segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.375, 1.376, 1.377 Da Superfície (Da extinção de concessão) – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.375, 1.376, 1.377

Da Superfície (Da extinção de concessão) – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo IV – Da Superfície (Art. 1.369 a 1.377) - digitadorvargas@outlook.com   - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.

Como já visto e agora comprovado no comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o art.. 24 do Estatuto da Cidade contém preceito de conteúdo semelhante, embora com redação superior. No escrutínio ao CC 1.369, foi apontado que o direito real de superfície suspende o princípio da acessão, pelo qual o dono do solo fica pertencendo tudo o que nele adere e não pode ser retirado sem fratura (superfícies solo cedit). Extinta a superfície, por qualquer das causas previstas no artigo antecedente, inclusive as não explicitadas pelo legislador, incide novamente o princípio da acessão com toda a sua força. A propriedade plena se consolida nas mãos do concedente, e construções e plantações tornam a ser acessões, incorporando-se ao solo e seguindo sua titularidade e seu regime jurídico. Decorre daí o dever do superficiário de não somente construir e plantar, mas também de conservar, para restituir a acessão em bom estado ao concedente.

Não se aplica ao caso o regime da acessão inversa, prevista no CC 1.255, parágrafo único, já comentado, pois o superficiário, por força de disposição contratual, tem inequívoca ciência de que constrói ou planta em terreno alheio e do termo final de seu direito real, bem como do correlato dever de restituição da coisa ao concedente. A quebra do dever de restituição enseja ao concedente o direito de reaver a coisa por via possessória ou petitória, invocando o ius possessionis ou o ius possidendi. A posse do superficiário, que era direta e justa, com a quebra do dever de devolução se torna injusta, porque precária, configurando esbulho. Conta daí o prazo de ano e dia previsto no art. 558 do CPC, para que obtenha o concedente liminar na ação de reintegração de posse.

Reza o artigo em exame que as construções e plantações se incorporam de forma jurídica ao solo independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário. A regra é dispositiva e tem aplicação em caráter supletivo, no silêncio da convenção. Na omissão do contrato, não faz o superficiário jus à indenização por construções ou plantações que erigiu. A regra, porém, comporta temperamento. Caso se prove - e o ônus cabe ao superficiário - que, apesar da omissão das partes, a perda das acessões sem direito à indenização não integrava o sinalagma do contrato, prevalecem os princípios de ordem pública do equilíbrio contratual, boa-fé objetiva e função social do contrato, devendo ser calculada indenização, para evitar o enriquecimento sem causa do concedente.

Caso seja estipulado o direito à indenização, ou decorra este dos princípios imperativos anteriormente referidos, restam ainda algumas questões relevantes a serem examinadas. A primeira delas é o valor da indenização, a ser calculado, no silêncio do título, usando, por analogia, os critérios do CC 1.222, já comentado. Se a acessão foi construída ou plantada de boa-fé, em razão da previsão contratual, indeniza-se por seu valor atual, contemporâneo o tempo do pagamento. Arca o concedente com o ônus da depreciação da acessão, mas tem a seu favor a vantagem de eventual valorização, em comparação com o investimento feito. Caso, porém, a acessão esteja em desacordo com o previsto no título, a regra é distinta. Por força do que dispõe a parte final do CC 1.255, o superficiário perde para o concedente as acessões, sem direito a indenização. Mais uma vez, a regra é temperada por boa-fé objetiva e vedação do enriquecimento sem causa, portanto pequenas diferenças, que não afetem a utilidade da coisa ou o interesse do concedente, não podem acarretar sanção desproporcional ao inadimplemento. A segunda questão é a da incidência de eventual direito de retenção do superficiário, até que lhe seja paga a indenização. Desde que as construções e plantação tenham sido feitas de boa-fé, e normalmente o serão, em razão da previsão contratual, aplica-se por analogia a regra do CC 1.219. Remete-se o leitor ao quanto se disse no comentário ao CC 1.255, que aqui se aplica. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.430-31. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

