DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 247, 248, 249
– Das Obrigações de Fazer
– VARGAS,
Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I
– Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo
II – Das Obrigações de Fazer –
vargasdigitador.blogspot.com
Art.
247. Incorre na obrigação de indenizar perdas
e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele
exequível.
O artigo
comentado, na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, trata
das obrigações de fazer, cujo objeto consiste em um ato positivo do devedor, em
gera relacionado a uma prestação de trabalho, com a exigência de execução material,
por vezes envolvendo esforço físico. Diversamente das obrigações de dar, as
obrigações de fazer têm como pressuposto conduta humana específica. Exemplificativamente,
pode-se mencionar a atividade do marceneiro que produz um móvel ou de um cantor
que realiza um espetáculo. No entanto, a obrigação pode envolver, outrossim,
atos mais complexos, como, por exemplo, a celebração de um contrato ou de um
determinado negócio jurídico – atos a partir dos quais derivam uma miríade de
outros efeitos. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em
21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Caio Mário da Silva Pereira, as obrigações de fazer
podem ser construídas, levando-se em consideração as características pessoais
do devedor, por se tratar de qualidades essenciais ao cumprimento da prestação.
Tais obrigações são qualificadas como personalíssimas (intuito personae). São ditas ainda infungíveis, em contraposição às
prestações que podem ser cumpridas, independentemente, de quem seja o devedor. Ilustrativamente,
tem-se o quadro pintado por um pintor famoso, hipótese em que não se visa a uma
tela qualquer, mas sim a uma tela elaborada, especificamente, por um
determinado artista. Em regra, todas as obrigações são fungíveis. Caso as
partes desejem caracterizá-las como personalíssimas, deverão fazer estipulação
expressa no título que der origem à obrigação. Pereira, no entanto, defende uma
interpretação ampliativa da questão, sugerindo que, ainda que inexista convenção
específica, há que se reconhecer a natureza pessoa da obrigação quando assim
determinarem as circunstâncias. (Pereira, Caio Mário
da Silva. Teoria Geral das Obrigações,
Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 59).
De acordo com Hamid Charaf Bdine Jr, nas
obrigações de fazer, a prestação consiste em uma atividade humana (um trabalho
físico, intelectual ou mesmo a prática de um ato ou negócio jurídico). Distinguem-se
das obrigações de dar porque compreendem essa conduta humana como antecedente
lógico de uma eventual obrigação de entrega. Nas obrigações de dar, essa
entrega não é precedida de uma atividade humana consistente em fazer. A distinção,
portanto, está posta no fazer, que não se identifica quando a obrigação for
apenas de dar. É obrigação de fazer a de um cantor que comparece a determinado
local no dia estabelecido para um espetáculo. Do mesmo modo, será de fazer a
obrigação do pintor que entrega um quadro na data estabelecida. Neste último
caso, a entrega do quadro pode caracterizar uma obrigação de dar, mas será de fazer
em razão da atividade artística obrigatoriamente desenvolvida antes da entrega.
Mas a obrigação será apenas de dar se a prestação consiste em entregar um
veículo cujo preço já tenha sido recebido pelo vendedor. A inexecução da obrigação
de dar coisa certa e da de fazer ou não fazer autoriza a aplicação da multa no
processo de execução (arts. 621, parágrafo único, do CPC/1973 com correspondência
no art. 806 do CPC/2015, e 645 do CPC/1973, com correspondência no art. 814, do
CPC/2015, respectivamente, nota VD). Assim como os bens (art. 85 do CC),
as obrigações de fazer também podem ser fungíveis ou infungíveis. Serão fungíveis
sempre que a atividade devida puder ser efetivada por terceiro, e não pelo próprio
devedor. Infungíveis, quando isso não for possível, i.é., quando aquele que se
obrigou não puder ser substituído por outro que exerça atividade equivalente à
sua. Fungível é a obrigação de consertar determinado veículo, pois diversos mecânicos
são capazes da mesma tarefa. Mas é infungível a substituição do cantor Ney Matogrosso
em um espetáculo, tendo em vista suas características individuais. Nos casos em
que a obrigação é fungível, não há necessidade de converter a execução da obrigação
de fazer em perdas e danos, pois será possível obter o mesmo resultado previsto
originalmente. No entanto, se a obrigação é infungível – tal como são as
mencionadas nesse dispositivo -, obrigatoriamente o credor deverá se satisfazer
com as perdas e danos decorrentes do inadimplemento. A obrigação de outorga de
escritura definitiva, ou de praticar determinado negócio jurídico, deve ser
havida como obrigação fungível, pois pode ser suprida por deliberação judicial
tal como especificamente previsto no art. 461-A do CPC/1973, com correspondência
no art. 498, no CPC/2015. Com acerto, Gustavo Bierambaum (“Classificacão: obrigações
de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional,
coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar), 2005, p. 139) adverte que a conversão em perdas e
danos é solução a ser evitada, pois melhor será, em geral, a obtenção da própria
prestação devida, e registra que ela será a preferível sempre que “o
cumprimento forçado dessa obrigação não resultar em violência à liberdade do
devedor”. Vale notar, nesse aspecto, que para compelir o devedor ao cumprimento
da obrigação de fazer infungível será de significativa valia a multa de que
trata o art. 461, § 5º do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos
139 e 536, nota VD). (Hamid
Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 198 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Art. 248. Se a prestação do fato, tornar-se impossível sem culpa do
devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e
danos.
