domingo, 2 de janeiro de 2022

Código Civil Comentado – Art. 45 Das Pessoas Jurídicas – Disposições gerais – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – vargasdigitador@yahoo.com

 

Código Civil Comentado – Art. 45
Das Pessoas Jurídicas – Disposições
gerais –  VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral – Livro I –  Das Pessoas
 - Título IIDas Pessoas Jurídicas – Capítulo I-
Disposições gerais (Art. 40 a 52)

 

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Ajustes históricos: Na redação original do projeto, cuja Pane Geral ficou a cargo do eminente Ministro José Carlos Moreira Alves, o artigo usava a palavra “Governo”. Emenda apresentada no Senado Federal, substituiu “Governo” por “Poder Executivo”. O fundamento da emenda foi adequar a linguagem do projeto com a empregada pela Constituição Federal.

Da atenção requerida do Relator na formação da sua Doutrina,  aponta-se - o Início da existência legal da pessoa jurídica: O fato que dá origem a pessoa jurídica de direito privado é a vontade humana, sem necessidade de qualquer ato administrativo de concessão ou autorização, salvo os casos especiais do Código Civil (arts. 1.123 a 1.125, 1.128, 1.130. 1.131, 1.132, 1.133, 1.134, § lº 1.135 a 1.138. 1.140 e 1.141), porém a sua personalidade jurídica permanece em estado potencial, adquirindo status jurídico, quando preencher as formalidades ou exigências legais. As  Fases do processo genético da pessoa jurídica de direito privado: Na criação da pessoa jurídica de direito privado há duas fases: a) a do ato constitutivo, que deve ser escrito, podendo revestir-se de forma pública ou particular (CC, Art. 997), com exceção da fundação, que requer instrumento público ou testamento (CC, Art. 62). Além desses requisitos, há certas sociedades que para adquirir personalidade jurídica dependem de previa autorização ou aprovação do Poder Executivo Federal (CC, arts. 45, 2ª parte, e 1.123 a 1.125), como, p. ex., as sociedades estrangeiras (LICC, Art. 11, § 1º CC, arts. 1.134 e 1.135); b) a do registro público (CC, arts. 45, 984, 985, 998 e 1.150 a 1.154), pois para que a pessoa jurídica de direito privado exista legalmente é necessário inscrever os contratos ou estatutos no seu registro peculiar (CC, Art. 1.150); o mesmo deve fazer quando conseguir a imprescindível autorização ou aprovação do Poder Executivo Federal (CC, arts. 45, 46,1.123 a 1.125 e 1.134; Lei n. 6.015/73, arts. 114 a 121, com alteração da Lei n. 9.042/95). Apenas com o assento adquirirá personalidade jurídica, podendo, então, exercer todos os direitos; além disso, quaisquer alterações supervenientes havidas em seus atos constitutivos deverão ser averbadas no registro. Como se vê, esse sistema do registro sob o regime da liberdade contratual, regulado por norma especial, ou com autorização legal, é de grande utilidade em razão da publicidade que determinará os direitos de terceiros. O registro do ato constitutivo é uma exigência de ordem pública no que atina à prova e à aquisição da personalidade jurídica das entidades coletivas.

Prazo decadencial para anular constituição de pessoa jurídica de direito privado: Havendo defeito no ato constitutivo de pessoa jurídica de direito privado, pode-se desconstituí-la dentro do prazo decadencial de três anos, contado da publicação de sua inscrição no Registro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 45, (CC 45), p. 43, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/11/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Literatura consultada: Perrone, La garenzia dei terzi in nzateria commerciale (p. 101 e 126); Levenhagen, Código Civil, cit., v. 1 (p. 53); M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1 (p. 122-4); Caio M. 5. Pereira, Instituições, cit., v. 1 (p. 290 e 291); W. Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1 (p. 127); Bassil Dower, Curso, cit., v. 1 (p. 83 e 102).

Bruno Silva, em extensa e importante matéria, publicado no site bsilvcow.jusbrasil.com.br, há três meses, com o título “A responsabilidade penal das pessoas jurídicas uma análise crítica sobre a responsabilização das empresas na seara criminal”, presta serviço relevante ao mundo  universitário ligado ao Direito quanto ao Empresariado, que não deve abster-se em tomar conhecimento das exigências legais que orbita em sua seara. Nota VD.

 

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (BRASIL, 2002).

 

Supridas as questões relativas às teorias que discutem a natureza jurídica das pessoas jurídicas, se faz imprescindível entender os princípios relativos ao direito penal de forma geral para fazer caber, em posteriori, suas aplicabilidades às pessoas jurídicas no entender das questões que permeiam a responsabilização de pessoas jurídicas.

 

Princípio da Culpabilidade: Entendendo se existe violação desse princípio frente a responsabilização de pessoas jurídicas. Segundo a teoria tripartite a culpabilidade é o terceiro elemento de um crime, no conceito analítico, os outros dois são a tipicidade e ilicitude. Nas palavras do jurista Rogerio Greco, culpabilidade diz respeito: “ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente” (Greco, 2016).

 

Dessa forma, não basta que a conduta seja típica e ilícita, ela também precisa ser culpável. A culpa no sentido jurídico é um ato voluntário que evidencia imprudência, imperícia ou negligência e provoca danos ou dolo a outrem. Conforme aduz Miguel Reale Junior (Reale Júnior, 2002, p. 86, apud Greco, 2016, p. 139): “culpabilidade é o juízo sobre a formação da vontade do agente”. Em outras palavras a culpabilidade é o juízo de reprovação da conduta do agente que, nas mesmas condições poderia agir de outro modo. A princípio, a culpabilidade verifica se o agente da conduta é penalmente culpável, ou seja, se a ação deste é passível de punição.

