quarta-feira, 26 de junho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 400, 401 - DA MORA – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 400, 401
- DA MORA
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo II – DA MORA –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebe-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

Segundo Bdine Jr., é preciso observar que, se a culpa é necessária para caracterizar a mora do devedor, o mesmo não acontece em relação à do credor, como se verifica da leitura deste artigo. Desse modo, se o devedor oferece a prestação no tempo devido e o credor não a recebe, este estará em mora, independente de culpa. Nessa hipótese, o devedor deixa de responder pelos riscos da coisa. Imagine-se que alguém se compromete a entregar um veículo ao comprador na Praça José Bonifácio, em Piracicaba. O Comprador atrasa-se para o encontro em razão de um acidente de trânsito que o impede de chegar ao locar no horário que combinaram os contratantes. No exemplo imaginado, se o carro fosse furtado em poder do vendedor, o prejuízo seria suportado pelo comprador que se atrasou involuntariamente.

A culpa do credor é irrelevante para a caracterização de sua mora e o obriga a indenizar os prejuízos do devedor relativos à conservação e a outros danos que suportar, pois a menção às despesas de conservação não é taxativa, mas apenas exemplificativa. Ademais, se o valor do bem oscilar entre o dia previsto para o pagamento e o de sua efetivação, o credor pagará o preço mais favorável ao devedor.

Ocorre mora do credor quando ele não receber a prestação no tempo e do modo devidos. Para que ela se verifique são necessários os requisitos seguintes: o vencimento da obrigação, pois antes disse ela não é exigível e o devedor não pode liberar-se de seu cumprimento; a oferta da prestação; a recusa injustificada do credor em receber.

O devedor isento de dolo deixa de ter responsabilidade pela conservação da coisa se ocorrer mora do credor, como está consignado neste dispositivo. O dolo do devedor estará caracterizado se ele abandonar o bem em face do atraso do credor. A lei exige que o devedor tenha cuidados mínimos com o objeto da prestação, conferindo-lhe direito de reembolso pelas despesas de conservação. A oscilação de preço do produto ocorre, por exemplo, quando o comprador de certa quantidade de gado atrasa-se para retirá-lo da fazenda do vendedor, verificando-se o aumento do preço da arroba desde a data em que devia ter apanhado os animais. Caso isso ocorra, o comprador pagará o preço do produto vigente na data da retirada efetiva do gado.

O dolo referido no artigo não corresponde à intenção de lesar, mas a ausência de providências acautelatórias que evitem dano ao bem em seu poder. Segundo Rizzato, não se compreendem nessas providências despesas vultosas, “como pinturas de prédios, constante revisão de um equipamento, substituição de peças e outras conservações que reclamam altos custos, insuportáveis pela sua condição econômica” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 486).

Concluindo Bdine Jr., diz que se a mora é simultânea, uma elimina a outra, ocorrendo compensação entre elas. As duas partes devem ser consideradas como se não estivessem em mora e nenhuma pode exigir perdas e danos da outra. Mas se as moras são sucessivas, permanecem os efeitos anteriores de cada uma. Ambas as partes respondem por perdas e danos do período em que estiveram em mora; o credor, pelos prejuízos que se verificaram enquanto ele recusou o recebimento do pagamento, e o devedor, pelos que se consumaram quando o primeiro concordou em receber e ele não quis pagar (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 438 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a ponta que o art. 400 estabelece os efeitos da mora accipiendi, a saber: a) o devedor, desde que não tenha agido com dolo para provocar a mora, não responderá pelos riscos com a conservação da coisa; b) as despesas que o devedor tiver com a conservação serão ressarcidas pelo credor; c) se o valor da prestação oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o dia do efetivo recebimento, o credor estará obrigado a receber pelo valor mais favorável ao devedor; d) o devedor pode desobrigar-se, consignando o pagamento.

E questiona: No caso do mútuo feneratício, a mora do credor faz cessar afluência dos juros? Entende-se que sim. A posição, entretanto, não é unânime. Beviláqua registra as divergências: “O Código Civil brasileiro refere-se á atenuação da responsabilidade do devedor, declarando que ele, somente responde por seu dolo, após a mora do credor; mas não fala da cessação dos juros, como faz o alemão, art. 301. Se a dívida é produtiva de juros, cessam estes, desde a mora do credor. Todavia é tão racional esta isenção de juros durante a mora do credor que podemos considera-la incorporada ao nosso direito, independentemente de disposição expressa. É certo que, em relação ao ponto, a opinião dos doutos é divergente. Assim é que Windscheid (Pand, II, § 346, nota ‘7) acha que eles são devidos, como frutos da coisa, porque o devedor goza do capital. Momento, porém frisa, a diferença entre os frutos propriamente ditos e os juros do capital, e faz sentir que não se devem cobrar juros de uma quantia, que o devedor devia conservar à disposição do credor, para entregar a qualquer momento. Aliás, havendo consignação, cessam os juros (art. 796)” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 118-9) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 216, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a esteira de Guimarães e Mezzalina, tais efeitos são decorrência direta da recusa injustificada do credor em receber a coisa, no termo aprazado. Nessa hipótese, diversamente do que se dá na mora do devedor, não há a necessidade de que haja culpa do credor. Basta apenas e tão somente que este retarde o recebimento da prestação ou não a receba da forma devida, bem como que o devedor não tenha agido com dolo.

