Direito Civil Comentado
- Art. 586, 587, 588 - continua
- Do Mútuo - VARGAS, Paulo S.
R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo VI – Do Empréstimo -
Seção II –
Do Mútuo
- vargasdigitador.blogspot.com -
Art. 586.
O
mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante
o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
No dominó
apresentado por Nelson Rosenvald, por ocasião do estudo do contrato de
comodato, percebemos que se trata do gênero do negócio jurídico de empréstimo.
O mútuo também. Porém no comodato há um empréstimo de uso, incidente na
obrigação de restituir coisa móvel ou imóvel infungível, enquanto o mútuo
perfaz empréstimo de consumo, pelo qual se transmite propriedade de coisa móvel
fungível, com a obrigação do mutuário de restituir coisa do mesmo gênero,
qualidade e quantidade (CC 85). Todo tipo de bem fungível poderá ser mutuado (v.g.,
animais, plantas, utensílios domésticos), porém, usualmente, a obrigação será
pecuniária, incidindo sobre quantia certa e líquida.
Não se
exigirá do mutuário que restitua exatamente o bem que recebeu, pois é da
essência desse negócio jurídico a utilização da coisa fungível, o que poderá
implicar seu próprio perecimento, pela impossibilidade de conservação. Daí a
transmissão da propriedade ao mutuário, com a assunção dos riscos derivados da
destruição ou perda dos bens.
Assim como o
comodato, o mútuo é um contrato real, pois a entrega da coisa mutuada não
consiste em obrigação do mutuante, mas em pressuposto de existência do negócio jurídico.
Enquanto não se verifica a tradição, não se fala nesse contrato, mas apenas em
uma promessa de mutuar, como espécie de contrato preliminar (CC 462). De sua
natureza real decorre a unilateralidade do contrato, haja vista que apenas o
mutuário assume obrigação, qual seja a de restituir o bem ao término do prazo
estabelecido no contrato ou em lei.
Em
princípio, o mútuo é um contrato gratuito, pois o empréstimo de um bem fungível
importa em uma liberalidade ou proveito para o beneficiário. Todavia, ao contrário
do comodato, aqui a gratuidade não é da essência do negócio jurídico, sendo
possível – e isso ocorrer frequentemente – que o mútuo assuma feição de
contrato oneroso, estabelecendo-se a obrigação do mutuário de pagar juros
compensatórios em favor da figura do mútuo feneratício.
Outrossim, cuida-se de
negócio temporário – tanto na forma gratuita como na onerosa -, com acento na
obrigação de restituir, pois a definitividade o converteria em doação ou compra
e venda. Vale dizer que a tradição não é o objetivo do contrato, apenas o meio
pelo qual o bem alcançará o mutuário para a satisfação de suas necessidades
econômicas transitórias. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 628 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
No ensinar
de Ricardo Fiuza, o mútuo é empréstimo de consumo, mediante o qual é
transferida a outrem coisa móvel fungível, obrigando-se este a restituir em
coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade. Em outras palavras, o
proprietário, mutuante, transmite a propriedade da coisa mutuada, e não apenas
a posse, com o efeito e possibilidade de aquela ser consumida, obrigando-se o
mutuário a compensá-lo com a entrega de outra, substancial, qualitativa e
quantitativamente idêntica. A substituição com essa identidade é pressuposto
necessário para configurar o mútuo.
O contrato
de mútuo é real, condizendo, para sua perfeição, a tradição da coisa;
unilateral por constituir obrigações unicamente para o mutuário; gratuito ou
oneroso; translatício da propriedade (CC 587); não solene e de prazo certo ou
variável, acentuando-se, daí, a sua temporariedade, pois vinculado o mutuário
ao dever de restituição equivalente. O mútuo tem por objeto quantia certa e
líquida (STJ, AEREsp 264.809-MS, rel. Mm Ari Pargendler, DJ de
4-6-2001).
Jurisprudência:
1. “O avalista de título de crédito vinculado a contrato de mútuo
também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como
devedor solidário” (Súmula 26 do STJ); 2. “É nula a obrigação assumida por
procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”
(Súmula 60 do STJ); 3. “Em princípio, em todo e qualquer contrato de mútuo, ou
de depósito em dinheiro, quem responde pelos juros e pela atualização do valor
monetário é a parte que recebe a propriedade do bem fungível, que dele usufrui
em proveito próprio, ou seja, o devedor ou o depositário, o qual, depois,
deverá devolvê-lo, com aqueles acréscimos, ao credor, ou depositante” (STJ, 3’
T., REsp 123.233-SP, rel. Mm. Waldemar Zveiter, DJ de 22-10-2001); 4.