A obrigação de fazer pode tornar-se
impossível sem culpa do devedor, afirma Charaf Bdine Jr. Nesse caso, as partes
devem ser restituídas ao estado em que se encontravam antes da impossibilidade,
sem a obrigação de indenizar perdas e danos. Contudo, haverá obrigação de
indenizar perdas e danos se o devedor for o culpado da impossibilidade. (Hamid
Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 199 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Então, tem-se que, impossibilitando-se a prestação de fazer,
sem culpa do devedor, a obrigação resolve-se para ambas as partes e retorna-se
ao status quo ante. De outro lado, se
o devedor der causa à impossibilidade, o credor não poderá exigir dele a execução
material da obrigação, mas terá a prerrogativa de cobrar as perdas e danos que
tal fato lhe gerou.
Veja-se a Jurisprudência: “CIVIL.
RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. NATUREZA DA OBRIGAÇÃO.
MORTE DO CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO AOS HERDEIROS E
SUCESSORES. DEPENDÊNCIA DO OBJETO DO CONTRATO. – Quando o que mais importa para a obra é
que seja feita exclusivamente por determinado empreiteiro ou construtor, a obrigação
desse é personalíssima e não se transmite aos seus herdeiros e sucessores,
conforme dispunha o art. 878 do CC/1916 e agora dispõe a segunda parte do art.
626 do CC/2002. -Em regra, a obrigação do empreiteiro ou construtor não é
personalíssima, porquanto a obra pode ser executada por várias pessoas, como
ocorre em geral, a exemplo das obras feitas mediante concorrência pública com a
participação de várias construtoras e das pequenas construções feitas mediante
a escolha do empreiteiro que oferecer o menor preço. – Na presente hipótese,
com a morte do construtor, a sua obrigação transmitiu-se aos seus herdeiros,
pois a obra não demandava habilidades técnicas exclusivas do falecido. Recurso especial
provido” (STJ, 3ª T. REsp n. 703.244-SP, rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 15.4.2008). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em
21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao
credor manda-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem
prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso
de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar
ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.
Na avaliação de Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, em se tratando de obrigação de fazer
fungível, embora não se possa obrigar o devedor a prestar, efetivamente, aquilo
a que se obrigou, o devedor terá a prerrogativa de ter a prestação cumprida por
outrem à custa do devedor ou ainda se sub-rogar no equivalente ao valor da prestação
descumprida. Importante destacar que, em ambos os casos, o credor terá o
direito de ser ressarcido de eventuais perdas e danos que a inexecução da
obrigação lhe gerou. Entretanto, há que se observar que, embora haja ao credor
a faculdade de optar pela conversão da obrigação de fazer em perdas e danos,
prerrogativa semelhante inexiste ao devedor. Em outros termos, diversamente do
que há ao credor, não subsiste qualquer alternativa ao devedor na escolha entre
cumprir a obrigação de fazer ou arcar com as perdas e danos decorrentes da
inexecução. A conversão da obrigatio
faciendi em perdas e danos dá-se apenas na medida em que seu cumprimento
específico importe em alguma espécie de violência física ao devedor. Não sendo
esse o caso, é a execução da obrigação de fazer que deve prevalecer. Como exemplo
de tanto, pode-se mencionar a possibilidade de que o juiz supra a obrigação do
devedor e emita a declaração de vontade suficiente para a celebração de
determinado negócio jurídico. Nesses casos, a sentença sub-roga-se no lugar do
ato devido.