João Vitor Cainelli Bortoluzzo, publicado em outubro de 2015, no site Jus.com.br, “Comentários acerca do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro”,  diz que em relação à extinção do direito de superfície, previu o Código Civil atual duas possibilidades de ocorrência, quais sejam, a promovida antes do termo final, quando o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida, bem como a consolidada em consequência de uma possível desapropriação. Neste ponto, cumpre-se destacar que, caso a extinção ocorra em virtude da primeira possibilidade estabelecida pelo Código, de acordo com o CC 1.375, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário. De outro tanto, caso a extinção se consolide em virtude da segunda hipótese prevista no código, conforme disposto no CC 1.376, a indenização caberá ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um. (João Vitor Cainelli Bortoluzzo, fez publicar em outubro de 2015, no site Jus.com.br, “Comentários acerca do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiroacessado em 07.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente assim era a redação original do dispositivo contido no corpo do projeto: “Extinta a superfície, o proprietário passará a ter o domínio pleno sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário”. O Relator-Geral no Senado, Senador Josaphat Marinho, por meio da Emenda n. 152, modificou sua roupagem passando a apresentar a composição atual. Naquela ocasião, apresentou o Senador a justificativa de que convém não empregar linguagem geradora de confusão, sobretudo no corpo de lei. No caso, em verdade, o que se extingue não é a superfície, e sim a relação jurídica que sobre ela incide. Tanto que, no CC 1.369, o projeto alude à “concessão da superfície”, gratuita ou onerosa. A emenda, pois, além de impedir equívoco, uniformizou a linguagem do projeto, como registrou o relator Ricardo Fiuza, ao acatá-la, apostando em sua Doutrina que tudo o que o superficiário vier a incorporar ao solo, via de regra, passará a pertencer ao proprietário concedente, sem qualquer ônus, após a extinção da concessão, i.é, independentemente de indenização. A inversão dessa regra dependerá sempre de cláusula expressa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 705, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos apontamentos de Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento filho, conta, “Do Direito de Superfície na Legislação Brasileira”, que o direito de superfície se extingue nas seguintes hipóteses: a) término do prazo; b) perecimento do solo; c) dar destinação diversa da contratada; d) desapropriação; e) distrato f) renúncia g) pela reunião na mesma pessoa da qualidade de fundiário e de superficiário. A extinção não gera direito de indenização para o superficiário para cobrir os gastos tidos com a construção ou plantação, salvo estipulação em contrário, na forma do CC 1375.

J. Miguel Lobato Gómez considera não ser possível o pacto que atribua a construção ao superficiário, findo o  prazo de vigência do contrato: “Apesar de todas estas razoáveis considerações, parece mais ajustado ao direito pensar , como faz intuitivamente a maioria dos autores que se ocupam do tema, que o pacto em contrário a que aludem estas normas se refere à indenização em favor do superficiário e não à reversão do edificado. (posição do legislador espanhol no artigo 289, 3 do Tr de 1992). Não vê, todavia, nenhum inconveniente, seja de ordem econômica, seja de natureza técnica, para que isto não possa ser contratado, sendo, por vezes, necessário para a consecução de resultados sociais a que se presta a utilização do direito superficiário, como no exemplo citado no capítulo referente ao alcance prático do instituto.

 

Quanto ao aspecto registral, há sistemas registrais, como o alemão e o suíço, que adotam a solução de considerar o direito de superfície quase que um imóvel distinto, abrindo-se matrícula para essa nova forma de propriedade. Ao término do contrato essa matrícula autônoma seria encerrada, voltando-se a utilizar aquela originalmente aberta. Apesar de advogar essa ideia, Frederico Viegas, reconhece que, diante da legislação em vigor, não se pode imaginar um fólio registral autônomo para o direito de superfície.

Como direito real que é, a superfície será constituída pelo registro na matrícula do imóvel que irá abrigar esse novo direito. Por outro lado, no momento da extinção do direito, bastará fazer uma averbação dando conta desse fato, como se verifica da simples leitura dos artigos 1369 do Código Civil, artigo 24, 2º, EC , 167, I, 39   e 167, II, 20, da LRP. (Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento filho, conta, “Do Direito de Superfície na Legislação Brasileira”, publicado no site irib.org.br, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, acessado em 07.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito de cada um.