“Nos contratos de mútuo firmados com instituições financeiras, ainda que
expressamente acordada, é vedada a capitalização mensal de juros, somente
admitida nos casos previstos em lei...” (STJ, 4’ T., REsp 325.327-RS, rel. Mm.
Aldir Passarinho Júnior, DJ de 24-9-2001; 5. “A limitação da taxa de
juros em 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), não se
aplica ao mútuo bancário comum, não regido por lei especial quanto ao tema.
Jurisprudência da Cone e incidência da Súmula n. 596/Direito. DJ de
24-9-2001). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 314 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
23/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Conforme
expressa mais extensivamente Marco Túlio de Carvalho Rocha, o mútuo é o empréstimo de
coisas fungíveis. O mútuo é um contrato real, unilateral, gratuito ou oneroso
(mútuo feneratício ou frugífero) e temporário.
O
mutuante transfere a propriedade de uma coisa fungível ao mutuário que se
obriga a devolver ao primeiro, coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. O
mutuante deve ser proprietário da coisa.
São
objeto do mútuo exclusivamente bens fungíveis, consumíveis ou não. O Decreto n.
23.501, de 27.11.1933, proibiu estipulação em meio que impeça o curso da moeda
nacional.
Antes
da entrega da coisa ao mutuário, o contrato vale como contrato preliminar (pactum
de mutuo dando). Se prometida a entrega de dinheiro em parcelas, configura
contrato de financiamento.
Se
não estipulada a cobrança de juros, o mútuo é gratuito. Se destinado a “fins
econômicos”, a onerosidade é presumida. Nas relações de consumo, os juros devem
ser expressos (art. 52, II, Código de Defesa do Consumidor). (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 23.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 587.
Este
empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta
correm todos os riscos dela desde a tradição.
No
entendimento de Nelson Rosenvald, a fim de que o mutuário possa extrair o maior
proveito econômico dobem emprestado, natural que seja convertido em proprietário
do bem a partir da sua tradição.
A norma em
comento acentua que da transmissão da propriedade decorre a assunção dos riscos
pelo perecimento da coisa. Res perito domino, já diziam os romanos, é o
que acentua o CC 492. Não se olvide de que no mútuo feneratício (com juros),
responderá o mutuante pelos riscos da evicção e do vício redibitório (CC 441 e
447), tratando-se de contrato oneroso, no qual as vantagens e os sacrifícios são
recíprocos e se estabelece o sinalagma.
Nas três
espécies de tradição – real (entrega da coisa); simbólica (entrega de objeto representativo
da coisa); ou ficta (constituto possessório) -, pelo fato de o mutuário se
tornar proprietário, ele assumirá as despesas com a conservação da coisa, sem a
possibilidade de reclamar a restituição dos respectivos valores pelo mutuante.
Lembramos que a obrigação principal
do mutuário consiste na restituição da coisa, do mesmo gênero, quantidade e
qualidade. Assim, no empréstimo em dinheiro quem responderá pelos juros e pela atualização
monetária será o mutuário que usufruir a coisa em proveito próprio. Ademais,
como o gênero nunca perece, mesmo havendo a destruição da coisa em virtude do
fortuito, remanesce a obrigação de restituição. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 629 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
A doutrina
apresentada por Ricardo Fiuza, diz que o contrato de mútuo caracteriza-se pela
translatividade dominial da coisa mutuada, que se opera a partir da tradição. Esse
efeito decorre, à toda evidência, de tratar-se de empréstimo de consumo, e
justamente “por não se conciliar a conservação da coisa com a faculdade de
consumi-la, sem a qual perderia este empréstimo a sua utilidade econômica”
(Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio
de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 304).
