quinta-feira, 2 de maio de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 316, 317 Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R.


         DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 316, 317
                   Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção III –
Do Objeto do Pagamento e Sua Prova - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.

Na esteira de Bdine Jr., as prestações sucessivas podem ser aumentadas progressivamente, desde que haja convenção das partes nesse sentido. Este dispositivo torna possível a adoção de cláusula de correção monetária nos negócios jurídicos, o que implica reconhecimento de que a desvalorização do valor nominal da moeda será afastada mediante a adoção de um critério que preserve o valor real do dinheiro.

O processo inflacionário faz com que o valor nominal não se conserve compatível com a evolução dos preços, de modo que o que se pode comprar com R$ 100,00 em determinado mês custará mais no mês seguinte. O critério pelo qual o débito de R$ 100,00 será atualizado para a manutenção do poder de compra equivale à correção monetária.

É assente na doutrina e na jurisprudência que a correção monetária não aumenta o valor da dívida, pois representa mero mecanismo destinado a evitar o aviltamento do valor da moeda – assim, apenas atualiza e recompõe o valor -, de modo que, aparentemente, a correção monetária não seria o objeto desta regra.

No entanto, o que o presente dispositivo contempla é o valor nominal referido no artigo anterior, de maneira que o aumento deste não significa acréscimo do valor substancial da dívida em dinheiro, mas apenas seu aumento nominal, com consequente manutenção do valor real, de modo a se destinar também à correção monetária.

O artigo também contempla as hipóteses em que as partes pactuam determinado aumento real do valor da prestação, como ocorre, por exemplo, nos contratos de locação de pontos comerciais em shopping center. Esses centros de compras costumam contratar locação com cláusula que prevê aumento percentual do valor do aluguel a cada ano ao longo do prazo de duração do pacto. Trata-se de um aumento progressivo do valor da prestação.

Nada impede que legislação especial, ao disciplinar matérias relevantes e de interesse social, venha a limitar a possibilidade da cláusula de atualização monetária, bem como impor limites à por agressividade do valor das prestações. O fato de haver cláusula dessa espécie não afasta a incidência das regras dos arts. 317 e 478 do Código Civil. A denominada cláusula móvel, “pela qual o valor da prestação deve variar segundo os índices de custo de vida” é utilizada para combater os malefícios da desvalorização da moeda e não se confunde com as hipóteses dos arts. 317 e 478, que dependem de circunstâncias supervenientes à celebração do contrato, irrelevantes para a adoção e incidência da primeira.

A regra em exame, porém, não exclui a incidência geral da atualização monetária às dívidas de dinheiro, mesmo que ausente cláusula móvel de aumento progressivo do valor, pois o instituto “está ancorado na equidade e no princípio geral de Direito (agora acolhido em cláusula geral, art. 884) que veda o enriquecimento injustificado” (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, 2003, p. 201 e ss.)  (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto na doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo permite a atualização monetária das dívidas em dinheiro e daquelas de valor, ao dispor sobre a possibilidade de as partes convencionarem o aumento progressivo das prestações sucessivas. É o que a doutrina convencionou chamar de “cláusula de escala móvel”, mediante a qual o valor da prestação será automaticamente reajustado, após determinado lapso de tempo, segundo índice escolhido pelas partes. A aplicação dessa cláusula serve também para afastar o vetusto princípio do nominalismo, segundo o qual a obrigação só poderá ser satisfeita levando-se em conta o seu valor nominal, o que em época de inflação daria azo ao enriquecimento sem causa de uma das partes. A Lei n. 10.192, de 14.02.2001, declara nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção de periodicidade inferior a um ano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/04/2019, VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, em razão da obrigação de que se pague pelo valor nominal (CC, art. 315) – o que, por vezes, conduziria ao pagamento de prestação de valor menor em tempos de inflação -, o legislador permitiu às partes que convencionassem as cláusulas monetárias ou cláusulas de escala móvel.

