Direito Civil
Comentado - Art. 966 – continua
Da Caracterização e da Inscrição - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Do
Direito de Empresa
Título
I – Do Empresário (Art. 966 ao 980) Da Caracterização e da Inscrição –
Prolegômenos
Houve alguma controvérsia
na doutrina quanto à denominação “Direito de Empresa”. Na redação
original do anteprojeto, chamava-se o Livro II “Da Atividade Negocial”.
A questão foi bem posta no relatório Ernani Sátyro, nos termos seguintes: “Não
há dúvida que o Livro II, além das atividades empresárias, cuida de outras que
não têm por finalidade a produção ou a circulação de bens ou serviços, mas esta
parte, conforme veio a ser reconhecido no próprio seio da Comissão Revisora e
elaboradora do Código Civil, é tão reduzida em relação à primeira, que nada
impede que prevaleça a sua denominação, mesmo porque algumas delas, como a
agrícola, podem assumir estrutura empresarial. Nem sempre, aliás, a
classificação das matérias jurídicas comporta critérios rígidos.
(...) Isto posto, nada
impede que, sob a denominação de “Direito de Empresa” se disciplinem
também determinadas relações que são de natureza econômica, embora destituídas
daqueles requisitos de organização que caracterizam a atividade empresarial
propriamente dita. Além disso, o termo ‘Direito de Empresa’ terá melhor
correspondência com a denominação dos títulos dos demais livros do Código, tais
como direito de Família, Direito das Coisas e outros. Por outro lado, a palavra
empresa, consoante orientação que resulta do Projeto, não significa uma dada
entidade empresarial, mas indica, ao contrário, de maneira genérica, toda e
qualquer forma de atividade econômica organizado como escopo de atender à
produção ou à circulação de bens ou de serviços.
Dado o sentido genérico
atribuído à palavra empresa, é esta que se põe como centro dominante de todas
as normas que compõe o Livro II, sendo despiciendo o fato de, nesse Livro, ser
disciplinada a matéria que diz respeito à atividade econômica daqueles que, não
sendo empresários, visam a fins econômicos, como é o caso dos que exercem
profissão intelectual, de natureza literária ou artística.
Não procede, por
conseguinte, a alegação de que o termo ‘Direito de Empresa’ seria restritivo da
matéria disciplinada no livro em apreço, com o que se evita qualquer confusão
com a matéria dos ‘negócios jurídicos’, disciplinada na Parte Geral. (Crédito
deste texto concedido (por todos) a Ricardo Fiuza, nota VD).
Art. 966. Considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não
se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa.
Sob o prisma de Barbosa
Filho, o Código Civil de 2002 reorganizou, no âmbito do direito privado, a
legislação nacional, condensando vasto número de normas extravagantes e
esparsas, mas, principalmente, procurou ultrapassar as barreiras criadas pela
galopante pormenorização e particularização de suas normas e propôs fosse
englobado, num único diploma, em conjunto, o direito comum, i.é, o direito
civil, e parcela do mais relevante dos ramos especializados, o direito
comercial. Foi promovida, frise-se, uma unificação formal puramente do direito
privado.
O direito comercial pode
ser conceituado como o complexo de normas regradoras das operações econômicas
privadas que visem à produção e à circulação de bens, por meio de atos
exercidos em caráter profissional e habitual, com o fim de obtenção de lucro.
Se bem que toda a
disciplina das obrigações já tenha assimilado regras antes próprias à atividade
mercantil, deixando de lado aquelas totalmente desgastadas e despidas, no mundo
de hoje, de praticidade, tal unificação apresentará, sem dúvida, grandes
dificuldades, dada a divergência de metodologia entre as duas disciplinas
enfocadas. O direito comercial é dedutivo, de índole cosmopolita e ligado à
celebração massificada de negócios. Suas regras são estratificadas a partir do
surgimento concreto de questões geradas pela contínua atividade negocial, e não
como derivação de concepções abstratas, sendo marcadas pela onerosidade e
direcionadas para a reprodução profissional e seriada. Suas normas renovam-se
incessantemente, com acelerado dinamismo, sempre tendendo para a
internacionalização, vinculadas às alterações das formas de produção e acumulação
capitalista, sistema que provocou o nascimento do direito comercial e ao qual
continua umbilicalmente ligado. Tais características, à evidência, não estão
presentes no direito civil e tornam necessário, como o advento do presente
diploma, um exercício continuado de compatibilização e concreção das novas
regras positivadas.
