Direito Civil Comentado - 1.400,
1.401, 1.402
Dos Deveres do Usufrutuário – VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Título VI – Dos Deveres do Usufrutuário - Capítulo III –
Disposições Gerais (Art. 1.400 a 1.409)
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Art. 1.400. O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa,
os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e dará caução,
fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e
entrega-los findo o usufruto.
Parágrafo único. Não é obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada.
O capítulo em estudo disciplina os deveres do usufrutuário, que podem ser, quanto ao tempo, contemporâneos ao nascimento, à execução ou à extinção do usufruto. Alguns dos artigos se aplicam a todas as modalidades de usufruto, enquanto outros se limitam a certas espécies (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 413).
Segundo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 729 do Código Civil de 1916, sem nenhuma alteração em seu caput. O parágrafo único corresponde ao inciso I do art. 731 do revogado Código, que contemplava outras hipóteses, agora não renovadas, de dispensa da caução. Reúne o preceito dois deveres prévios do usufrutuário, exigíveis antes mesmo do início do exercício do usufruto, embora depois de sua constituição. Tais deveres são dispositivos, de modo que podem ser dispensados por convenção entre as partes. Nenhum deles impede o exercício do usufruto, embora acarretem sanções diversas. O primeiro dever do usufrutuário é o de inventariar, à sua custa, os bens que receber. Isso porque o usufrutuário recebe a coisa como se acha e deve devolvê-la depois de certo tempo. Visa o inventário, assim, a constatar quais são os bens dados em usufruto, em que quantidade e em que estado eles se encontram, com o propósito de evitar controvérsia no momento da devolução. Disso decorre que inventariar é um dever e um direito do usufrutuário, porque reverte em seu proveito. Inventariar é descrever quais são os bens, enumerá-los, dar a sua qualidade e quantidade e, em especial, descrever o seu estado atual, embora seja dispensável mencionar o seu valor. As despesas com a realização do inventário correm por conta do usufrutuário, salvo se os bens já se encontrarem inventariados por causa diversa, como no caso do herdeiro que entrega legado de usufruto ao usufrutuário. Pode constar do próprio título ou de ato escrito posterior. O proprietário tem direito de participar da vistoria, para a qual deve ser notificado, assim como dela discordar, caso em que cabe decisão judicial.
Das consequências da ausência de inventário, uma delas é que o inventário pode ser exigido como obrigação de fazer pelo proprietário, em especial se o exercício já se iniciou. Outra consequência divide a doutrina, embora a melhor corrente, capitaneada por Pontes de Miranda, entenda caber ao proprietário a exceção do contrato não cumprido. Enquanto não se prestar inventário, inexigível é a entrega da posse ao usufrutuário (Pontes de Miranda, E C. Tratado de direito privado, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, t. X IX , p. 108). Em caso de omissão, quando não feito ou reclamado por qualquer das partes, presume-se que os bens entregues se achavam em bom estado, cabendo ao usufrutuário, no momento da devolução, destruir essa presunção relativa.
O segundo dever do usufrutuário é prestar caução, real ou fidejussória, para as duas principais obrigações assumidas, quais sejam, de conservação e devolução do bem, no momento em que se extinguir o usufruto. O proprietário diz se quer ou não a prestação de caução, que não é decorrência automática do usufruto, mas depende da exigência do dono. Ainda que dispensada num primeiro momento, pode o proprietário exigi-la durante o exercício do usufruto, desde que haja risco concreto de dissipação ou deterioração dos bens. O usufrutuário, exigida a caução, tem o direito de escolher qual modalidade de garantia prestará, desde que idônea. O descumprimento do dever de prestar garantia não impede o exercício do usufruto, mas apenas retira do usufrutuário o poder de administrar, como será analisado no artigo seguinte.
O parágrafo único reza que no usufruto deducto, ou seja, proveniente de doação com reserva, se dispensa o doador usufrutuário da garantia. Apenas ressalva-se que a regra não atinge negócios a título oneroso. Há omissão quanto ao usufruto legal, que era expressamente mencionado no Código Civil de 1916, mas o melhor entendimento é o de que, apesar do silêncio do legislador, há certa incompatibilidade entre o usufruto que deriva diretamente da lei, em razão de fato ou situação jurídica, e a caução que deriva de exigência do proprietário. Além disso, a falta de caução poderia limitar o usufruto legal, que, por sua vez, tem incidência e regime cogentes (Nascimento, Tupinambá Miguel Castro do. Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983, p. 84).
Cabem breves observações sobre as obrigações do usufrutuário - conservar e devolver - que recebem a caução. Na lição clássica de Carvalho Santos, deve o usufrutuário, como bom pai de família, responder pela perda ou deterioração do bem a que der causa, ainda que por culpa leve. Deve, mais, restituir a coisa incólume ao dono findo o usufruto, mantida a sua substância, sem alterações nas suas qualidades fundamentais, como visto no comentário ao artigo anterior. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.469-70. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na visão dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, objetivando garantir que o usufrutuário possa velar plenamente pela conservação da substância da coisa, a fim de que possa retornar a posse direta do bem num determinado dia – considerando caráter transitório do usufruto – o proprietário poderá estabelecer uma caução para tanto.
