Direito Civil Comentado
- Art. 397, 398, 399
- DA MORA
– VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV
– DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
(art. 389 a 420) Capítulo II – DA MORA –
-
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 397. O
inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de
pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo,
a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Conforme ensinamentos
de Bdine Jr., se a obrigação é positiva e líquida e tem termo (prazo certo,
para ser adimplida, verifica-se a mora na ocasião em que o cumprimento havia de
ter sido implementado. A obrigação é positiva quando exige uma conduta
comissiva do devedor – dar ou fazer -, pois, nas obrigações negativas,
aplica-se à mora a regra prevista no art. 390, compreendida entre as
disposições gerais aplicáveis ao inadimplemento absoluto e à mora. A obrigação
é líquida nos casos em que for certa ou determinada, sem necessidade da
elaboração de cálculo, como estava expresso no art. 1.516 do CC/1916, que não
tem correspondência no CC/2002 – valendo notar que a necessidade de simples
cálculos aritméticos não acarretam iliquidez.
Segundo o parágrafo
único deste artigo, a interpelação extrajudicial ou judicial do devedor só será
necessária nos casos em que não houver termo previsto para o adimplemento. Por
essa razão, a jurisprudência que determina indistintamente serem os juros
incidentes desde a citação, nos casos de inadimplemento contratual, não parece
dar interpretação adequada a este dispositivo.
A mora verifica-se
com a citação (efeito, aliás, no art. 219 do CPC/1973, com correspondência no
CPC/2015, art. 240), nos casos em que a obrigação não é positiva e líquida –
pois há necessidade de seu reconhecimento ou da fixação de seu valor. Mas, caso
se trate de decisão que se limita a reconhecer o inadimplemento no termo
previsto, a mora retroage ao momento em que houve o inadimplemento, que haveria
de ser o termo inicial para cálculo de juros.
O fato de haver uma
decisão judicial condenando o devedor não significa que a obrigação já não
fosse positiva e líquida, mas apenas que o devedor resistiu de modo
injustificado a seu cumprimento, não havendo razão para os juros de mora só
fluírem da citação, pois a mora já se havia perpetrado anteriormente, nos
termos exatos deste dispositivo.
Se a obrigação é
positiva e líquida – como a de pagar a mensalidade escolar na data prevista no
contrato -, o devedor estará em mora de pleno direito no termo estabelecido (o
dia do vencimento), independentemente de qualquer outra providência do credor.
Mas se não houver termo estabelecido, o devedor só estará em ora após ser
constituído por interpelação judicial ou extrajudicial. Essa é a denominada
mora ex persona, que depende de providência do credor. Por exemplo, no
comodato por prazo indeterminado, o esbulho só se caracteriza depois que o
comodante notifica o comodatário, concedendo-lhe o prazo de trinta dias para
desocupar o imóvel (mora ex persona).
O art. 14 do
Decreto-lei n. 58/37 e o art. 32 da Lei n. 6.766/69, que regulam loteamentos e
exigem que os adquirentes de imóveis sejam notificados para pagar as
prestações, ainda que haja valor certo das parcelas e data fixada para o
pagamento, transformaram em mora ex persona o que poderia ser mora ex
re. Disposição semelhante a respeito dos imóveis não loteados consta do
Decreto-lei 745/69, que cuida da venda de imóveis não loteados.
A Súmula n. 76 do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça proclamou o entendimento de que “a falta
de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia
interpelação para constituir em mora o devedor”. nesses casos, a notificação
transforma a mora em inadimplemento absoluto e impede a purgação no prazo de
resposta. Diante do teor da referida súmula, nem mesmo a regra do art. 219 do
CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 240, que confere à citação
força de constituir o devedor em mora, é suficiente para dispensar a
notificação do comprador.
Ao se referir apenas
a interpelação judicial ou extrajudicial, o parágrafo único do artigo em exame
não elimina a adequação da notificação e do protesto – expressões utilizadas no
art. 960 do CC/1916, que não foram repetidas no diploma legal em vigor – para
constituir o devedor em mora, pois as expressões são genéricas e compreendem
toda e qualquer forma capaz de levar ao devedor a notícia formal de
descumprimento da obrigação.