Nesse sentido, a empresa
surge como principal foco de análise para a incidência do direito comercial.
Trata-se da figura dominante da terceira fase evolutiva desse ramo especial do
direito privado, superando o sujeito de direito designado como destinatário das
normas, o mercador ou comerciante associado a corporações, e o conteúdo pontual
de atos ou negócios jurídicos profissionalmente celebrados, os chamados atos de
comércio. A empresa é uma organização de pessoas, bens e atos voltada para a
produção e circulação de mercadorias ou serviços destinados ao mercado, com o
fim de lucro e sob a iniciativa e o comando de dado sujeito de direito, o
empresário. Ela constitui uma estrutura econômica complexa, formada pela
reunião e disposição racional de elementos totalmente heterogêneos, cuja
concepção está identificada com a criação de formas extremamente intensivas de
emprego da capital, i.é, com o capitalismo pós-industrial ou financeiro, não se
enquadrando perfeitamente em qualquer das categorias fundamentais da teoria
geral do Direito, mas congregando elementos próprios a várias delas.
Desde sua estratificação
no Código Civil italiano de 1942 (art. 2.082), a ausência de traços uniformes e
simplificados chama a atenção dos estudiosos que buscam delimitar o conceito de
empresa. De início, visões fragmentadas surgiram e, num segundo momento,
visando a sua superação, Alberto Asquini pregou que fosse efetivado o estudo
mediante a identificação de quatro perfis complementares entre si:
a) Perfil subjetivo, correspondente ao sujeito de direito gestor da
empresa, que mo- dela, segundo suas declarações de vontade, toda a empresa,
dando-lhe vida;
b) Perfil funcional, composto de todos os atos jurídicos em sentido lato
concretizados pelo empresário, com caráter profissional e sempre encadeados,
formando um todo uno, uma atividade voltada para o mercado e para a obtenção de
lucro;
c) Perfil patrimonial, relativo ao conjunto de bens corpóreos e
incorpóreos, organizados e dispostos racionalmente para a execução da atividade
própria à empresa, formando uma universalidade conhecida como estabelecimento
empresarial;
d) Perfil corporativo, englobando todos os indivíduos que, por meio de
contratações, gravitam e interagem com a empresa, contribuindo, direta ou
indiretamente, para a realização de sua atividade na qualidade de empregados ou
de auxiliares do empresário.
Em todo caso, destacada a
empresa como traço essencial para a incidência das normas de direito comercial,
os princípios atinentes a tal disciplina não são alterados, mas há mais que
mera alteração de nomenclatura, visto ser obtida a imediata ampliação da
incidência das normas especiais, abarcando a atividade profissional de
prestação de serviços, bem como as formas de atuação derivadas da circulação de
direitos incidentes sobre imóveis e de sua utilização como insumo na produção.
O presente artigo, tomando como modelo o referido Código italiano de 1942, não
se refere, porém, à empresa, mas sim, a seus perfis, num primeiro plano, ao
empresário. A empresa em si mesma, não tem personalidade jurídica, de maneira
que uma pessoa, o empresário, manifesta sua vontade e comanda toda a atividade
empresarial, assumindo obrigações e auferindo créditos. Esse sujeito de direito
ostenta como características primordiais a iniciativa e o risco. É ele quem
cria e gerencia toda a atividade empresarial, ditando, conforme suas decisões,
seu desenvolvimento e o sucesso ou o insucesso resultante, com o qual arcará,
suportando os ônus dos prejuízos e as benesses derivadas dos lucros. Sua
atuação é sempre vinculada a um mercado, concebendo, organizando e gerenciando
continuadamente a produção e a circulação de bens, assumindo tanto a forma de
pessoa física quanto a de jurídica. Distingue-se, então, o empresário
individual (pessoa física), tratado no presente título do Código, do empresário
coletivo (pessoa jurídica).
