Direito Civil Comentado
- Art. 458, 459, 460, 461
- Dos
Contratos Aleatórios – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V
– DOS CONTRATOS EM GERAL
(art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições
Gerais –
Seção VII
– Dos Contratos Aleatórios
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 458.
Se o
contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo
risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito
de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não
tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.
Ensina
Nelson Rosenvald que contratos comutativos ou pré-estimados são aqueles em que
a prestação de ambas as partes é determinada de início, sendo os resultados
econômicos previstos desde a formação, mantendo-se uma relação de equivalência
imediata.
Em
contrapartida, nos contratos aleatórios ao menos uma das prestações é incerta
quanto à exigibilidade da coisa ou do fato, ou mesmo de seu valor, demandando
um evento futuro e incerto que dependerá do acaso. É o que ocorre nos contratos
de jogo e aposta não proibidos, pela incerteza do prêmio (CC. 814) e também no
seguro (CC. 757), em que a indenização a cargo do segurador depende da
verificação de uma condição conhecida como sinistro. Mesmo que o risco
não se verifique, o segurado pagará o prêmio (CC. 764). O segurador também
corre o risco de assumir uma indenização de valor significativamente superior
aos prêmios despendidos pelo segurado.
Aliás, os
contratos aleatórios são onerosos – assim como os comutativos -, pois o
pagamento do valor do seguro ou da aposta não é mera liberalidade, mas garantia
de adimplemento de uma contraprestação eventual.
O art. 458
versa sobre a emptio spei, a “venda da esperança” (sale of a hope),
pois há incerteza acerca de uma das prestações. O risco assumido pelo
contratante consiste em ter de garantir a sua prestação mesmo que a
contraprestação não se concretize. A sua vantagem depende da sorte.
Portanto,
mesmo se a coisa ou o fato futuro não vierem a existir, quem assumiu a álea
terá de desembolsar integralmente o valor ajustado previamente, desde que o
beneficiado não tenha praticado ato ilícito que inviabilize a contraprestação.
Nesse
sentido, mesmo um contrato tipicamente comutativo (v. g., compra e
venda) pode se converter em aleatório pela autonomia privada dos contraentes,
como alude o CC. 483, parágrafo único, no tocante à venda de coisa futura.
Há que observar que, em
princípio, é inviável a resolução contratual por onerosidade excessiva nos
contratos aleatórios, pois é ínsito a eles o caráter especulativo e o elevado
risco. Por isso, a extrema vantagem de uma das partes faz parte da própria
natureza do contrato e do fato de os contratantes remeterem a sua situação
econômica ao acaso. Todavia, o CC. 770 é inovador ao permitir a redução
(revisão) do prêmio pago pelo segurado – ou a resolução contratual – caso se
apure considerável redução do risco para o segurador no curso do contrato (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 525-526 Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/08/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
No entender
de Ricardo Fiuza, contrato aleatório é o contrato oneroso sujeito a evento
futuro e incerto, pelo qual ambos os contratantes submetem-se a uma álea (sorte
ou incerteza de fortuna), onde as probabilidades de perda ou de lucro são
concomitantes e dependentes de casualidade ou de fatores contingentes.
O dispositivo trata do risco
sobre a existência da coisa, retratando a emptio spei (venda da
esperança, a probabilidade de a coisa existir), caso em que o alienante terá
direito a todo o preço da coisa que venha a não existir, coo sucede no exemplo
clássico da venda de colheita futura, independente de a safra existir ou não,
assumindo o comprador o risco da completa frustração da safra (inexistência),
salvo se o risco cumprir-se por dolo ou culpa do vendedor (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 247, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/08/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão
compartilhada por Marco Túlio de Carvalho Rocha, Álea é o mesmo que sorte.
Negócio jurídico aleatório é aquele cujos efeitos dependam de circunstâncias
variáveis e independentes da vontade das partes. Exemplos de contratos
aleatórios: compra e venda de safra, seguro, prestação de serviço com salário
proporcional aos ganhos, jogo, aposta.
A
aleatoriedade pode ser maior ou menor conforme a vontade manifestada pelas
partes. O artigo em comento cuida dos contratos em que a parte assume o risco
de a coisa não vir a existir, ficando obrigada mesmo nesse caso (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 12.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 459.
Se
for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si
o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o
alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa,
ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.
Parágrafo
único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o
alienante restituirá o preço recebido.
Na visão de
Nelson Rosenvald, aqui há outra forma de contrato aleatório. O dispositivo
anterior tratava da emptio spei, consubstanciada no risco assumido pelo
contratante quanto à própria exigibilidade da prestação. Porém, o artigo em
exame se refere à emptio rei speratae, em que a incerteza não recai
sobre a prestação propriamente dita, mas sobre a sua quantidade.
