Direito Civil Comentado – Art. 1.473,
1.474, 1.475
DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA
– Seção I – Disposições Gerais –(Art.
1.473 a 1.488) –
II
- o domínio direto;
III
- o domínio útil;
IV
- as estradas de ferro;
V - os
recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde
se acham;
VI
- os navios;
VII
- as aeronaves;
VIII
- o direito de uso especial para fins de moradia;
Inciso acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.
IX
- o direito real de uso; Inciso acrescentado pela Lei
n. 11.481, de 31.05.2007.
X - a
propriedade superficiária. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.481, de
31.05.2007.
§
Iº A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á
pelo disposto em lei especial. Antigo parágrafo único renumerado pela Lei n.
11.481, de 31.05.2007.
§ 2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X do caput deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.
Prestando-se bastante atenção na conceituação de Loureiro, o caput desse artigo não alude mais à natureza civil da hipoteca e de sua jurisdição, ainda que a dívida seja comercial, diante da inserção do direito empresarial como livro do Código Civil e a ausência de previsão da criação de tribunais de comércio, encontra-se miríades de autores que aplicam a lógica tanto quanto a judicialização inseridos no contexto do tema.
Definição: Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “ hipoteca é o direito real de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 368).
Características: As principais características da hipoteca são: a) é direito real de garantia, de modo que adere ao bem e é dotada de oponibilidade geral; b) é acessória, porque não se concebe garantia sem uma obrigação a ser garantida, segue a sorte jurídica da obrigação garantida; c) tem por objeto coisa do devedor ou de terceiro - nada impede que o hipotecante seja pessoa diversa do devedor; d) tem por objeto coisa imóvel, navios e aeronaves; como direito real imobiliário, é em si mesma classificada como bem imóvel; e) a posse da coisa hipotecada permanece com o proprietário, seja devedor ou terceiro, sem transferência ao credor; f) é indivisível, porque enquanto não satisfeita integralmente a dívida, subsiste por inteiro sobre a totalidade dos bens gravados, com a exceção do CC 1.488, adiante comentado; e g) é temporária, porque tem como uma das causas de extinção a perempção, ou usucapião da liberdade, com cancelamento do registro, após o prazo de trinta anos (CC 1.485). Como os demais direitos reais de garantia, a hipoteca confere ao credor os direitos de sequela, preferência e excussão.
Objeto: O artigo em estudo trata do objeto da hipoteca. Cada um dos sete incisos prevê um bem passível de hipoteca. A doutrina tradicional diz que o rol é taxativo. Nada impede, porém, ante a tipicidade elástica que a doutrina moderna confere aos direitos reais, que situações jurídicas não expressamente contempladas pelo legislador possam ser objeto de hipoteca, desde que plenamente compatíveis com a natureza do instituto. Embora polêmico o tema, esses são os casos do direito real de superfície e de promissário comprador com preço pago e título levado a registro.
O próprio legislador, na recente Lei n. 11.481/2007, incluiu no rol mais três casos de bens hipotecáveis (incisos VIII a X). A inclusão teve por escopo eliminar dúvidas da doutrina quanto à possibilidade de se hipotecar tais direitos reais que têm por objeto bens imóveis e são alienáveis a terceiros. Tais figuras, mesmo antes da reforma legislativa, já eram hipotecáveis. Embora não incluído no rol, é também hipotecável o direito de promissário comprador com título levado ao registro.
O inciso I afirma que são hipotecáveis os imóveis e os acessórios dos imóveis, conjuntamente com eles. Somente os imóveis alienáveis são hipotecáveis, porque a garantia real é uma alienação em potencial. Se a inalienabilidade ou a alienabilidade forem temporárias, assim também será a hipoteca. Logo, imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade, ou bens de família no regime do Código Civil, não são hipotecáveis. Nada impede, porém, que o impropriamente denominado bem de família, previsto na Lei n. 8.009/90, seja hipotecado, porque na verdade é somente impenhorável. Como pode o dono alienar voluntariamente a casa, poderia também hipotecá-la.
No mais, admite-se a hipoteca de imóveis urbanos ou rurais, em condomínio vulgar ou edilício. O condômino pode hipotecar sua parte ideal sem a anuência dos demais condôminos, seja o imóvel divisível ou indivisível, à vista do que dispõe o CC 1.420, § 2º, já comentado. É possível a hipoteca de propriedade sob condição resolutiva (propriedade fiduciária, ou ao comprador, na venda e compra com pacto de retrovenda), caso em que se extingue a garantia, com a resolução do domínio. Não se admite, porém, a hipoteca sobre propriedade sujeita à condição suspensiva. Isso porque o titular de direito sob condição suspensiva não adquire o direito a que ela visa e tem mera expectativa, podendo apenas exercer atos de conservação, mas não de oneração.
Admite-se a hipoteca de unidades autônomas em construção. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, é viável a hipoteca de “quota ideal de terreno, ajustando que ao apartamento, quando for construído, se estenda o ônus real, porque, nesse instante, se fará um complexo jurídico inseparável com a copropriedade do solo” (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 148). Cuida-se de situação especial de hipoteca sobre coisa futura, especializada por antecipação.
