DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 234
– Das Obrigações de Dar Coisa Certa – VARGAS,
Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I
– Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo
I – Das Obrigações de Dar – Seção I – Das Obrigações
De Dar
Coisa Certa - vargasdigitador.blogspot.com
Art.
234. Se,
no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, 1 sem culpa do devedor,
antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a
obrigação para ambas as partes; 2
se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e
mais perdas e danos. 3
Seguindo
a esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalina, (1) os dispositivos relativos à obrigação de dar coisa certa aventam acerca de duas hipóteses no
que se refere aos riscos a que a coisa está sujeita: perda (periculum interitus) ou deterioração
(periculum deteriorationis) da coisa, enquanto que a deterioração
representa uma perda de parte das faculdades, substância ou capacidade de
utilização da coisa. Na deterioração, não há o desaparecimento do bem, o qual
subsiste ainda que imperfeito. [1] Justamente, por essa razão, Azevedo
preleciona que melhor seria falar-se em perda
total ou perda parcial do bem.
[2] Contudo, não foram essas as expressões que se consagraram na prática
forense. Especificamente, no tocante à perda da coisa, é de relevo esclarecer
que este conceito deve ser compreendido de maneira ampla. A ideia de perda
abrange tanto o desaparecimento total da coisa (interitus rei), quanto a extinção de suas qualidades essenciais,
indisponibilidade, sua inatingibilidade ou, ainda, a confusão da coisa a ser
entregue com uma outra. Atenta às distinções entre perda e deterioração, a lei
dita desenlace diverso para cada uma dessas situações (CC, arts. 234 e 235,
respectivamente). (2) O artigo 234 trata especificamente da Teoria dos Riscos.
Ao explanar a matéria, Silva bem salienta que “o que maior atenção merece nesse tipo obrigacional é a teoria dos
riscos”. [3] Segundo o autor, “chama-se ‘risco’
aquilo a que a coisa se acha exposta de deterioração ou perda” [4]. Nesse
sentido, uma vez concretizado o risco – e, por conseguinte, o prejuízo material
-, sem que qualquer das partes tenha concorrido para sua efetivação, há que se
averiguar a qual das partes caberá arcar com as perdas financeiras decorrentes
do dano efetivado. Afinal, mantendo-se incólume a obrigação de dar, sem que
houvesse alteração na relação jurídica, seria o credor quem, ao final,
receberia bem defeituoso, amargando as consequências do evento negativo que se
abateu sobre a coisa entregue. Por outro lado, permitindo-se que a obrigação
firmada seja resolvida ou haja o abatimento de eventual preço que se haja
acordado em contrapartida à obrigação de dar, seria o devedor desta quem
arcaria com as perdas – dessa forma, seria ele quem ficaria com um bem
defeituoso ou receberia um valor inferior ao originalmente pactuado. Veja-se,
portanto, que, de uma forma ou de outra, haverá uma redução no valor geral da
transação econômica, fazendo-se necessário que se estabeleça de que forma essa
perda será distribuída. (3) Perdendo-se a coisa antes da tradição ou na
pendência de condição suspensiva, a execução da obrigação em espécie torna-se
impossível. Por esse motivo, não havendo culpa por parte do devedor, a
obrigação resolve-se para ambas as partes e retorna-se ao status quo ante (i.é, o devedor fica com o bem e o credor com o
preço, se houver). Havendo o devedor contribuído para o resultado danoso,
permite-se ao credor que cobre o equivalente ao que se perdeu cumulado com
eventuais perdas e danos, à exceção das obrigações facultativas.
Exemplificadamente, se determinado veículo objeto de contrato de compra e venda
é roubado antes da transferência do domínio ou pendente alguma condição
suspensiva, sem que haja culpa do devedor, o negócio deve ser desfeito e
eventuais valores pagos pelo comprador ao vendedor devem ser devolvidos.
Diversamente, caso o vendedor acidente-se, culposamente, com o veículo antes da
transferência do domínio, ele estará obrigado não só a restituir o valor
recebido, como também a indenizar o comprador por eventuais perdas e danos.