O conceito de empresário
apresenta uma amplitude muito maior que o de comerciante, peculiar à legislação
revogada. Todos os comerciantes são empresários, mas nem todos os empresários
são comerciantes. Incluem-se aqui aqueles que exercem a atividade de prestação
de serviços e de natureza rural, ou seja, agrícola ou pecuária, que não se
enquadravam como comerciantes. O exercício de profissão intelectual, no
entanto, como é o caso do advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, artistas
plásticos, literatos ou músicos, i.é, dos profissionais liberais, não
qualifica, em regra, uma pessoa como empresário, mesmo que seja ela assessorada
por outras pessoas (auxiliares e colaboradores). Apenas quando sua atuação se
voltar para o mercado, colocando, indistinta e massificadamente, os serviços
prestados à disposição do público e formando uma estrutura própria para tanto,
tal profissional, por exceção, se qualificará como empresário. (Marcelo
Fortes Barbosa Filho, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 981 - Barueri,
SP: Manole, 2010. Acesso 11/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em
seu histórico, a norma do CC 966, que conceitua o empresário, não teve sua
redação alterada durante a tramitação do projeto do Código Civil, cujo Livro
II, que trata do direito de empresa, foi elaborado pelo consagrado jurista
Sylvio Marcondes. O Código Civil de 1916 não se refere à empresa como agente
econômico, mas, apenas, como atividade que poderia caracterizar s sociedades
civil particulares (art. 1.371). o Código Comercial de 1850, por seu turno, não
conhecia a figura intitulada empresário. Aquele que exercia atividade mercantil
era definido como comerciante. O art. 42 do Código comercial, agora revogado,
considerava como comerciante quem possuísse matrícula perante a Junta Comercial
(requisito formal) e fizesse da mercancia profissão habitual (requisito
material). Mercancia significa, em linhas gerais, o exercício de atividade
econômica de produção ou circulação de mercadorias, conceito atualizado pelo
novo Código civil de modo mais completo, abrangendo outros tipos de bens e
serviços ofertados no mercado.
Sob a orientação de Ricardo Fiuza, tem-se que o conceito de empresário
expresso no CC 966, reproduz, fielmente, a definição do Código Civil italiano
de 1942 (art. 2.082). Três são os elementos ou atributos fundamentais desse
conceito: a economicidade, como fator de geração de riquezas, a organização e a
profissionalidade. O conceito de empresário não se restringe mais, apenas, às
pessoas que exerçam atividades comerciais ou mercantis. O novo Código Civil
eliminou e unificou a divisão anterior existente entre empresário civil e
empresário comercial. A partir de agora, o conceito de empresa abrange outras
atividade econômicas produtivas que até então se encontravam reguladas pelo
Código civil de 1916, e assim submetidas, dominantemente, ao direito civil. O
empresário é considerado como a pessoa que desempenha, em caráter profissional,
qualquer atividade econômica produtiva no campo do direito privado,
substituindo e tomando o lugar da antiga figura do comerciante. A ressalva à
caracterização do empresário constante do parágrafo único do CC 966 exclui
desse conceito aqueles que exerçam profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística. Não seriam consideram assim como
empresários os profissionais liberais de nível universitário, que desempenham
atividades nos campos da educação, saúde, engenharia, música e artes plásticas,
somente para citar alguns exemplos. Todavia, se o exercício da profissão
intelectual constituir elemento de empresa, i.é, se estiver voltado para a
produção ou circulação de bens e serviços, essas atividades intelectuais
enquadram-se também como sendo de natureza econômica, ficando caracterizadas
como atividades empresariais. O CC/2002 veio, portanto, a qualificar como
atividade de empresa o exercício de profissões organizadas destinadas à
produção ou circulação de riquezas, eliminando o critério anterior de separação
entre as atividades comerciais e as atividades civis em razão da finalidade
lucrativa. No regime jurídico passado, como elemento diferenciador, seria comercial
ou mercantil a atividade econômica que objetivasse o lucro, ficando submetidas
à legislação civil todas as demais atividades que, em princípio, não
perseguissem o lucro como escopo essencial. Em sentido amplo, o conceito de
empresário deve abranger tanto o empresário titular de firma individual coo os
administradores de sociedades, ficando agora as sociedades classificadas ou
divididas entre sociedade empresária (antiga sociedade comercial) e sociedade
simples (antiga sociedade civil). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 503-504, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo Bruno Mattos e Silva, em seu artigo “A
teoria da empresa no novo Código Civil e a interpretação do art. 966”, (site Jus.com.br,
acesso em 11/05/2020) ao positivar a
teoria da empresa, o CC/2002 passa a regular as relações jurídicas
decorrentes de atividade econômica realizada entre pessoas de direito privado.
