quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 586, 587, 588 - continua - Do Mútuo - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 586, 587, 588 - continua
- Do Mútuo - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VI – Do Empréstimo - Seção II –
Do Mútuo - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

No dominó apresentado por Nelson Rosenvald, por ocasião do estudo do contrato de comodato, percebemos que se trata do gênero do negócio jurídico de empréstimo. O mútuo também. Porém no comodato há um empréstimo de uso, incidente na obrigação de restituir coisa móvel ou imóvel infungível, enquanto o mútuo perfaz empréstimo de consumo, pelo qual se transmite propriedade de coisa móvel fungível, com a obrigação do mutuário de restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (CC 85). Todo tipo de bem fungível poderá ser mutuado (v.g., animais, plantas, utensílios domésticos), porém, usualmente, a obrigação será pecuniária, incidindo sobre quantia certa e líquida.

Não se exigirá do mutuário que restitua exatamente o bem que recebeu, pois é da essência desse negócio jurídico a utilização da coisa fungível, o que poderá implicar seu próprio perecimento, pela impossibilidade de conservação. Daí a transmissão da propriedade ao mutuário, com a assunção dos riscos derivados da destruição ou perda dos bens.

Assim como o comodato, o mútuo é um contrato real, pois a entrega da coisa mutuada não consiste em obrigação do mutuante, mas em pressuposto de existência do negócio jurídico. Enquanto não se verifica a tradição, não se fala nesse contrato, mas apenas em uma promessa de mutuar, como espécie de contrato preliminar (CC 462). De sua natureza real decorre a unilateralidade do contrato, haja vista que apenas o mutuário assume obrigação, qual seja a de restituir o bem ao término do prazo estabelecido no contrato ou em lei.

Em princípio, o mútuo é um contrato gratuito, pois o empréstimo de um bem fungível importa em uma liberalidade ou proveito para o beneficiário. Todavia, ao contrário do comodato, aqui a gratuidade não é da essência do negócio jurídico, sendo possível – e isso ocorrer frequentemente – que o mútuo assuma feição de contrato oneroso, estabelecendo-se a obrigação do mutuário de pagar juros compensatórios em favor da figura do mútuo feneratício.

Outrossim, cuida-se de negócio temporário – tanto na forma gratuita como na onerosa -, com acento na obrigação de restituir, pois a definitividade o converteria em doação ou compra e venda. Vale dizer que a tradição não é o objetivo do contrato, apenas o meio pelo qual o bem alcançará o mutuário para a satisfação de suas necessidades econômicas transitórias. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 628 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No ensinar de Ricardo Fiuza, o mútuo é empréstimo de consumo, mediante o qual é transferida a outrem coisa móvel fungível, obrigando-se este a restituir em coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade. Em outras palavras, o proprietário, mutuante, transmite a propriedade da coisa mutuada, e não apenas a posse, com o efeito e possibilidade de aquela ser consumida, obrigando-se o mutuário a compensá-lo com a entrega de outra, substancial, qualitativa e quantitativamente idêntica. A substituição com essa identidade é pressuposto necessário para configurar o mútuo.

O contrato de mútuo é real, condizendo, para sua perfeição, a tradição da coisa; unilateral por constituir obrigações unicamente para o mutuário; gratuito ou oneroso; translatício da propriedade (CC 587); não solene e de prazo certo ou variável, acentuando-se, daí, a sua temporariedade, pois vinculado o mutuário ao dever de restituição equivalente. O mútuo tem por objeto quantia certa e líquida (STJ, AEREsp 264.809-MS, rel. Mm Ari Pargendler, DJ de 4-6-2001).

