Direito Civil Comentado - Art.
1.320, 1.321, 1.322
Dos direitos e Deveres dos
Condôminos – VARGAS, Paulo S. R. - Parte
Especial – Livro III – Título III – Da Propriedade (Art. 1.314
a 1.322) Capítulo VI – Do Condomínio Geral – Seção I - Do Condomínio
Voluntário – Subseção I – Dos direitos e Deveres dos Condôminos
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Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da
coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da
divisão.
§ 1º. Podem
os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de
cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.
§
2º. Não poderá
exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador.
§ 3º. A
requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem, pode o
juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo.
Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo cm exame condensa os arts. 629 e
630 do Código Civil de 1916. O art. 630 deu origem ao § 2º do artigo em
comento. As inovações foram apenas de redação, preservando-se a essência dos
preceitos. A grande novidade está no § 3º do atual CC 1.320, que prevê a
possibilidade de se afastar o prazo convencional de indivisibilidade da coisa
comum, desde que haja grave razão para tanto. Diziam os romanos que a comunhão
é a mãe da discórdia. Não resta dúvida de que constitui fonte permanente de
conflitos e tensão, daí ser considerada forma anormal de propriedade, de
caráter transitório. Consequência disso é a regra enunciada na cabeça do artigo
em estudo, seguindo antigo aforismo romano: ninguém pode ser compelido a
permanecer em condomínio contra a sua vontade. Enunciando a regra de modo
inverso, a persistência do condomínio exige o assentimento unânime de todos os condôminos.
A tendência dos tribunais é facilitar a extinção do condomínio. A
jurisprudência afirma que mesmo quando o condomínio ocorre entre particular e o
Poder Público cabe sua extinção, independentemente de autorização legislativa.
Também quando a parte ideal se encontra gravada por cláusula de
inalienabilidade se admite a extinção, hipótese em que a restrição se
sub-rogará sobre o quinhão atribuído ao condômino, ou sobre o respectivo preço,
se houver alienação judicial. De igual modo, quando parte ideal é gravada por
usufruto, a extinção é possível, e apenas acarretará a sub-rogação do gravame
da parte ideal de coisa maior, para parte certa de coisa menor. De outro lado,
porém, nega o Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de extinção do
condomínio, se a coisa comum é gravada por direito real de habitação decorrente
da lei, em favor do viúvo. Tal limitação criada pela jurisprudência, todavia,
não se justifica, pois para garantia do viúvo basta que se preserve o direito
real sobre a coisa, que continuará a onerar cada um dos quinhões, no caso de
divisão, ou o próprio imóvel se houver alienação judicial da coisa comum
indivisível. Todo condômino está obrigado a se sujeitar à divisão, arcando com
as despesas proporcionais ao seu quinhão. Pode a divisão, ou a alienação
judicial da coisa comum, ser requerida por qualquer condômino, ainda que
minoritário, não se aplicando, portanto, a regra que rege a administração da
coisa comum, por deliberação da maioria. Ressalva a lei que a faculdade (ou
melhor, o direito potestativo) pode ser exercida a qualquer tempo, de modo que
não está sujeita à prescrição ou decadência, nem está sujeita à renúncia por
tempo indeterminado, por se tratar de norma de ordem pública. É claro, porém,
que se a coisa é adquirida por usucapião (prescrição aquisitiva), por terceiro
ou por um dos condôminos em detrimento dos demais (matéria tratada no
comentário ao CC 1.238), termina a copropriedade e a prerrogativa de pleitear a
divisão.
A
extinção do condomínio opera-se de modo diverso, de acordo com a natureza da
coisa comum. Se a coisa comum é divisível (ver CC 87), extingue-se pela divisão
amigável ou judicial. A divisão amigável ocorre por negócio jurídico, sob a
forma de escritura pública, se a coisa é um imóvel acima do valor legal,
exigindo a anuência de todos os condôminos. Caso não haja consenso, ou sendo um
dos condôminos incapaz, a divisão é judicial, na forma dos arts. 967 a 981 do
Código de Processo Civil/1973, Seção III, Da Divisão, (correspondendo no
CPC/2015, do art. 588 até 598, (Grifo VD). Os quinhões terão valor
proporcional à parte ideal de cada condômino e a sentença é declaratória,
convertendo parte ideal sobre o todo em propriedade plena sobre parte certa. A
alteração patrimonial é somente qualitativa e não quantitativa, razão pela qual
não incide imposto de transmissão. Se a coisa é indivisível, a solução é outra.