Segundo a
doutrina, o contratante terá de suportar a prestação mesmo que a coisa
adquirida venha em quantidade mínima. Assim, em um contrato de compra de safra
futura, mesmo que a colheita seja ínfima – em razão de eventos da natureza -,
deverá o adquirente arcar com a importância ajustada no contrato. Certamente, o
alienante só fará jus ao crédito se não atuou no sentido de obstaculizar a
vantagem da contraparte, concorrendo culposamente para o prejuízo do
adquirente.
Ademais,
mesmo não havendo culpa do alienante, caso a quantidade por ele obtida seja
equivalente a zero, haverá a restituição dos valores eventualmente adiantados
pelo adquirente. Trata-se de hipótese de inexistência do negócio jurídico, na
media em que o objeto (bem) é pressuposto para a formação da compra e venda,
eis que não há transferência de domínio sem uma coisa sobre a qual incidirá o
preço (CC. 481).
Nada obstante, em sede de
direito civil constitucional, é cediço que as normas de direito privado não
fogem da aplicação do princípio da proporcionalidade. Ou seja, deve haver uma
adequação entre os fins pressupostos pela norma, com os próprios objetivos do
negócio jurídico aleatório. Portanto, não seria razoável a prevalência do
contrato na hipótese da quantidade obtida ser mínima, insignificante. Nesse
caso, equivaleria a se nada fosse auferido em proveito de quem contratou.
Defendemos, portanto, a extensão do parágrafo único a essas situações,
recusando interpretação meramente literal ao dispositivo, pois o termo “nada”
significa, em verdade, algo que não seja passível de apreciação econômica, mesmo
que em tese exista quantitativamente (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 527 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 12/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na visão de Ricardo
Fiuza, o dispositivo trata do risco sobre a quantidade exata da coisa,
retratando a emptio rei speratae (venda da coisa esperada, a
probabilidade de a coisa existir na quantidade desejada ou prometida), caso em
que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a existir
quantitativamente diferenciada, como sucede ainda no exemplo clássico da venda
de colheita futura, quando a safra alcança quantidade inferior ou mínima. No
caso, a álea vincula-se à quantidade e não à existência da coisa, referida pelo
artigo anterior. O alienante não terá direito ao preço contratado, se houver
agido com dolo ou culpa.
Sobre o risco
concernente à quantidade, Darcy Arruda Miranda apresenta o exemplo típico do
adquirente de safra de algodão animado pela espera de colheita farta,
sucedendo, entretanto, quantidade irrisória resultante de o algodão se achar
praguejado. O alienante omitira essa circunstância ao adquirente, agindo com
dolo. Em tal situação, o contrato será nulo. Assim, desde que o alienante atuou
dolosamente, com causação de prejuízo ao adquirente, nenhum direito terá ao
preço ajustado, obrigando-se à restituição. A exclusão do dolo, no preceito,
por se referir o dispositivo somente à culpa, constitui omissão do legislador,
reparável pela jurisprudência.
Desde que o risco
foi assumido sobre a quantidade, a não-existência da coisa traz como
consequência a nulidade do contrato, obrigando-se o alienante à restituição do
valor recebido, cero que nada existindo, alienação não haverá. A referência ao
“adquirente”, como obrigado a restituir, contida por equívoco no parágrafo
único do art. 1.119 do CC de 1916 foi oportunamente modificada pelo termo
“alienante” no parágrafo único do presente artigo (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 247, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/08/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
A participação de Marco Túlio de Carvalho Rocha pouco
acrescenta, afirmando o art. 459 regular as situações em que a parte não assume
o risco de a coisa não existir, embora assuma o risco de que venha a existir em
quantidade variável. Nesse caso, a inexistência da coisa configura
descumprimento contratual e torna a contraprestação indevida (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 13.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 460.
Se
for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco,
assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço,
posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.
Sob a batuta de Nelson
Rosenvald, aqui há uma variação em relação ao dispositivo pregresso. O contrato
aleatório consistirá no risco assumido pelo adquirente de ter de pagar o preço,
mesmo que a coisa na exista no dia em que houve a contratação. Pelo fato de o
adquirente saber que a coisa se encontrava exposta a risco, terá de arcar com o
prejuízo consequente à sua perda total ou parcial.
Parece-nos que o
adquirente realiza tal tipo de contrato justamente por pagar pela coisa um
valor inferior ao praticado no mercado, na esperança de o risco não se
concretizar. Essa vantagem justifica a celebração do negócio.
Note-se que não apenas o adquirente mas
também o alienante estão se sujeitando à sorte. Ambos remetem o resultado ao
acaso. Por isso, o conhecimento antecipado da perda total pelo alienante
implicará inexistência do negócio jurídico pela ausência de objeto. Ou seja,
não se cuida de invalidade por nulidade, que só se produziria se existisse o
objeto, porém fica qualificado como ilícito, impossível ou indeterminado (CC.
