terça-feira, 25 de junho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 397, 398, 399 - DA MORA – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 397, 398, 399
- DA MORA
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo II – DA MORA –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Conforme ensinamentos de Bdine Jr., se a obrigação é positiva e líquida e tem termo (prazo certo, para ser adimplida, verifica-se a mora na ocasião em que o cumprimento havia de ter sido implementado. A obrigação é positiva quando exige uma conduta comissiva do devedor – dar ou fazer -, pois, nas obrigações negativas, aplica-se à mora a regra prevista no art. 390, compreendida entre as disposições gerais aplicáveis ao inadimplemento absoluto e à mora. A obrigação é líquida nos casos em que for certa ou determinada, sem necessidade da elaboração de cálculo, como estava expresso no art. 1.516 do CC/1916, que não tem correspondência no CC/2002 – valendo notar que a necessidade de simples cálculos aritméticos não acarretam iliquidez.

Segundo o parágrafo único deste artigo, a interpelação extrajudicial ou judicial do devedor só será necessária nos casos em que não houver termo previsto para o adimplemento. Por essa razão, a jurisprudência que determina indistintamente serem os juros incidentes desde a citação, nos casos de inadimplemento contratual, não parece dar interpretação adequada a este dispositivo.

A mora verifica-se com a citação (efeito, aliás, no art. 219 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 240), nos casos em que a obrigação não é positiva e líquida – pois há necessidade de seu reconhecimento ou da fixação de seu valor. Mas, caso se trate de decisão que se limita a reconhecer o inadimplemento no termo previsto, a mora retroage ao momento em que houve o inadimplemento, que haveria de ser o termo inicial para cálculo de juros.

O fato de haver uma decisão judicial condenando o devedor não significa que a obrigação já não fosse positiva e líquida, mas apenas que o devedor resistiu de modo injustificado a seu cumprimento, não havendo razão para os juros de mora só fluírem da citação, pois a mora já se havia perpetrado anteriormente, nos termos exatos deste dispositivo.

Se a obrigação é positiva e líquida – como a de pagar a mensalidade escolar na data prevista no contrato -, o devedor estará em mora de pleno direito no termo estabelecido (o dia do vencimento), independentemente de qualquer outra providência do credor. Mas se não houver termo estabelecido, o devedor só estará em ora após ser constituído por interpelação judicial ou extrajudicial. Essa é a denominada mora ex persona, que depende de providência do credor. Por exemplo, no comodato por prazo indeterminado, o esbulho só se caracteriza depois que o comodante notifica o comodatário, concedendo-lhe o prazo de trinta dias para desocupar o imóvel (mora ex persona).

O art. 14 do Decreto-lei n. 58/37 e o art. 32 da Lei n. 6.766/69, que regulam loteamentos e exigem que os adquirentes de imóveis sejam notificados para pagar as prestações, ainda que haja valor certo das parcelas e data fixada para o pagamento, transformaram em mora ex persona o que poderia ser mora ex re. Disposição semelhante a respeito dos imóveis não loteados consta do Decreto-lei 745/69, que cuida da venda de imóveis não loteados.

A Súmula n. 76 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça proclamou o entendimento de que “a falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”. nesses casos, a notificação transforma a mora em inadimplemento absoluto e impede a purgação no prazo de resposta. Diante do teor da referida súmula, nem mesmo a regra do art. 219 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 240, que confere à citação força de constituir o devedor em mora, é suficiente para dispensar a notificação do comprador.

Ao se referir apenas a interpelação judicial ou extrajudicial, o parágrafo único do artigo em exame não elimina a adequação da notificação e do protesto – expressões utilizadas no art. 960 do CC/1916, que não foram repetidas no diploma legal em vigor – para constituir o devedor em mora, pois as expressões são genéricas e compreendem toda e qualquer forma capaz de levar ao devedor a notícia formal de descumprimento da obrigação.