Evidentemente, várias lei específicas ainda permanecem em vigor, mas o cerne do
direito civil e comercial passa a ser o novo Código Civil.
Ao
positivar a teoria da empresa, o novo Código Civil passa a regular
as relações jurídicas decorrentes de atividade econômica realizada entre
pessoas de direito privado. Evidentemente, várias leis específicas ainda
permanecem em vigor, mas na realidade o direito civil e comercial passam a ser
o novo Código Civil.
O novo Código Civil, na Parte
Especial, trata no Livro II Do Direito de Empresa. Esse Livro II,
por sua vez, está dividido em quatro títulos: Título I - Do Empresário,
Título II - Da Sociedade, Título III - Do Estabelecimento, Título
IV - Dos Institutos Complementares.
A teoria empresa está em oposição à
teoria dos atos de comércio, que fora adotada pelo Código Comercial de 1850.
Em linhas muito gerais, de acordo com
a teoria dos atos de comércio, parte da atividade econômica era comercial, i.é,
tinha um regime jurídico próprio, diferenciado do regime
jurídico de uma
outra parte da atividade econômica, que se sujeitava ao direito civil. Isso
significava dizer que certos atos estavam sujeitos ao direito
comercial e
outros não. Os atos de comércio eram os atos sujeitos ao direito comercial; os
demais eram sujeitos ao direito civil. Ou seja, atos com conteúdo econômico
poderiam ser civis ou comerciais. Na verdade a questão não era tão simples,
pois a doutrina não conseguia estabelecer exatamente um conceito científico do
que seria o ato de comércio, sendo mais fácil admitir que ato de comércio seria
uma categoria legislativa, então ato de comércio seria tudo que o legislador
estabelece que teria regime jurídico mercantil.
A teoria da empresa não divide os atos
em civis ou mercantis. Para a teoria da empresa, o que importa é o modo pelo qual
a atividade econômica é exercida. O objeto de estudo da teoria da empresa não é
o ato econômico em si, mas sim o modo como a atividade econômica é exercida, ou
seja, a empresa, com os sentidos que será apontado adiante.
Diferença entre empresário e sociedades
empresárias - Sociedade empresária é a sociedade que exerce atividade econômica
organizada. Ou, como diz o CC 982, é a que "tem por objeto o exercício de
atividade própria de empresário sujeito a registro (CC 967)".
Em oposição às sociedades empresárias, estão as
sociedades simples, que são as sociedades que não exercem
"profissionalmente atividade econômica organizada" (CC 966).
O novo Código Civil não define o que
seja "atividade econômica organizada" ou o que seja
"empresa". Essas definições cabem à doutrina.
Já é célebre a definição de empresa dada
por Asquini, para quem ela compreende quatro perfis. Veja-se três significados
jurídicos para o vocábulo técnico, que correspondente aos três primeiros
perfis:
(1) Perfil Subjetivo. A empresa é o empresário, pois empresário é quem
exercita a atividade econômica organizada, de forma continuada. Nesse sentido,
a empresa pode ser uma pessoa física ou uma pessoa jurídica, pois ela é titular
de direitos e obrigações. Quando se diz "arrumei um emprego em uma
empresa", temos a palavra empresa empregada com esse
significado.
(2) Perfil
Funcional. A empresa é uma atividade, que realiza produção e
circulação de bens e serviços, mediante organização de fatores de produção
(capital, trabalho, matéria prima etc.). Quando se diz "a empresa de
estudar será proveitosa", tem-se a palavra empresa empregada
com esse significado.
(3) Perfil Objetivo (patrimonial). A empresa é um conjunto de bens. A
palavra empresa é sinônima da expressão estabelecimento
comercial. Os bens estão unidos para uma atividade específica, que é o
exercício da atividade econômica. Como exemplo desse significado, pode-se dizer
"a mercadoria saiu ontem da empresa".
Há também um quarto perfil, criticado
pela doutrina por não corresponder a qualquer significado jurídico, mas apenas
por estar de acordo com a ideologia fascista, que controlava o Estado italiano
por ocasião da positivação da teoria da empresa:
(4) Perfil Corporativo. A empresa é uma instituição, uma organização
pessoal, formada pelo empresário e pelos colaboradores (empregados e
prestadores de serviços), todos voltados para uma finalidade comum.
