quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 462, 463, continua - Do Contrato Preliminar – VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 462, 463, continua
- Do Contrato Preliminar – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção VIII – Do Contrato Preliminar
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Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

Seguindo os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato preliminar pode ser conceituado como aquele em que as partes se comprometem a efetuar, posteriormente, um segundo contrato, que será o contrato principal. A autonomia privada permite que, por meio de duas relações obrigacionais sucessivas de efeitos diversos, possam as partes produzir negócios jurídicos. Com o contrato preliminar as partes não se obrigam apenas a prosseguir negociações, mas a exigir a conclusão de um contrato com certo conteúdo.

A distinção entre os dois modelos contratuais é facilitada pela identificação do objeto: enquanto no contrato principal o objeto consiste na obrigação de dar, fazer ou não fazer, no contrato preliminar se traduz na obrigação de concluir o contrato principal, ou seja, uma obrigação de fazer em momento futuro.

Não é tão incomum a celebração de contratos preliminares. Muitas vezes os parceiros preferem se conhecer melhor antes do passo final, elidindo consequências jurídicas de uma convenção definitiva. Em outros casos, existem dificuldades momentâneas que impedem a celebração imediata do contrato principal, seja elas de ordem econômica ou pessoal. Nessas situações, nada impede que duas ou mais pessoas ajustem o contrato, convencionando os direitos e deveres recíprocos e os termos essenciais da operação econômica, porém protraindo o acordo definitivo e a produção de efeitos jurídicos e econômicos para um momento posterior.

O contrato preliminar não pode ser enfrentado como uma categoria intermediária entre as negociações preliminares e o contrato definitivo. Cuida-se de figura autônoma. Enquanto as tratativas são levadas a efeito independentemente de qualquer compromisso, pois as partes não sabem se irão ou não contratar, o contrato preliminar demanda um acordo de vontades e uma relação jurídica concluída, de natureza patrimonial. Já há o consentimento dos pré-contratantes, cuja finalidade é a segurança do negócio substancial que se tem em mira. A fase negociatória é concluída positivamente, porém as partes optam pela não celebração do contrato definitivo. Com o contrato preliminar, as partes não se obrigam a prosseguir nas negociações, mas a concluir certo conteúdo, pronto e acabado, pois elas já “fecharam o negócio”.

Ademais, no período entre as negociações preliminares e o contrato preliminar, as partes costumam celebrar pequenos acordos, usualmente denominados de minutas ou cartas de intenção. Elas demonstram que os parceiros já não mais se encontram em um estágio primário. Porém, os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não acordaram ainda no que tange às cláusulas em aberto. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se aos termos das minutas parciais.

Também existe certa proximidade entre os contratos normativos e os preliminares. O contrato normativo não obriga as partes a uma futura contratação, mas, caso deliberem em tal sentido, os termos da futura avença não poderão fugir do conteúdo por aquele disciplinado. Seria o caso do contrato coletivo de trabalho. Ele não disciplina diretamente os contratos individuais de trabalho, mas fixa cláusulas gerais de contratação, cuja estipulação é imprescindível entre empregador e empregado. Diversamente, o contrato preliminar dá ensejo à obrigatória realização do contrato principal e perde a sua razão de ser quando este é firmado. Já o contrato normativo não desaparece, pois continuará regulando uma série indefinida de futuros contratos.

O Código Civil de 1916 não cuidou dos contratos preliminares. Tal fato é justificável se percebermos que o trato da matéria se acentua com a própria aceleração do tráfego jurídico dos últimos cinquenta anos. O nosso legislador cuidou da matéria especificamente no campo da promessa de compra e venda, por meio da edição do Decreto-Lei n. 58/37 e da Lei n. 6.766/79. Todavia, a abordagem autônoma da temática no título destinado aos contratos em geral demonstra que os contratos preliminares podem ter em vista a realização de qualquer tipo de contrato definitivo, até mesmo em sede de doação.

Na linha consensualista, o Código Civil é enfático na defesa do princípio da liberdade de forma para os contratos preliminares. Em outras palavras, dotado dos requisitos de validade a que alude o CC. 104 (agente capaz, objeto lícito e possível), é negócio jurídico perfeito e independente da relação principal que procura garantir. Essa diversidade de fundamentos e efeitos justifica a liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, independentemente do valor das obrigações ajustadas para o futuro, mesmo em sede de compra e venda (CC. 108).