 

Segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a desapropriação extingue o direito de superfície e, tendo em vista a transmissão de direitos inerentes à propriedade ao superficiário, a este também caberá indenização, que corresponderá ao valor do seu direito real.

 

Enunciado 322 do Conselho da Justiça Federal: “O momento da desapropriação e as condições da concessão superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (CC 1.376), constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 07.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No preceito de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo tem dupla incidência. Primeiro, diz que a desapropriação, como modo originário de aquisição da propriedade, leva à extinção do direito real de superfície, que não sobrevive com o expropriante. Segundo, confirma o direito real de superfície ter valor patrimonial, e, por isso, a indenização paga pelo expropriante pela aquisição compulsória do domínio pleno deve ser rateada proporcionalmente entre concedente e superficiário, na medida do direito de cada um sobre o imóvel. Esse rateio leva em conta o prazo restante do direito real de superfície, assim como eventual solarium pago pelo superficiário e o montante do investimento por ele feito, bem como a previsão de indenização quando da extinção do direito real. Todos esses elementos servem para modular o valor da superfície e do direito do concedente. Aliás, ainda que não existisse o dispositivo, seria ele aplicável, em razão da incidência do preceito constitucional da justa indenização e para evitar o enriquecimento sem causa do concedente em desfavor do superficiário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.432. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em dissertação apresentada à Escola Politécnica da USP, para obtenção do Título de Mestre em engenharia, Yuko Akiyama, São Paulo, 2006, publicado no site teses.usp.br, 27/11/2006, intitulada “Valor do direito de superfície: Orientação para construção dos contratos de concessão”, o autor aponta às pp 80 em diante, que as variáveis estruturais são aquelas geradas no ambiente do próprio empreendimento, tais como operação e administração das atividades do empreendimento. Portanto, o superficiário pode corrigir distorções no curso do desenvolvimento e evidentemente ele mesmo deve tomar esse tipo de risco.

O  critério  de  cálculo  de  valor  de  indenização  na  eventual  ocasião  de  resolução  do contrato também deve ser explícito no contrato, para salvaguardar a qualidade econômica do negócio do superficiário. A última proposta para a introdução de mecanismo de proteção do valor do direito de superfície é a inserção de cláusula compromissória conforme disposta na Lei Nº 9.307, de 23 de  setembro  de  1996,  comumente  conhecido  como  Lei  de  Arbitragem.  Apesar  de  todas  as medidas tomadas para se evitar conflito no contrato, poderão ocorrer litígios entre as partes no curso da concessão. Caso estes ocorram, as partes poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios sobre direito, equidade e critério das partes (art. 1º e 2º de Lei 9.307/96). A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter  à  arbitragem  os  litígios  que  possam  vir  a  surgir,  relativamente  a  tal  contrato.  Tal cláusula  deve  ser  estipulada  por  escrito,  inserta  no  próprio  contrato  ou  em  documento apartado que a ele se refira (art. 4º de Lei 9.307/96).

A   arbitragem   de   composição   de   conflito   será   feita   por   algum   órgão   arbitral institucional    ou    entidade    especializada,    que    devem    ser    estabelecidos    na    cláusula compromissória.  Segundo  Carmona  (2004,  p 45),  a  decisão  final  dos  árbitros  produzirá  os mesmos  efeitos  da  sentença  estatal  e  essa  sentença  arbitral  não  precisa  mais  passar  pelo controle prévio dos órgãos do Estado para receber a oficialização que lhe era outorgada pela sentença de homologação. Portanto, a solução de litígios poderá ser mais ágil, favorecendo aos interessados. Para o superficiário comprador que adquiriu o direito de superfície existente, além do valor pago para o superficiário vendedor, os custos da aquisição tais como as despesas legais e comerciais e o valor pago para o proprietário fundeiro (O pagamento para o proprietário fundeiro no momento da transferência pode ocorrer somente no caso do direito de superfície do Estatuto da Cidade) compõem seus investimentos. O aumento desses custos de formatação e implantação provoca o aumento do nível de investimentos financiamento  de  produção,  seja  com  uma  captação  de  recursos  do  mercado.  Porém,  vale salientar que nessa configuração, a devolução do principal e o pagamento de serviço de dívida podem  ocorrer  no  ciclo  operacional,  e  consequentemente,  o  nível  de retornos.  A  programação  de  produção,  propaganda  e  comercialização  durante  o  ciclo  de implantação também pode alterar a configuração da equação de fundos.

