Direito Civil Comentado - Art. 840,
841, 842 - continua
- DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título
VI – Das Várias Espécies de Contrato
(Art. 481 a 853) Capítulo XIX – Da Transação
– Seção III – (art. 840 a 850) –
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o
litígio mediante concessões mútuas.
Na visão de Claudio Luiz Bueno de
Godoy diferentemente do CC/1916, o atual Código Civil cuidou do instituto da
transação no título destinado ao regramento dos contratos, de resto da mesma
forma com que procedeu em relação ao compromisso. Veja-se que, no Código
Beviláqua, ambos, transação e compromisso, vinham dispostos como efeito das
obrigações, dentre as suas formas de extinção indireta, aquelas que se davam
sem que houvesse pagamento, portanto tal como a novação, compensação, confusão
e remissão.
Tem-se então, no Código Civil de
2002, superada a divergência que antes se erigia sobre a natureza contratual da
transação, hoje textualmente reconhecida, que outrora se criticava ao argumento
de que, por meio dela, não se criavam ou transferiam direitos, em essência,
embora, a rigor, nada o impedisse, de resto como se infere, por exemplo, da
norma do CC 845, infra. Mas, bem de
ver que, já no projeto de Código das Obrigações de 1965, a transação havia sido
alocada entre os contratos, segundo observação de Caio Mário, seu autor, por
pressupor dupla manifestação de vontade (Instituições
de direito civil, 11 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 507).
Afinal, seguiu o Código Civil de 2002 a mesma tendência, não diversa de outros
Códigos, como o português (art. 1248) ou o italiano (art. 1965), todavia
explícitos no asseverar que a transação pode envolver a criação ou constituição
de novos direitos, o que, se no nosso sistema não se veda, ao menos não se
expressa, ao que se verá quando do comentário ao CC 843.
De mais a mais, fosse só pelo
fato de a transação envolver dupla manifestação de vontade e, então, também a
novação deveria ter recebido nova topografia no atual Código Civil. A verdade é
que todo o questionamento se refere, propriamente, à afirmação tradicional de
que a transação seja forma extintiva da obrigação, ademais mediante atividade
tão só declarativa das partes.
A propósito, Pontes de Miranda já
advertia, em primeiro lugar, que a transação extingue uma incerteza, uma
controvérsia, uma disputa obrigacional, e não necessariamente obrigação em si,
que pode se manter sem a insegurança que antes a tisnava. Em segundo, observava
que, nas suas concessões recíprocas, de solução de uma dúvida obrigacional, as
partes, na realidade, atuavam sempre modificando uma situação jurídica, de
sorte que no mundo jurídico sempre algo se aumentava a fim de eliminar o litígio
(Tratado de direito privado, 2 ed.
Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, t. XXV, § 3.027, n. 1, p. 118, e § 3.028, n. 5,
p. 124). Daí se admitir que a transação se configure como verdadeiro contrato,
em que as partes acordam sobre dado objeto, alterando o status jurídico antecedente para o fim de eliminar uma incerteza
obrigacional, inclusive eventualmente transmitindo direitos, até mesmo reais,
ao que soa da previsão do CC 845, e a despeito da redação do CC 843, ao que se
volverá.
De qualquer maneira, dúvida nunca
houve de que a transação consubstanciasse, coo consubstancia, negócio jurídico
bilateral, cuja finalidade se volta à prevenção ou extinção de uma incerteza
obrigacional, ou seja, de uma controvérsia, uma dúvida que tenham as partes
vinculadas a uma obrigação, que elas solucionam mediante concessões recíprocas,
mútuas. Importa, destarte, sempre em um acordo de vontades, que as partes
manifestam de forma livre, descabendo transação imposta, ou legal. Insta,
assim, que se respeitem as regras gerais de capacidade e mesmo de legitimação,
por exemplo lembrando-se que tutor e curador só transigem com prévia
autorização judicial (CC 1.748, III, e 1.774), tanto quanto, havendo na
transação mutação subjetiva de direito real imobiliário, exige-se, como regra,
vênia conjugal, nos moldes do CC 1.647. Tudo, a rigor, como corolário da
constatação de que, se a transação implica concessões recíprocas, é preciso que
tenha a parte disponibilidade acerca do direito ou interesse que dela seja o
objeto.
Vale ainda não olvidar que
a transação consumada por mandatário exige poderes especiais, mercê do contido
no CC 661, § 1º. Por outro lado, integra também o conceito de transação a
necessária reciprocidade das concessões, porquanto, se ao cabo apenas uma das
partes cede, o negócio jurídico será outro, acaso uma remissão, doação ou
dação, mas nunca uma transação. Enfim, tudo voltado a que, com a entabulação
desse negócio contratual, se ponha termo a uma incerteza, a uma insegurança que
tenham as partes sobre sua relação obrigacional. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 864 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Sob o prisma de Ricardo Fiuza, este artigo cuida da transação, que pode
ser definida como a facilidade concedida às partes de prevenirem ou terminarem
o litígio (o mesmo que demanda, lide, pendência, questão) mediante concessões
recíprocas. Tem ela as seguintes características: a) um litigio surgido ou por
surgir; b) a intenção de pôr-lhe fim; c) a existência de concessões mútuas.