E continua, referente ao parágrafo único do artigo 249, ora
comentado: dado que a autotutela, em regra, não é admitida no sistema nacional,
o credor terá de recorrer ao poder jurisdicional, para fazer cumprir eventual
prestação de fazer a que o devedor se recuse a executar. Todavia, o parágrafo único
do art. 249 excepciona essa regra geral, permitindo que o credor, em caso de urgência
(i.é, quando não houver tempo suficiente
para que se aguarde a prolação de uma sentença, sem prejuízo de seu direito),
busque o cumprimento da prestação de fazer por si ou por terceiro, com ulterior
possibilidade de cobrar perdas e danos do devedor. Note-se que, se o credor se
exceder na execução de tal ato, ele poderá se apenado por abuso de direito, na
forma do artigo 187 do Código Civil. (Direito Civil Comentado, Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Comenta
a respeito do art. 249, Bdine
Jr, tratar-se este artigo das obrigações fungíveis – as que podem ser
executadas por terceiro -, admitindo que a recusa ou a mora do devedor autoriza
o credor a obter a prestação por intermédio da atuação de outra pessoa. A execução
do serviço por terceiro haverá de ser custeada pelo que seria pago ao credor. Observe-se
que, além da remuneração do terceiro, o devedor inadimplente deverá pagar a
indenização das perdas e danos que provocou. Importante alteração desse artigo
em relação ao seu equivalente do Código de 1916, é que neste a execução por
terceiro impedia a cumulação com o pedido de perdas e danos, enquanto o
dispositivo em vigor expressamente autoriza a cumulação. É preciso observar que
não se autoriza o credor a postular a devolução do dinheiro pago e, além disso,
a condenação do inadimplente a pagar ao terceiro; o presente artigo autoriza a
indenização de outros prejuízos que o inadimplemento lhe cause – decorrentes do
atraso na conclusão da obrigação de fazer, por exemplo -, mas jamais que se
enriqueça à custa do inadimplente. E haveria enriquecimento se ele recebesse de
volta o que pagou e ainda obrigasse o inadimplente a pagar ao terceiro o adimplemento
da obrigação. Assim sendo, se o terceiro que executar a tarefa devida por ele
cobrar preço superior ao que ele recebeu, a diferença correrá por sua conta, na
medida em que corresponde a prejuízo do credor, que receberia o serviço pelo
preço inferior acordado com o devedor inadimplente. Outra importante novidade
está consagrada no parágrafo único desse dispositivo, que deve ser compreendido
e interpretado com cautela, como comenta Everaldo Augusto Cambler. Cuida-se da
autotutela que já era prevista no Código Civil de 1916 em relação à proteção possessória
(art. 502), repetida no parágrafo primeiro do art. 1.210 do Código Civil em
vigor. A autotutela é um meio de proteção de direito que dispensa a intervenção
judicial. Para ser utilizado, depende da presença dos seguintes requisitos: a)
que o caso justifique a urgência; b) que o credor se utilize apenas dos meios
necessários indispensáveis para evitar o dano decorrente do inadimplemento do
devedor; e c) que não haja condições de obter a intervenção judicial. Tais requisitos
resultam da necessidade de limitar à justiça privada as hipóteses excepcionais.
Dessa forma, se o cumprimento da obrigação não precisar ser imediato, ou se
houver possibilidade de obter a intervenção judicial, não há razão para que o
credor faça justiça por suas próprias mãos. Se o credor se exceder na execução do
fato, não levando em conta que deve fazê-lo do modo menos gravoso para o
devedor, poderá haver abuso de direito tal como definido no art. 187 do Código
Civil (CAMBLER, Everaldo
Augusto. Comentários ao Código civil
brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 109). É possível
imaginar determinadas hipóteses em que a urgência do cumprimento da prestação torne
imperiosa a execução do fato imediatamente: determinado município contrata
empresa para executar serviços de reparo no esgoto municipal. Contudo, embora a
necessidade do reparo já fosse conhecida, a empresa contratada atrasa o
cumprimento de sua tarefa e, em certo fim de semana, o agravamento do problema
compromete o bairro residencial servido pela rede de esgoto a ser consertada. A
urgência e a impossibilidade de intervenção judicial, bem como os danos
consideráveis suportados pelos munícipes, autorizam a municipalidade a mandar
outra empresa executar a tarefa devida pela empresa inadimplente, que estará
obrigada a suportar o preço pago para o terceiro executor, ressarcindo a
credora. Também seria adequado invocar exemplo frequente em nossos tribunais. Aquele
em que determinado consumidor não é atendido pelo hospital conveniado com seu
plano médico. Em decorrência da urgência do procedimento, poderá exigir
tratamento de terceiros, carreando as despesas correspondentes ao administrador
do plano, obrigado a lhe dar a indispensável cobertura. Dispositivo equivalente
a esse será encontrado no parágrafo único do art. 251 do Código Civil, que se
distingue do presente apenas porque se refere à obrigação de não fazer. A regra
em exame expressamente autoriza a cumulação dos pedidos de execução e de
indenização, sem utilizar a conjunção “ou” do art. 881 do Código Civil de 1916,
o qual parecia indicar que as alternativas eram excludentes, isto é, ou o
credor postulava a execução ou a indenização, embora seja possível que a execução
forçada da obrigação não exclua eventuais prejuízos decorrentes do
inadimplemento. (Hamid Charaf Bdine
Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei
n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
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