DIREITO CIVIL
COMENTADO - Art. 385, 386, 387, 388
- Da
Remissão das Dívidas – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título
III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
(art. 304 a 388) Capítulo IX – Da Remissão das
Dívidas –
-
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 385. A remissão da dívida, aceita
pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro.
No pautar de Guimarães e
Mezzalina, a remissão é meio de extinção da obrigação consistente na liberação direta
do devedor pelo credor, configurando-se uma espécie de renúncia. Inexiste forma
específica para sua realização, valendo destacar que, se houver outro negócio
jurídico envolvido e que exija algum requisito de forma específico, estes devem
ser cumpridos. Ilustrativamente, se houver garantia hipotecária, a remissão deverá
constar de instrumento hábil para o cancelamento da inscrição. A remissão deve
ser gratuita, pois, do contrário, caracterizar-se-ia uma transação (CC, 840 a
850).
Como requisito das partes
para a remissão, basta que o credor tenha aptidão para dispor do direito. A esse
respeito, há que se lembrar que a lei traz diversos casos em que credores não poderão
dispor de seu direito. Entre eles, pode-se citar, a título de ilustração, o
incapaz de alienar (e, portanto, de remitir), o tutor (que não pode alienar,
gratuitamente, os bens do tutelado) etc. A remissão, desse modo, qualifica-se
como ato unilateral, não sendo necessária a manifestação de vontade do devedor
para que se opere; basta apenas que este não se oponha – por se tratar de um
favor, o devedor poderá rejeitá-lo, caso tenha razões jurídicas a tanto. Por se
tratar de ato unilateral, a remissão pode ser revogada pelo credor, desde que
ainda não tenha gerado um direito contrário, como, por exemplo, no caso de o
devedor já ter recebido a remissão.
Vale destacar que apenas
direitos patrimoniais de caráter privado podem ser objeto de remissão. Direitos
que envolvam ordem pública jamais poderão ser perdoados. Como tal, pode-se
mencionar, exemplificativamente, a restrição a que o pai renuncie ao pátrio
poder ou que o credor de alimentos renuncie a essa obrigação perante o devedor
(embora possa perdoar prestações já vencidas e não pagas).
A remissão será (i)
expressa, quando constar, por escrito, de instrumento público ou particular,
com a declaração de perdão da dívida pelo credor, ou (ii) tácita, quando
decorrer de atitude do credor incompatível com a qualidade creditória. A remissão
poderá ser ainda (i) total, com a extinção integral do débito, ou (ii) parcial,
quando houver a extinção de apenas uma parte da dívida (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.06.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
visão de Bdine Jr., a remissão implica extinção não satisfativa do débito. É a declaração
do credor, aceita pelo devedor, de que não deseja receber o que lhe é devido. No
sistema do Código Civil, a discussão sobre a natureza jurídica da remissão e
sobre a necessidade de concordância do devedor para validade ou eficácia da
mesma, uma vez que o dispositivo em exame consagra expressamente a
impossibilidade de extinguir-se a obrigação sem anuência do devedor.
Segundo
Renan Lotufo, esta regra consagra, novamente, o princípio da socialidade,
permitindo ao devedor discordar da remissão e insistir no adimplemento (Código
Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 418). Acrescenta que
se confere prestígio à liberdade do devedor e “de seu direito a cumprir o dever
obrigacional” (op. cit., p. 419).
O dispositivo encontra
paralelo no parágrafo único do CC, 304, que também não admite o pagamento por
terceiro se o devedor se opuser. Também neste dispositivo se dá proteção ao
devedor, que pretende, pessoalmente, adimplir o débito (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 408 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/06/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na doutrina apresentada por Fiuza, o dispositivo não
este presente no CC/1916, havendo sido inserido no Projeto de Lei n. 534/75 com
o fito de deixar expresso o princípio de que a remissão ou o pagamento por remissão
constitui meio extintivo da relação obrigacional, desde que não atinja direito
de terceiro. assim, o credor que deu a penhor o seu crédito não pode vir a
remiti-lo em prejuízo do credor pignoratício.
Remissão é o mesmo que
perdão e tem como causa o espírito de liberalidade do credor, pouco comum nos
dias atuais. O Código Civil uruguaio, mais didático que o nosso, conceitua a remissão
em seu art. 1.515 (La remisión de la deuda es la renuncia dei acredor a los
derechos que le pertenecen contra el deudor). Carvalho de Mendonça diz ser a “renúncia
gratuita do crédito”, incondicionalmente manifestada pelo credor em
benefício do devedor. seria, assim, uma espécie de que a renúncia é o gênero. Ou
ainda segundo Beviláqua, “a renúncia, que faz o credor, de seus direitos
creditórios, colocando na impossibilidade de exigir-lhes o cumprimento”. (apud
Clóvis Beviláqua. Código Civil comentado, cit., p. 215).
A aceitação do devedor,
expressa ou tácita, é pressuposto indispensável a que a remissão possa
extinguir a obrigação. Mesmo porque, opondo-se à remissão, nada poderá
impedi-lo de realizar o pagamento (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 209, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art. 386. A devolução voluntária do
título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do
devedor e seus coobrigados se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz
de adquirir.
Este artigo 386, mais
preciso do que o seu corresponde no CC/1916, como assinala Ricardo Fiuza,
emprega a palavra “devolução” no lugar de “entrega”. Entregar é dar, é gênero
do qual restituir (entregar ao dono) é espécie.
O dispositivo em comento
trata da remissão tácita da dívida, só cabível nas obrigações contraídas por
instrumento particular. Já dizia o mestre Beviláqua que “se o credor,
voluntariamente, entrega, ao seu devedor, o título particular da dívida, e este
último o aceita, houve perdão da dívida. É a remissão tácita (Clóvis Beviláqua,
Código civil comentado, cit., p. 215).