Há necessidade de levar a coisa comum à hasta pública e, abatidas as despesas,
ratear o valor apurado na venda judicial proporcionalmente aos quinhões dos condôminos,
observando a regra do CC 1.322, adiante comentado e seguindo o procedimento dos
arts. 1.113 e seguintes do Código de Processo Civil/1973, Capítulo II – Das
Alienações Judiciais, (correspondendo à Seção III – Da Alienação Judicial, art.
730, no CPC/2015 (Grifo VD). A regra de que ninguém pode ser compelido a
permanecer como condômino comporta exceção e atenuação. A exceção está no
condomínio necessário (CC 1.327 e 1.328, adiante comentados), que não comporta
extinção, por sua própria natureza.
A
atenuação está nos §§ 1º e 2º deste artigo, que preveem a possibilidade de a
indivisibilidade da coisa comum ser acordada pelos coproprietários, ou
instituída pelo doador ou testador, pelo prazo máximo de cinco anos. O prazo é
cogente, de modo que se considera não escrita cláusula que estipule prazo
superior, ou indeterminado, reduzindo-se automaticamente ao termo admitido pela
lei. Lembre-se de que a convenção que acorda a indivisibilidade exige o
consentimento unânime de todos os condôminos e não simples maioria. Nada impede
que o condômino, durante o prazo acordado, aliene a sua parte ideal a terceiro,
que, porém, fica submetido ao pacto de indivisibilidade. Admite a lei
prorrogação ulterior do pacto, sem limitação de vezes, embora sujeita, também,
ao termo quinquenal. Note-se, porém, que a prorrogação é ulterior, ou seja,
exige novo consenso dos condôminos ao final do primeiro termo e não pode ser
acordada antecipadamente, porque consistiria fraude à lei.
No
que se refere à cláusula de indivisibilidade imposta em testamento ou doação,
persiste o prazo máximo de cinco anos. Não há necessidade de motivação da
cláusula, que, porém, não pode atingir a legítima do herdeiro necessário, por
força do que dispõe o CC 1.848 do Código Civil, que menciona apenas as cláusulas
restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e indisponibilidade e não
de indivisibilidade. O termo inicial do prazo é a morte, no caso de testamento,
ou o registro do contrato de doação. Não cabe prorrogação do prazo, até porque
o instituidor da cláusula não mais é condômino. Nada impede, porém, que os
condôminos, ao final do termo inicial, convencionem novo período máximo de
cinco anos de indivisibilidade.
