusões a dívidas forjadas e a atos simulados, sobre os quais juízes e tribunais são chamados a se pronunciar.

Extrajudicialmente, aduz o mestre, testemunham-se atos como ocultação do verdadeiro preço da coisa no contrato de compra e venda, antedata de documento, realização de negócio jurídico mediante interposição de pessoa, sonegação. Como bem diz Cunha Gonçalves, “encontra-se na simulação toda a gama de motivos, desde o extremo do escrúpulo de consciência até o da absoluta falta de escrúpulos”. (Tratado de direito civil, v. 1, p. 217-218, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 482 - pdf – parte geral).

Art 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. 1

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

1.        Nulidade absoluta é questão de ordem pública

Os negócios jurídicos absolutamente nulos não afrontam apenas os interesses das partes contratantes. Toda a ordem jurídica e social seria atingida se houvesse qualquer tipo de conivência ou cumplicidade do Poder Judiciário com sua realização. Por essa razão, as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo próprio Ministério Público quando lhe couber intervir. Podem ainda as nulidades absolutas serem declaras pelo juiz independentemente de qualquer provocação (ex officio) das partes, interessados do Ministério Público, desde que, contudo, seja provocado a conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos e a nulidade se encontrar provada. Além disso, não sendo apenas os interesses das partes contratantes que se busca preservar com a declaração de nulidade dos negócios jurídicos nulos, pouco importa a vontade das partes de eventualmente preservar sua validade, sendo vedado ao juiz suprir a nulidade mesmo que a requerimento das partes. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Simulação e institutos afins

A simulação distingue-se dos demais defeitos do negócio jurídico.

No erro, o agente tem uma falsa noção do objeto da relação e se engana sozinho. Diz-se que a divergência entre a vontade declarada e o íntimo querer do agente é espontânea.

No dolo, o prejudicado é maliciosamente induzido em erro. Não bastasse, participa diretamente das negociações, enquanto na simulação participam somente os simuladores. A vítima é lesada, sem integrar a relação jurídica simulada.

Na coação, o coacto é forçado, mediante grave ameaça, a praticar o ato ou celebrar o negócio. Na simulação, todavia, há um acordo de vontades, com o escopo de enganar terceiros.

Difere ainda a simulação da reserva mental, pela fato de nesta não existir um acordo entre as partes para enganar terceiros, apenas uma declaração não conforme à sua vontade para o fim de enganar o declaratário. (Francisco Amaral, Direito civil, cit. p. 496, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 487 - pdf – parte geral).

Ressalte-se que o Código Civil português manda aplicar, quando o declaratário conhece a reserva, o regime da simulação, considerando nula a declaração. No sistema do atual Código Civil brasileiro, porém, configura-se a hipótese de ausência de vontade, considerando-se inexistente o negócio jurídico (art 110).

A simulação distingue-se também do estado de perigo, que decorre da necessidade do agente de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano, levando-o a assumir obrigação excessivamente onerosa.

Não se confunde, igualmente, com a lesão, que se configura quando alguém obtém um lucro exagerado, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante. Nos dois últimos vícios do consentimento, a vítima participa diretamente do negócio, o que não sucede na simulação. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 488 - pdf – parte geral).

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