Sempre que o título da obrigação
não for instrumento particular, a remissão só poderá ocorrer por ato expresso
do credor, seja inter vivos, seja mortis causa.
A remissão não pode ser
condicional. É sem0pre voluntária e graciosa. Do contrário deixaria de ser
remissão para assumir forma contratual (transação), conclui Fiuza (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 210, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Segundo
Bdine Jr., se o credor restitui ao devedor o instrumento particular que
representa seu crédito, conclui-se que perdoou a dívida em relação a todos os
devedores e coobrigados, se ambos forem capazes. Registre-se que o dispositivo
só menciona o instrumento particular, na medida em que o instrumento público
pode ser objeto de extração de diversas vias, o que, portanto, não significa que
a entrega de uma delas ao devedor externe intenção de o credor desonerar o
devedor. a prova da desoneração estabelecida neste dispositivo configura
presunção relativa. Nada impede que o credor demonstre que a entrega do
instrumento ao devedor não resultou de sua intenção de desonerá-lo.
Na evolução de Guimarães e Mezzalina,
para a validade e eficácia dessa espécie de renúncia, é mister que concorram os
seguintes fatores: (i) a tradição do título; (ii) a efetiva entrega do título
ao devedor pelo credor ou seu representante; e (iii) voluntariedade da entrega.
Trata-se de presunção relativa de remissão, a qual pode, portanto, ser elidida
pelo devedor (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso
em 16.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Jurisprudência:
“Entrega de título ao devedor pelo credor. Presunção relativa possível de
ser elidida. Remissão da dívida. Inexistência do ânimo de perdoar. Descaracterização.
Alegação de desvirtuamento do princípio do livre convencimento. Não explicitação
dos motivos da insurgência. Desconsideração das provas produzidas. Inocorrência.
Não conhecimento desta parte. Verbete n. 284 da Súmula do STF. Matéria de
prova. Reexame defeso em sede especial. Enunciado n. 7 da Súmula do STJ” (RSTJ
83/258).
Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado
prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida.
Simples menção de Guimarães
e Mezzalina, quanto à restituição da garantia implícita na remissão de tal
direito, de modo semelhante ao que se passa com a restituição de título da obrigação,
(CC, 386). Para que seja válido e eficaz, portanto, deverá atender aos mesmos
requisitos de referida forma de remissão (Direito Civil
Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.06.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Bdine Jr.,
o penhor é garantia real pela qual determinado bem móvel é entregue pelo
devedor ao credor com a intenção de garantir a dívida. Quando o credor entrega
o bem ao devedor não haverá extinção da dívida, mas apenas renúncia à garantia.
A garantia, é, portanto, acessório da dívida e sua extinção não acarreta a do
principal – ou seja, da própria dívida (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 408 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/06/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
De
acordo com a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a regra insculpida no
presente art. 387, como a maior parte dos dispositivos que integram a Parte
Geral das Obrigações, vem desde o direito romano (Digesto. 2,14 fr. 3).
Se
o penhor é constituído pela “transferência da posse” (CC, 1431), a devolução da
coisa empenhada extingue a garantia, como aliás já estabelece o § 2 ~ do
CC, 1436.
Entretanto,
sendo o penhor obrigação acessória extinta esta pela remissão ou renúncia do
credor à garantia real, subsiste a dívida – obrigação principal, salvo se
houver quitação desta. Igual princípio deve ser aplicado à renúncia da hipoteca
ou da anticrese, sem expressa remissão da dívida, conclui Ricardo Fiuza (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 210, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art. 388. A remissão concedida a um dos
codevedores extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que, ainda
reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o
débito sem dedução da parte remitida.
A doutrina de Fiuza, inicia-se indicando os comentários ao art.
277 do CC (a remissão obtida por um dos codevedores solidários não aproveita
aos demais, senão até a concorrência da garantia remitida).
O credor que desobrigou um dos codevedores não pode exigir dos
outros a parte que cabia ao desobrigado, em face da regra geral de que o acordo
do credor com um só dos devedores não pode agravar a situação dos demais, que não
participaram da avença.
Mesmo desobrigado pelo credor, o devedor beneficiado pela remissão
continua obrigado junto aos demais codevedores pela parte do codevedor
insolvente (v. art. 284) (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 210-211, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Na visão de Bdine Jr.,
caso o credor decida proceder à remissão de parte da dívida de um dos devedores
solidários, não pode pretender cobrá-la dos demais, a quem não a concedeu. Dessa
forma, deve abater do total da dívida solidária a parte remitida, cobrando-lhe
apenas o saldo devido (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 409 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/06/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Tem-se,
na visão de Guimarães e Mezzalina, que, havendo mais de um credor, os demais poderão
exigir a dívida dos demais codevedores, com o desconto da parcela daquele que
foi perdoado.
No caso de obrigação indivisível e
pluralidade de credores, a remissão por um dos credores não extingue a obrigação.
Os credores poderão cobrar o débito, mas deverão ressarcir o devedor da parcela
renunciada (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso
em 16.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Jurisprudência:
“Locação de imóvel. Execução. Fiadores que figuram no contrato como
principais pagadores e solidários quanto às obrigações do locatário. Art. 39 da
Lei n. 8245. Remissão parcial do débito que extingue a dívida na parte
concernente ao devedor remido. Admissibilidade. Inteligência dos arts. 272, 377
e 988 do CC/2002. Ausência de prejuízos aos apelantes, o credor não mais poderá
reclamar a dívida toda, sem abatimento de seu crédito da parte remida. Recurso conhecido
e desprovido”. (TJSP, AI n. 1111877, Relator Des. Walter Zeni, 12.7.2007).
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