Finalmente, o § 3º do CC 1.320, em exame, prevê a possibilidade de o juiz determinar a divisão da coisa comum, antes do prazo de indivisibilidade convencionado pelos coproprietários ou instituído pelo doador ou testador, se graves razões assim aconselharem. O pedido pode ser formulado por qualquer interessado, incluído aí o condômino insatisfeito com a comunhão, ou mesmo o seu credor. O afastamento da indivisibilidade convencional somente pode ser feito por decisão judicial, desde que apresentem as partes “graves razões”. O termo é aberto, conferindo ao juiz o poder de aferir, caso a caso, o desacordo entre os condôminos. Tomem-se como exemplos a severa desinteligência entre os condôminos, ou o desacordo quanto à destinação ou administração da coisa, ou, ainda, a renúncia de um dos coproprietários, sem que os demais se animem a assumir sua quota-parte, pagando as despesas em aberto, ou, finalmente, urgente necessidade de um condômino dar à coisa destinação diversa da acordada. Podem ser invocadas também a ofensa à boa-fé objetiva quando do ajuste da cláusula, ou que esta atenta à função social da propriedade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.329-30. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Enquanto em sua Doutrina, Ricardo Fiuza comenta que a coisa comum, se divisível, pode ser dividida, a qualquer tempo, a requerimento de um dos condôminos, por ação própria (art. 946, II, do CPC/1973, correspondendo atualmente ao art. 969, com redação semelhante no CPC/2015 (Grifo VD); as despesas serão rateadas entre os condôminos na proporção de seus quinhões. A indivisão só pode ser estabelecida pelo prazo máximo de cinco anos, podendo, contudo, ser prorrogada. Se a indivisão é estabelecida pelo doador ou testador, seu prazo será de apenas cinco anos, improrrogável, portanto. Quanto ao § 3º , o Código Civil de 2002 inova ao permitir que a ação de divisão de condomínio pode ser intentada antes do prazo por qualquer pessoa interessada, desde que existam graves motivos. O artigo corresponde à conjugação dos arts. 629 e 630 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 677, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, cada coproprietário poderá exigir, a qualquer tempo, a divisão da
coisa comum, procedendo-se de forma voluntária ou judicial (ação divisória),
sendo que as despesas com a divisão serão partilhadas por igual, entre todos.
Trata-se de ação de natureza real que incide sobre bem divisível. Caso
se trate de bem indivisível - ou de divisão impossível, seja em razão de
sua própria natureza, como um animal de criação, ou por força de lei, como no
casamento pelo regime da comunhão universal de bens – seja ele urbano ou rural,
e não houver acordo voluntário para sua normal alienação, proceder-se-á à sua
alienação judicial para a extinção do respectivo condomínio (RT 658/93).
No condomínio voluntário, poderá constar da convenção que o período da
indivisão perdure por cinco anos, podendo ser prorrogado por igual prazo. Se o
condomínio for criado por doação ou testamento, o prazo máximo de
duração será o quinquenal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 09.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.321. Aplicam-se à divisão do condomínio, no que couber, as
regras de partilha de herança (arts. 2.013 a 2.022).
Sob o enfoque de Francisco Eduardo Loureiro, dizia o diploma revogado que as regras da partilha da herança se
aplicavam à divisão, “nos casos omissos”. Embora eliminada a expressão, é
evidente que somente as regras da partilha compatíveis com a divisão a ela se
aplicam e desde que não afrontem critérios específicos previstos no capítulo da
ação divisória do Código de Processo Civil. Em termos diversos, é subsidiária a
incidência das regras da partilha à divisão. Algumas regras relativas à
partilha não incidem sobre a divisão. Não se exige, por exemplo, homologação
judicial da divisão amigável acordada por negócio jurídico entre condôminos
maiores e capazes, como menciona o CC 2.015, no tocante à partilha entre
herdeiros. De igual modo, a regra do CC 2.013 não se aplica em toda sua
plenitude, uma vez que o condômino não pode requerer a divisão a qualquer
tempo, se houver cláusula convencional ou instituição de indivisibilidade por
testador ou doador. De outro lado, é relevante a regra do CC 2.014, que permite
ao testador - e doador - indicar os bens que devem compor o quinhão de cada
herdeiro, o que se aplica também à divisão. (Francisco
Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.332. Barueri,
SP: Manole, 2010. Acessado 09/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Sem contestação para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, o artigo estabelece a aplicação subsidiária das regras de
partilha de herança aos casos de divisão do condomínio. De fato, todas aquelas
disposições legais previstas no Capítulo referente à partilha dos bens por
sucessão causa mortis são aqui também aplicadas, particularmente a regra
que versa sobre a partilha extraconjugal amigável – quando todos os
herdeiros são maiores e capazes – aqui encontra eco, à luz do CC 2015 da
legislação civil. Neste caso, dispensa-se a intervenção judicial, sendo a
escritura pública, após lavrada em cartório com a assinatura de todos, levada ao
registro imobiliário competente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 09.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O Conceito de
Contrato na Contemporaneidade, artigo de Flávio Tartuce em 07/01/2015, publicado no
site genjuridico.com.br, rebate o Código civil Brasileiro de 2002, que, a
exemplo do seu antecessor, não tomou o cuidado de conceituar o contrato. Em um
primeiro momento, pode-se pensar que agiu bem o novel legislador, pois não cabe
a ele, e sim à doutrina, a tarefa do conceituar as categorias jurídicas.