Não há limitação à finalidade referente ao direito de superfície do Código Civil de 2002,  enquanto  que  o  Estatuto  da  Cidade  explícita  seu  uso  como  instrumento  da  política urbana,  visando  ao  melhor  aproveitamento  do  terreno  urbano  do  ponto  de  vista  socioeconômico. Pode-se  prever  que  seria  comum  destinar  o  uso  da  superfície  expressamente  pela cláusula no contrato. Isso acontece porque, o proprietário fundeiro, de terrenos urbanos em especial,  tem  obrigação  de  deixar  seus  terrenos  atenderem  à  sua  função  social.  Portanto,  a capacidade do superficiário de executar a implantação e operar o empreendimento durante a concessão é o ponto relevante na sua escolha como concessionário. Assim sendo, do ponto de vista do proprietário fundeiro, a concessão estaria mais protegida quando o destino do uso ou a ocupação do terreno estejam explicitados no contrato Da mesma forma, a obrigação do superficiário em executar um determinado projeto de construção pode ser incorporado ao contrato, bem como a restrição sobre a execução de reforma das construções. O  prazo  da  concessão  e  a  extensão  do  ciclo  de  implantação  são  parâmetros  que impõem  extensão  ao  ciclo  operacional.  Conforme  analisado  nesta  Dissertação,  o  prazo  da concessão   deve   contemplar   o   ciclo   de   implantação   e   o   ciclo   operacional   visando   a compatibilidade com o alcance econômico pretendido do negócio.

O   Código   Civil   de   2002   permite   apenas   o   prazo   da   concessão   por   tempo determinado,  enquanto  o  Estatuto  da  Cidade  admite  a  concessão  por  tempo  indeterminado.  Nesse  caso,  as  possíveis  causas  de  rompimento  da concessão devem estar estipuladas no contrato. Porém, o prazo indeterminado da concessão abrange a dificuldade na viabilização do negócio. O valor da concessão do direito de superfície deve ser arbitrado e o pagamento  da  concessão  pode  ser  feito  à  vista  ou  em  parcelas.  Quando  de  em parcelas, seu valor seria aquele equivalente, economicamente, ao valor da concessão à vista.

A  finalidade  do  contrato  restringe  o  tipo  de  uso  do  terreno  e  a  estruturação  do empreendimento. Tanto o Código Civil de 2002 quanto o Estatuto da Cidade dispõem sobre a alteração do uso como causa resolutiva da concessão. Os juristas   compreendem   que   as   leis   não   permitem   a   alteração   unilateral   da   parte   do  superficiário. Desde que haja acordo do proprietário fundeiro, a alteração ou a modificação do uso do terreno no curso do contrato são lícitas. Também, se existir o acordo do proprietário fundeiro, alterações ou modificações do projeto ou reformas no curso do contrato podem ser consideradas como lícitas. De  qualquer  forma,  recomenda-se  inserir  uma  cláusula  pela  qual  o  superficiário guarda o direito de renegociação sobre essas restrições para eventuais necessidades. Porém,  o  mais  correto  seria  formatar  um  empreendimento  consistente  antes  de  se chegar ao contrato da concessão. Na verdade, as restrições sobre as atividades e os projetos das construções são, praticamente, uma configuração do empreendimento do superficiário. A questão mais importante nesse aspecto não é a inserção da cláusula de renegociação, mas sim, a  eficácia  do  instrumento  contratual  na  preservação  do  valor  do  direito  de  superfície.  Para isso, o superficiário deve seguir a rotina aqui proposta, buscando a configuração final, fundamentada através da análise, antes de se fechar o contrato.

