quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564 - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II – Da Revogação da Doação
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.

No entendimento de Nelson Rosenvald, em boa hora foi corrigida uma histórica omissão. Enquanto na tentativa de homicídio o doador sobrevivente poderia ajuizar ação revocatória, no crime consumado doloso, no qual o donatário alcançava o seu intento, poder-se-ia cogitar do delito perfeito, pois o ordenamento não permitia a transmissão do direito de demandar aos herdeiros do doador falecido.

Essa perplexidade é sanada pelo presente dispositivo – em conexão com o acréscimo da parte final do art. 557, I -, permitindo que os herdeiros do de cujus promovam em nome próprio a ação de revogação da doação, preservando o interesse moral da família em compensar de alguma forma a violação aos seus direitos da personalidade. Por isso, é possível a cumulação do pleito desconstitutivo com a reparação pelo dano moral.

Pelo fato de a lide não assumir contornos patrimoniais, não apenas os herdeiros chamados à sucessão imediatamente poderão ajuizar a demanda contra donatário como também outros sucessíveis mais distantes, diante da omissão dos mais próximos.

Abre-se exceção no final do dispositivo, nos casos em que, antes de falecer como consequência do crime, o doador perdoa o donatário por escrito ou através de declaração testemunhada por pessoas próximas. Caberá ao donatário demonstrar a existência do aludido perdão com base na distribuição dos ônus probatórios (CPC/1973 art. 333, com correspondência no CPC/2015 art. 373) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a regra decorre do inciso I do art. 557 (ver comentário). A impossibilidade material de o doador exercitar a ação faz transferir aos seus herdeiros a inciativa, certo que agora autorizada, com bastante lucidez. O homicídio frustro (tentativa) serve de causa revocatória, mas o exitoso não era previsto para a revogação, sob o pálio do direito personalíssimo do doador assassinado. O perdão do doador, todavia, elide a admissibilidade da demanda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD

Na orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, ao possibilitar a revogação da doação em razão de homicídio consumado do doador, cometido pelo donatário, previu o Código Civil de 2002 que os herdeiros do doador possam ajuizar a ação, mas se o doador tiver perdoado o donatário no interregno entre o fim dos atos de execução do crime e a superveniência da morte do doador, os herdeiros não poderão revoga-la. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.

Do jeito como entende Rosenvald, o artigo trata do pressuposto para a revogação da doação onerosa na espécie com encargo. Existem outras espécies de doações onerosas (v.g., doação remuneratória), mas elas não se revogam por ingratidão, conforme ressalta o CC 564.

Se o doador fixou um prazo para o cumprimento do encargo pelo donatário, a mora é automática – mora ex re -, aplicando-se o brocardo dies interpelat pro homine, pois é dispensada qualquer forma de interpelação (CC 397).

Todavia, inexistindo termo, a mora é ex persona, sendo necessária a notificação judicial do donatário para que, dentro de prazo razoável, cumpra a obrigação. A locução “prazo razoável” será aferida pelas circunstâncias. Assim, um prazo de dez dias é suficiente para que o donatário realize a pintura de um apartamento, mas não é razoável para que ministre um curso de inglês ao filho do doador.

Na mora para os encargos sem termo assinalado não se aplicará o parágrafo único do CC 397, que permite ainda a constituição em mora pela via extrajudicial. A regra geral será afastada pela especialidade do preceito em comento.

Por fim, é sempre bom lembrar que a mora é a inexecução da obrigação no tempo, local ou forma ajustados (CC 393). Apesar de a dicção do artigo sugerir que na doação com encargo ela será apenas apreciada no aspecto temporal, prevalece a visão abrangente do instituto, possibilitando o ajuizamento da ação quando, Exemplificadamente, o donatário construir um cômodo de pequenas dimensões, quando o doador havia ajustado que o quarto seria amplo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a regra decorre da parte final do CC 555. Incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doação, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador.

A mora do donatário onerado opera-se pelo simples vencimento do prazo para o cumprimento, facultando ao doador a ação de resolução do contrato. Não existindo prazo clausulado, o donatário incidirá em mora, quando assinalando-lhe o doador prazo razoável para o adimplemento do encargo, este escoar sem que a obrigação seja cumprida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Aprende-se com Marco Túlio de Carvalho Rocha que, se o contrato de doação estabelece prazo para o cumprimento do encargo, uma vez que este tenha sido atingido sem que o donatário tenha realizado a prestação que assumiu, fica caracterizada a mora segundo a regra dies interpelat pro homine. Não havendo prazo, deve o doador notificar o donatário, concedendo-lhe tempo razoável para cumprir o ônus. Embora o dispositivo faça referência à notificação judicial, considera-se válida a realizada por outros meios idôneos.