No particular, o CC. 1.417 explícito  ao oportunizar a concretização de promessa de compra e venda por meio das vias alternativas do instrumento público ou particular (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 530 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, se expande em que, contrato preliminar ou pacto de contraendo é aquele, segundo a teoria mais aceita, que como convenção provisória, contendo os requisitos do CC.104, e os elementos essências ao contrato (res, pretium e consensttm), tem por objeto concretizar um contrato futuro e definitivo, assegurando pelo começo de ajuste a possibilidade de ultimá-lo no tempo oportuno. Os requisitos para a sua eficácia são os mesmos exigidos ao contrato definitivo, excetuada a forma. Nesse sentido: Súmula 413 do STF: “O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais” (STF, STJ, 117/384 e 114/844). Ele se distingue da simples oferta ou proposta ou das negociações preliminares em preparo de contrato.

A lei o admite como contrato inicial ou incompleto, a exigir a celebração do definitivo, desde que dele não conste cláusula de arrependimento e tenha sido levado ao registro competente (CC. 463), a tanto que tal exigibilidade permite o suprimento judicial da vontade da parte inadimplente, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação (CC. 464)

O CC de 1916 não observou o contrato preliminar embora tratado na doutrina. O art. 227 do Código português o abrange, ao tratar da culpa na formação dos contratos: “1. Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nas preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Por sua vez, o CPC de 1939 já dispunha: “Nas promessas de contratar, o juiz assinará prazo ao devedor para executar a obrigação, desde que o contrato preliminar preencha as condições de validade do definitivo” (art. 1.006. § 2~). A sua regulamentação em seção própria vem suprir, portanto, séria lacuna.

Direito Comparado: O Código Civil italiano, no art. 1.351, exige a forma quando por sua função constitutiva for essencial ao definitivo: “O contrato preliminar é nulo se não for estipulado na forma prescrita pela lei para o contrato definitivo”.

A promessa de compra e venda é exemplo do contrato preliminar mais frequente. A jurisprudência o reconhece, citando-se: 1. “Não incidência do ITBI em promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim, ensejador da cobrança do aludido tributo – Precedentes do STF” (STJ – 2~ 1., REsp 57.641-PE, rel. MM. Eliana Calmon, DJU de 22-5-2000); 2. “(...) Manifestada expressamente por ambas as partes a intenção de formalizar contrato de locação de posto de serviços, a depender de condição suspensiva a cargo do proponente-locatário, sem termo, formalizou-se o contrato preliminar, não sendo lícito à preponente locadora contratar locação de posto com terceiro sem constituir em mora aquele, quanto ao implemento da condição avençada. 1i – A contratação, nesses termos, constitui retirada arbitrária, hábil a ensejar a indenização por perdas e danos a ela concernentes” (STJ, 4~ 1., REsp 32.942-RS, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo, DJ de 13-12-1992); 3. “A despeito de instrumentalizado mediante um simples recibo, as partes celebraram um contrato preliminar, cuja execução se consumou com a entrega do imóvel ao compromissário-comprador e com o pagamento do preço por este último, na forma convencionada. Improcedência da alegação segundo a qual as negociações não passaram de simples tratativas preliminares” (STJ, 4’ 1., REsp 145.204-BA, rel. Mm Barros Monteiro, DJ de 14-12-1998); 4. “(...) Segundo a moderna doutrina, a que se referem José Osório Azevedo Jr. e Orlando Gomes, dentre outros, há duas modalidades de contratos preliminares de compra e venda: o ‘próprio’, que representa mera promessa, preparatório de um segundo, e o ‘improprio’, contrato em formação que vale por si mesmo. II – não é nulo o contrato preliminar de compra e venda que tem por objeto bem gravado com cláusula de inalienabilidade, por se tratar de compromisso próprio, a prever desfazimento do negócio em caso de impossibilidade de sub-rogação do ônus” (STJ, 4~1., REsp 35.840-SP, rel. Mm Sálvio de Figueiredo, DJ de 11-11-1996) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 249, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No conceito de Marco Túlio de Carvalho Rocha, contrato preliminar é o que tem como objeto a estipulação de outro contrato. O objeto do contrato preliminar é, portanto, uma obrigação de fazer.