Para fins do CC 966, a palavra empresa
tem como significado o segundo perfil mencionado acima. Empresa, portanto, é a
atividade econômica organizada. A organização é a união de vários
fatores de produção, com escopo de realização de bens ou serviços. O
empresário, assim, é quem realiza essa empresa, expressão tomada
como sinônimo de atividade.
A noção jurídica de atividade
econômica organizada exige o concurso de atividade profissional alheia. Se
alguém exercer uma atividade econômica individualmente, não será
considerado empresário, à luz do CC 966 em comento.
Pouco importa o regime jurídico das
pessoas que trabalharem para o empresário. Poderá ser o regime trabalhista ou
civil (em caso específicos, até mesmo o administrativo). Os colaboradores do
empresário poderão ser empregados, regidos pelo direito do trabalho, ou
trabalhadores autônomos, que são prestadores de serviço, regidos pelo direito
civil. Pouco importa. Ou seja, empresário não é sinônimo de patrão; mas o
empresário sempre contrata pessoas para trabalhar, ele sempre organiza o
trabalho de outrem.
Mas a organização não compreende
apenas a contratação de serviços sob regime civil ou trabalhista.
Juridicamente, a organização definida no art. 966 é a organização de fatores
produção. Abrange capital e trabalho. O capital compreende o estabelecimento,
que é o conjunto de bens utilizados pelo empresário na sua atividade econômica
(estoque, matéria prima, dinheiro, marcas, automóveis, computadores etc.).
Essa organização deve ser
profissional. Isso significa que deve ser contínua e com intuito de lucro,
objetivando meio de vida. Atos isolados não são empresariais, mesmo que tenham
conteúdo econômico.
Toda essa atividade organizada deve
ter um sentido econômico. Se o objeto não for a produção ou a circulação de
bens ou de serviços, não se esta diante de empresa. Essa é a teoria de empresa.
Ela estuda isto: a atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços. É o que se lê, claramente, no caput do
CC 966 do atual Código Civil.
Mas o CC 966 tem um parágrafo. Esse
parágrafo diz que não é empresário "quem
exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística
(...)". O que significa isso? Estaria o parágrafo único do CC 966 a
excluir parte da atividade econômica do conceito de empresa?
Isso pode causar uma certa
perplexidade quando se tem em mente que a teoria dos atos de comércio é que
fazia isso. A teoria dos atos de comércio é que dividia a atividade econômica
em atos sujeitos e atos não sujeitos ao regime mercantil.
Tecnicamente, um parágrafo em um
dispositivo de lei pode significar uma exceção ou uma explicação ao
que foi dito no caput. Em outras palavras, um parágrafo pode
estabelecer uma regra contraditória à do caput, aplicável apenas a
situações específicas, pois regra especial derroga regra geral (parágrafo excepcionador)
ou pode apenas explicar melhor algum conceito contido no caput, esclarecendo
que alguma situação específica está ou não abrangida pela ideia do caput, sem
qualquer contradição filosófica (parágrafo explicativo).
No caso concreto, pode-se interpretar
o parágrafo único do CC 966/2002 como uma exceção à regra do
caput ou como uma explicação. Analise-se as duas possíveis
interpretações a esse parágrafo único, para, ao final, se concluir por uma ou
outra interpretação.
Se visto como uma exceção,
o novo Código Civil estaria positivando a teoria da empresa, mas conteria uma
pequena ou não pequena exceção: toda atividade econômica profissional
organizada seria considerada empresa, com exceção dos serviços
intelectuais.
Estaria excluída, assim, a atividade
econômica desempenhada por médicos, advogados, escritores, escultores, ainda que
com o concurso de auxiliares ou colaboradores. Essas atividades, ainda que
realizada de forma profissional e organizada, com objetivo de lucro, não se
sujeitariam ao regime jurídico empresarial.
Frise-se este ponto: se for dado ao
parágrafo único, que se refere à profissão intelectual, como fator excepcionador
da regra do caput, significará dizer que a atividade de prestação
de serviços intelectuais realizada por uma grande organização não seria
empresarial.
Isto posto, uma sociedade de
advogados, titular de um grande escritório de advocacia, com muitos empregados,
com muitos computadores em rede, máquinas de xerox, acesso rápido à Internet,
bibliotecas, enfim, com uma grande estrutura, não seria considerada empresa.