Jurisprudência: 1. “O avalista de título de crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário” (Súmula 26 do STJ); 2. “É nula a obrigação assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste” (Súmula 60 do STJ); 3. “Em princípio, em todo e qualquer contrato de mútuo, ou de depósito em dinheiro, quem responde pelos juros e pela atualização do valor monetário é a parte que recebe a propriedade do bem fungível, que dele usufrui em proveito próprio, ou seja, o devedor ou o depositário, o qual, depois, deverá devolvê-lo, com aqueles acréscimos, ao credor, ou depositante” (STJ, 3’ T., REsp 123.233-SP, rel. Mm. Waldemar Zveiter, DJ de 22-10-2001); 4. “Nos contratos de mútuo firmados com instituições financeiras, ainda que expressamente acordada, é vedada a capitalização mensal de juros, somente admitida nos casos previstos em lei...” (STJ, 4’ T., REsp 325.327-RS, rel. Mm. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 24-9-2001; 5. “A limitação da taxa de juros em 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), não se aplica ao mútuo bancário comum, não regido por lei especial quanto ao tema. Jurisprudência da Cone e incidência da Súmula n. 596/Direito. DJ de 24-9-2001).  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 314 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme expressa mais extensivamente Marco Túlio de Carvalho Rocha, o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mútuo é um contrato real, unilateral, gratuito ou oneroso (mútuo feneratício ou frugífero) e temporário.

O mutuante transfere a propriedade de uma coisa fungível ao mutuário que se obriga a devolver ao primeiro, coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. O mutuante deve ser proprietário da coisa.

São objeto do mútuo exclusivamente bens fungíveis, consumíveis ou não. O Decreto n. 23.501, de 27.11.1933, proibiu estipulação em meio que impeça o curso da moeda nacional.

Antes da entrega da coisa ao mutuário, o contrato vale como contrato preliminar (pactum de mutuo dando). Se prometida a entrega de dinheiro em parcelas, configura contrato de financiamento.

Se não estipulada a cobrança de juros, o mútuo é gratuito. Se destinado a “fins econômicos”, a onerosidade é presumida. Nas relações de consumo, os juros devem ser expressos (art. 52, II, Código de Defesa do Consumidor). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

No entendimento de Nelson Rosenvald, a fim de que o mutuário possa extrair o maior proveito econômico dobem emprestado, natural que seja convertido em proprietário do bem a partir da sua tradição.

A norma em comento acentua que da transmissão da propriedade decorre a assunção dos riscos pelo perecimento da coisa. Res perito domino, já diziam os romanos, é o que acentua o CC 492. Não se olvide de que no mútuo feneratício (com juros), responderá o mutuante pelos riscos da evicção e do vício redibitório (CC 441 e 447), tratando-se de contrato oneroso, no qual as vantagens e os sacrifícios são recíprocos e se estabelece o sinalagma.

Nas três espécies de tradição – real (entrega da coisa); simbólica (entrega de objeto representativo da coisa); ou ficta (constituto possessório) -, pelo fato de o mutuário se tornar proprietário, ele assumirá as despesas com a conservação da coisa, sem a possibilidade de reclamar a restituição dos respectivos valores pelo mutuante.

Lembramos que a obrigação principal do mutuário consiste na restituição da coisa, do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Assim, no empréstimo em dinheiro quem responderá pelos juros e pela atualização monetária será o mutuário que usufruir a coisa em proveito próprio. Ademais, como o gênero nunca perece, mesmo havendo a destruição da coisa em virtude do fortuito, remanesce a obrigação de restituição. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 629 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, diz que o contrato de mútuo caracteriza-se pela translatividade dominial da coisa mutuada, que se opera a partir da tradição. Esse efeito decorre, à toda evidência, de tratar-se de empréstimo de consumo, e justamente “por não se conciliar a conservação da coisa com a faculdade de consumi-la, sem a qual perderia este empréstimo a sua utilidade econômica” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 304).