Todavia, cumpre assinalar que a atual codificação brasileira está baseada,
entre outros, no princípio da operabilidade, que tem um dos seus sentidos
expressos na simplicidade ou facilitação dos institutos civis. Consigne-se que
o Código brasileiro conceitua algumas figuras contratuais típicas, mas não
chegou a conceituar o contrato, relegando, mais uma vez, a tarefa à doutrina.
Em uma visão
clássica, tem-se notado a prevalência do conceito do instituto que pode ser
extraído do art. 1.321 do Código Civil Italiano, ou seja, de que o contrato é o
acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir entre elas
uma relação jurídica de caráter patrimonial. Muitos autores brasileiros seguem
essa conceituação, caso de Orlando gomes e Álvaro Villaça Azevedo.
Da construção
nota-se que o contrato, de início, é espécie do gênero negócio jurídico. Sendo
assim, há uma composição de interesses das partes – pelo menos duas – com
conteúdo lícito e finalidade específica. Para a compreensão do contrato é
fundamental o estudo estrutural do negócio jurídico, mormente os planos da
existência, da validade e da eficácia. Serve como norte o CC 104 do Códice
brasileiro, que aponta os requisitos de validade do negócio jurídico: a) agente
capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma
prescrita ou não em defesa em lei.
Cumpre anotar que
tal feição clássica do contrato limita o seu conteúdo às questões patrimoniais
ou econômicas. Trata-se da ideia de patrimonialidade, tão cara aos italianos.
Sendo assim, o contrato não pode ter uma feição existencial ou
extrapatrimonial. A título de exemplo, pela visão clássica o contrato não pode
ter como conteúdo os direitos da personalidade, mesmo que indiretamente. Na
doutrina mais recente, há interessantes tentativas de ampliação ou remodelagem
do conceito de contrato, o que sem dúvida alarga a margem de incidência de
conceito, ou seja, a abrangência do mundo contratual. Nesse contexto, no Brasil,
surge a construção denominada como pós-moderna de Paulo Nalin, da Universidade
Federal do Paraná. Para o jurista, o contrato constitui “a relação jurídica
subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de
efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares
subjetivos da relação, como também perante terceiros”. Olhando para o futuro, e
por que não para o presente, é de se concordar com essa visualização. De
início, porque o contrato está amparado em valores constitucionais. Não há
dúvidas de que questões que envolvem direitos fundamentais, mormente aqueles
com repercussões sociais, repercutem na autonomia privada, caso do direito à
saúde e à moradia. No Brasil podem ser encontrados vários julgados que colocam em
sopesamento a questão da saúde e a manutenção econômica, prevalecendo muitas
vezes a primeira. Da recente jurisprudência do Estado de São Paulo, pode ser
transcrita a seguinte ementa, tutelando amplamente a vida e a saúde: “Plano
de Saúde. Paciente em tratamento de câncer. Cobertura para realização de
sessões de radioterapia convencional. Recusa de cobertura para nova espécie de
radioterapia prescrita à autora, com a técnica IMRT, porque não incluída ainda
no rol de procedimentos divulgados pela ANS. Inadmissibilidade. Não se tratando
de procedimento experimental, deve-se considerar abrangido pela proteção do
contrato em vigor. Recurso desprovido” (Tribunal de Justiça de são Paulo,
Agravo de Instrumento n. 590.949.4/4, Acórdão n. 3309012. São Bernardo do Campo,
Segunda Câmara de Direito Privado, relator Desembargador Morato de Andrade,
julgado em 21/10/2008, DJESP 14/11/2008).