A indenização no final da concessão pode ser considerada  como  sendo  a  contrapartida  pelo  repasse  das  construções  incorporadas  pelo superficiário. Consequentemente, o INDf (Índice fundiário), deve corresponder a esse valor nessa data. Porém, não    como  fixar  o INDf no  contrato:  o  estado  das  construções  entregues  influencia  seus valores,  e  antes  de  tudo,  as  construções  nem  existiam  no  momento  do  ato.  Mesmo  que  se incorpore o estado das construções que devem ser entregues e também um critério de cálculo ao contrato, o estabelecimento de um critério pertinente é um ponto controvertido.

Extinta a concessão do direito de superfície, o empreendimento baseado nesse direito passa  a  pertencer,  exclusivamente,  ao  proprietário  do  terreno.  Teoricamente,  o  valor  das construções   deve   estar   relacionado   à   sua   contribuição   na   geração   da   renda   do empreendimento para o proprietário. Para isso, há necessidade de arbitrar [i] a sua expectativa de  geração  de  renda  do  empreendimento  após  o  final  da  concessão; [ii]  a  fração  de contribuição  das  construções  nessa  geração  de  renda  e  [iii]  o  padrão  de  remuneração pretendido para a operação. Tecnicamente,  é  possível  arbitrar  a  geração  da  renda,  enxergando  um  novo  ciclo operacional denominado de período de exaustão, onde o empreendimento seja capaz de gerar renda  no  mesmo  patamar  do  ciclo  operacional.  Esta  renda  será  mantida  em  padrões

homogêneos  nesse  novo  ciclo  e  deverão  ocorrer  investimentos  em  reciclagem  no  início  do período. Todavia, o problema é a arbitragem de fração da contribuição das construções nessa geração da receita. Os componentes físicos do empreendimento são as construções (inclusive os  equipamentos)  e  o  terreno.  Porém,  não    como  se  isolar  a  renda  proveniente  das construções  e  daquela  referente  ao  terreno,  pois  a  renda  do  empreendimento  é  gerada  em função  de  interações  de  todos  os  elementos,  corpóreos  e  incorpóreos,  que  participaram  do empreendimento.  Haveria  que  se  considerar  a  contribuição  dos  elementos  incorpóreos,  tais como  projeto,  gerenciamento  ou  administração,  também  essenciais  à  geração  de  renda.

Entretanto, não há critério exato e universal para definir a fração de contribuição de cada um desses elementos. Por  outro  lado,  o  custo  de  reprodução  das  construções  na  data  da  extinção  da concessão também não é uma referência pertinente para o cálculo do INDf, pois o custo não se vincula, obrigatoriamente, à capacidade de geração de renda do empreendimento. 