Prossegue o inciso I afirmando que são hipotecados com os imóveis os seus acessórios. A regra se encontra mais bem explicitada no CC 1.474. Cabe destacar que o preceito, de natureza cogente, é expresso ao dispor que somente se admite a hipoteca dos acessórios com o imóvel principal. Disso decorre não se admitir a hipoteca dos acessórios independente ou separadamente da hipoteca do solo, sem embargo de respeitáveis opiniões em sentido contrário.
O termo “acessórios” merece cuidadoso exame. Há acessórios que são partes integrantes da coisa, pois a ela se vinculam por união física e não podem ser retirados sem fratura. São os casos de acessões e benfeitorias, que integram a hipoteca do imóvel, quer sejam anteriores, concomitantes ou posteriores à constituição da garantia, independentemente de cláusula expressa a respeito. Também os frutos pendentes são partes integrantes da coisa e, enquanto não destacados, são abrangidos pela hipoteca. Nota-se, porém, que os frutos destacados antes ou mesmo durante a hipoteca se desligam da garantia, porque o poder de fruição da coisa permanece com o dono e não com o credor. No que se refere aos produtos, que integram a substância da coisa, a regra é outra. Estão incluídos na garantia, e sua retirada desfalca a substância e desvaloriza a coisa, em prejuízo do credor.
Há, porém, acessórios que consistem em simples pertenças (antigas acessões intelectuais), colocados à disposição duradoura da coisa, para otimizar seu uso, exploração, ou aformoseamento; mas, se retirados, readquirem sua autonomia jurídica e econômica (art. 93 do CC). Reza o art. 94 do Código Civil que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”. Disso decorre as pertenças não se incluírem naturalmente na garantia hipotecária. Deve o título constitutivo da hipoteca expressa e especializadamente abranger as pertenças para incluí-las na garantia, com inscrição no registro imobiliário. Tomem-se como exemplos o mobiliário de um imóvel residencial, as máquinas de um imóvel industrial, os equipamentos de um imóvel comercial, os implementos de um imóvel agrícola. A questão, porém, envolve sempre matéria de fato, porque equipamentos que se encontram fisicamente unidos ao imóvel e não podem ser retirados sem fratura, como elevadores ou aparelhos de ar-condicionado central, constituem benfeitorias e integram automaticamente a garantia real.
Os incisos II e III dizem poder ser objeto da garantia hipotecária o domínio direto e o domínio útil do imóvel. Cuidam do direito real de enfiteuse, aforamento ou emprazamento, previsto no art. 678 do Código Civil de 1916. Não mais se admite a criação de enfiteuse na vigência do Código Civil de 2002. Vigoram, porém, as enfiteuses instituídas na vigência da lei anterior, em atenção ao ato jurídico perfeito. Tanto o domínio útil do enfiteuta como o domínio direto do senhorio podem ser hipotecados, com a ressalva de que, no momento da arrematação, há direito de preferência recíproco entre os protagonistas da enfiteuse.
Também podem ser hipotecados, embora não diga de modo expresso a lei, a nua propriedade - ou o domínio direto - nos casos de usufruto, uso, habitação e superfície.
O CC 80 dispõe serem imóveis os direitos reais que têm por objeto coisas imóveis. Assim, os direitos reais de usufruto, uso, habitação e servidão são bens imóveis por definição legal, mas não podem ser hipotecados, porque são inalienáveis. Já o direito real de hipoteca, embora imóvel e passível de alienação, pode apenas ser dado em penhor, por força de disposição legal (Decreto n. 22.778/34).
Nada obsta, porém, que outros direitos reais sobre coisa alheia, imóveis por definição legal e alienáveis a terceiros, sejam dados em hipoteca. O direito real de superfície tem natureza imóvel e pode ser alienado por expressa disposição legal. Nada impede seja onerado por garantia real de hipoteca. Claro que a hipoteca se extinguirá com o direito real de superfície.
Embora negue a doutrina tradicional, não se vê razão para que o direito real de promitente comprador, decorrente de contrato de compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento e levado ao registro imobiliário, não possa ser dado em garantia hipotecária. É bem imóvel por definição legal e passível de cessão por simples trespasse. Como vimos anteriormente, nos comentários aos CC 1.417 e 1.418, é o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio que concentra toda a carga negociai da compra e venda. Pago o preço, todos os poderes federados do domínio estão concentrados nas mãos do promitente comprador, nada mais restando ao promitente vendedor do que o dever de outorgar a escritura definitiva. Na lição de José Osório de Azevedo Júnior, “considerando que o compromisso já é hoje reconhecido, para inúmeros efeitos, como uma forma de alienação, ficando o compromissário com amplíssimo poder de disposição da coisa, cremos que, após o pagamento do preço, lhe devia ser permitido hipotecar o imóvel, ou pelo menos hipotecar seus direitos reais, que também são imóveis” (Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983, p. 100).
O inciso IV afirma que podem ser dadas em hipoteca estradas de ferro, urbanas ou não, de superfície ou subterrâneas. Elas são consideradas uma universalidade de fato, e, como bens coletivos, a hipoteca abrange os trilhos, as estações, os pátios de manobra, os terminais de passageiros, as locomotivas, os vagões e todos os demais acessórios necessários ao perfeito funcionamento do meio de transporte. A hipoteca é registrada e a inscrição se faz no oficial do registro do lugar do imóvel correspondente à estação inicial da linha (art. 171 da Lei n. 6.015/73). As estradas de ferro são exploradas, via de regra, sob o regime de concessão. O arrematante tem direito a explorar o serviço concedido, ressalvado, porém, o direito de preferência do poder concedente, de retomada da concessão, pagando o preço da arrematação no prazo de trinta dias, na forma do art. 699 do Código de Processo Civil (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006).