Como segundo ponto de defesa do conceito
de Paulo Nalin, é ele instigante e prático porque conclui que o contrato
envolve situações existenciais das partes contratantes. A doutrina tem
relacionado a proteção individual da dignidade humana e dos interesses difusos
e coletivos com o princípio da função social do contrato. Nesse sentido na I
Jornada de Direito Civil, evento promovido em 2002 pelo Conselho da Justiça
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o enunciado
doutrinário n. 23, prevendo que “a função social do contrato, prevista no CC
421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana” Nessa linha de dedução, em
atualização à obra de Orlando Gomes, Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco
Paulo de Crescenzo Marino fazem a mesma correlação, afirmando que “Entendemos
que há pelo menos três casos nos quais a violação ao princípio da função social
deve levar à ineficácia superveniente do contrato. Juntamente com a ofensa a
interesses coletivos (meio ambiente, concorrência etc.), deve-se arrolar a
lesão à dignidade da pessoa humana e a impossibilidade de obtenção do fim
último visado pelo contrato”.
Terceiro e por fim, a construção de
Paulo Nalin é interessante, pois traz a dedução de que o contrato pode gerar
efeitos perante terceiros. Algumas dessas externalidades constam da própria
legislação, como é o caso da estipulação em favor de terceiro – comum no seguro
de vida -, e da promessa de fato de terceiro – v.g. a hipótese de um promotor
de eventos que é contratado para agenciar uma apresentação de um cantor famoso,
que não comparece. Mas, além disso, reconhece-se a eficácia externa da função
social dos contratos, a tutela externa do crédito, com efeitos contratuais
atingindo terceiros. Também na I Jornada de Direito Civil, foi aprovado o
Enunciado doutrinário n. 21, com a seguinte redação: “A função social do
contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, a impor a revisão do
princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros,
implicando a tutela externa do crédito”. Mais do que isso, imagina-se que
condutas alheias podem repercutir no contrato. Anote-se o CC 608, que
responsabiliza – como terceiro cúmplice – o aliciador que seduz contratualmente
o prestador de serviços, tirando-o para si.
Essa visão ampliada do contrato é uma
marca e autonomia privada, princípio que superou a ideia liberal de autonomia
da vontade. Parcela considerável da doutrina atual, nacional e estrangeira,
propõe a substituição do antigo princípio da autonomia da vontade pelo
princípio da autonomia privada. A existência desta substituição é indeclinável,
pois, como afirma Fernando Noronha, “foi precisamente em consequência da
revisão a que foram submetidos o liberalismo econômico e, sobretudo, as
concepções voluntaristas do negócio jurídico, que se passou a falar em
autonomia privada, de preferência a mais antiga autonomia da vontade. E,
realmente, se a antiga autonomia da vontade, como o conteúdo que lhe era
atribuído, era passível de críticas, já a autonomia privada é noção não só com
sólidos fundamentos, como extremamente importante”.
Dentro das concepções de personalização
do direito privado e de valorização da pessoa como centro do direito privado, o
conceito de autonomia privada é de fato o mais adequado, pois a autonomia não é
da vontade, mas da pessoa. Em reforço, não há dúvida de que a vontade – de per
si – perdeu o destaque que exercia no passado, relativamente à formação dos
contratos e dos negócios jurídicos. Vários são os fatores que entraram em cena
para a concretização prática desta distinta visão. As relações pessoais estão em
suposta crise, o que na verdade representa uma importante mudança estrutural
das relações negociais, sendo certo que tal espectro deve ser analisado sob o
prisma da concretude do instituto do contrato e do que este representa para o
meio social. Predominam em larga escala os contratos de adesão, com o conteúdo
imposto por uma das partes negociais, tida como mais forte ou hipersuficiente,
muitas vezes por ter o domínio das informações. Por óbvio que esse fenômeno
atinge a negociação digital ou eletrônica.