Do  ponto  de  vista  econômico  do  superficiário,  a  indenização  se constitui  em  uma parte de retornos esperados para o superficiário. Portanto, o que é importante na arbitragem do INDf é o alcance do resultado pretendido para o seu negócio. A relação entre o resultado disponível, como sendo o retorno principal e o valor da indenização no final da concessão, como  sendo  o  complemento  de  retornos,  é  ligada  com  a  extensão  do  ciclo  operacional. Quando  o  resultado  disponível  produzido  através  da  operação  do  empreendimento  for suficiente para a recuperação da capacidade de investimentos do superficiário, não haveria a necessidade de receber a indenização economicamente. Contudo,  seria  difícil  o  proprietário  fundeiro  aceitar  este  critério  econômico  de cálculo de INDf, pois sua aceitação significa o compartilhamento dos riscos do negócio do superficiário. Além disso, do ponto de vista do objetivo do direito de superfície, o pagamento da indenização  no  final  da  concessão  pode  ser  um  fator  desestimulante  de  concessão  de superfície,  pois  o  pagamento  deste  desfaz  a  vantagem  econômica  da  parte  do  proprietário fundeiro que permite ao proprietário fundeiro utilizar seu terreno sem necessidade de investir seus   recursos.   Ou,   se   o   proprietário   reservar   uma   parte   do   pagamento   recebido   do superficiário durante a concessão para pagar a indenização no fim desta, na prática, o próprio superficiário  está  pagando  a  indenização,  fazendo  fundo  de  reserva  na  mão  do  proprietário fundeiro. Se for assim, não há sentido em receber a indenização no final da concessão, pois o superficiário  estaria  pagando  um  maior  montante  para  o  proprietário  fundeiro  durante  a concessão,  estendendo  seu  prazo  de  recuperação  de  capacidade  de  investimento.  Assim sendo,  a  solução  mais  saudável  seria  estipular  no  contrato  que,  no  final  da  concessão,  o terreno seja devolvido na condição original, ou seja, vazio. Se o proprietário fundeiro prefere a  devolução  do  terreno  com  as  construções,  o  superficiário  pode  negociar  o  valor  das construções  referindo-se  o  custo  de  demolição.  Nesse  caso,  o  valor  das  construções  não  se constitui a indenização; é um outro negócio entre as partes. Dessa forma, para ambas as partes, o que seria mais coerente e correto é estipular o prazo  da  concessão  adequado  na  forma  que  o  superficiário  possa  alcançar  o  resultado  do negócio   desejado,   exclusivamente   através   da   operação   do   empreendimento,   sem   a indenização no final da concessão. Outrossim,  não  é  recomendável  a  concessão  do  direito  de  superfície  por  tempo indeterminado, permitida pelo Estatuto da Cidade. É totalmente inviável o alcance do negócio do superficiário nessa condição no ato da concessão.

Portanto, para que o superficiário possa salvaguardar seu alcance econômico, ele deve guardar o direito de receber a indenização no final da concessão, ou seja na ocasião de rompimento da concessão. Porém, como discutido agora,  não    como  definir  o  valor  no  contrato,  nem  seria  viável  a  aceitação  da  parte  do proprietário  fundeiro  o  critério  de  cálculo  do INDf no  contrato.  Dessa  forma,  do  ponto  de vista  econômico  para  o  superficiário,  a  concessão  por  tempo  indeterminado  inviabiliza  seu negócio. Assim sendo, recomenda-se que a concessão seja por tempo determinado.

A indenização no final da concessão não tem sido considerada como causa resolutiva das propriedades superficiárias nessa Dissertação. Na hipótese contrária que a admite como causa  resolutiva,  o  descumprimento  de  pagamento  da  indenização  provoca  uma  relação jurídica polêmica. Para tal situação, podem-se considerar as seguintes duas situações: [i] Não extinguir o direito de superfície. O superficiário continua a ser proprietário das construções e ter  domínio  útil  do  terreno;  [ii]  O  direito  de  superfície  se  extingue.  Porém,  o  superficiário continua  a  ser  proprietário  das  construções  e  terá  direito  de  retenção  do  terreno.  Até  o momento,   não      jurisprudência   que   oriente   tal   situação.

Também,   nessa   hipótese, teoricamente,  o  valor  do  direito  de  superfície  no  final  da  concessão  deve  corresponder  ao valor  da  indenização.  Porém,  mais  uma  vez,  volta  o  problema  técnico  e  econômico  em arbitrar  o INDf.  Portanto,  mesmo  ao  se  admitir  o  pagamento  da  indenização  como  causa resolutiva, o tratamento prático da indenização no final da concessão não se altera, ou seja, seria correto trabalhar sem indenização no final da concessão. (Yuko Akiyama, São Paulo, 2006, publicado no site teses.usp.br, 27/11/2006, intitulada “Valor do direito de superfície: Orientação para construção dos contratos de concessão”, acessado em 07.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.377. 0 direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.