Segundo Judith
Martins-Costa, invocando Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery,
interpelação, notificação, protesto ou citação judicial podem constituir o
devedor em mora (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro,
Forense, 2003, v. V, t. II, p. 289). Renan Lotufo, contudo, em face da
distinção formal de interpelação, notificação e protesto no CPC/1973 – Seção X,
Capítulo II, do Título único do Livro III – sustenta o contrário (Código
Civil comentado, São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 448) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 430-431 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Pouco fala a Doutrina
apresentada por Ricardo Fiuza. Aqui, o termo inicial da constituição do devedor
em mora é definido em lei: a data em que praticado o ato ilícito.
A
obrigação ex delicto, ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos
causados à vítima do delito nasce com o ato ilícito, tornando-se desde logo
exigível. Daí por que os juros moratórios são contados desde o momento em que o
ato delituoso é cometido (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 215, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Na esteira de
Guimarães e Mezzalina, para que se configure a mora do devedor (mora
solvendi ou debendi), três requisitos são necessários: exigibilidade
imediata da obrigação, inexecução culposa e constituição em mora. A esse
respeito, vale destacar que é o requisito da exigibilidade que requer que a
obrigação seja líquida (valor da prestação já apurado) e certa (a prestação já
contém todos os seus elementos específicos).
A necessidade
de constituição em mora variará conforme a obrigação seja ex persona ou ex
re. Na primeira, inexiste um termo certo para que o devedor realize a
prestação ou que o credor a receba. Assim, para que a mora se constitua, haverá
a necessidade de que haja a interpelação da parte inadimplente e seus efeitos
terão início ex nunc (i.é, contados a partir da intimação). De outro
lado, a mora ex re constitui-se automaticamente, sem que haja a
necessidade de interpelação da parte em mora. São hipóteses de mora ex re:
(i) o descumprimento de obrigações negativas, quando há o dever de não praticar
determinado ato; (ii) nos casos de prática de ato ilícito, em que o dever de
reparar surge na data em que houve a violação do direito (CC, 398); e (iii)
violação de obrigação positiva e líquida, no seu termo, em decorrência da regra
dies interpellat pro homine. (Direito Civil
Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Pereira
destaca que a regra dies interpellat pro homine não deve ser absoluta em
todos os casos, ressaltando a necessidade de que haja seu temperamento, quando
houver a necessidade de que sejam praticados atos específicos pelas partes.
Assim, ilustrativamente, destaca negócio de compra e venda de imóvel, em que, a
despeito do vencimento do termo assinalado, é necessário que o credor interpele
o devedor, para indicar o registro onde será passada a escritura definitiva,
para que apresente determinados documentos etc. o autor menciona ainda as
dívidas quesíveis, em que o devedor não poderá ser constituído em mora, enquanto
não se positivar a atitude do credor de ir procurar pela prestação devida (Pereira, Caio
Mário da Silva. Teoria Geral das
Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 319).
Art.
398. Nas
obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde
que o praticou.
Conforme assinalado na
anotação do art. 394, a Doutrina apresentada por Fiuza, constitui pressuposto
da mora solvendi a inexecução culposa da obrigação pelo devedor. sem
culpa do devedor, não se há que falar em mora (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 215, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Na cartilha de
Bdine Jr. haverá mora ex re quando houver prática de ato ilícito. Este
artigo do Código Civil fixa como o momento da prática do ato, aquele em que o
devedor é considerado em mora. Em consequência disso, a Súmula n. 54 do
Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que os juros moratórios fluem do
evento danoso nos casos de responsabilidade aquiliana (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 435 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Pouco se
estende, também, Guimarães e Mezzalina, atendo-se a que o artigo trata,
expressamente, de hipótese legal de mora ex re. A esse respeito, vide
comentários ao artigo 397. E citam “Súmula STJ 154. Os juros moratórios
fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 399. O devedor em mora responde
pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso
fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se
provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação
fosse oportunamente desempenhada.
Segundo
Bdine Jr., a mora pode ser tanto do devedor (mora solvendi), quanto do
credor (mora accipiendi ou creditoris). Este dispositivo trata da
mora do devedor, e o seguinte, da mora do credor. A mora do devedor, que ocorre
quando ele descumpre sua obrigação, é ex re – se decorrer de fato
previsto na lei – ou ex persona.
Os arts.