Sem dúvidas que, no mundo contemporâneo,
a autonomia privada faz com que o contrato ingresse em outros meios, como é o
caso do Direito de Família e do Direito das Coisas. Como afirma Luciano de
Camargo Penteado, olhando para o futuro, “todo contrato gera obrigação para, ao
menos, uma das partes contratantes. Entretanto, nem todo o contrato rege-se,
apenas, pelo direito das obrigações. Existem contratos de direito de empresa,
contratos de direito obrigacional, contratos de direito das coisas, contratos de
direito de família. No sistema brasileiro, não existem contratos de direito das
sucessões, por conta da vedação do CC 426, o que significa que, de lege
ferenda, não se possa introduzir, no direito positivo, a figura,
doutrinariamente admitida e utilizada na praxe de alguns países, como é o caso
da Alemanha. Interessante proposição teórica seria, em acréscimo, postular a
existência de contratos da parte geral, como parece ser o caso do ato que
origina a associação, no atual sistema do Código civil”. Amplia-se a seara
contratual, por exemplo, com a forte tendência de aproximação dos direitos
pessoais e dos direitos reais, desmontando aquele antigo comparativo exposto
nas aulas inaugurais sobre Direito das Coisas. A título de exemplo dessa
aproximação, cai aquela premissa de que os direitos pessoais teriam efeitos inter
partes e os direitos reais efeitos erga omnes. Como se expõe
doutrinariamente, a função social do contrato – em sua eficácia externa-, traz
a conclusão de que o contrato gera efeitos perante terceiros.
Concluindo o tópico, a contemporaneidade
demonstra que o futuro é de uma contratualização de todo o direito, um
neocontratualismo, tese defendida há tempos por Norberto Bobbio. Entre os
portugueses, Rui Alarcão também demonstra a tendência, ao discorrer sobre a
necessidade de menos leis, melhores leis. Para o jurista de Coimbra, “se está
assistindo a um recurso do “direito estadual ou estatal”, e se fala mesmo em
‘direito negociado’, embora se deva advertir que aquele recuo a esta negociação
comportam perigos, relativamente aos quais importa estar prevenido e encontrar
respostas, não avulsas mais institucionais. Como quer que seja, uma coisa se
afigura certa: a necessidade de novos modelos de realização do Direito,
incluindo modelos alternativos de realização jurisdicional e onde haverá
certamente lugar destacado para paradigmas contratuais e para mecanismos de
natureza ou de recorte contratual, que têm, de resto, tradição
jurídico-política, precursora de dimensões modernas ou pós-modernas”. E arremata,
sustentando que tem ganhado força a contratualização sociopolítica, para que
exista uma sociedade mais consensual do que autoritária ou conflituosa. Em
suma, a construção de contrato serve não só para as partes envolvidas, mas
também para toda a sociedade. (Flávio Tartuce
em “O Conceito de Contrato na Contemporaneidade”, artigo de em
07/01/2015, publicado no site genjuridico.com.br, Acessado em
09/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os
consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida
e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta,
o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa
benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.
Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem
benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais,
realizar-se-á licitação entre estranhos
e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à
licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem
afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao
estranho.