No histórico dos fundamentos legais do contrato preliminar temos:

CC/1916, art. 1.088 (revogado) – O descumprimento do contato pelo vendedor não possibilitava ao comprador a execução específica, porque entendia-se que ninguém poderia ser constrangido ao cumprimento de uma obrigação de fazer: nemo cogi potest ad factum.

Decreto-lei n. 58/1937 – dispôs sobre a venda de imóveis loteados para pagamento em prestações; possibilitou a averbação (registro, segundo a Lei n. 6.015/73) do compromisso de compra e venda no registro de imóveis; criou a adjudicação compulsória com rito sumário, cuja sentença vale como título para o registro (art. 16); o art. 22 deste Decreto-lei, com ao redação que lhe foi dada pela Lei n. 6.014/73 resume os efeitos do compromisso de compra e venda de imóveis não loteados.

Lei n. 649/1949 – estendeu as disposições do Decreto-lei n. 58/37 aos imóveis não-loteados e às vendas à vista; configurou como compromisso de compra e venda, irrevogável e irretratável, toda promessa sem cláusula de arrependimento.

Decreto-lei n. 745/1969 – exige a interpelação prévia do comprador para a resolução do compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, mesmo que nele conste cláusula resolutiva expressa.

Lei n. 6.766/1979 – Instituiu o pré-contrato de promessa de compra e venda (art. 27; qualquer instrumento que demonstre a vontade das partes de virem a realizar o contrato de compra e venda, art. 27, § 1º), que possibilita sejam aplicáveis às partes as cláusulas estabelecidas no contrato-padrão (art. 18, VI), se o vendedor se recusar a firmar o compromisso de compra e

Partes. As partes devem preencher as mesmas exigências relativas ao contrato definitivo.

Forma. Na ausência de determinação legal, o contato preliminar pode se realizar por qualquer forma. Deve ser escrito, no entanto: a) para efeito de prova, se de valor superior a 10 salários mínimos CC.227); b) para efeito de registro CC. 463, parágrafo único e 1.417).

Deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato definitivo (indeferimento de adjudicação compulsória por ausência de elementos essenciais: STF, RE n. 88.716-RJ, Rel. Mm Moreira Alves).

Súmulas:

66/STF – É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-lei n. 58 (nas vendas de imóveis loteados a cláusula de arrependimento é nula).

167/STF – Não se aplica o regime do Decreto-lei n. 58 ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro (súmula superada pela jurisprudência do STJ, segundo a qual o registro não é imprescindível nas relações entre os próprios contratantes: RSTJ 25/465, 29/356, 32/309, 42/407, 43/458).

168/STF – Para efeito do disposto no Decreto-lei n. 58 admite-se a inscrição do compromisso no registro no curso da ação.

412/STF – No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem a recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

413/STF – O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.

76/STJ – A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor.

84/STJ – É admissível a oposição de embargos de terceiro fundada em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

239/STJ – O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra parar que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

No entendimento de Nelson Rosenvald, o dispositivo em exame assume relevo. Sendo o negócio jurídico preliminar válido, produzirá eficácia obrigacional consistente na possibilidade de execução específica da obrigação de fazer consubstanciada no contrato preliminar. A efetivação – voluntária ou coativa – do contato principal enfatiza a presença dos elementos da responsabilidade do declarante e da confiança do declaratário no sentido da seriedade do contrato preliminar.

Portanto, sendo lícito o objeto do contrato preliminar, no sentido de ausência de qualquer ofensa à boa-fé objetiva do contrato (CC. 187), além de praticado por pessoas dotadas de capacidade negocial e legitimação para disposição de bens, qualquer dos parceiros poderá perseguir a execução específica. Exemplificando: por mais que o contratante seja titular do bem e no gozo de sua capacidade de fato, a ausência da outorga do cônjuge priva o negócio jurídico de elemento de integração, tornando-o anulável (CC. 176, c/c 1.649), excetuando-se o matrimônio pelo regime da separação absoluta (CC. 1647). Assim, a falta de legitimação obsta a obtenção coercitiva da execução da obrigação de fazer.