390, 397, caput, e 398 estabelecem as hipóteses em que a mora resulta da
lei. São elas: a execução do ato nas obrigações negativas; o inadimplemento da
obrigação, positiva e líquida, no seu termo; e a prática do ato ilícito. A mora
do devedor acarreta os efeitos de: (a) responsabilizá-lo por todos os prejuízos
causados ao credor (art. 395); e (b) perpetuar a obrigação (art. 399). O
devedor em mora responderá pela impossibilidade da prestação, mesmo se ela
resultar de caso fortuito ou força maior, se ocorrido durante o atraso.
Segundo o
artigo em exame, o devedor só se exonerará dessa responsabilidade se demonstrar
que não agiu com culpa e que o fato ocorreria mesmo se a obrigação tivesse sido
cumprida oportunamente. A redação do dispositivo legal é aparentemente
defeituosa, porque, se o devedor demonstra que não agiu com culpa, não se pode
reconhecer que esteja em mora. E, se não estava em mora, o presente dispositivo
não incide ao caso concreto.
Nem se diga
que a culpa a que o artigo se refere não é a que identifica a mora, mas sim a
relativa à impossibilidade da prestação, pois, nesse caso, se chegaria à
conclusão de que o devedor em mora só responderia pelo dano ocorrido no atraso
se agisse com culpa, o que não altera aquilo que se verifica quando, por sua
culpa, ocorre impossibilidade da prestação, antes de ele estar em mora (no
sentido de retardamento). E não se pode dar ao dispositivo legal interpretação
que acarrete sua inutilidade ou perplexidade.
Na realidade, o devedor em
mora só se exonerará da obrigação de indenizar caso se constate que o dano
ocorreria mesmo que ele não estivesse em mora. Por exemplo, alguém atrasa a
restituição de um imóvel recebido em comodato e, durante o período da mora,
ocorre uma inundação que destrói o imóvel edificado. Houve, pois, força maior,
que tornou impossível a prestação durante a mora, incidindo na espécie a
primeira parte deste dispositivo. Contudo, o dano sobreviria mesmo que o imóvel
houvesse sido restituído tempestivamente ao comodante, de modo que não se
poderá obrigar o comodatário moroso a indenizar. Situação idêntica se
verificaria se um veículo não fosse restituído à empresa de locação na data
ajustada, mas fosse guardado no estacionamento em que ela mantém todos os seus
outros veículos, de onde viesse a ser furtado. Também aqui seria possível
concluir que o devedor em mora não deve ser responsabilizado, pois se o veículo
tivesse sido devolvido na data estabelecida, estaria guardado no mesmo local,
de maneira que, nas palavras de Judith Martins-Costa, “o dano sobreviria ainda
quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. A interpretação adequada
do presente dispositivo é a de que ele impõe ao devedor o ônus de demonstrar
não ter agido com culpa, além de que o dano ocorreria ainda que a mora não
ocorresse (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense,
2003, v. V, t. II, p. 299) (Hamid
Charaf Bdine Jr, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 431 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo Ricardo
Fiuza, já foi apresentado aqui, quando anotou-se o art. 393, que não
impossibilidade da prestação por caso fortuito ou força maior, estes ocorridos
antes da mora, nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao devedor. se a
impossibilidade ocorrer depois da mora, o devedor responderá por perdas e
danos, pois assumiu o risco de permanecer com a coisa ou de retardar o
cumprimento da obrigação.
O art. 399 atenua a regra
geral de que todos os riscos devem se suportados pelo devedor em mora,
exonerando-o da responsabilidade de provas: (a) inexistência de culpa quanto à
mora; e (b) que o dano teria ocorrido, ainda que a prestação tivesse sido
cumprida pontualmente (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 216, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
À sombra do
dispositivo em questão, Guimarães e Mezzalina atem-se à perpetuação da
obrigação, um dos efeitos da constituição do devedor em mora. Assim, o devedor
em mora continua obrigado pela danificação da coisa, mesmo em hipótese de caso
fortuito e força maior. A exclusão de responsabilidade, nesse aspecto, somente
pode se dar com a prova de que o dano teria sobrevindo, ainda que o devedor
tivesse cumprido, oportunamente, com a obrigação. Trata-se, portanto, de
presunção relativa de culpabilidade do devedor, mas que pode ser ilidida com a
prova em contrário.
Ilustrativamente, pode-se
mencionar a destruição por raio de coisa fixa ao solo; mesmo que o devedor
tivesse cumprido com a obrigação no termo aprazado, o bem teria se deteriorado (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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