O inciso V dispõe poder ser hipotecados os recursos naturais a que alude o CC 1.230, independentemente do solo onde se acham. Minas e jazidas, por força de preceito constitucional, são bens da União, independentes do solo onde se encontram. O objeto da hipoteca na verdade é o aproveitamento da mina, mediante direito de lavra. Na lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, “a garantia hipotecária está no valor da mina, que, genericamente, é o fato da exploração e que, objetivamente, é o conjunto lavrável acrescido, como partes integrantes dos edifícios, máquinas, instrumentos, animais, veículos etc.” (Hipoteca. Rio de Janeiro, Aide, 1996, p. 45). A hipoteca é registrada no Departamento Nacional de Produção Mineral.
Nos incisos VI e VII consta que podem ser hipotecados navios e aeronaves, regidos por disposto em lei especial. Embora sejam bens móveis por natureza, é da tradição do direito brasileiro e de legislações estrangeiras a admissão da hipoteca, em razão do vulto dos financiamentos à sua construção e manutenção. A instabilidade do constante deslocamento se compensa com a estabilidade dos registros em aeroportos e portos de origem.
A hipoteca de navios se encontra disciplinada pelo art. 278 do Decreto n. 18.871/29, que promulga a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante), e pelos arts. 12 a 14 da Lei n. 7.652/88, que dispõem sobre o registro de propriedade marítima. A hipoteca de aeronaves se encontra nos arts. 138 a 147 da Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica).
Os incisos VIII e IX, adicionados pela recente Lei n. 11.481/2007, admitem a hipoteca sobre o direito de uso especial para fins de moradia e o direito real de uso, regulados, respectivamente, na Medida Provisória n. 2.220 /2001 e art. 4°, V, g, do Estatuto da Cidade. O acréscimo guarda simetria com a inclusão no CC 1.225 dos dois novos direitos reais de gozo e fruição. A medida constitui importante passo para que possam ocupantes de imóveis públicos obter financiamento imobiliário para construção de acessões. Lembre-se de que o direito real de uso é o previsto em lei especial, e não nos arts. 1.412 e 1.413 do Código Civil, que tem natureza personalíssima e, por ser intransmissível, também não é passível de ser dado em garantia real.
O inciso X dispõe ser hipotecável a propriedade superficiária. Tal possibilidade já era reconhecida pela doutrina antes mesmo da inovação legislativa. Isto porque a propriedade superficiária, como direito real sobre coisa alheia incidente sobre bem imóvel, é considerada também imóvel por definição legal. Como é o direito real de superfície alienável, é também hipotecável. Ressalte-se que o arrematante se sub-rogará no direito de superfície, pelo prazo faltante, previsto no título, e assumindo todas as obrigações do superficiário devedor, inclusive a do pagamento de encargos e de eventual solarium.
O parágrafo segundo nada mais explicita que o caráter acessório dos direitos reais de garantia. Se o objeto da garantia for a termo, ou, ainda, embora não dito pela lei, mas implícito, extinguir-se por qualquer das causas previstas em lei, extingue-se juntamente a hipoteca. Assim, se o direito de uso especial for extinto por desvio de uso, ou por ter o titular adquirido outro imóvel, extingue-se também o direito real de hipoteca. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.570-71. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em sua doutrina, Ricardo Fiuza resume tudo o que foi dito acima como: A palavra “hipoteca” vem do grego hypotheke, de hypo (por baixo), seguida de titheni (eu ponho), que foi traduzida literalmente para o Latim pela palavra supositio. Pode ser definida como o direito real sobre imóvel, navio ou avião que pertença ao devedor ou a terceiro, ficando na sua posse, garantindo ao credor o pagamento da dívida, pela preferência sobre o preço alcançado na execução. O artigo é semelhante ao art. 810 do Código Civil de 1916, apenas acrescentou a hipótese de hipoteca de aeronaves. Deve a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 748, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em seu artigo, Talita Pozzebon Venturini e Renata Nascimento Bertagnoli, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, ensinam que O que distingue a hipoteca dos outros direitos reais de garantia, é que a posse do bem, oferecido como garantia, continua com a figura do devedor, o qual pode perceber-lhes os frutos. Considerando essa importante característica e considerando que esse instituto normalmente recai sobre um bem imóvel, embora possa incidir sobre aeronaves e navios, podemos defini-la como uma garantia real em que o devedor confere um direito ao credor sobre um bem imóvel de sua propriedade ou de outrem, para que o mesmo responda pelo resgate da dívida.
Assim, entende-se
que a hipoteca possui dois elementos essenciais: a dívida que uma pessoa
contrai com a outra e a garantia que um devedor ou um terceiro oferece para
assegurar o pagamento.
As características principais da hipoteca são o direito de sequela e o direito de preferência, aquele nada mais é do que o direito de perseguir o bem, sendo este o direito que o credor hipotecário tem sobre os demais credores de receber o seu crédito.