Dispensa-se tal caução, evidentemente, nos casos em que o usufrutuário é o próprio doador da propriedade a terceira pessoa – caracterizada por uma liberalidade – reservando para si o direito de usufruto, estabelecido, em geral, de forma vitalícia.
Inventário é o levantamento dos bens que são objeto do usufruto, assim como seu estado de conservação, para serem restituídos da mesma forma, sendo tal despesa do usufrutuário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao art. 1.400 do CC/2002, acessado em 17.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em artigo Tiago França Capparelli, “Da extinção do usufruto pelo não uso, ou não fruição, do bem em que o usufruto recai”, publicado em novembro de 2013 no site jus.com.br, o usufruto está expressamente tipificado nos CC 1.390 e seguintes, podendo ser definido como o direito real em que o proprietário, permanecendo na posse indireta e com poder de disposição do bem, transfere a terceiro a faculdade de usar e extrair os frutos desse bem. Nesse sentido, tendo em vista que o usufrutuário é o titular exclusivo dos poderes de uso e fruição do bem, se obriga a determinados deveres previstos nos artigos 1.400 e seguintes do CC/2002, sob pena até de extinção do usufruto.
No caso específico do usufruto sobre bens imóveis, o usufrutuário se obriga, por força do disposto no CC 1.228, § 1º, a exercer seu direito em consonância com a finalidade social e econômica, a que se destina a propriedade. Portanto, dentre as diversas formas previstas para a extinção do usufruto, como, por exemplo, a renúncia, morte do usufrutuário, extinção da pessoa jurídica, cessão do motivo a que se origina, destruição da coisa ou inobservância das obrigações legais, destaca-se a extinção pelo não uso ou não fruição do bem, prevista no inciso VIII do CC 1.410, diante da ausência de estipulação de prazo mínimo para a extinção do usufruto nessa hipótese. (Tiago França Capparelli, “Da extinção do usufruto pelo não uso, ou não fruição, do bem em que o usufruto recai”, publicado em novembro de 2013, acessado em 17.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.401. O usufrutuário que não quiser ou não puder dar caução suficiente
perderá o direito de administrar o usufruto; e, neste caso, os bens serão
administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a
entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de
administração, entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como
remuneração do administrador.
Pontuando Ricardo Fiuza em sua doutrina, este artigo prevê a sanção ao dever imposto ao usufrutuário em dar caução, quando exigido pelo proprietário. Se não pode o usufrutuário garantir a devolução plena dos bens, não pode possuí-los ou administrá-los. Poderá o nu-proprietário requerer ao juiz a intimação do usufrutuário a dar caução, sob pena de ser-lhe vedado administrar o bem. • É o dispositivo em análise idêntico ao art. 730 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 716, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, a regra é simples. Caso o usufrutuário descumpra o seu dever de prestar caução suficiente, ainda que por impossibilidade de fazê-lo, pode exercer o usufruto, mas perde parte de suas prerrogativas para o nu-proprietário. Perde o poder de administrar o usufruto, de escolher qual destino dará ao bem. Remanesce o direito de receber os frutos e rendimentos da coisa, cuja administração passa ao dono, ou a terceiro que indicar. Nada impede que, a qualquer tempo, enquanto durar o usufruto, cumpra o usufrutuário seu dever de prestar caução e obtenha ou recobre a administração.
A parte final do artigo inverte a caução, que deve ser agora prestada pelo nu-proprietário ao usufrutuário, como garantia do repasse das rendas, sem, no entanto, cominar sanção para o caso de inadimplemento. Duas soluções são possíveis. A primeira, mais operativa e simples, é a de compensar os inadimplementos e devolver a administração ao usufrutuário. A segunda é a de entregar a administração a terceira pessoa, dispensando-a de qualquer caução. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.470. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em relação aos direitos e deveres do usufrutuário, explica Rizzatto, Andréia Modesto, Em relação à caução, é garantida a conservação e a entrega da coisa ao final do usufruto, mas é dispensada em relação ao doador que faz reserva de usufruto. O usufrutuário que não puder ou não quiser dar caução suficiente, perderá o direito de administrar o usufruto. Nesses casos, os bens serão administrados pelo proprietário, que ficará obrigado mediante caução, a entregar o usufrutuário o rendimento deles. (Rizatto, Andréia Modesto, “Classificação e extinção, direitos e deveres do usufrutuário”, site JusBrasil.com.br, acessado em 17.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.402. O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto.
Na observação de Francisco Eduardo Loureiro, as coisas em geral, umas mais, outras menos, se deterioram ou se depreciam naturalmente em razão da passagem do tempo e da sua utilização. Se o exercício do usufruto é regular, não responde o usufrutuário pelas deteriorações. Não fosse assim, estaria tolhido em seus direitos básicos de usar e fruir. Do mesmo modo, não responde pela perda ou deterioração ocorridas sem culpa, ou decorrentes de caso fortuito ou força maior, porque a coisa se perde para o dono (res perit domino).