Essa sociedade de advogados, com seu
grande escritório de advocacia, reuniria todas as definições teóricas do caput do
CC 966 do novo Código Civil, mas não seria considerada empresa em razão do
parágrafo único ter excluído a profissão intelectual da atividade econômica
sujeita ao regime empresarial. Esse parágrafo único conta, na sua parte final,
com a expressão "salvo se o
exercício da profissão constituir elemento da empresa".
Interpretando-se o alcance da
expressão "salvo se o exercício da
profissão constituir elemento da empresa", o parágrafo único desse
modo é no sentido de ser ele excepcionador da regra do caput, tem-se,
então, dois incontornáveis problemas de hermenêutica, senão, veja-se:
(1) O novo Código Civil positiva a
teoria da empresa, que não divide a atividade econômica pelos atos em si
considerados, mas sim pelo modo em que ela é exercitada. A teoria que divide os
atos em si considerados (atos comerciais versus atos civis) é
a teoria dos atos de comércio, do Código Comercial de 1850. Caso se diga que a
profissão intelectual em si não é empresarial, estar-se-á
interpretando o parágrafo único do CC 966 de acordo com a teoria dos atos de
comércio e não de acordo com a teoria da empresa.
(2) A segunda parte do parágrafo único
do CC 966 não teria qualquer sentido lógico ou prático. Veja-se, então, a
interpretação no sentido de que o parágrafo único do CC 966, ao se referir à
profissão intelectual, não constitui uma exceção ao caput do CC
966, mas sim uma explicação. Trata-se da interpretação tecnicamente
mais adequado do ponto de vista científico, pelos motivos a seguir expostos.
A ideia do parágrafo único do CC 966/2002
é que a princípio a profissão intelectual não é empresarial por características
próprias, i.é, não compreende a organização de fatores de produção. O parágrafo
único do CC 966 diz a profissão intelectual, a despeito de ter conteúdo
econômico (o parágrafo único usa a palavra "profissão", o que denota
o caráter econômico) não é empresarial, mesmo se existentes auxiliares ou
colaboradores.
Como visto, de acordo com a teoria da
empresa, não basta a contratação de pessoas ("auxiliares ou
colaboradores", no dizer do parágrafo único do CC 966) em uma atividade
econômica para a configuração da existência jurídica da empresa. É preciso um
elemento a mais, que é o estabelecimento, o conjunto de bens. Isso fica mais
claro quando se faz lembrar dos quatro perfis de Asquini, mencionados acima,
que compõem a noção jurídica de empresa.
Assim, de acordo com o parágrafo único
do CC 966 do novo Livro, embora a princípio a profissão intelectual não seja
empresarial, excepcionalmente pode ela constituir elemento de empresa. Nesse
caso, ela será empresarial.
Retorne-se ao exemplo do grande
escritório de advocacia, com sua biblioteca, sua rede de computadores da mais
alta tecnologia, com acesso à Internet. Ou mesmo pense em um grande hospital,
de propriedade de um médico, com os mais
modernos aparelhos cirúrgicos. Conclui-se não haver dúvida de que tais
constituem o estabelecimento, parte da organização empresarial
prevista no caput do CC 966.
É preciso diferenciar a hipótese do
advogado que contrate uma secretária e um office-boy para
realizar as tarefas de secretariado e de mensageiro, da hipótese do grande
escritório de advocacia mencionado acima. Esse advogado não é um empresário,
mas apenas um profissional liberal, um trabalhador autônomo, que pode ter
auxiliares nas suas atividades. Isso não é vedado pela lei, nem tampouco o
transforma em empresário de acordo com a teoria da empresa. É este o sentido do
parágrafo único do CC 966: diferenciar alguém que realiza atividade econômica
não organizada de alguém que realiza atividade econômica organizada.
Portanto, tecnicamente parece ser mais
adequado interpretar o parágrafo único do CC 966 como uma explicação e
não como exceção ao disposto no caput. A
princípio, a atividade intelectual não é empresarial (primeira parte do
parágrafo único), mas se presente todos os elementos de uma empresa, ela será
empresarial (segunda parte do parágrafo único). Em outras palavras, a profissão
intelectual pode ser empresarial, se presentes todos os requisitos previstos
no caput. Essa é a explicação do parágrafo único do CC 966.