Cumpre observar que a hipoteca, como os demais direitos reais de garantia, é mero acessório de uma obrigação principal, pois uma vez resgatada tal obrigação, ela se extingue. Além disso, a hipoteca trata-se de um direito indivisível, como bem ensina Orlando Gomes:
(...) o ônus real grava a coisa na sua totalidade e em todas as suas partes, pouco importando que seja dividida ou que a dívida seja amortizada. Assim, o que tenha pago parte da dívida não obtém redução proporcional da garantia hipotecária; o bem hipotecado continua a garantir o pagamento do saldo sem qualquer diminuição, tal como gravado ao se constituir a relação (Gomes, Orlando, 2006, p. 411).
Destarte, esse instituto não implica tradição, haja vista que sua pretensão é a de que o bem permaneça na posse do devedor para que ele possa retirar os frutos da coisa e pagar a dívida. Deste modo, a hipoteca não impede o real aproveitamento da coisa, continuando o devedor a exercer todos os direitos de proprietário, retirando todas as utilidades do bem, exercendo todos os poderes da propriedade e todas as vantagens, podendo até mesmo alienar a coisa e dar em garantia novamente.
Observa-se dois princípios importantes que regem a hipoteca. O princípio da especialização, o qual significa que todo o registro deve recair sobre um bem especificado, com descrição minuciosa e o quantum o devedor hipotecário está devendo. E o princípio da publicidade, que nada mais é do que o registro como veículo da publicidade imobiliária, de forma a proteger terceiros interessados em adquirir o bem ou que pretendam se utilizar dele de qualquer forma, bastando assim, o registro do título constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis correspondente.
Face ao exposto, conclui-se que o objetivo da hipoteca, assim como os demais direitos reais de garantia, é assegurar o pagamento da obrigação principal.
O objeto deve ser da propriedade do devedor ou de terceiro, que dá imóvel seu para garantir a obrigação contraída pelo devedor. A hipoteca, então, recai em bens imóveis e alienáveis, podendo ser corpóreos ou incorpóreos. Assim, são hipotecáveis os imóveis e seus acessórios, o domínio direito e o domínio útil e os navios e aeronaves, estradas de ferro, minas e pedreiras.
Pode, assim, a hipoteca recair sobre o domínio pleno (do proprietário), bem como sobre o domínio útil (do enfiteuta) e o domínio direto e eminente (do enfiteuticador ou senhorio direto na enfiteuse). Importante lembrar, que o imóvel hipotecado pode ser alienado e se houver cláusula que proíba a alienação, ela será nula. Além disso, o bem pode ser hipotecado mais de uma vez a devedores diferentes. No entanto, deve-se sempre observar o direito de preferência.
É de suma importância frisar que a lei estabelece que só poderá hipotecar aquele que pode alienar; então, somente quem é dono poderá hipotecar. Com isso, se a hipoteca for constituída por quem não seja proprietário, anula-se, com exceção, do possuidor de boa-fé que revalidará a garantia pela aquisição ulterior de domínio.
A constituição da
hipoteca pode ser convencional, legal ou judicial. A convencional nasce do
acordo de vontades através de contrato e constituindo-se mediante escritura
pública, desde que o valor exceda a trinta vezes o maior salário mínimo vigente
no País.
Ressalta-se que por
usucapião não há de se falar em hipoteca, por faltar um fundamental requisito,
a transmissão da posse.
Já, conforme
Arnaldo Rizzardo (2011): “A hipoteca legal é instituída pela lei, independentemente
da vontade das partes interessadas.” Não havendo título executivo.
Na hipoteca judicial o título é a sentença judicial. Porém, o credor deve inscrevê-la no registro imobiliário para poder excluir os imóveis especializados, penhorando-os em poder de quem os adquiriu posteriormente. (Talita Pozzebon Venturini e Renata Nascimento Bertagnoli, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.
No entender de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo trata da extensão da hipoteca, estabelecendo que as acessões, melhoramentos e construções feitas no imóvel são abrangidas pela garantia. Seguindo a regra de que o acessório segue o principal, estabeleceu-se uma presunção relativa de que todas as acessões naturais ou artificiais, bem como as benfeitorias, também garantirão a obrigação principal. A extensibilidade não alcança direito real anteriormente constituído, respeitando-se a prioridade fixada pela prenotação do título junto ao Cartório de Registro de Imóveis. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.474, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como aponta Loureiro, duas são as regras enunciadas no preceito: (a) a hipoteca abrange a integralidade do imóvel, com todos os seus acessórios; (b) a hipoteca não afeta os direitos reais anteriormente constituídos e registrados.
No que se refere aos acessórios, remete-se o leitor ao comentário do artigo anterior, especialmente o inciso I. A hipoteca abrange todas as construções, plantações (acessões) e benfeitorias, que guardam relação de acessoriedade com o imóvel. Ainda que não mencionadas no título, integram naturalmente a garantia real. Também as construções e plantações não existentes ao tempo da constituição da garantia real, à medida que forem erigidas e plantadas, integram-se automaticamente à hipoteca, independentemente de previsão negociai. A regra tem especial relevância no que se refere às unidades autônomas de condomínio edilício em construção, hipótese cm que se admite, por exceção, a hipoteca sobre coisa futura, especializada por antecipação.
No artigo anterior também estudou-se as pertenças, que, por não se enquadrarem na condição de acessórias - embora sirvam à exploração da coisa a que servem -, gozam de autonomia jurídica e somente integram a garantia se expressamente previstas no título constitutivo.