A existência da cláusula de arrependimento é fator impeditivo à persecução da tutela específica judicial. Cuida-se de um direito potestativo de retratação deferido aos contratantes, concedendo-lhes o poder de, a qualquer tempo, resilir unilateralmente o contrato preliminar pela forma de denúncia notificada à outra parte (CC. 473). Certamente, o prazo decadencial para o exercício do poder de desconstituição da relação será o momento anterior ao cumprimento de todas as obrigações constantes do pacto (v. g., pagamento da última prestação pelo promissário comprador na promessa de compra e venda).

Aliás, nas promessas de compra e venda o CC. 1.427 é explícito ao permitir a inserção de cláusula de arrependimento. Porém, o Código Civil somente regula essa espécie de negócio jurídico para os imóveis não loteados. Nos loteamentos urbanos (art. 25 da Lei n. 6.766/79) e rurais (art. 16 do Decreto-lei n. 58/37 e Súmula n. 166 do STF), os contratos são irretratáveis, pois normas de ordem pública objetivam acautelar a população de baixa renda diante de especuladores imobiliários que alienam lotes e, posteriormente, exercitam o direito de arrependimento mediante restituição das quantias pagas, com a finalidade de novamente alienar os imóveis, agora com valores majorados em razão da valorização do empreendimento. Não é por outra razão que, em se tratando de contratos preliminares alusivos à alienação de loteamentos, a denominação emprestada pelo legislador seja compromisso de compra e venda, diversamente à promessa, que indica um negócio mais frágil e, portanto, passível de retratação.

Para a celebração do contrato definitivo, deverá o contratante que cumpriu as suas obrigações interpelar o outro contraente, com a concessão de prazo razoável, a fim de que efetive a obrigação de fazer. Se houver resistência, a pretensão resultante da violação do direito subjetivo poderá ser concretizada por distintos modelos judiciais: tratando-se de contrato de promessa de compra e venda, adota-se a via da adjudicação compulsória, observando-se ainda a eleição da ação de outorga de escritura, nos termos do art. 466-C – introduzido pela Lei n. 11.232/2005 – do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015. Já para os contratos preliminares em geral, a parte prejudicada poderá manejar a ação cominatória (CPC/1973, art. 287, com a nova redação da Lei n. 10.444/2002, sem correspondência no CPC/2015), sem se olvidar da tutela específica da obrigação de fazer, alvitrada no art. 461 do CPC. 1973, com correspondência no CPC/2015, nos arts. 139, 536 e 537. Por fim, nas relações de consumo, dispõe o consumidor da execução específica pela regra constante do art. 84 da Lei n. 8.078/90.

O parágrafo único do art. 463 dispõe acerca da necessidade de os contratantes registrarem o contrato preliminar. A norma pode ser compreendida de duas maneiras. Se entendermos que o legislador condiciona a validade do negócio jurídico preliminar ao registro (RGI para imóveis e cartório de títulos e documentos para bens móveis), poderíamos concluir que o legislador não agiu com acerto. Com efeito, não devemos confundir a eficácia obrigacional do contrato preliminar com a sua eficácia real. Aquela é restrita às partes e independe do registro, posto que é suficiente à satisfação das obrigações inseridas no contrato preliminar para que se pretenda a execução específica a que remete o caput do dispositivo. Já a eficácia real, concedida pelo registro, objetiva apenas tutelar os contratantes perante terceiros, dotando as partes de sequela e oponibilidade do instrumento em caráter erga omnes, caso o objeto da prestação seja transmitido a terceiros no curso da execução do contrato preliminar. Enfim, exigir o registro do instrumento para fins de exercício de pretensão ao contrato definitivo é confundir a eficácia real com a obrigacional, restrita aos celebrantes do negócio prévio.