A transação, no Código Civil, acertadamente, é considerada um contrato
(bilateral ou sinalagmático, com concessões mútuas), e não modo de extinção de
obrigação. Aliás, fê-lo acompanhando os melhores Códigos, como o francês, o
italiano e o espanhol.
Com as observações acima, o artigo em análise repete o art. 1.025 do
Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o
mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf. A
transação no direito civil e no processo civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva,
1999, p. 49). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 441 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No escrutínio de Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, transação é forma de extinção de litígio mediante
concessões recíprocas. A necessidade de haver concessões recíprocas a
diferencia do reconhecimento do direito e da renúncia, que ocorrem quando uma
só das partes recebe a totalidade dos direitos em litígio. A transação
pressupõe a existência de litígio, mas pode ocorrer extrajudicialmente. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado
se permite a transação.
Na autoridade de Claudio Luiz Bueno de
Godoy, se, como se vem de afirmar no comentário ao artigo anterior, a transação
envolve, necessariamente, concessões recíprocas que fazem os interessados, com a
finalidade de solucionar incerteza obrigacional, assim cada qual deles abrindo
mão de parte de seu direito ou interesse, forçoso então que esse direito
transacionado seja disponível.
Daí preceituar o dispositivo em
comento que a transação somente pode se referir a direitos patrimoniais de
caráter privado. Não se admite, destarte, que transacionam as partes sobre
direitos de que não tenham disponibilidade, como os direitos de família, aqui
valendo não olvidar que efeitos patrimoniais deles decorrentes são, estes sim,
transacionáveis. Por exemplo, não se transaciona o direito dos alimentos, de
natureza indisponível, malgrado se permita transação sobre seu importe ou sobre
valores já vencidos. Da mesma forma, são intransigíveis os direitos da
personalidade (CC 11), embora não o sejam os reflexos patrimoniais deles
oriundos, como no caso da exploração da imagem, da voz ou do nome de alguém.
O direito em si é que, nesses
casos, é indisponível. Da mesma forma que nos direitos de família chamados
puros, também não cabe transação sobre o estado ou capacidade das pessoas,
sobre bens fora do comércio, sempre porque, a rigor, atinentes a direitos
indisponíveis às partes, destarte sobre os quais elas não podem efetivar
concessões recíprocas.
Lembra, porém, Rodolfo de
Camargo Mancuso que se vai erigindo tendência de mitigar esse requisito da
transação, exemplificando com os termos de ajustamento de conduta, firmados
pelo Ministério Público, na forma da Lei n. 7.347/85, acerca de interesses
metaindividuais, além dos acordos firmados pela Administração Pública,
favoráveis ao interesse público, ao que colaciona inclusive aresto da Suprema
Corte (RE n. 253.885/MG), outro sinal da orientação aludida (“A coisa julgada e
sua recepção no Código Civil”, In: O
Código Civil e sua interdisciplinaridade. Coord.: José Geraldo Barreto
Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior; Renato Afonso Gonçalves. Belo
Horizonte, Del Rey, 2004, p. 283/303). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 865 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Iluminando Ricardo Fiuza, em princípio pode qualquer litígio terminar
ou ser prevenido por meio de transação. Mas existem coisas que, por sua
natureza e relações jurídicas, fogem à regra, não podendo ser objeto ou causa
da transação. Assim, é ilícita e inadmissível a transação atinente a assuntos
relativos a bem fora do comércio: ao estado e capacidade das pessoas; à
legitimidade e dissolução do casamento; à guarda dos filhos; ao pátrio poder; à
investigação de paternidade (RF. 110/68 e 136/130; RT. 622/73); a
alimentos futuros, por serem irrenunciáveis, embora se possa transigir acerca
do quantum (RT, 449/107). Em resumo, não pode haver transação
sobre direitos indisponíveis. Este dispositivo é mera repetição do art. 1.035
do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional,
devendo ser dado mesmo tratamento doutrinário. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 441 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No abrilhantamento de Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, os direitos sujeitos à transação são direitos
disponíveis. O dispositivo não é correto. Direitos de caráter pessoal podem
ser, igualmente, objeto de transação, como por exemplo, a que se refira ao
direito de imagem, ao direito à voz e outras expressões da personalidade
ordinariamente admitidas como objetos de contratos.
O
que não se admite é a renúncia ou a alienação de tais reflexos da personalidade
em caráter definitivo. Direitos de ordem pública de direito privado são
indisponíveis, por definição. São de ordem pública, p. exe., os direitos
relativos ao estado da pessoa e aqueles sobre os quais há proibições legais.