No que se refere às acessões e benfeitorias feitas por terceiros no imóvel hipotecado, a situação é outra. Na lição de Clóvis Bevilaqua, “as benfeitorias úteis e necessárias, realizadas por terceiros de boa-fé, não se desagregam do imóvel hipotecado, de modo que o credor exequente as terá de descontar do preço do imóvel arrematado ou adjudicado, para indenizar a quem as realizou. Quem, de boa-fé, melhora o prédio alheio nas condições acima expostas, tem direito a ser indenizado” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. II, p. 148). Do mesmo modo, Orlando Gomes afirma que “se as benfeitorias pertencerem a terceiros, aos quais assista direito de pedir indenização ao proprietário do imóvel, deduz-se o seu valor no preço da venda do bem principal” (Direitos reais, 19. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 416).
Em suma, em relação a terceiros, aplica-se o regime de indenização e de retenção previsto nos CC 1.219 a 1.222 (benfeitorias) e 1.253 a 1.259 (acessões) já estudados, sendo primordial conhecer a boa-fé do possuidor e do construtor. O direito que teriam contra o proprietário do imóvel hipotecado, podem abater do valor da arrematação, ou exercê-lo contra o credor adjudicante. Isso porque as acessões e benfeitorias valorizaram o imóvel e integram o preço de arrematação, de modo que a não indenização vulneraria a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa.
Quanto aos frutos, o devedor hipotecário ou terceiro prestador da garantia conserva a posse, acompanhada dos poderes de usar e fruir a coisa dada em garantia, até o momento da excussão. Enquanto pendentes, os frutos são acessórios da coisa e integram, por consequência, a garantia hipotecária. Porém, o proprietário da coisa hipotecada pode destacar e consumir ou alienar os frutos, momento em que ganham autonomia jurídica e se desligam da garantia. Como os frutos são renováveis periodicamente e não desfalcam a substância da coisa hipotecada, preserva-se o seu valor e o interesse do credor. Em suma, até o momento da excussão, os frutos pertencem ao proprietário. Somente os frutos colhidos por antecipação é que devem ser devolvidos ao arrematante.
No que se refere aos produtos, a regra é outra. Eles não são renováveis e desfalcam a substância da coisa hipotecada, provocando sua desvalorização. Devem ser preservados pelo proprietário, evitando o prejuízo do credor hipotecário, salvo cláusula em sentido contrário contida no título.
O segundo período do artigo em estudo ressalva subsistirem os ônus reais constituídos anteriormente à hipoteca. Natural que os anteriores direitos reais sobre coisa alheia, como superfície, servidão, usufruto, uso, habitação e mesmo anterior hipoteca, irradiem efeitos em relação à nova garantia, que recai sobre coisa já gravada.
A regra inversa também é verdadeira. A hipoteca registrada prevalece e não é afetada diante dos posteriores direitos reais sobre coisa alheia, inclusive segunda hipoteca.
Merece destaque a Súmula n. 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. O STJ, em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e aos deveres de cuidado ao se contratar, a fim de não lesar interesses alheios, conferiu eficácia aos compromissos de venda e compra não registrados, perante o direito real de hipoteca das instituições financeiras. Partiu da correta premissa de que as instituições financeiras conheciam ou deveriam conhecer que as unidades recebidas em garantia eram prometidas à venda ao público. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.575-76. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em
artigo publicado por Wellington Cacemiro, intitulado “Código Civil
brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma
legal à luz da doutrina contemporânea”, em
14 de dezembro de 2016, no site conteúdojurídico.com.br., o autor, faz a
seguinte menção: Não sem motivo a hipoteca é considera “o direito real de
garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática” (TARTUCE, 2015, p.
873). Trata-se de modalidade de garantia real que recai, por regra, sobre bens
imóveis, mas que também pode incidir sobre bens móveis. Neste caso
consideram-se hipotecáveis aqueles enumerados pela vigente legislação. Tartuce (2015, p. 873) lembra que, “por razões
óbvias, a hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O
autor adverte, citando Lacerda de Almeida, que hipoteca não registrada é
hipoteca inexistente e, Citando Donizetti e Quintella: “O direito
real de hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do
imóvel, e não interfere nos demais ônus reais sobre o mesmo imóvel,
constituídos e registrados antes dela própria (art. 1.474). (Wellington Cacemiro, artigo intitulado “Código
Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do
diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em 14 de dezembro
de 2016, no site conteúdojurídico.com.br., acessado 28/01/2021. Revista
e atualizada nesta data por VD).
Art.
1.475. É nula a cláusula que proíbe ao
proprietário alienar imóvel hipotecado.
Parágrafo
único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito
hipotecário, se o imóvel for alienado.
Loureiro contemporiza que, o principal efeito da hipoteca é vincular um bem imóvel ao cumprimento de uma obrigação. Como alerta Caio Mário da Silva Pereira, o proprietário “ não está inibido de alienar o imóvel hipotecado, porque não perde o jus disponendi. Ao adquirente, porém, transfere-se o ônus que o grava, não lhe valendo de escusa a alegação de ignorância, que não prevalece contra o registro, nem lhe socorrendo para libertá-lo de qualquer cláusula de sua escritura, ou compromisso assumido pelo devedor hipotecário. A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário - transit cum onere suo” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 386).
Em termos diversos, a sequela constitui um dos efeitos dos direitos reais de garantia, provocando a aderência do ônus à coisa, acompanhando-a em poder de quem se encontre. O artigo em exame destaca não ser o imóvel hipotecado inalienável, embora a alienação seja ineficaz perante o credor, que pode perseguir a coisa em poder de quem se encontre e promover sua excussão, no caso de inadimplemento do devedor.