Percebia-se
que, na hipótese de perda da coisa com dolo ou culpa do devedor, em se tratando
de obrigação de dar coisa certa, a perda do bem impossibilita o cumprimento em
espécie da obrigação, dado que as coisas certas não podem ser substituídas, com
precisão, por outras semelhantes. Desse modo, a prestação de dar é substituída
por uma prestação pecuniária (moeda universal das sub-rogações) que deve ter
valor de coisa similar à perdida, ainda que tal importe seja superior a preço,
originalmente acordado entre as partes. A esse respeito, é válido destacar que,
assim como o credor não é obrigado a aceitar bem diverso, ainda que mais
valioso, também o devedor não pode ser obrigado a entregar coisa diversa, ainda
que de menor valor. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em
08.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo na esteira de Hamid Charaf Bdine Jr,
este artigo cuida das hipóteses de obrigação de coisa certa que perece antes da
tradição, i.é, daqueles casos em que
a obrigação de entregar ou restituir ainda não foi cumprida, mas o seu objeto,
que é certo, se perde – por ato ilícito ou deterioração de qualquer origem.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “o conceito de perda para o direito é
lato, e tanto abrange o seu desaparecimento total (interitus rei) quando ainda o deixar de ter as suas qualidades
essenciais, ou tornar-se indisponível, ou situar-se em lugar que se tornou
inatingível, ou ainda de confundir-se com outra. Logo, as regras devem ter em
vista a deterioração ponderável, não sendo curial a rejeição da coisa por
danificação insignificante. A apreciação da ressalva é de se fazer em face das
circunstâncias” (Instituições de direito
civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de
Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 51). O credor da obrigação não receberá o bem
que lhe é devido, cumprindo verificar quais as consequências deste fato. Em sua
primeira parte, o artigo estabelece que cada qual dos obrigados (credor e
devedor) deve ser restituído à situação em que se encontrava antes de a
obrigação ser assumida, se não houver culpa do devedor ou se o bem se perdeu
enquanto ainda pendia condição suspensiva (art. 125 do CC). Assim, se o veículo
pelo qual o credor ojá pagou for roubado, sem que nenhuma culpa possa ser
imputada ao devedor da obrigação de entregar – i.é, o alienante -, o negócio
estará resolvido e, em consequência, o valor pago será restituído ao comprador.
O legislador opta por considerar que, até o momento da entrega da coisa, os
riscos correm por conta do proprietário, que suportará o prejuízo. E acrescenta
que essa mesma solução será adotada se o negócio tiver seus efeitos suspensos
por uma condição suspensiva, é dizer, se o carro não houver sido entregue ao
adquirente em razão de o contrato estabelecer que isso só ocorreria se o
adquirente recebesse uma promoção em seu trabalho (fato futuro e incerto
caracterizador da condição). Solução diversa, porém, será adotada se o devedor
da obrigação tiver culpa pelo perecimento do bem – v.g., quando deixa de
entregar o veículo ao comprador porque, culposamente, o envolveu em acidente
que o inutilizou. Nessa hipótese, além de restituir ao adquirente o valor já
recebido, estará sujeito à obrigação de indenizá-lo por perdas e danos (art.
402 do CC). Não se deve concluir que o bem seja de propriedade do devedor até o
momento da entrega. Em primeiro lugar, porque o bem pode ser imóvel, de modo
que a transferência do domínio pode ocorrer antes da entrega da posse, se o
registro do negócio a preceder, em face do disposto no art. 1.245 deste Código.
Em segundo, porque o proprietário do bem, na obrigação de restituir, é o
credor, e não o devedor. Dessa forma, a conclusão extraída do presente
dispositivo é que o legislador impõe ao proprietário – credor o devedor – o
prejuízo decorrente da perda do bem (“a coisa perece para o dono”), se não
houver culpa do devedor. E, se ele for culpado, a segunda parte do dispositivo
o obriga a indenizar o credor. Nessa hipótese, se o proprietário do bem for o
credor – em um contrato de comodato, por exemplo -, poderá postular indenização
do devedor e entre as perdas e danos estará o valor do próprio bem que pereceu.
Verifique-se que o valor do bem é o montante pecuniário correspondente a seu
equivalente, sentido que se deve conferir a essa expressão, adotada no presente
dispositivo. O devedor deve entregar ao credor, se agiu com culpa, não outro
bem, mas sim o valor de um outro bem parecido ao que pereceu (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 54). Segundo
Everaldo Augusto Cambler, a perda referida nesse artigo ocorrerá quando “o
objeto perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; se confunde com
outro, de modo que se não possa distinguir; fica em lugar de onde não pode ser
retirado (art. 74 do CC/1916). Carvalho Santos acrescenta a esse rol, ainda, o
desaparecimento natural da coisa, ou o perecimento jurídico, quando a coisa é
fora do comércio” (Comentários ao Código
Civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 65). (Hamid
Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 188-189 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 07.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
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