166, II) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 528 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/08/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na esteira de Ricardo Fiuza, trata-se do
contrato aleatório tendo por objeto coisas existentes mas expostas a risco. O
adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebe-la
parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando,
entretanto, ao alienante todo o valor. Acentua João Luiz Aves representar o
dispositivo a generalização dos princípios aceitos pelo direito comercial
quanto ao seguro marítimo (CC. 666 e 677, IX), valendo, aqui, o exemplo da
mercadoria embarcada, tomando sobre si o adquirente a sorte (álea) de vir ou não
recebê-la, devido a acidente ou naufrágio. Mesmo que a coisa no dia do contrato
já não existisse no todo ou em parte, o risco assumido obriga o adquirente ao
pagamento do preço. Excetua-se a hipótese do artigo seguinte (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 248, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/08/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, este
dispositivo, em sua literalidade, representa quebra do sistema. A regra geral
determina que a coisa se perde para seu proprietário: res perito domino,
devendo o alienante arcar com o prejuízo pela perda ou deterioração da coisa
antes do momento da tradição, conforme os arts. CC. 234 e 235.
Há, portanto, antinomia
entre o art. 460 e o art. 235 do Código Civil que se deve resolver em favor do
artigo 460 por se tratar de regra específica para contratos aleatórios: lex
specialis derrogat lex generalis.
Desse modo, se, num
contrato aleatório, ocorrer a deterioração ou perda do bem “no dia do
contrato”, o risco será do adquirente que tiver assumido o risco relativamente
à deterioração ou à perda da coisa, desde que o alienante não tivesse conhecimento
da deterioração ou perda da coisa no momento da realização do contrato conforme
o CC. 461 (Marco Túlio de Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 13.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 461.
A
alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada
como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a
consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.
De acordo
com Nelson Rosenvald, se no momento da celebração do contrato o alienante
possuía conhecimento acerca da consumação do risco a que estava exposto o
adquirente, o contrato aleatório será passível de anulação pelo dolo.
O dolo é o
vício de consentimento que se revela quando há uma desconformidade entre a
vontade real e a declaração do agente, por ter sido induzido a erro pela
contraparte (CC.145). aqui, o alienante levou o adquirente a efetuar um negócio
jurídico aparentemente aleatório, pois aquele já tinha ciência do resultado. Em
verdade, surte a omissão dolosa pelo silencio intencional do vendedor a
respeito do fato essencial desconhecido pelo comprador, eis que ele não
celebraria o negócio se soubesse do ocorrido.
Todavia,
para não incidirmos em colisão com a hipótese do art. 460, há que ser feita
uma distinção. Quando desde o início o alienante sabe que a coisa contratada
como aleatória não existe, tratar-se-á de inexistência do objeto. Mas, se o seu
conhecimento prévio concerne à ciência da consumação do risco pela existência da
coisa em quantidade inferior à esperada, estamos no plano da invalidade pela
anulabilidade da conduta dolosa. Aqui caberá ao adquirente o ajuizamento de
ação desconstitutiva do negócio jurídico no prazo decadencial de quatro anos
(CC. 178).
Como o art.
461 se refere à anulação do negócio aleatório caso o dolo seja meramente
acidental (CC. 146) – a ponto de o adquirente manter o contrato mesmo se
soubesse da sua condição real -. A solução será o ajuizamento de ação
indenizatória e não a invalidação do negócio jurídico.
Não obstante a redação do
art. 461, referindo-se à possibilidade de ser anulada a alienação aleatória
quanto o outro contratante tiver conhecimento da consumação do risco no momento
de realização do negócio jurídico, entendemos não se tratar de anulação, mas de
nulidade. Na verdade, verificado o risco, sendo tal fato de conhecimento de um
dos contratantes, não estaremos diante de um negócio jurídico aleatório, uma
vez que risco não existe. Conferindo ao termo “objeto”, presente no CC. 166, a
acepção de causa do negócio jurídico, este será nulo, ante a impossibilidade de
se firmar um contrato aleatório sem risco. Exemplificando, podemos citar os
contratos de seguro de saúde. O risco é ínsito a todo contrato de seguro. O
segurador, em contrapartida ao recebimento do valor avançado, assume o risco de
o segurado vir a ficar doente, tendo de arcar com o custeio de um tratamento
médico. Caso o segurado, ciente da existência de uma doença preexistente, omita
tal fato ao segurador, estaremos diante de um contrato com roupagem de
aleatoriedade, haja vista que risco não existirá, ou seja, o contrato será
nulo, ante a impossibilidade do objeto (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 528 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 14/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Seguindo na
esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, este dispositivo torna clara a
possibilidade de anulação do contrato por dolo se o alienante contratou com
conhecimento da prévia perda ou deterioração da coisa e não a informou ao
adquirente. Configura-se o dolo (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 14.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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