A norma é cogente, de modo que se considera nula e não escrita qualquer cláusula negociai que impeça a alienação do imóvel hipotecado. Somente a cláusula é nula, não a garantia real. A regra tem razão de ser. É indiferente ao credor a alienação do imóvel, porque a garantia recai com vínculo real sobre a coisa, que será levada à hasta pública se houver inadimplemento. Se o imóvel hipotecado for alienável, também será penhorável, com as regras estabelecidas no CC 1.501, no caso de excussão.
O parágrafo único admite, mediante cláusula convencional expressa constante do título e do registro imobiliário, para conhecimento de terceiros, que a alienação provocará o vencimento antecipado do crédito hipotecário. No silêncio do título ou na omissão do registro, a alienação não produz qualquer efeito em relação ao crédito. A lei somente admite a aposição de tal cláusula no caso de alienação e não no de oneração do imóvel, inclusive por segunda hipoteca, que respeita os direitos reais anteriormente constituídos. A regra, porém, estende-se ao compromisso de compra e venda, que, como já visto nos comentários aos CC 1.417 e 1.418, constitui direito real de aquisição e contrato preliminar impróprio, quase esgotando os efeitos da compra e venda.
A cláusula convencional do vencimento antecipado não é da natureza da garantia hipotecária e deve ser interpretada em cotejo com os princípios imperativos da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual. A alienação, embora ineficaz frente ao credor, pode provocar agravamento do risco ou de depreciação do imóvel hipotecado. Basta imaginar o adquirente deixar de pagar impostos, ou o rateio das despesas de condomínio edilício, ou de promover a conservação da construção, não fazendo as benfeitorias necessárias. Haverá, em tais hipóteses, nítida depreciação da garantia, o que justifica o vencimento convencional imediato da dívida e, na falta de pagamento, a pronta execução e excussão do prédio hipotecado.
Caso, porém, a alienação não provoque qualquer agravamento do risco de depreciação da garantia, inexiste razão para o vencimento antecipado da dívida, embora previsto em cláusula convencional. A medida provocaria a impossibilidade do devedor arcar com o pagamento integral e, por consequência, a execução da dívida, sem razão para tanto. É o que a melhor doutrina insere como uma das facetas do princípio da boa-fé objetiva e denomina de exercício desequilibrado de direitos (indiviliter agere), em que há manifesta desproporção entre a vantagem auferida pelo titular de um direito e o sacrifício imposto à contraparte, ainda que não haja o propósito de molestar. São casos em que o titular de um direito age sem consideração pela contraparte (Noronha, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 179). O clássico Menezes Cordeiro trata da matéria como desequilíbrio no exercício de direitos, provocando danos inúteis à desproporção dos efeitos práticos. Ensina que “da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a ideia de que, em todos, há uma desconexão - ou, se quiser, uma desproporção - entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático do exercício desses direitos. Parece, pois, haver uma bitola que, transcendendo as simples normas jurídicas, regula, para além delas, o exercício de posições jus-subjetivas; essa bitola dita a medida da desproporção tolerável, a partir da qual já há abuso” (Da boa-fé no direito civil Coimbra, Almedina, 1977, p. 859).
Em resumo, o vencimento antecipado da dívida, ainda que convencionado pelas partes, está subordinado à prova de que a alienação de algum modo feriu interesse do credor hipotecário, ou provocou a depreciação do imóvel objeto da garantia, sob pena da execução antecipada configurar abuso de direito.
As hipotecas vinculadas ao SFH - Sistema Financeiro de Habitação - são regidas por lei especial, que reclama prévia e expressa anuência do credor hipotecário para a alienação do imóvel gravado a terceiros. Dispõe a Lei n. 8.004/90, que o mutuário do SFH somente pode alienar o imóvel gravado com a concomitante transferência do financiamento e com interveniência obrigatória da instituição financeira. A norma não se encontra revogada pelo artigo em estudo do Código Civil de 2002, pois se trata de lei especial, voltada a financiamentos com regras pontuais e juros subsidiados, tendo como destinatários determinados segmentos da população. O financiamento tem caráter social, cobrando juros inferiores aos praticados pelo mercado. Os destinatários devem reunir certo perfil desenhado pelo legislador: não serem proprietários de imóvel residencial diverso e terem renda comprovada, cujo comprometimento não pode ultrapassar certo patamar.
Ressalte-se apenas a existência da Lei n. 10.150/2000, que prevê a possibilidade de regularização das transferências efetuadas sem a anuência da instituição financeira até 25.10.1996, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei n. 8.692/93, o que revela a intenção do legislador de possibilitar a regularização dos cognominados “contratos de gaveta”, originários da celeridade do comércio imobiliário e da negativa do agente financeiro em aceitar transferências de titularidade do mútuo sem renegociar o saldo devedor.
Afora essa hipótese, a vedação à cessão prevista na Lei n. 8.004/90 se justifica. O financiamento a juros subsidiados é concedido a certa camada da população de perfil socialmente desejável pelo legislador, de modo que a benesse não deve ser repassada a terceiros não portadores das mesmas características. Há razão objetiva para o discrimen justificador da incidência de regulação por norma especial, não afetada pela norma geral do Código Civil de 2002 (STJ, REsp n. 100.347/SC, rel. Min. Ari Pargendler).