A Lei n. 6899/81 e o Decreto n. 86.649/81 estabelecem que todas as dívidas cobradas judicialmente, deverão ser corrigidas, independentemente, de as partes haverem convencionado cláusula de escala móvel. Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina (Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

No entender de Bdine Jr. podem se verificar razões imprevisíveis que desequilibrem o valor da prestação devida entre o momento em que ela foi estabelecida e o momento de seu pagamento. Nesse caso, será possível que o juiz corrija o valor da prestação, assegurando seu valor real. O dispositivo em exame estabelece os requisitos para essa intervenção? (a) os motivos devem ser imprevisíveis, mas não há exigência de que sejam extraordinários, como ocorre no art. 478; (b) a desproporção entre a prestação devida deve ser manifesta, i.é, deve ser suficientemente expressiva e estar identificada. Essa desproporção deve ser verificada levando-se em conta as prestações; ou seja, o critério é objetivo, não sendo possível a adoção de um critério puramente subjetivo, que leve em conta a desproporcionalidade e a imprevisibilidade do ponto de vista de quem está obrigado ao cumprimento da prestação, como ocorre com a hipótese prevista no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor; (c) o reequilíbrio do valor da prestação deve ser postulado pela parte, sendo vedado ao juiz implementá-lo de ofício; (d) a existência de uma relação obrigacional duradoura, sucessiva ou mesmo instantânea, desde que com o adimplemento parcelado; e (e) os acontecimentos que geraram o desequilíbrio não podem ser imputáveis ao lesado. A intervenção deve restringir-se ao reequilíbrio das prestações. Este dispositivo deve ser visto em conjugação com a regra do art. 478 deste Código, que disciplina a resolução por onerosidade excessiva e não prevê a possibilidade de reequilíbrio e preservação do contrato, se o réu não se oferecer para modificar equitativamente as condições do ajuste (art. 479 do CC), salvo se a prestação couber a apenas uma das partes (art. 480 do CC). Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 317 do Código civil, In Peluso, Cezar (coord.).

A conjugação do dispositivo em exame com os ora referidos autoriza a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da prestação, sem necessidade de optar pela resolução, como parece sugerir o art. 478.

Renan Lotufo registra que este artigo “adota a teoria da imprevisão e permite intervenção judicial no reequilíbrio da obrigação”, observando que o fato “passou despercebido pela maioria da doutrina” (LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 227 e ss.).

Não há razão para considerar que o art. 317 só se aplique às obrigações de pagamento em dinheiro. Sua inclusão no capítulo do pagamento em geral, ainda que ao lado de dispositivos referentes às obrigações de pagar em dinheiro, não impede que se estenda a incidência da teoria da imprevisão nele consagrada para outras hipóteses e modalidades de obrigações (ibidem, p. 317 e ss.).

Também não se restringe aos casos de obrigação oriunda de contrato, sendo significativos os casos em que o desequilíbrio identifica-se em prestações impostas por decisão judicial – por exemplo, nas sentenças que condenam o responsável pela indenização a pagar alimentos a quem o defunto devia -, ou decorrentes da redução de capacidade de trabalho. Caso a vítima de um acidente que teve reduzida sua capacidade de trabalho, em razão de motivos imprevisíveis, retome sua capacidade plena de trabalho, é possível concluir que a desproporção manifesta entre o valor pago pelo culpado de seu acidente e a aptidão integral para a atividade profissional autorizam o reequilíbrio do valor da prestação, reduzindo-se ou eliminando-se a verba alimentar imposta pela sentença. O dispositivo não se confunde com as hipóteses de lesão e estado de perigo, na medida em que não se trata de defeito contemporâneo ao surgimento da obrigação, mas sim de fato imprevisível ocorrido entre o momento de sua constituição e o do pagamento.

Nada impede que a arbitragem seja utilizada para adequar o valor da prestação, a despeito de o dispositivo referir-se expressamente à correção feita pelo juiz. Em se tratando de obrigação de natureza contratual, a arbitragem tem previsão expressa na Lei n. 9.307/96. As partes podem convencionar sua utilização, sobretudo porque esse diploma, de natureza especial, não foi revogado pelo Código Civil, que é lei geral (art. 2º, § 2º, da LICC). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01.05.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina mostrada por Ricardo Fiuza, aponta que o dispositivo, invocando o direito anterior, adota a teoria da imprevisão, a fim de permitir que o valor da prestação seja corrigido por decisão judicial, sempre que houver desproporção entre o que foi ajustado durante a celebração do contrato e o valor da prestação na época da execução. Para tanto, é imprescindível que a causa da desproporção tenha sido realmente imprevisível e que tenha havido pedido expresso de uma das partes, sendo vedado ao juiz determinar a correção de ofício. Na vigência do Código Civil de 1916, a ausência desse dispositivo foi compensada pela jurisprudência com a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, do direito romano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word).