Em
defesa do artigo em comento, leciona Francisco
Eduardo Loureiro, o caput do artigo recebeu poucas alterações,
preservando a substância do preceito. A novidade está na inserção do parágrafo
único, que cria critério supletivo e final de desempate entre diversos
condôminos que pretendam exercer a preferência. Aplica-se o preceito do artigo
em comento somente às coisas comuns indivisíveis, cujo conceito é o do CC 87,
vale dizer, aquelas que não podem ser fracionadas sem alteração de sua substância,
diminuição desproporcional de seu valor ou de sua utilidade, da fração
confrontada com o todo. É relevante o critério funcional para determinar a
divisibilidade da coisa. Assim, coisas coletivas, embora divisíveis
naturalmente, podem ser juridicamente indivisíveis, se as partes não tiverem
utilidade ou valor proporcional ao do todo. Para a extinção do condomínio,
converte-se a coisa indivisível em dinheiro, mediante alienação, com
subsequente repartição do preço entre os condôminos, na proporção de suas
partes ideais. A alienação pode ser consensual, por negócio jurídico entre
partes maiores e capazes, ou judicial, quando houver dissenso entre os
condôminos, ou um deles não puder manifestar o seu consentimento. A alienação
judicial de coisa comum é processada na forma dos arts. 1.113 a 1.119 do Código
de Processo Civil de 1973, do Capítulo II – Das Alienações Judiciais,
correspondendo este atualmente no CPC/2015, ao art. 730 (Grifo VD). Como
a coisa comum é indivisível, há direito de preferência dos condôminos em
relação a terceiros arrematantes, desde que igualem a oferta destes, como, de
resto prevê o CC 504 do Código Civil. O preceito em estudo volta-se,
fundamentalmente, para a fixação de critérios de prioridade entre vários
condôminos, quando vários deles desejarem exercer a preferência e não houver
concordância quanto à adjudicação da coisa a um, mediante pagamento das
quotas-partes dos demais. Estabelece a lei três critérios, subsidiários entre
si, para a escolha da melhor preferência entre condôminos. O primeiro critério
é o da existência na coisa comum de benfeitorias mais valiosas. Cabem aqui
algumas observações. Somente são computadas as benfeitorias indenizáveis,
descartando-se, portanto, aquelas incorporadas à coisa por previsão negocial,
sem direito à indenização. Também as benfeitorias úteis e voluptuárias feitas
por condômino possuidor de má-fé não são computadas, porque não são
indenizáveis. Alerta Edson Luiz Fachin que somente as benfeitorias indenizáveis
mas ainda não indenizadas é que conferem a preferência. Isso porque, se os
demais condôminos já indenizaram aquele que as fez, tornam-se elas comuns
(Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo,
Saraiva, 2003, v. XV, p. 204). Não alude a lei às acessões, mas se forem elas
indenizáveis porque feitas de boa-fé pelo condômino plantador ou construtor, na
coisa comum, também conferem direito à prelação. A aplicação é analógica, pois
não teria sentido conferir preferência àquele que melhorou a construção, mas
não àquele que construiu. Caso nenhum condômino tenha introduzido benfeitorias
indenizáveis na coisa comum, ou mais de um tenha benfeitorias de igual valor, o
critério primário se mostra insuficiente. Parte-se, então, para critério
supletivo, de fixar a melhor preferência ao condômino de maior quinhão. Caso
todos ou alguns consortes tenham quinhões iguais, também o segundo critério se
mostra insuficiente para estabelecer a melhor prelação. Parte-se, então, para o
terceiro e final critério subsidiário, qual seja, realiza-se uma licitação
interna entre condôminos. Encerrada a venda a terceiros e obtido o maior lance
de estranhos, caso vários condôminos o igualem, inaugura-se novo certame, agora
circunscrito aos coproprietários com quinhões iguais. Os condôminos, então,
tomando como base o maior lance de terceiros, disputarão a coisa entre si, que
será adjudicada, afinal, àquele que ofertar o mais alto preço. As despesas com
a alienação serão rateadas entre todos os consortes, na proporção de seus
quinhões. Cabe, finalmente, destacar que a norma em exame é cogente, não
podendo afastar-se o direito de preferência por convenção das partes. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.333-34. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/11/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Grifando todo o comentário acima, a doutrina de Ricardo Fiuza, como sinaliza, este artigo estabelece o direito de preferência, que pode ser exercido por quem tiver o quinhão maior ou benfeitorias de maior valor na coisa, devendo ser salientado que o condômino tem preferência em relação a estranhos, quando em condições iguais. No entanto o parágrafo único traz importante inovação, ao permitir a licitação entre os próprios condôminos, suprimindo a omissão do Código Civil de 1916 (sobre a matéria v. Carlos Alberto Dabus Maluf, Ação de extinção de condomínio, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 22 e ss.). É semelhante ao art. 632 do Código Civil de 1916 (RT, 543/144 e 592/76), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 678, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Ana Carolina de Araújo Dantas Loureiro, artigo publicado em 09/2017, no site Jus.com.br., intitulado “Do direito de preferência nas alienações de bens indivisíveis de propriedade comum”, conclui em relação ao prazo para exercício do direito de preferência: “O Código Civil de 2002, assim como o anterior, não estabelece prazo para que o condômino regularmente cientificado possa informar a intenção de adquirir o quinhão do outro, fazendo jus ao exercício do direito de preferência. O STJ já entendeu, por exemplo, que o prazo de 4 dias entre a missiva e a alienação para terceiro não viola o dispositivo legal (REsp 88.408/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998[12]). Como dito, o art. 504 do CC preserve o prazo de 180 dias para que o condômino possa exercer judicialmente o direito de preferência sobre o bem (Ação de Preempção). Assim, se for feita a alienação sem prévia e regular notificação ao condômino, a partir da ciência da venda, há o prazo de 180 dias, em ação anulatória, com o depósito do valor em juízo.