O STJ, em mais de uma oportunidade, assentou o seguinte: “Com efeito, em qualquer transferência de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação é obrigatória a intervenção da instituição financeira no negócio jurídico de cessão de direitos e obrigações decorrentes do mútuo hipotecário. Caso, no entanto, a cessão ocorra sem essa intervenção, não haverá vínculo jurídico a obrigar a instituição financeira perante o cessionário, mesmo porque em tais contratos existe expressa previsão de que a cessão ou transferência a terceiros dos direitos contratuais, sem consentimento da credora, implicará vencimento antecipado da dívida” (REsp n. 184.337/ES, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
O julgado, porém, estabeleceu limites à atuação da credora hipotecária, ao admitir que ao mutuário “em resumo, de uma ponta, não pode privar-se de alienar seu imóvel. De outra, a credora hipotecária não pode estar alheia às transferências do bem hipotecado a seu favor. Todavia, não pode a Caixa ter para si o arbítrio exclusivo de utilizar essa condição da concordância na medida de sua conveniência, já que teria o poder de inviabilizar a faculdade de o proprietário dispor do imóvel. A harmonização dessas faculdades e direitos de ambos os contratantes está a exigir moderada interpretação da cláusula contratual, no sentido de que só poderá a Caixa recusar a transferência do imóvel nos casos de o adquirente não cumprir as exigências do SFH, na qualidade de sub-rogado naqueles direitos e obrigações. Sem esse motivo, torna a ela vedado recusar a alienação do imóvel”
Parece ser esta a posição mais equânime para solução da questão: há necessidade do credor hipotecário, no sistema do SFH, anuir à alienação do imóvel hipotecado, mas a recusa não pode ser imotivada se o adquirente preencher o perfil social e financeiro para a modalidade especial de financiamento. Faz-se, porém, uma ressalva. Há casos em que, tratando-se de financiamentos habitacionais para camadas populares de baixa renda, a mera circunstância de o cessionário, ao adquirir o imóvel financiado, estar infringindo a ordem estabelecida para o benefício (em filas ou sorteios específicos) já representará razão suficiente para a recusa à anuência.
Ao julgar em 04.05.2006 na Quarta Câmara de Direito Privado cio Tribunal de Justiça de São Paulo a Ap. cível n. 345.464.4/8-00, deixou-se assentado, em caso similar ao ora em exame, que “ não resta dúvida que legítimo é o interesse da recorrente de garantir seu direito fundamental à moradia. Há, porém, outras pessoas, tão ou mais carentes, que percorreram verdadeira via crucis de filas e documentos para obterem o cadastro no programa de habitação popular e que aguardam anos, à espera de contemplação em sorteio. Dizendo de outro modo, acolher a pretensão da autora significaria alijar pretensão tão ou mais legítima alheia, o que não se mostra factível”.
Em data recente, após a vigência do atual Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça examinou o diálogo entre o CC 1.475 e a Lei n. 8.004/90. Assentou que o CC 1.475 “não alcança as hipotecas vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, posto que para esse fim há lei especial - Lei n. 8.004/90 -, a qual não veda a alienação, mas apenas estabelece como requisito a interveniência do credor hipotecário e a assunção, pelo novo adquirente, do saldo devedor existente na data da venda, em sintonia com a regra do CC 303 do Código Civil de 2002. Com efeito, associada à questão da dispensa de anuência do credor hipotecário está a notificação dirigida ao credor, relativamente à alienação do imóvel hipotecado e à assunção da respectiva dívida pelo novo titular do imóvel. A matéria está regulada nos arts. 299 a 303 do novel Código Civil - da assunção de dívida -, dispondo o CC 303 que “o adquirente do imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em 30 (trinta) dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento” (STJ, REsp n. 627.424/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 06.03.2007).
Em resumo, parece ser esta a mais recente orientação do Superior Tribunal de Justiça: no regime do SFH, exige-se a anuência do credor hipotecário para a cessão ou alienação do imóvel hipotecado; caso, porém, o adquirente notifique o credor hipotecário, com prazo de 30 dias, e tome a seu cargo o pagamento da dívida sem oposição do credor, entende-se suprido o assentimento. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.577-80. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
No entendimento de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo comina a pena de nulidade para a cláusula que proíba o proprietário alienar o imóvel hipotecado. A hipoteca é um pacto adjeto que constitui uma garantia real, sendo abusiva a supressão do direito de alienação.
O parágrafo único, em atenção ao princípio da autonomia da vontade, admite convenção no sentido de que a alienação do imóvel dado em garantia implicará no vencimento antecipado da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.475, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em artigo de Silvio de salvo Venosa, intitulado “A hipoteca no novo Código Civil”, postado em 08/01/2003, no site migalhas.uol.com.br, lê-se, no estudo da hipoteca, não se deve perder de vista que, ao lado das normas estruturais estabelecidas pelo Código civil, a Lei dos Registros Públicos confere-lhe a necessária instrumentalidade, mostrando-se indissociáveis o exame de ambos os diplomas legais e o dos princípios processuais estabelecidos pelo CPC.
A hipoteca, como direito real, acessório de garantia, mantem os mesmos preceitos da última fase do Direito Romano. Aplicam-se-lhe os princípios gerais estabelecidos no Código Civil (artigos 755 a 767 do Código de 1916 e artigos 1.419 a 1.430 do novo código). Tal como os outros direitos de igual natureza, a hipoteca é acessória a uma garantia e indivisível. Não se admite entre nós a chamada hipoteca abstrata, existente por si mesma, independente de qualquer crédito.