Na balada de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo tem imediata conexão com os arts. 21 a 24 da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que também disciplinam o direito de superfície. As regras do Estatuto da Cidade não foram revogadas pelo Código Civil de 2002, mas incidem apenas nos casos em que a superfície seja constituída por pessoas jurídicas de direito público interno. Há, portanto, dois regimes jurídicos distintos. Um para os casos nos quais a superfície é constituída por pessoas jurídicas de direito público interno, regulada de modo primário pelos arts. 21 a 24 do Estatuto da Cidade e de modo supletivo, no preenchimento de lacunas, pelo atual Código Civil. Outro regime jurídico para os casos nos quais a superfície é constituída entre pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, regulada de modo primário pelo Código Civil de 2002 e de modo supletivo, no preenchimento de lacunas, pelo Estatuto da Cidade. O Centro de Estudos Jurídicos - CEJ, da Justiça Federal, que se reuniu no STJ para discutir o Código Civil de 2002, firmou o seguinte, em sua primeira jornada, realizada no ano de 2002: “ Enunciado n. 93: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano”.

Essa conclusão comporta temperamento. Não resta dúvida, como aponta Ricardo Pereira Lira, que “o direito de superfície contemplado no Estatuto cia Cidade é um instituto de vocação diversa daquele previsto no Código Civil de 2002, voltado aquele para as necessidades do desenvolvimento urbano, editado como categoria necessária à organização regular e equânime dos assentamentos urbanos, como fator de institucionalização da função social da cidade. No Código Civil de 2002, o direito de superfície será um instrumento destinado a atender interesses e necessidades privados” (“ O direito de superfície no novo Código Civil”. In: Revista Forense, 2003, v. 364, p. 265).

Reafirma-se a existência de duplo regime jurídico do direito de superfície, um regido pelo Código Civil, envolvendo exclusivamente direito privado, e outro pelo Estatuto da Cidade, envolvendo pessoas jurídicas de direito público interno. Ambos são direitos reais, apenas aplicáveis a situações distintas, com regras diferentes, em razão do princípio da especialidade do art. 2° da LICC. Embora haja alguma controvérsia, a superfície do Estatuto da Cidade é também direito real, porque reúne todas as suas características, apenas não havendo - porque dispensável - a utilização do termo sacramental direito real. Não tipifica direito de superfície, apesar de alguma divergência na doutrina, a concessão do direito real de uso prevista no art. 7º do Decreto-lei n. 271/67, pois não enseja a suspensão do princípio da acessão. Em tal regime jurídico, a construção, tão logo feita, incorpora-se à propriedade do dono do chão, cabendo ao usuário apenas dela extrair o proveito - usar e gozar - durante certo período. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.432-33. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Encerrando esse bloco, no juízo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, atento ao princípio da função social da propriedade, o Código civil faculta a constituição de direito de superfície às pessoas jurídicas de direito público, além de regê-las quando não forem disciplinadas de forma diversa por lei específica. O Estatuto da Cidade ocupa-se do instituto da superfície apenas no que tange aos imóveis urbanos, considerando a legislação urbanística aplicável, conforme art. 21 da Lei 10.257/2001. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 07.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como explica Fábio Salomão Lemos, em seu artigo “Uso do direito de superfície no Estatuto da Cidade e no Código Civil”, publicado no site da Conjur.com.br, em 03 de julho de 2008, dentre outros instrumentos voltados para o alcance da Função Social da Propriedade, o Estatuto da Cidade regulamentou pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico o direito de superfície, visando acima de tudo o incentivo à utilização do solo urbano de forma a buscar a promoção da função social da propriedade, bem como a melhoria da qualidade de vida nos grandes centros. Nesse diapasão a propriedade deixa de ser vista como uma prerrogativa de um direito subjetivo, para ser analisada como relação jurídica, ou seja, o proprietário passou a ter obrigações a cumprir para com a propriedade e os demais membros do corpo social, e o principal deles é exatamente o uso desta.

Da forma como foi traçado no Estatuto da Cidade, o direito de superfície permite de acordo com o artigo 21 o uso do solo, do subsolo e do espaço aéreo: "Artigo 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis. § 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística".