Portanto, parece-nos que a melhor hermenêutica da norma consiste em considerar que o legislador pretendeu afirmar a exigência do registro como forma de concessão de eficácia perante terceiros (coletividade), e não como requisito de validade do negócio. A própria técnica normativa induz a tal conclusão, ou seja, se o codificador pretendesse erigir o registro ao plano da validade, teria inserido observação no próprio caput, ou mesmo no art. 462, ao aludir aos requisitos essenciais. Em síntese, para os contratantes, a vantagem do registro é a tranquilidade de saber que, quando do cumprimento das obrigações referidas no contrato preliminar, a execução da obrigação de fazer poderá ser dirigida não apenas contra o devedor, mas em caráter absoluto.

Nos contratos de promessa de compra e venda a celeuma assume maior proporção, na medida em que o CC. 1.418 encetou grave inquietação ao condicionar a titularidade do direito real à aquisição (obtida por meio do registro), para fins de exercício de ação de outorga de escritura definitiva de compra e venda contra o vendedor ou terceiros. Em outras palavras, ao exigir o registro da promessa até mesmo para se adjudicar perante o promitente vendedor, o Código Civil fere a autoexecutoriedade do pré-contrato, pois inadvertidamente mistura a relação jurídica obrigacional inter partes com a relação real que envolve o titular da promessa registrada com o sujeito passivo universal, cujo objeto é o dever geral de abstenção. Pior, culmina na supressão da Súmula 239 do STJ nos seguintes termos: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Pronunciando-se adequadamente sobre a matéria, o Conselho da Justiça Federal emitiu o Enunciado n. 95: “O direito à adjudicação compulsória (CC. 1.418), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 531-532 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, tem-se que os figurantes do contrato preliminar obrigam-se ao cumprimento do definitivo e, por isso, respondem à execução específica da obrigação, como prescreve o artigo seguinte. A inclusão, todavia, de cláusula de arrependimento constitui direito assegurado às partes (jus poenitente) de não o celebrarem (RT 672/176).

Para a exigibilidade do contrato definitivo é imperativo que o preliminar tenha sido levado ao registro competente. O legislador preferiu tornar necessário o registro pré-contrato. A eficácia real, decorrente do registro, gera efeito erga omnes para prevenir direitos contra terceiros.

A jurisprudência vem admitindo a promessa de compra e venda imobiliária, geratriz de efeitos obrigacionais, não requerer, para sua plena eficácia e validade, a sua inscrição no Registro Imóveis (Súmula 239 do STJ, de 28-6-2000: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”), reconhecendo, destarte, que “a pretensão de adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrita assim aos contraentes, não podendo prejudicar os direitos de terceiros que entrementes hajam adquirido o imóvel e obtido o devido registro, em seu nome, no ofício imobiliário” (STJ, 4’ 1., REsp 27.246-8-RJ, rel. Mm. Athos Carneiro).

Sobre isso, de há muito resultou assentado: “Compromisso de compra e venda de imóvel. Execução específica da obrigação. Admissibilidade. E admissível a execução específica do art. 639 do CPC/1973, (sem correspondência no CPC/2015), ainda que se trate de contrato preliminar não inscrito no registro de imóveis” (REsp 6.370, rel. Mm Nilton Naves, DJ de 9-9-1991). Com a nova regra, afigura-se prejudicada a Súmula 239 do STJ. Por outro lado, a regulamentação se torna completa, desestimulando, na prática, expedientes de vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante a venda sucessiva do mesmo bem. Quando se tratar de bem móvel, o registro competente será o Registro de Títulos e Documentos, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 127 da Lei n. 6.015/73.

A assinação do prazo para que o outro contratante efetive o contrato definitivo é feita pelos meios regulares do comunicado de conhecimento (notificação judicial ou extrajudicial). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 249, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato preliminar irrevogável não permite o arrependimento das partes; levado a registro, vale contra terceiros. A irrevogabilidade é a regra; a revogabilidade tem de ser expressa.

A cláusula de arrependimento perde a eficácia após o cumprimento de todas as obrigações pela parte contra a qual possa ser exercida (Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Direito dos Contratos... p. 110).

A promessa de compra e venda irrevogável confere ao promissário comprador direito real de aquisição do bem (CC. 1.417; art. 22 do Decreto-lei n. 58, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 6.014/73) passível de ser exercitado mediante ação de adjudicação compulsória (CC. 464). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 15.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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