Considera-se direito real a partir do registro imobiliário. Enquanto não registradas, as hipotecas são válidas e eficazes como garantia entre as partes, tendo portanto alcance real limitado ou meramente obrigacional.
No estudo da hipoteca, não se deve perder de vista que, ao lado das normas estruturais estabelecidas pelo Código Civil, a Lei dos registros Públicos confere-lhe a necessária instrumentalidade, mostrando-se indissociáveis o exame de ambos os diplomas legais e o dos princípios processuais estabelecidos pelo CPC. Como direito real, confere ao credor direito de sequela, permanecendo a garantia ainda que alienado o bem. A instituição da hipoteca não retira o bem de comércio, pois pode o bem gravado ser alienado. Como se trata de direito real, com a alienação, permanece a hipoteca incidindo sobre o imóvel.
O CC 1.475 é expresso ao dizer que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar o imóvel hipotecado. O parágrafo único desse artigo, porém, acrescenta que pode ser convencionado que o crédito hipotecário ter-se-á por vencido, no caso de alienação. Nessa hipótese, o adquirente saberá que, ao adquirir o bem, deverá também liquidar a dívida que onera o imóvel.
Ocorre com frequência que um imóvel de apartamentos em construção ou um imóvel de um empreendimento como um futuro loteamento aberto ou fechado seja dado em hipoteca. Essa hipoteca, como é evidente, de início onera a totalidade do imóvel. Posteriormente, quando instituído o condomínio e passam a ser vários os adquirentes-condôminos, a totalidade do imóvel continua gravada. Essa situação tem gerado questões complexas, gerando problemas sociais quando, por exemplo, o empreendedor originário se torna insolvente ou vai à bancarrota. Pois não sem atraso em nosso ordenamento, o CC 1.488 procura socorrer essas situações: se o imóvel, dado em garantia hipotecária vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito.
Discriminando-se os 3 parágrafos, torna-se um direito dos proprietários de cada unidade desmembrada do imóvel originário, tanto na situação de condomínio como na de loteamento, requerer que a hipoteca grave, proporcionalmente cada lote ou unidade condominial, tanto que possuem eles legitimidade concorrente com o credor ou devedor para requerer essa divisão proporcional.
A dúvida que o dispositivo não esclarece é saber se cada titular do domínio, isoladamente, pode requerer essa divisão no tocante ao seu próprio quinhão. A melhor opinião é, em dúvida, nesse sentido, pois exigir que todos o façam coletivamente ou que a entidade condominial o faça, poderá retirar o alcance social que pretende a norma. Isto porque pode ocorrer que não exista condomínio regular instituído, como nos casos de loteamento, e principalmente porque todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento correm por conta do requerente. Ainda que se convencione em contrário como menciona a lei, as custas e emolumentos de cunho oficial serão sempre pagos pelo interessado que requerer a medida, o qual poderá não ter meios ou não ter sucesso em uma ação de regresso. Se fosse exigido que a integralidade da divisão proporcional fosse feita em ato único, o elevado custo inviabilizaria, sem dúvida, a medida, nessa situação narrada.
Nada impede, pois, que cada proprietário requeira que se atribua a seu imóvel ou sua unidade a proporção do gravame independentemente do próprio condomínio ou da totalidade de interessados fazê-lo. Por outro lado, não haverá problema registrário pois a nova situação ficará averbada junto a cada matrícula. A lei regulamentadora desse dispositivo deve atentar para esse fato, ainda porque raramente haverá interesse do credor ou devedor requerer esse desmembramento da hipoteca. De qualquer forma, mesmo que lei alguma permita expressamente o ato registrário, o decreto de desmembramento será feito por sentença judicial, como estatui esse dispositivo, e não se discute o seu mandamento. Deverá, no entanto, ser adaptada a lei registrária a essa problemática.
Por outro lado, no que é mais relevante nesse dispositivo, o credor somente poderá se opor ao pedido de desmembramento se provar que este importa em diminuição da sua garantia, o que, na prática, raramente deverá ocorrer.
Ademais, como é de justiça e decorre da lei, ainda que ocorra o desmembramento do gravame, o devedor originário continuará responsável por toda a dívida hipotecária, salvo anuência expressa do credor.
Como esse direito de divisão proporcional do gravame deflui de uma
situação de comunhão, não há prazo para que os proprietários das unidades, o
credor ou o devedor requeiram essa medida, pois esse direito subjetivo se
insere na categoria dos direitos potestativos. Enquanto perdurar a indivisão do
ônus, pode o requerimento ser feito. Ainda, por essa razão, nada impede seja
requerida a divisão ainda que iniciada a excussão de todo o imóvel ou que se
oponha a esta o interessado por meio de embargos de terceiro. Aliás, no sistema
do Código de 1916, já defendia-se essa posição. (Juiz aposentado do Primeiro
Tribunal de Alçada Civil – sócio no
escritório Demarest e Almeida Advogados – Autor de obra completa de
Direito Civil em seis volumes. (Silvio de salvo Venosa, intitulado “A
hipoteca no novo Código Civil”, postado em 08/01/2003, no site
migalhas.uol.com.br, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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