domingo, 10 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 207, 208, 209 – Da Decadência - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 207, 208, 209
– Da Decadência
- VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 189 a 211)
Título IV – Da Prescrição e da Decadência –
Capítulo II – Da Decadência –
vargasdigitador.blogspot.com

Art 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. 1

1.        A decadência corre contra todos

A regra geral é a de que a decadência corre sempre contra todos, não se impedindo, suspendendo ou interrompendo a fluência de seus prazos, salvo expressa disposição legal em contrário. É o que ocorre, por exemplo, com os absolutamente incapazes (CC, art 208) e nas relações consumeristas mencionadas no art 26, § 2º, do CC). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 09.02.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Navegando com Roberto Gonçalves, segundo Francisco Amaral, decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei. Seu objeto são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, pdf – parte geral, v. 1, p. 533 – Saraiva, 2010 – São Paulo).

Um dos critérios usados pela doutrina para distinguir prescrição de decadência consiste em considerar que, nesta, o prazo começa a fluir no momento em que o direito nasce. Desse modo, no mesmo instante em que o agente adquire o direito já começa a correr o prazo decadencial. O prazo prescricional, todavia, só se inicia a partir do momento em que este tem o seu direito violado.

Também se diz que a prescrição resulta exclusivamente da lei, enquanto a decadência pode resultar da lei (legal), do testamento e do contrato (convencional).

O Código Civil de 1916 não se referia, expressamente, à decadência, também denominada caducidade. Englobava, indiscriminadamente, em um mesmo capítulo, as causas devidas à fluência do tempo, aparecendo todas sob a denominação genérica de prescrição.

O Código de 2002, contudo, inspirado no Código civil italiano, optou por uma fórmula segura de distinção, considerando prescricionais somente os prazos taxativamente discriminados na Parte Geral, nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo decadenciais todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial. Para evitar discussões sobre se ação prescreve, ou não, adotou a tese da prescrição da pretensão, por ser considerada a mais condizente com o direito processual contemporâneo.

Na decadência, que é instituto do direito substantivo, há a perda de um direito previsto em lei. O legislador estabelece que certo ato terá que ser exercido dentro de um determinado tempo, fora do qual ele não poderá mais efetivar-se porque dele decaiu o seu titular. A decadência se consubstancia, pois, no decurso infrutífero de um termo prefixado para o exercício do direito. O tempo age em relação à decadência como um requisito do ato, pelo que a própria decadência é a sanção consequente da inobservância de um termo.

Segundo entendimento da Comissão Revisora do Projeto que se transformou no atual Código Civil, manifestado para justificar a desnecessidade de se definir decadência, esta ocorre “quando um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente (nos casos em que a lei – como sucede em matéria de anulação, desquite etc., - exige que o direito de anular, o direito de desquitar-se só possa ser exercido e juízo, ao contrário, por exemplo, do direito de resgate, na retrovenda, que se exerce extrajudicialmente), dentro do prazo para exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito potestativo. Ora, os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (o meu direito e anular um negócio jurídico não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica, pois esta está apenas sujeita a sofrer as consequências da anulação decretada pelo juiz, não tendo, portanto, dever algum que possa descumprir)”.

Na sequência, aduziu a referida Comissão: “Logo, se a hipótese não é de violação de direito (quando se exercer, judicialmente, o direito de anular um negócio jurídico, não se está pedindo condenação de ninguém por violação de direito, mas, apenas, exercendo um direito por via judicial), mas há prazo para exercer direito – prazo esse que não é nem do art 205, nem do art 206, mas se encontra em outros artigos -, esse prazo é de decadência” (José Carlos Moreira Alves, A parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 155-156, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 532 - pdf – parte geral).

Prescreve o art 2017: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. Em princípio, pois, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios, pois não se suspendem, nem se interrompem. A inserção da expressão “salvo disposição legal em contrário” no aludido dispositivo tem a finalidade de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não são revogados os casos em que um dispositivo legal, atualmente em vigor (como o art 26, § 2º, do CDC, p. ex.), determine, para atender a hipótese especialíssima, a interrupção ou suspensão de prazo de decadência.

Tal ressalva tem também o condão de acentuar que a regra do art 207 é de caráter geral, só admitindo exceções por lei, e não pela simples vontade das partes quando a lei não lhes dá tal faculdade. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, pdf – parte geral, v. 1, p. 533 – Saraiva, 2010 – São Paulo).

Art 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts 195 e 198, I. 1

1.        Disposições comuns entre a prescrição e a decadência

Apesar de o legislador do Código Civil de 2002 ter trazido importante inovação ao fixar a distinção entre a prescrição e a decadência, é inegável que ambos os institutos apresentam inúmeros pontos de contato. A própria exposição de motivos do código afirma que “prescrição e decadência não se extrema segundo rigorosos critérios lógico-formais, dependendo, sua distinção, não raro de motivos de conveniência e utilidade social reconhecidos pela política legislativa”. É justamente por conta dessa conveniência e utilidade social que o legislador optou por estender à decadência ao direito de regresso contra o assistente ou representante que der causa ou deixar de alegar a decadência (CC, art 195) e a interrupção da contagem do prazo para os absolutamente incapazes (CC, art 198, I). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 09.02.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Na sabedoria de Roberto Gonçalves, temos que o art 208 determina que se aplique à decadência “o disposto nos arts 195 e 198, I”, que dizem respeito a incapazes. Este dispositivo abre uma exceção com relação ao artigo anterior, não admitindo a fluência de prazo decadencial contra os absolutamente incapazes (art 198, I), bem como permitindo que os relativamente incapazes responsabilizem os representantes e assistentes que derem causa à decadência, não a alegando oportunamente em seu favor (art 195). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, pdf – parte geral, v. 1, p. 533 – Saraiva, 2010 – São Paulo).

Art 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei. 1

1.        Nulidade da renúncia à decadência fixada em lei

Diferentemente do que ocorre com a prescrição, na omissão da lei, o legislador admite que as partes pactuem livremente prazos específicos de decadência. Havendo, entretanto, prazo de decadência expressamente previsto na lei, não existe essa possibilidade. Naturalmente, portanto, se pode à vontade das partes criar prazos específicos de decadência, por uma questão de coerência deve também poder renunciar a eles. Por outro lado, para as situações em que o legislador expressamente fixou os prazos de decadência, não cabe às partes renunciar a decadência que já se operou. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 09.02.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O artigo 209 proclama: “É nula a renúncia à decadência fixada em lei”. No diapasão de Roberto Gonçalves, a irrenunciabilidade decorre da própria natureza da decadência. O fim predominante desta é o interesse geral, sendo que os casos legalmente previstos versam sobre questões de ordem pública. Daí a razão de não se admitir possam as partes afastar a incidência da disposição legal.

O referido dispositivo, contudo, considera irrenunciável apenas o prazo de decadência estabelecido em lei, e não os convencionais, como o pactuado na retrovenda, em que, por exemplo, pode-se estabelecer que o prazo de decadência do direito de resgate seja de um ano a partir da compra e venda e, depois, renunciar-se a esse prazo, prorrogando-o em até três anos, que é o limite máximo estabelecido em lei. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, pdf – parte geral, v. 1, p. 533-534 – Saraiva, 2010 – São Paulo).

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