A cláusula rebus sic stantibus, diz Regina Beatriz Lavares da Silva, “É a abreviação da fórmula contractus qui habent tractun sucessivum et depenílentiam de finura rebus sic stantibus intelliguntur, que, na Idade Média, era admitida tacitamente nos contratos com dependência do futuro e que equivalia a estarem todos os contratos sucessivos ou a termo dependentes da permanência da situação fática existente na data da celebração contratual. Como consequência do ‘individualismo’, que passou a prevalecer nas relações jurídicas, tal entendimento foi relegado ao esquecimento no decorrer do século XIX, mas ressurgiu com as novas ideias ‘solidaristas’, que começaram a ganhar vulto desde o início do presente século. Resultou, assim, da antiga cláusula rebus sic stantibus a ‘teoria da imprevisão’, com a preocupação moral e jurídica de evitar graves injustiças, ao ser exigido cumprimento de contratos que não tenham execução imediata, na forma estipulada, admitindo-se sua revisão ou resolução, por meio de intervenção judicial, se as obrigações assumidas tornarem-se excessivamente onerosas pela superveniência de fatos anormais e imprevisíveis à época da vinculação contratual” (Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Cláusula “rebus sic stantibusou teoria da imprevisão, Belém, Cejup, 1989, p. 9).

A regulamentação da cláusula rebus sic stantibus vinha sendo tentada no Brasil desde 1941, com o primeiro Anteprojeto do Código de Obrigações. O novo Código, nesse particular, tomou como modelo o Código italiano de 1942, que, sem se afastar da regra geral pacta sant servanda, previu a intervenção judicial nos contratos, sempre que houver desproporção manifesta no valor da prestação, decorrente de fato imprevisível. Sobre “Teoria da Imprevisão”, vide ainda comentários ao art. 478. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/05/2019, VD).

No ensinar de Azevedo, acessado no site Direito.com acesso em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD, a leitura do artigo 317 leva à falsa impressão de que haveria uma dicotomia entre ele e o teor das regras constantes dos artigos 315 e 478. Afinal, ao se permitir a livre revisão da prestação pelo juiz para assegurar o valor real da prestação, estar-se-ia a um só tempo a ignorar o princípio nominalista e outrossim o modelo da onerosidade excessiva brasileiro. Não obstante, o que se passa é que a interpretação do  artigo 317 deve ser feita à luz dos artigos 315 e 478, de modo a se concluir que sua aplicação restringe-se às dívidas pecuniárias, com o objetivo de se promover a “reposição do poder aquisitivo da moeda como meio de pagamento”. A esse respeito, é importante lembrar que vigora no Direito Brasileiro a distinção entre dívidas pecuniárias (na e quantum debeatur já estão, previamente, fixados) e dívidas de valor (apenas o na encontra-se definido, havendo, desse modo, necessidade de se liquidar o quantum devido). Azevedo, Antônio Junqueira de. Relatório Brasileiro sobre a revisão contratual apresentado para as jornadas Brasileiras da Associação Henri Capitant. In Azevedo Junqueira. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo. Saraiva, 2004, p.187.


Defendendo a ausência de dicotomia entre o artigo 317 e o artigo 315, Pereira esclarece que, “mantendo o artigo, o policiamento das convenções que tendam a contrabalancear a diferença entre o valor da moeda nacional e o das moedas estrangeiras, excetuados os casos previstos na legislação especial, o que na verdade fez, em conjugação com os artigos 315 e 316, foi coibir a livre estipulação das cláusulas monetárias e das cláusulas econômicas, tal como constava do Projeto de Código das Obrigações de 1965 (art. 144), excetuados os casos e limites constantes de lei. Dentre as situações que cabe a estipulação de reajuste de prestações, citam-se: os contratos de empreitada, incorporação de edifícios coletivos, financiamento para aquisição de imóvel no Sistema Financeiro da Habitação, locação de prédios urbanos” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 192)

Por fim, leciona Leães, a corroborar a inexistência de dicotomia entre os artigos 317 e 478, há que se levar em conta localização do artigo 317, no título III (“Do Adimplemento e Extinção das Obrigações”), seção III (“Do Objeto do Pagamento e Sua Prova”), a indicar que a regra aplicar-se-ia, genericamente, a todo tipo de obrigação, sendo que a disciplina do artigo 478 prevaleceria apenas no que se refere a obrigações contratuais, com exceção de prestações pecuniárias, por se tratar de regra especial. Leães também destaca que “a disciplina introduzida pelo art. 317 da nova lei civil não pode ser associada à regulação da resolução contratual por onerosidade excessiva, que mereceu tratamento específico e exaustivo do novo Código, nos seus arts. 478 a 480” (Leães, Luiz Gastão de Barros. Resolução por onerosidade excessiva. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e financeiro, 140, Ano XLIV, out.-dez., 2005 p.28).

Enunciado 17 do CEJ: “A interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis’ constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar tanto, causas de desproporção não-previsíveis, como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis” (Direito.com acesso em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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