Como alerta Carvalho Santos, o proprietário não recebe menos do que entregou, como parece à primeira vista. Recebe a mesma coisa, apenas gasta, depreciada por seu uso normal, como, de resto, também estaria se tivesse continuado em suas mãos, em razão da natural deterioração pela exploração ordinária e pelo decurso do tempo (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 434). Indispensável, porém, que o desgaste e a deterioração sejam produto natural do uso normal e do decurso do tempo. Se decorrentes de qualquer ato imputável ao usufrutuário, quer comissivo, quer omissivo, ainda que com culpa leve, ou por falta de conservação que lhe incumbia, ou por alteração da destinação econômica sem anuência do dono, os riscos se deslocam inteiramente, gerando o dever de indenizar, ou de repor o bem em seu estado normal. Em termos diversos, o exercício irregular do usufruto, em qualquer de suas modalidades, constitui ato ilícito e obriga o usufrutuário a indenizar. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.470-71. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Continuando com Andréia Rizzatto, o CC 1.402 expõe que o usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto. Se expressa que o usufrutuário não deverá indenizar as deteriorações que decorrem de caso fortuito ou força maior, mas na existência de culpa ou exercício irregular de direito a causar a deterioração da coisa, o usufrutuário terá que indenizar o proprietário.
O terceiro dever consiste no usufrutuário pagar as despesas ordinárias de conservação dos bens, levando-se em conta o estado em que os recebeu, essas despesas ordinárias são naturais da posse direta e do uso da coisa, devendo incumbir, obviamente, ao usufrutuário. Tangem ao nu-proprietário, e não ao usufrutuário, as reparações ordinárias da coisa e as reparações ordinárias não módicas. (Rizatto, Andréia Modesto, “Classificação e extinção, direitos e deveres do usufrutuário”, site JusBrasil.com.br, acessado em 17.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Nos “Direitos Reais de Usufruto, Uso e Habitação”, Rafaela dos Reis Baldissera, em conteudojuridico.com.br, 28 de novembro de 2012, explica que por referir precisamente dos poderes do usufrutuário, dos quais seriam em relação à coisa fruída: gozar temporariamente da coisa alheia, o usufrutuário, para exercer esse poder, deverá exercer um outro, do qual seria exigir ao nu-proprietário da coisa que esta seja entregue com o direito de usufruto. O usufrutuário pode também hipotecar a outro o seu usufruto, como assim dispõe os Arts. 1400 a 1409 do mesmo diploma legal. Ali, os artigos acima citados explicam os deveres do usufrutuário, como o dever de inventario, de prestar caução, consentir a intervenção do proprietário, reparações, encargos fiscais e defesa dos interesses do proprietário.
O usufruto tem duas finalidades distintas, sendo estas exclusivas às relações familiares. São elas a assistencial e a alimentar, normalmente advindas de um negócio tanto gratuito como oneroso. Ademais, esses negócios vem sempre de testamentos ou doações que tenham, de certa forma, a reserva de usufruto. O principal objetivo dessas finalidades, tanto a assistencial quanto a alimentar é dar ao usufrutuário o direito de uso e gozo da coisa testamentada ou doada, sendo tanto para assegurar-lhe dos meios assim advindos, quanto para prover sua subsistência.
As características do usufruto, além das já citadas, das quais são o direito de usar e fruir da coisa alheia e a sua não permissão de alteração da substancia da coisa ou do direito em si, são dividias em partes: é um direito real sobre a coisa alheia; caráter temporário; inalienável; divisível; e insuscetível de penhora.
É direito real sobre coisa alheia pois, nas palavras de Silvio Rodrigues: “Recai diretamente sobre a coisa, não precisando seu titular, para exercer seu direito, de prestação positiva de quem quer que seja. Vem munido do direito de sequela, ou seja, da prerrogativa concedida ao usufrutuário de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, para usa-la e desfrutá-la como lhe compete. É um direito oponível erga omnes e sua defesa se faz através de ação real”. Essa característica difere de qualquer outra utilização de coisa alheia, como a locação e o comodato, por exemplo.
Tem caráter temporário, pois limita o usufruto à vida do usufrutuário; ao termo de sua duração; pela extinção da pessoa jurídica ou no decurso de 30 anos da data em que se começou a exercer; pela cessação do motivo de que se origina; pela destruição da coisa; pela consolidação; por culpa do usufrutuário quando aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens; ou pelo não uso e fruição da coisa. (Direitos Reais de Usufruto, Uso e Habitação”, Rafaela dos Reis Baldissera, em conteudojuridico.com.br, 28 de novembro de 2012, acessado em 17.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Discorrendo sobre o assunto em pauta, Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, como cediço, dentre as principais
obrigações do usufrutuário, no exercício do usufruto, estão as obrigações propter
rem, quanto ao pagamento de taxas e tributos incidentes ao bem. Como corolário lógico do dispositivo em análise, o usufrutuário não se
responsabilizará por despesas relacionadas ao desgaste natural e temporal do
bem do qual tem a posse direta, uma vez que qualquer pessoa em seu lugar se
veria em idêntica circunstância. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com,
comentários ao art. 1.402 do CC/2002, acessado em 17.12.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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