Caracterizada a mora do donatário para cumprimento do encargo, qual é o prazo para o doador requerer que a doação seja revogada? O CC 559 que fixa o prazo de 1 ano estabelece que o referido prazo refere-se a “qualquer desses motivos”. O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 1.184 do Código Civil de 1916, estabeleceu que os motivos a que se referia o dispositivo eram apenas os enumerados nos artigos antecedentes, ou seja, os motivos relacionados à revogação por ingratidão. Desse modo, a revogação por descumprimento de encargo restaria sem prazo e, portanto, a ela deveria ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos. O mesmo raciocínio, aplicado ao Código Civil de 2002, leva ao prazo de 10 anos para a revogação da doação por descumprimento de encargo, por ser este o prazo geral de prescrição previsto no CC vigente, embora a hipótese seja propriamente, de decadência (STJ, 3ª T., REsp 27.019-8-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 14/6/93 (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

Raciocinando na esteira de Nelson Rosenvald, quando se afirma que a revogação por ingratidão não prejudicará os direitos adquiridos por terceiros, não estamos apenas diante de uma opção legislativa pela tutela da aparência e da boa-fé dos terceiros que praticaram negócios jurídicos com aquele que ostentava a posição de proprietário.

Com efeito, tanto a revogação por ingratidão como a praticada por inexecução do encargo representam situações que se verificam na fase de execução contratual, não em sua gênese. Representam o inadimplemento de uma doação pelo descumprimento da obrigação principal do devedor (encargo), como pelo dever anexo de proteção (ingratidão), ofendendo o princípio da boa-fé objetiva.

Assim, ambas as formas de revogação representam a ineficácia superveniente de um negócio jurídico válido. Daí que serão preservados todos os direitos adquiridos por terceiros, na medida em que não se nulifica ou anula um negócio jurídico que é válido na origem. De fato, apenas a anulação do negócio restitui as partes ao estado em que se encontravam primitivamente (CC 182).

Ademais, o CC 1.360 consagra a propriedade ad tempus, diferenciando-a da propriedade resolúvel do CC 1.359. Naquela, a propriedade não está sujeita a termo ou condição, mas é potencialmente revogável em razão de evento superveniente (v.g., ingratidão e inexecução do encargo). Assim, o terceiro que a adquiriu “será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor” (CC 1.360).

Quanto aos frutos recebidos pelo donatário, aplica-se à temática a mesma estrutura da divisão dos frutos conforme a boa-fé ou má-fé do possuidor (CC 1.214 a 1.216). Assim, antes da citação válida, o possuidor desconhece a demanda e mantém a boa-fé, sedo todos os frutos colhidos de sua propriedade. Porém, os frutos posteriores serão considerados pendentes e, portanto, devolvidos ao final da lide, caso julgada procedente a pretensão do doador.

A parte final do dispositivo esclarece que, na impossibilidade de restituição do bem in natura, por destruição, perda ou alienação, ficará obrigado o donatário a arcar com a indenização representativa de meio-termo do seu valor, como uma espécie de valor razoável entre o valor máximo e o mínimo encontrados no mercado no período em que o bem esteve com o donatário. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que os direitos adquiridos por terceiros não são prejudicados, porquanto os efeitos da revogação não retroagem (ex nunc). O donatário é obrigado ao pagar os frutos percebidos, uma vez litigiosa a coisa pela citação válida (CPC/1972, art. 219, com correspondência no CPC/2015, art. 240), dispensando de restituir os anteriores àquele ato processual. O CC/2002 inova bem a matéria, obrigado o donatário a partir de quando formada a relação jurídico-processual e não mais quando instalada a lide pela contestação deste, como refere, com desacerto o CC de 1916.

Dar-se-á a indenização em caso de impossível restituição em espécie, como sucede por não prejudicar direitos de terceiros, apurando-se o quantum indenizatório pela média do valor que a coisa doada experimentou ao longo do período compreendido entre a liberalidade prestada e a revogação da doação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo aponta para a segurança das relações jurídicas e visando à proteção da boa-fé objetiva, não permitindo a lei que terceiros a quem o bem doado tenha sido transferido seja atingido por eventual revogação da doação. Não fica isento, no entanto, o donatário que tiver alienado o bem, pois fica obrigado a pagar ao doador o valor da coisa. O donatário fica obrigado, igualmente, a devolver os frutos percebidos após sua citação válida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I – as doações puramente remuneratórias;
II – as oneradas com encargo já cumprido;
III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;
IV -  as feitas para determinado casamento.