Embora a interpretação ora adotada
seja tecnicamente lógica e esteja de acordo com a teoria da empresa, ela não
deverá prevalecer, pelos motivos políticos e culturais a seguir expostos:
O regime jurídico do empresário, de
acordo com o novo Código Civil, é o regime jurídico do comerciante. É o que diz
o CC 2.037, do novo Código Civil: "Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades
empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a
comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis."
Disso decorre que empresários e
sociedades empresárias estão sujeitas ao regime jurídico mercantil, ainda que
não exerçam qualquer atividade que antes seria considerada como ato de
comércio.
Este aspecto que é importante: perdeu
relevância jurídica a noção de ato de comércio. Só que, culturalmente,
continua-se com a divisão da atividade econômica em atividades
"civis" (ex. advocacia), de um lado, e "comerciais", de
outro lado (embora juridicamente isso não exista mais).
Se o regimento jurídico do empresário
e da sociedade empresária é o regime jurídico do comerciante, então os
empresários e as sociedades empresárias, tal como definidas pelo novo Código
Civil, estão sujeitas à todos os institutos mercantis, como por exemplo, a
falência e o registro na Junta Comercial. A potencial sujeição à falência e o
registro na Junta Comercial fazem parte do regime jurídico do comerciante.
Realmente, o novo Código Civil é
expresso no sentido de que o empresário, tal como definido no CC 966, deverá se
inscrever na Junta Comercial. É o que diz o CC 967, que estabelece ser
obrigatória a inscrição do empresário no "Registro Público de Empresas
Mercantis", que é a tão conhecida Junta Comercial.
Levando tudo isso em consideração, é
de se duvidar que os operadores do direitos, as grandes sociedades de
advogados, a OAB irão aceitar a interpretação de que sociedades de advogados
sejam consideradas sociedades empresárias e, por via de
consequência, sujeitas ao regime jurídico mercantil e que devam ser inscritas
na Junta Comercial e sujeitas à falência.
(Na realidade não se usa mais o termo
“Falência”, mas “Recuperação de Empresa”. O juiz
preside o processo falimentar, desde o momento em que é
proposta a ação. Em regra não existe falência de
ofício, pelo juiz. A exceção ocorre quando o empresário tem o seu pedido de
recuperação judicial negado, ou quando concedida a
recuperação judicial, o devedor não a cumpre, nota
VG).
Veja-se que as sociedades de
advogados, ainda que estejam regidas por lei específica, Lei nº 8.906, de 4 de
julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), deveriam se sujeitar às disposições do CC
967, do novo Código Civil, caso se conclua que sociedade de advogados possam
vir a ser sociedades empresárias. É verdade que o art. 15, § 1º, do Estatuto da
Advocacia, lei especial, é expresso no sentido de que a sociedade de advogados
adquire personalidade jurídica com o registro dos seus atos constitutivos no
Conselho Seccional da OAB (e não no cartório de registro civil, muito menos na
Junta Comercial). Contudo, o CC 2.031 do novo Código Civil dá o prazo de 1 (um)
ano paras as sociedades constituídas sob a forma de leis anteriores (inclui a
Lei nº 8.906/94?) adaptarem-se às disposições no novo Código, contado a partir
da sua vigência.
Culturalmente, é muito difícil aceitar
a mudança, sendo mais fácil aceitar que a "sociedade civil" é agora a
"sociedade simples" e a "sociedade comercial" é agora a
"sociedade empresarial". Seria tudo muito simples, se ainda se
estivesse na teoria dos atos de comércio e não na teoria da empresa.
Embora tecnicamente equivocada, é bem
provável que prevaleça interpretação ao CC 966 do novo Código Civil no sentido
de que a profissão intelectual (incluindo, portando, as sociedades de
advogados), mesmo se tiverem trabalhadores contratados e contem com forte
estrutura material, não são sociedades empresárias.
Também provável o prevalecimento de
que atividades intelectuais são exercidas sempre pelas "sociedades
simples", com registro no cartório de pessoas jurídicas, ainda que tenham
estrutura material e humana complexa. (Bruno
Mattos e Silva
Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de
Frankfurt (Alemanha), elaborado em 11/2002, publicado em 01/2003, acessado no
site Jus.com.br em 11/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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