Exemplificativamente, pode-se mencionar a hipótese de credor que deixou de comparecer no locar e hora combinado com o devedor, em razão de acidente de trânsito, e a coisa objeto da prestação foi furtada por terceiro. nesse caso, o credor seria o responsável pelos prejuízos sofridos pelo devedor (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 25.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 401. Purga-se a mora:

I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;

II – por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

Surfando com Bdine Jr., purgar ou emendar a mora é o modo pelo qual se procede à sua cessação. Aquele que está em mora pode purga-la, cumprindo a obrigação descumprida e indenizando a outra parte. A purgação só pode ser feita se ainda trouxer resultado útil ao credor. Do contrário, haverá inadimplemento absoluto.

Este artigo aponta as hipóteses em que a purgação da mora poderá ser feita pelo credor ou pelo devedor. a purgação da mora pelo devedor realiza-se mediante oferta da prestação atrasada mais o valor dos prejuízos dela resultantes. Os prejuízos a serem ressarcidos são os conhecidos, pois os ainda não conhecidos podem ser cobrados em ação autônoma, mas não impedem a emendar da mora. Em relação ao credor, a purgação verifica-se quando ele aceita receber o pagamento e sujeita-se aos efeitos da mora.

A purgação pode ocorrer a qualquer momento, desde que ainda seja útil ao credor. Desse modo, é possível concluir que a consignação é ação destinada a prevenir e a emendar a mora. A purgação da mora não se confunde com a sua cessação. Esta última não depende de um comportamento do moroso, pois resulta da própria extinção da obrigação em decorrência de outro fato que não seja imputável a ele. É o que ocorre quando as dívidas fiscais do devedor são anistiadas. Nesse caso, cessa a mora, produzindo efeitos pretéritos, pois os efeitos já produzidos serão afastados. Na purgação da mora, os efeitos produzidos não são pretéritos, porque estes últimos se conservam (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 439 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina, purgação ou emenda da mora é a extinção dos efeitos futuros do estado moroso, em decorrência da oferta da prestação, pelo devedor, acrescida de todas as perdas e danos até o dia da oferta, ou ainda em face da prontificação do credor em receber a coisa, pagando todos os encargos advindos com advindos com a sua demora em receber.

Na concepção de Ricardo Fiuza, a purgação pode ser admitida a qualquer tempo, mesmo depois de iniciada a ação executiva contra o devedor ou a consignatória contra o credor. Nesses casos, as perdas e danos incluirão também os honorários advocatícios e as custas judiciais.

Pode a convenção das partes impedir a mora? Sobre o assunto, decidiu a Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. Na ocasião, registrou o Deputado Eniani Satyro, em seu relatório geral: “Na realidade, muito embora o Código vigente permita que as partes livremente convencionem a proibição da purgação da mora, esta deve ser sempre admitida, como preceito de ordem pública. Nos dias atuais, como restrição de ordem social à autonomia da vontade, deve prevalecer o princípio que assegura sempre direito à purgação da mora, nos casos previstos na lei. É sobretudo nos negócios estipulados entre pessoas de nível cultural e econômico diverso, ou nos contratos de adesão, que consta a exclusão da purgação da mora em virtude de convenção das partes, com graves prejuízos ao contraente mais fraco. Muito embora possa haver hipóteses em que a conclusão do negócio só convenha quando previsto o adimplemento em data certa, a concessão do direito de purgar a mora resulta de relevantes razoes de natureza social que cabe ao legislador preservar” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 217, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Guimarães e Mezzalina, a purgação da mora, tanto do credor quanto do devedor, dá-se com a assunção pelo inadimplente das respectivas consequências que houver gerado à contraparte na relação obrigacional. Tal emenda somente poderá ser efetuada nos casos em que, a despeito do cumprimento não se dar no termo aprazado, a prestação ainda é útil e aproveitável (termo não essência – vide comentários ao artigo 333). A purgação da mora também não poderá ocorrer nos casos em que, pela lei ou pela convenção, a consequência da mora for a resilição do contrato.

A purgação da mora poderá ocorrer ainda quando o afetado por ela renunciar aos direitos que possam lhe advir da situação. Essa renúncia poderá ser expressa ou tácita. Nessa segunda hipótese, a renúncia deverá ser verificada de acordo com as circunstâncias do caso, especialmente quando o comportamento daquele a quem a mora aproveitar tiver comportamento incompatível com os direitos detidos em face da parte inadimplente.

A parte embargante, entendendo serem excessivos os cálculos apresentados pelo exequente, deveria ter realizado o pagamento dos valores que acreditava serem devidos – parte incontroversa -, desvencilhando-se, de tal modo, da incidência de correção monetária e de juros de mora sobre referido montante. Inteligência dos arts. 394 e 395 do CC/2002” (STJ, 5ª T. REsp n. 767498 – RJ, Rel. Des. Arnaldo Esteves Lima, j. 9.3.2006).

Nesse caso, o devedor deverá oferecer a prestação acrescida dos juros moratórios e eventuais danos emergente e lucros cessantes que houver causado ao credor. Em se tratando de termo não essencial e não havendo lide pendente, a purgação da mora será admitida sem a necessidade de anuência do credor. Já tendo o credor ajuizado demanda em face do devedor, a emendatio morae sem anuência do sujeito ativo da relação obrigacional somente será admitida, nos casos em que houver expressa disposição legal (ex.? na hipóteses de ação de despejo por falta de pagamento prevista na lei do inquilinato – lei n. 8.245 de 18.10.1981) (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 316).

No caso de purgação da mora do credor, além de arcar com eventuais prejuízos acarretados ao devedor, ele ficará ainda sujeito a receber a coisa no estado em que se encontrar (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 26.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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