Assim sendo, está, nos moldes acima traçados, presumidamente autorizado o uso do subsolo e do espaço aéreo. É, portanto, uma decorrência da lei. Isso se explica facilmente em razão de o Estatuto ser voltado para a promoção de políticas urbanas, ou seja, edificar, fazer construções na área objeto do direito em comento. Ora, edificar é admitir, inegavelmente, tanto a utilização do subsolo, na medida em que é neste que se fixam as fundações, ou mesmo os andares subterrâneos; bem como, o uso do espaço aéreo, posto que o soerguimento de obras faz uso deste.

O Código Civil, na medida em que permite sua concessão também para imóveis rurais, teve maior amplitude quando cotejado ao Estatuto da Cidade. No entanto, de acordo com aquele, apenas o uso do solo estaria abarcado pela concessão de tal direito, devendo o uso do subsolo e do espaço aéreo estar previsto ou no instrumento de concessão ou ser uma decorrência da natureza desta. "CC 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão".

Sendo o código civil uma lei posterior, teria este o condão de revogar os dispositivos do Estatuto da Cidade, na medida em que regula a matéria de forma distinta? Seria um caso de aplicação do artigo 2°, §1º da LICC? Parte da doutrina afirma que sim, haja vista o posicionamento de J. Miguel Lobato Gómez que em texto científico assim afirmou: “lex posterior anterior derogat. Princípio este último que, uma vez promulgado o novo Código Civil, vai atuar no sentido inverso revogando as normas especiais anteriores do Estatuto da Cidade, que na mesma matéria, sejam incompatíveis com a lei posterior, ainda que geral. [...] no caso de existir normas conflitantes entre ambos corpos legais, que tenham a finalidade de regulamentar relações de Direito privado em cuja criação intervenha a livre e espontânea vontade das partes, será aplicável preferentemente o Código Civil, independentemente de sua utilização como direito supletivo caso de existir lagunas na legislação urbanística.

Portanto, aplicando a mais estrita lógica jurídica e a salvo o interes público, deve ser aceito que o Código Civil revoga as normas do EC que sejam contrarias a seus dispositivos”. Maria Helena Diniz, por sua vez, admite a coexistência de ambos os diplomas e assim escreve sobre o tema: “O direito de superfície não autoriza que se faça obra em subsolo, exceto se isso for inerente ao objeto da concessão feita (v.g, abertura de poço artesiano e canalização de suas águas até o local das plantações) ou para atender a legislação urbanística (Lei 10.257/2001, arts. 21 a 24)”.

Em nossa opinião maior razão assiste a este último posicionamento, de sorte que ambos os diplomas normativos, Código Civil e Estatuto da Cidade, permanecem em vigor. No Estatuto da Cidade o uso do subsolo e do espaço aéreo tem conteúdo transcendental ao simples interesse do particular, posto que o mencionado diploma foi elaborado com olhos na promoção social e no desenvolvimento salutar do espaço urbano, e, em sendo necessário a utilização de áreas que vão além ou aquém da superfície, o uso não poderia ser impedido alegando-se que tal prerrogativa não havia sido estabelecida no ato de contratação.

Esta inclusive foi a orientação adotada no Enunciado 93 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal: "93 — Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano". (Fábio Salomão Lemos, em seu artigo “Uso do direito de superfície no Estatuto da Cidade e no Código Civil”, publicado no site da Conjur.com.br, em 03 de julho de 2008. Acessado em 07/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o Título IV, historicamente o dispositivo em tela art. 1.377, não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo do eminente Ebert Vianna Chamoun. Em sua Doutrina Ricardo Fiuza aponta que às pessoas jurídicas de direito público interno aplica-se quanto ao direito de superfície, no que couber, o NCC em tudo aquilo que não for disciplinado por leis especiais (v.g., Lei n. 4.504/64; Lei n. 9.636/98; Dec.-lei n. 271/67; Lei n. 4.947/66; Lei n. 8.629/93) em sede de concessão de terras públicas e respectivo direito de uso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 706, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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