“Condomínio em Coisa Indivisível - Venda a Terceiros - Ausência de Conhecimento dos Coproprietários - Direito De Preferência - Prazo Decadencial - Início da Contagem - A Partir da Ciência, pelo Interessado, da Alienação - É anulável a venda a terceiro de parte da coisa indivisível tida em condomínio quando não se der ciência aos coproprietários que, em caso de preterição, poderão exercer o seu direito de preferência movendo a ação competente dentro do prazo decadencial de seis meses, contados a partir do momento em que tomarem ciência direta e efetiva da realização do negócio(alienação), não se admitindo a ciência presumida. Apelo improvido à unanimidade. (TJPE, Apelação Cível nº 28617-3, Relator Desembargador Florentino de Lima, 5ª Câmara Cível, data do julgamento: 25/04/2000).
Como o prazo de 180 dias é contabilizado a partir da efetiva ciência da alienação (feita sem respeitar o regular direito de preferência). O conhecimento sobre a venda a terceiro pode dar-se de diferentes formas, inclusive mediante juntada de petição em ação judicial que envolve o bem. Sobre o tema, há precedente do Tribunal de Justiça de Pernambuco que, em uma Ação de Inventário, considerou “que o termo inicial do prazo de cento e oitenta dias para o depósito do preço do bem que é objeto do exercício do direito de preferência se deu em 04/02/2010 (fls. 41/42), quando os herdeiros (ora agravantes) interpuseram petição requerendo ‘a nulidade de todos os atos processuais posteriores à juntada dos instrumentos de procuração anexados aos autos às fls. 617 e 900, inclusive do Alvará de venda nº 897/2009’, momento em que restou demonstrada a ciência destes da autorização judicial para venda do imóvel em comento”. (TJPE, inteiro teor do voto no Agravo de Instrumento nº 0249052-6, Relator Desembargador Roberto da Silva Maia, 1ª Câmara Cível, data do julgamento: 26/03/2013, data da publicação: 05/04/2013).
Quanto à forma de comunicação e da forma para exercer o direito de preferência, o Código Civil de 2002, na mesma linha do que o precedeu, não impõe uma forma de comunicação para que o condômino possa exercer seu direito de preferência. Basta que tome regularmente ciência (STJ, REsp 88.408/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998).
Outrossim, o Código Civil de 2002 não
prescreve o mecanismo para que o condômino informe ao seu consorte que quer se
valer do direito de preferência. Em julgado do STJ na égide do Código Civil de
1916, a parte, foi primeiramente, informada da intenção de venda e manifestou
interesse, em tese, de exercer a preferência, em igualdade de condições com
terceiros (STJ, REsp 88.408/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta
Turma, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998). Então, após, foram
regulamente notificados para exercerem o direito de preferência, já cientes da
data da alienação preço e condições de pagamento. Tal conduta, na prática,
permite ao condômino deixar plenamente registrado o seu desejo de poder
eventualmente exercitar o direito de preferência, nas condições que forem
ajustadas com o terceiro. Ana Carolina de Araújo Dantas Loureiro, artigo
publicado em 09/2017, no site Jus.com.br. intitulado “Do
direito de preferência nas alienações de bens indivisíveis de propriedade comum”. Acessado em 09/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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