Desse modo, com a efetiva tradição da coisa, passarão a correr por conta do mutuário todos os riscos a ela inerentes, perseverando a obrigação de sua restituição em espécie, “mesmo na hipótese de destruição da coisa por força maior ou em virtude de caso fortuito, pois res perit domino (o risco pelo perecimento da coisa correr por conta do proprietário) e o gênero presumidamente nunca perece” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 441)  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 314 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com Marco Túlio de Carvalho Rocha, os bens emprestados no mútuo o são para que o mutuário os utilize e, em geral, os consuma. É natural que a finalidade do contrato seja a de a coisa emprestada ser consumida, como ocorre no caso de empréstimo de dinheiro. Para que o mutuário possa legitimamente consumir a coisa é necessário que a propriedade dela lhe seja transferida. Ele assume a obrigação de devolver ao mutuante, coisa do mesmo gênero e quantidade daquela que recebeu. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.

Nos comentários de Nelson Rosenvald, à primeira vista, o dispositivo é mera reiteração de pontos trabalhados no estudo da teoria geral do negócio jurídico. A capacidade das partes é requisito de validade do ato de autonomia privada (CC 104), sob pena de nulidade (CC 166) para o ato praticado por absolutamente incapaz privado de representação e anulabilidade (CC 171), tratando-se do negócio praticado por relativamente incapaz que não é assistido. Sendo qualquer contrato um negócio jurídico bilateral, o acorda de vontades demandará a capacidade negocial dos envolvidos, pois o mutuante deverá validamente dispor e o mutuário, restituir.

Nada obstante, a norma guarda curioso antecedente histórico. Em Roma, o filho de um senador contraiu empréstimo e, na impossibilidade de saldá-lo, matou o próprio pai a fim de obter a herança necessária ao pagamento. Impressionado, o Senado editou o senatosconsulto macedoniano, pelo qual o mútuo contraído sem representação ou assistência do incapaz não poderia ser posteriormente cobrado do mutuário ou de seus fiadores.

Enfim, trata-se de norma de ordem pública, expedida com a finalidade de impedir que a inexperiência de menores seja o fato gerador da contratação de negócio extorsivo e de sua própria desgraça e de seus familiares. O mutuante perderá o bem mutuado como sanção à quebra da boa-fé, excetuando-se as hipóteses alinhavadas no artigo seguinte. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 629-630 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

De acordo com doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, como sabido, a validade do negócio jurídico requer agente capaz (CC 104, I). assim, exige a relação jurídica a capacidade de o mutuário obrigar-se como corolário natural do vínculo ao contrato. O mútuo feito a pessoa menor, relativamente incapaz, requer, portanto, a autorização daquele sob cuja guarda estiver, sob pena de, havido sem eficácia, o mutuante não reaver dela a coisa mutuada, nem de seus fiadores, excetuando-se as hipóteses do artigo seguinte. A não-observância implica, em princípio, a não-exigibilidade da restituição.

O preceito protetivo é de ordem pública. Objetiva amparar o menor inexperiente dos abusos de sua boa-fé, por pane de quem possa explorá-lo em negócios extorsivos. Explica Clóvis Beviláqua “o fim da lei é impedir que jovens inexperientes sejam arrastados para o vício, e explorados por usurários, que lhes facilitem empréstimos, visando lucros excessivos” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, v. 4, p. 443). Nessa linha, alude Caio Mário da Silva Pereira: “Trata-se de um preceito protetor contra a exploração gananciosa da inexperiência do menor. E foi imaginado como técnica para impedir as manobras especuladoras, mediante a punição ao emprestador – que perderá a coisa mutuada se fizer o empréstimo proibido” (Instituições de direito civil, 4.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1918, v. 3, p. 306). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 315 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ora, como ensinado por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o negócio jurídico realizado por menor sem a representação ou a assistência de seu representante legal é, ordinariamente, nulo ou anulável. A aplicação da regra geral ao mútuo leva ao dever de o mutuário restituir ao mutuante o que dele recebeu, o que aproxima os efeitos do mútuo nulo dos efeitos do mútuo validamente contratado.

O dispositivo visa a impedir a cobrança do empréstimo se a nulidade decorre da menoridade do mutuário e, com isso, a desestimular o mútuo a menores incapazes. A regra tem muitas exceções, previstas no CC 589, que reúne situações em que há prova de o empréstimo ter sido revertido efetivamente em benefício do menor. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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