Segundo Judith Martins-Costa, invocando Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, interpelação, notificação, protesto ou citação judicial podem constituir o devedor em mora (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 289). Renan Lotufo, contudo, em face da distinção formal de interpelação, notificação e protesto no CPC/1973 – Seção X, Capítulo II, do Título único do Livro III – sustenta o contrário (Código Civil comentado, São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 448) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 430-431 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouco fala a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza. Aqui, o termo inicial da constituição do devedor em mora é definido em lei: a data em que praticado o ato ilícito.

A obrigação ex delicto, ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos causados à vítima do delito nasce com o ato ilícito, tornando-se desde logo exigível. Daí por que os juros moratórios são contados desde o momento em que o ato delituoso é cometido (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 215, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, para que se configure a mora do devedor (mora solvendi ou debendi), três requisitos são necessários: exigibilidade imediata da obrigação, inexecução culposa e constituição em mora. A esse respeito, vale destacar que é o requisito da exigibilidade que requer que a obrigação seja líquida (valor da prestação já apurado) e certa (a prestação já contém todos os seus elementos específicos).

A necessidade de constituição em mora variará conforme a obrigação seja ex persona ou ex re. Na primeira, inexiste um termo certo para que o devedor realize a prestação ou que o credor a receba. Assim, para que a mora se constitua, haverá a necessidade de que haja a interpelação da parte inadimplente e seus efeitos terão início ex nunc (i.é, contados a partir da intimação). De outro lado, a mora ex re constitui-se automaticamente, sem que haja a necessidade de interpelação da parte em mora. São hipóteses de mora ex re: (i) o descumprimento de obrigações negativas, quando há o dever de não praticar determinado ato; (ii) nos casos de prática de ato ilícito, em que o dever de reparar surge na data em que houve a violação do direito (CC, 398); e (iii) violação de obrigação positiva e líquida, no seu termo, em decorrência da regra dies interpellat pro homine. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Pereira destaca que a regra dies interpellat pro homine não deve ser absoluta em todos os casos, ressaltando a necessidade de que haja seu temperamento, quando houver a necessidade de que sejam praticados atos específicos pelas partes. Assim, ilustrativamente, destaca negócio de compra e venda de imóvel, em que, a despeito do vencimento do termo assinalado, é necessário que o credor interpele o devedor, para indicar o registro onde será passada a escritura definitiva, para que apresente determinados documentos etc. o autor menciona ainda as dívidas quesíveis, em que o devedor não poderá ser constituído em mora, enquanto não se positivar a atitude do credor de ir procurar pela prestação devida (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 319).

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Conforme assinalado na anotação do art. 394, a Doutrina apresentada por Fiuza, constitui pressuposto da mora solvendi a inexecução culposa da obrigação pelo devedor. sem culpa do devedor, não se há que falar em mora (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 215, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na cartilha de Bdine Jr. haverá mora ex re quando houver prática de ato ilícito. Este artigo do Código Civil fixa como o momento da prática do ato, aquele em que o devedor é considerado em mora. Em consequência disso, a Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que os juros moratórios fluem do evento danoso nos casos de responsabilidade aquiliana (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 435 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouco se estende, também, Guimarães e Mezzalina, atendo-se a que o artigo trata, expressamente, de hipótese legal de mora ex re. A esse respeito, vide comentários ao artigo 397. E citam “Súmula STJ 154. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Segundo Bdine Jr., a mora pode ser tanto do devedor (mora solvendi), quanto do credor (mora accipiendi ou creditoris). Este dispositivo trata da mora do devedor, e o seguinte, da mora do credor. A mora do devedor, que ocorre quando ele descumpre sua obrigação, é ex re – se decorrer de fato previsto na lei – ou ex persona.

Os arts. 390, 397, caput, e 398 estabelecem as hipóteses em que a mora resulta da lei. São elas: a execução do ato nas obrigações negativas; o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo; e a prática do ato ilícito. A mora do devedor acarreta os efeitos de: (a) responsabilizá-lo por todos os prejuízos causados ao credor (art. 395); e (b) perpetuar a obrigação (art. 399). O devedor em mora responderá pela impossibilidade da prestação, mesmo se ela resultar de caso fortuito ou força maior, se ocorrido durante o atraso.