Desse modo,
com a efetiva tradição da coisa, passarão a correr por conta do mutuário todos
os riscos a ela inerentes, perseverando a obrigação de sua restituição em
espécie, “mesmo na hipótese de destruição da coisa por força maior ou em
virtude de caso fortuito, pois res perit domino (o risco pelo
perecimento da coisa correr por conta do proprietário) e o gênero
presumidamente nunca perece” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil
brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2000, p. 441) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 314 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 24/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo com
Marco
Túlio de Carvalho Rocha, os bens emprestados no mútuo o são para que o mutuário
os utilize e, em geral, os consuma. É natural que a finalidade do contrato seja
a de a coisa emprestada ser consumida, como ocorre no caso de empréstimo de
dinheiro. Para que o mutuário possa legitimamente consumir a coisa é necessário
que a propriedade dela lhe seja transferida. Ele assume a obrigação de devolver
ao mutuante, coisa do mesmo gênero e quantidade daquela que recebeu. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 588.
O mútuo
feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não
pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.
Nos
comentários de Nelson Rosenvald, à primeira vista, o dispositivo é mera
reiteração de pontos trabalhados no estudo da teoria geral do negócio jurídico.
A capacidade das partes é requisito de validade do ato de autonomia privada (CC
104), sob pena de nulidade (CC 166) para o ato praticado por absolutamente
incapaz privado de representação e anulabilidade (CC 171), tratando-se do
negócio praticado por relativamente incapaz que não é assistido. Sendo qualquer
contrato um negócio jurídico bilateral, o acorda de vontades demandará a
capacidade negocial dos envolvidos, pois o mutuante deverá validamente dispor e
o mutuário, restituir.
Nada obstante,
a norma guarda curioso antecedente histórico. Em Roma, o filho de um senador
contraiu empréstimo e, na impossibilidade de saldá-lo, matou o próprio pai a
fim de obter a herança necessária ao pagamento. Impressionado, o Senado editou
o senatosconsulto macedoniano, pelo qual o mútuo contraído sem representação
ou assistência do incapaz não poderia ser posteriormente cobrado do mutuário ou
de seus fiadores.
Enfim, trata-se de norma de
ordem pública, expedida com a finalidade de impedir que a inexperiência de
menores seja o fato gerador da contratação de negócio extorsivo e de sua
própria desgraça e de seus familiares. O mutuante perderá o bem mutuado como
sanção à quebra da boa-fé, excetuando-se as hipóteses alinhavadas no artigo
seguinte. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 629-630 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
De acordo
com doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, como sabido, a validade do negócio jurídico
requer agente capaz (CC 104, I). assim, exige a relação jurídica a capacidade
de o mutuário obrigar-se como corolário natural do vínculo ao contrato. O mútuo
feito a pessoa menor, relativamente incapaz, requer, portanto, a autorização
daquele sob cuja guarda estiver, sob pena de, havido sem eficácia, o mutuante não
reaver dela a coisa mutuada, nem de seus fiadores, excetuando-se as hipóteses do
artigo seguinte. A não-observância implica, em princípio, a não-exigibilidade
da restituição.
O preceito protetivo é de
ordem pública. Objetiva amparar o menor inexperiente dos abusos de sua boa-fé,
por pane de quem possa explorá-lo em negócios extorsivos. Explica Clóvis
Beviláqua “o fim da lei é impedir que jovens inexperientes sejam arrastados
para o vício, e explorados por usurários, que lhes facilitem empréstimos,
visando lucros excessivos” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, v. 4, p. 443). Nessa
linha, alude Caio Mário da Silva Pereira: “Trata-se de um preceito protetor
contra a exploração gananciosa da inexperiência do menor. E foi imaginado como
técnica para impedir as manobras especuladoras, mediante a punição ao
emprestador – que perderá a coisa mutuada se fizer o empréstimo proibido” (Instituições
de direito civil, 4.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1918, v. 3, p. 306). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 315 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 24/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Ora, como
ensinado por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o negócio jurídico realizado por menor sem
a representação ou a assistência de seu representante legal é, ordinariamente,
nulo ou anulável. A aplicação da regra geral ao mútuo leva ao dever de o
mutuário restituir ao mutuante o que dele recebeu, o que aproxima os efeitos do
mútuo nulo dos efeitos do mútuo validamente contratado.
O dispositivo
visa a impedir a cobrança do empréstimo se a nulidade decorre da menoridade do
mutuário e, com isso, a desestimular o mútuo a menores incapazes. A regra tem
muitas exceções, previstas no CC 589, que reúne situações em que há prova de o
empréstimo ter sido revertido efetivamente em benefício do menor. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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