DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 246
– Das Obrigações de Dar Coisa Incerta
– VARGAS,
Paulo S. R.
Parte Especial
- Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I
– Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo
I – Das Obrigações de Dar – Seção II – Das Obrigações
De Dar
Coisa Incerta - vargasdigitador.blogspot.com
Art. 246. Antes
da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda
que por força maior ou caso fortuito.
Como
nos aponta Clóvis Beviláqua, nas obrigações de dar coisa incerta, a posição do
devedor com relação aos riscos da coisa agrava-se. Sob essa modalidade, até o
momento da escolha (ou concentração) –
em que os bens a serem entregues serão individualizados -, todos os riscos, até
mesmo aqueles de natureza fortuita ou de força maior, ficam por conta do
devedor. Efetuada a escolha, passa-se a aplicar as regras atinentes à entrega
de coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Essa disciplina é reflexo do princípio
segundo o qual o gênero nunca perece (genus
nunquam perit). Sobre esse aspecto, Beviláqua explicava que “[...] se a coisa incerta for determinada
pelo gênero, não perecerá, porque o gênero não perece (genera nor pereunt). Antes
de individualizada a coisa pela escolha do credor ou do devedor, conforme a
este ou aquele competir fazê-la, não há uma coisa, que se diga objeto da
prestação, que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do
mesmo gênero da prometida perecer, não é devida, porque ainda nenhuma,
precisamente o é. Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa”1.
Assim, se o devedor obrigou- se a entregar mil sacas de farinha de trigo, não poderá
esquivar-se do cumprimento da obrigação, alegando que não as tem em seu poder
ou de que elas tenham se perdido em parte ou no todo. De outro modo, situação idêntica
não se repete, caso o devedor tenha se obrigado a entregar quadro de pintor
famoso. Nessa hipótese, perdendo-se o quadro, resolve-se a situação,
variando-se as consequências conforme as regras para a obrigação de dar coisa
certa. (Beviláqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado, Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 1984, p. 12).
Deve-se
notar, no entanto, como desenvolve Washington de Barros Monteiro, que o
princípio, segundo o qual o gênero não perece comporta temperamentos. Nos casos
em que, embora a obrigação seja genérica, porém o gênero seja limitado (genus limitatum), o perecimento ou a
inviabilidade de todos os exemplares daquele acarretará na extinção da
obrigação. Assim, são considerados bens de gênero limitado os bois de
determinada fazenda, o vinho de certa vindima, os livros de determinada edição,
entre outros. (Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São
Paulo, 2001, p. 85)
Por
óbvio, em todos esses exemplos, a extinção, sem culpa do devedor, daquele grupo
de coisas entre as quais o objeto da obrigação estava inserido acarreta em sua
extinção. A esse respeito, Gomes elogia a redação do Código Civil alemão o qual
esclareceu que a responsabilidade do devedor nestes casos persistiria enquanto
fosse possível uma prestação do gênero. (Gomes, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro:
Forense, p. 230).
Repare-se que, também nessas
situações da vida, a solução legal obedece ao princípio de que a coisa perece
ao dono.
Ilustrando com vários autores, Hamid Charaf Bdine Jr, aduz que até o momento
da escolha – ou, mais especificamente, como assegura o artigo antecedente, até
a cientificação da escolha -, não há individualização do bem a ser entregue
pelo devedor, de modo que não é possível admitir o perecimento ou a
deterioração para a resolução da obrigação. Com efeito, até a escolha, o bem
indicado pelo gênero e pela quantidade ode ser encontrado para a satisfação da obrigação
devida, sendo irrelevante que o bem separado pelo devedor, com o objetivo de
dar cumprimento à obrigação, venha a se perder ou deteriorar. É essencial para
que a escolha produza efeitos em relação ao credor que ela seja exteriorizada,
permitindo que se possa saber exatamente qual o bem que será entregue ao credor
(art. 245 do CC). Adverte Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção
se poderá dizer que determinado gênero desapareceu completamente (Pereira, Caio Mário
da Silva. Instituições de direito civil,
20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, v. II, p. 56.). Enquanto houver possibilidade de encontrar
quantidade suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da
prestação, o adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada
com extremo rigor em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação
recair sobre a entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as
partes, seja possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a
escolha integra gênero restrito (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Campinas, Bookseller, 2003, t. XXII, p.
134-5).
Nesse caso, se todos os bens perecerem ou se deteriorarem
sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução própria das
obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (Pereira,
Caio Mário da Silva. Teoria Geral das
Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 57.) Caso
o perecimento ou a deterioração resultarem de culpa do devedor, as soluções
serão as que se estabelecem nos arts. 234, segunda parte, e 236. Basta imaginar
que determinada viúva de um marceneiro se obriga a entregar ao credor uma das várias
mesas confeccionadas por ele. No entanto, antes da data da entrega, os móveis
são furtados, de maneira que a infungibilidade da obrigação irá impedi-la de
cumprir tal obrigação, sendo irrelevante que se tratasse de obrigação de coisa
incerta, determinada apenas pelo gênero e pela quantidade (CRUZ, Gisela Sampaio da.
“Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de
resultado”. Obrigações: estudos na
perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino, Rio de Janeiro.
Renovar, 2005, p. 150-I). O tema também foi enfrentado por Gustavo Bierambaum
que aponta outra exceção à regra em exame: mercadoria que deixa de ser
fabricada entre o momento da celebração do negócio e o da concentração –
momento da identificação da coisa, que passa a ser certa – (“Classificacão: obrigações
de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva
civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar,
2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine
Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei
n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p 195 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
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