Na esteira de pensamento de Nelson Rosenvald, a norma prevê situações em que a doação não poderá ser revogada, não obstante tenha o donatário praticado uma das condutas vislumbradas no CC 557. A solução da lei se justifica, uma vez que as quatro hipóteses selecionadas retratam doações vinculadas a determinados objetivos do doador, ao contrário do que ocorre na doação pura.

Mas o fato de a norma vedar a revogação da doação nas referidas situações não implica total isenção de responsabilidade do donatário. Além de eventual sanção penal, poderá o doador – ou seus familiares quando vítimas ou sucessores – ajuizar ação de reparação pelo dano moral consequente à ofensa aos direitos da personalidade, além da indenização pelos danos materiais por prejuízos causados na órbita econômica.

As doações puramente remuneratórias são aquelas relacionadas a uma compensação ao donatário em virtude de serviços por ele realizados, sem que exista uma contraprestação exigível (CC 540). O dever moral – não o jurídico – impele o doador a realizar a doação. Contudo, se a remuneração ultrapassar o custo normal do serviço, o excedente não será configurado como doação onerosa e será passível de revogação por ingratidão. Assim, se entrego uma joia avaliada em R$ 3.000,00 para compensar um médico por um tratamento habitualmente remunerado em R$ 500,00, eventual ingratidão poderá ser revogada no limite de R$ 2.500,00.

As doações com encargo ou modo impõem ao devedor a realização de determinadas obrigações, sob pena de revogação por seu inadimplemento (CC 562). Mas, tendo sido o encargo comprovadamente cumprido no tempo, locar e forma devidos, a doação adquire o traço da irrevogabilidade.

A outro giro, quando a doação é efetivada em cumprimento de obrigação natural, também é incabível a adoção da ação revocatória. Lembre-se de que as obrigações civis são compostas de dois elementos: débito e responsabilidade. Nas obrigações naturais há um débito desprovido de responsabilidade, pois não há exigibilidade da prestação para o credor. O seu direito subjetivo violado não é dotado de pretensão, portanto não pode agir contra o devedor no sentido de constrange-lo a pagar. Porém, se houver o pagamento voluntário, ele será irrepetível (CC 882), pois havia um débito, seja ele jurídico (dívida prescrita), seja moral (dívida de jogo não legalizado). Portanto, se alguém utilizar a forma da doação para pagar obrigação natural, certamente não poderá revoga-la por ingratidão.

No mais, a doação feita em contemplação de determinado casamento não poderá ser revogada, pois a lei não quer criar embaraços para os cônjuges, preservando o matrimonio. Entendemos que esse inciso é inócuo e não reflete a atualidade do direito de família, que se preocupa com a preservação das pessoas e não de instituições. Em outras palavras, a ingratidão de um cônjuge a outro eventualmente propicia separação judicial, reparação por danos materiais e morais e ação penal. Qual a razão de afastar a revogação da doação, quando já não mais existe o afeto que a provocou? (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610/611 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

São insuscetíveis de revogação por ingratidão, no magistério de Ricardo Fiuza, as doações puramente remuneratórias, i.é, aquelas que remuneram um serviço prestado pelo donatário, no que não exceder ao valor de tal serviço (CC 264, I)

Refere o CC 264, II, às doações com encargo já cumprido, ou seja, com a condição satisfeita, diferentemente ao mesmo inciso incluído em artigo no Código anterior que as aponta na espécie, tenha ou não sido cumprida a incumbência. É evidente a importância do acréscimo. Cumprindo o encargo, a exemplo daquele importo a benefício de terceiro ou do interesse social, não há de se revogar a doação.

A doação decorrente da liberalidade feita para atendimento de obrigação não exigível (v.g., dívida de jogo ou dívida prescrita) também não pode ser revogada por ingratidão (CC 264, III).

No caso de doação feita em contemplação de casamento (casamento futuro), ela se torna irrevogável, com a celebração deste, tendo alcançado o fim a que se propôs (CC 264, IV) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Em explicação sucinta Marco Túlio de Carvalho Rocha expõe que a regra é ter o doador o direito de revogar a doação por ingratidão. As exceções são as enumeradas no presente artigo e têm comum o fato de o donatário ter realizado ato relevante que motivou a doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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