Segundo o artigo em exame, o devedor só se exonerará dessa responsabilidade se demonstrar que não agiu com culpa e que o fato ocorreria mesmo se a obrigação tivesse sido cumprida oportunamente. A redação do dispositivo legal é aparentemente defeituosa, porque, se o devedor demonstra que não agiu com culpa, não se pode reconhecer que esteja em mora. E, se não estava em mora, o presente dispositivo não incide ao caso concreto.

Nem se diga que a culpa a que o artigo se refere não é a que identifica a mora, mas sim a relativa à impossibilidade da prestação, pois, nesse caso, se chegaria à conclusão de que o devedor em mora só responderia pelo dano ocorrido no atraso se agisse com culpa, o que não altera aquilo que se verifica quando, por sua culpa, ocorre impossibilidade da prestação, antes de ele estar em mora (no sentido de retardamento). E não se pode dar ao dispositivo legal interpretação que acarrete sua inutilidade ou perplexidade.

Na realidade, o devedor em mora só se exonerará da obrigação de indenizar caso se constate que o dano ocorreria mesmo que ele não estivesse em mora. Por exemplo, alguém atrasa a restituição de um imóvel recebido em comodato e, durante o período da mora, ocorre uma inundação que destrói o imóvel edificado. Houve, pois, força maior, que tornou impossível a prestação durante a mora, incidindo na espécie a primeira parte deste dispositivo. Contudo, o dano sobreviria mesmo que o imóvel houvesse sido restituído tempestivamente ao comodante, de modo que não se poderá obrigar o comodatário moroso a indenizar. Situação idêntica se verificaria se um veículo não fosse restituído à empresa de locação na data ajustada, mas fosse guardado no estacionamento em que ela mantém todos os seus outros veículos, de onde viesse a ser furtado. Também aqui seria possível concluir que o devedor em mora não deve ser responsabilizado, pois se o veículo tivesse sido devolvido na data estabelecida, estaria guardado no mesmo local, de maneira que, nas palavras de Judith Martins-Costa, “o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. A interpretação adequada do presente dispositivo é a de que ele impõe ao devedor o ônus de demonstrar não ter agido com culpa, além de que o dano ocorreria ainda que a mora não ocorresse (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 299) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 431 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, já foi apresentado aqui, quando anotou-se o art. 393, que não impossibilidade da prestação por caso fortuito ou força maior, estes ocorridos antes da mora, nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao devedor. se a impossibilidade ocorrer depois da mora, o devedor responderá por perdas e danos, pois assumiu o risco de permanecer com a coisa ou de retardar o cumprimento da obrigação.

O art. 399 atenua a regra geral de que todos os riscos devem se suportados pelo devedor em mora, exonerando-o da responsabilidade de provas: (a) inexistência de culpa quanto à mora; e (b) que o dano teria ocorrido, ainda que a prestação tivesse sido cumprida pontualmente (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 216, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

À sombra do dispositivo em questão, Guimarães e Mezzalina atem-se à perpetuação da obrigação, um dos efeitos da constituição do devedor em mora. Assim, o devedor em mora continua obrigado pela danificação da coisa, mesmo em hipótese de caso fortuito e força maior. A exclusão de responsabilidade, nesse aspecto, somente pode se dar com a prova de que o dano teria sobrevindo, ainda que o devedor tivesse cumprido, oportunamente, com a obrigação. Trata-se, portanto, de presunção relativa de culpabilidade do devedor, mas que pode ser ilidida com a prova em contrário.

Ilustrativamente, pode-se mencionar a destruição por raio de coisa fixa ao solo; mesmo que o devedor tivesse cumprido com a obrigação no termo aprazado, o bem teria se deteriorado (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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