Direitos de ordem pública de direito privado são objeto de transações. Como nos
termos de ajustamento de conduta realizados pelo Ministério Público com base na
Lei n. 7.347/85. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas
obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela
o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por
escritura pública, ou por temo nos autos, assinado pelos transigentes e
homologado pelo juiz.
Relembrando com Claudio Luiz Bueno de
Godoy, como já se disse no comentário ao CC 840, a transação pode ser feita
para prevenir ou para extinguir litígios. E conforme seja ela, então,
preventiva ou extintiva de litígios, exige a lei, no artigo em comento,
determinada forma. Assim é que, se a transação visa a prevenir um litígio, deve
sempre ser feita por escrito, mas de modo público ou particular consoante o
regramento geral a respeito da matéria. Vale dizer, quando preventiva, a
transação deverá ser entabulada por escritura pública nos casos em que o
ordenamento assim o determinar, por exemplo, sempre que nela estiver envolvida
a mutação de um direito real imobiliário, na exata forma do CC 108. Caso
contrário, a transação poderá ser feita por instrumento particular, aí sem
outra especial exigência.
Nesses casos de transação
preventiva de litígios, não há nenhuma obrigatoriedade de homologação judicial,
malgrado por vezes o permita a lei, como na hipótese do art. 57 da Lei n.
9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Mas o que importa é que não se impõe a
necessidade de homologação alguma, a fim de que a transação surta seu regulares
efeitos.
Já quando a transação é extintiva
de litígios, i.é, quando se refira a direitos contestados em juízo, levados à
demanda judicial, reclama a lei, no presente artigo, e aqui diversamente do que
continha o Código Civil de 1916, que, se não efetivada a termo nos autos, seja
efetuada por escritura pública. Veja-se então que, sempre que não se a consume
a termo nos autos, hoje a transação, com a ressalva que adiante se fará acerca
da petição conjunta das partes, deve ser elaborada por escritura pública,
quando recair sobre direitos levados a litígio judicial. Porém, a rigor, a lei
aparentemente não exige que essa transação efetuada a termo nos autos, aí sim, assinada
pelos transigentes e homologada pelo juiz, como está no texto legal.
É bem de ver, todavia, que a
homologação é o ato processual que empresta à transação o efeito da coisa
julgada, resolvendo o processo de conhecimento com julgamento de mérito (CPC
487, antigo 269, III do CPC/1973), forjando título executivo judicial (CPC 515,
antigo 475-N, III, do CPC/1973). Destarte, posto que levada a cabo
extrajudicialmente, se lavrada por escritura pública, é só sua homologação que
permitirá a formação de título judicial. Sem a homologação, permanecerá a
transação extrajudicial surtindo seus efeitos civis, como negócio jurídico
contratual que é.
Deve-se admitir, contudo,
pese embora a exigência hoje de que a transação extintiva, quando
extrajudicial, seja lavrada por escritura pública, que a petição das partes,
portanto feita fora dos autos, seja a eles levada para homologação, de modo a
subsumi-la ao conceito de termo nos autos.
Trata-se, afinal, de peça do processo. Sem a necessidade, portanto, de
subsequente lavratura de termo próprio de transação, a tanto valendo o
petitório das partes, devidamente representadas, de resto por quem tenha
poderes especiais para transigir. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 866 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na alusão de Ricardo Fiuza, a transação pode ser feita: a) por instrumento
público, quando a lei assim o exigir, principalmente nos negócios solenes, v.
~, envolvendo primordialmente imóveis (dação em pagamento, hipoteca etc.); b)
por instrumento particular, quando a lei assim o admitir, v.g.,
envolvendo bens móveis em geral (compra e venda de tapetes, quadros, objetos de
arte etc.); e c) por escritura pública ou termo nos autos, quando recair sobre
direitos em litígio. A transação, nesta hipótese, deve ser homologada
judicialmente, segundo o CPC 487, antigo 269, III
do CPC/1973).
Com as observações acima, esse
dispositivo repete o art. 1.028 do Código Civil de 1916, com melhoria de
redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo
civil. 2 ed. São Paulo, saraiva, 1999, p. 104 e ss.). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
441 apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Nos moldes
de Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo determina as diversas
formas a serem adotadas na realização da transação. Em regra, ela deve observar
a forma exigida pela lei para o negócio jurídico nela consubstanciado. Assim,
p. ex., se a transação versar sobre bem imóvel, deve ser realizada por
escritura pública. Não se admite a transação oral nem a tácita: deve ser
escrita. O dispositivo exige que a transação sobre direitos disputados em juízo
se faça por escritura pública ou por termo nos autos sujeito à homologação
judicial. O acordo escrito particular deve, portanto, ser reconhecido
judicialmente para adquirir validade no caso de disputa judicial sobre algum
dos interesses transacionados. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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