 

Nas palavras de Cláudia Maria Viegas (Viegas; Santos, p. 26, 2017): a culpabilidade se define por três conceitos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, consiste na possibilidade de atribuição de sanção penal ao agente imputável, capaz de compreender a antijuridicidade de seus atos e que se encontrava em condições razoáveis de agir de maneira diversa conforme determina a lei.

 

Nas palavras de Fernanda Emídio: “O Jurista Magalhães de Noronha, compartilhando dos mandamentos da Teoria Psicológico-normativa da Culpabilidade, acredita que a culpabilidade é composta não apenas por elementos normativos, mas também por elementos psicológicos, como o dolo e a culpa.” (Noronha, 2003, apud Emidio, 2012).

 

Falta capacidade de culpabilidade à pessoa jurídica, visto que o juízo de reprovabilidade só pode ser avaliado diante de um comportamento humano, já que só é possível atribuir autoria de um delito a quem possa agir (sentido estrito), ou seja, o homem. Idêntico pensamento extrai-se da obra de Régis Prado (PRADO, 2008): a pessoa jurídica é incapaz de culpabilidade (...). A culpabilidade penal como juízo de censura pessoal pela realização do injusto típico só pode ser endereçada a um indivíduo (culpabilidade da vontade). Como juízo ético jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal pela norma, somente pode ter como objeto a conduta humana livre. (apud, Moreira, p. 40, 2013).

 

Ademais, em obediência ao princípio nullum crimen sine actione, não pode haver crime sem conduta humana voluntária, nesse sentido Zaffaroni assevera que: “en el derecho penal stricto sensu las personas jurídicas no tienen capacidade de conducta, porque el delito se elabora sobre la base de la conducta humana individual, (...) porque el delito según surge de nuestra ley es una manifestación individual humana. (apud, Moreira, p.56. 2013).

 

Como define Klaus Roxin (Roxin, 2002) a ação é um: comportamento humano relevante no mundo exterior, dominado ou ao menos dominável pela vontade. Efeitos causados por animais ou poderes da natureza não constituem ações em sentido jurídico-penal, o mesmo podendo dizer-se dos atos de uma pessoa jurídica. (apud, Moreira, p. 04, 2013).

 

Verificasse que a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de um crime, visto ser impossível que a pessoa jurídica por si só pratique um fato culpável. Por isso Muñoz Conde (2008) ensina que “só a pessoa humana, considerada individualmente, pode ser sujeito de uma ação penalmente relevante” (apud, Moreira, 2013). Para o autor, a ação exige uma vontade que é entendida como uma faculdade psíquica da pessoa individual, de forma que não existe na pessoa jurídica, ente fictício que o direito atribuiu capacidade para outros efeitos, diferente do penal.

 

Afirma Wessels (1976) que “o ponto de referência no Direito Penal é a conduta humana ligada às consequências socialmente danosas.” (apud, Moreira, 2013). Nesse sentido Giulio Battaglini (Battaglini, 1964) asseverava que: “fora do homem, não se concebe crime: porque somente o homem possui a consciência e a faculdade de querer, exigidas pela responsabilidade moral, em que fundamentalmente se baseia o Direito Penal. E como as pessoas jurídicas só podem realizar atos jurídicos através de seus representantes, para se sustentar sua capacidade para o crime dever-se-ia reconhecer consciência e vontade no sentido supra mencionado, com referência ao ente representado. Mas isso é inadmissível. Assim é que os entes morais são conceitualmente incapazes de delinquir”. (apud, Moreira, p. 99. 2013).

 

O advogado criminalista Fabrício da Mata Côrrea (Côrrea), entende que: “(...) não é possível responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, tendo em vista que ela não é dotada de culpabilidade, onde ao mesmo tempo que não pode ela se determinar, também não possui condições de compreender o sentido de uma pena. Sem contar ainda, que toda a responsabilização penal da pessoa jurídica pauta-se na conduta determinada pelos administradores, o que representa outra clara violação constitucional do princípio da pessoalidade”. (apud, Lima, p. 45. 2016). Dessa forma, constata-se que a responsabilização penal da pessoa jurídica é inconciliável culpabilidade, já que é psicológico-normativa, o que impede de ser atribuída a pessoa jurídica.

 

Previsões Penais: A responsabilização penal das pessoas jurídicas a partir de uma visão constitucional e legal: Em uma interpretação extensiva a Constituição Federal de 1988 foi, em tese, autoriza a responsabilização penal da pessoa jurídica em seu art. 173, § 5º, in verbis: § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 1988).

 

Em se tratando de crimes ambientais, especificamente, a carta magna no artigo 225, § 3º prevê que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (BRASIL, 1988).

 

Mesmo que haja previsão legal quanto à responsabilidade das pessoas jurídicas e estando consolidado o entendimento quanto a responsabilidade civil e administrativa, na esfera penal a questão ainda encontra muita controvérsia. (Viegas; Santos, 2017).

 

Da Lei de crimes ambientais e a responsabilização da pessoa jurídica. Muito tem se discutido sobre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável para as futuras gerações. Em 1972 a ideia de desenvolvimento sustentável deu seu primeiro passo a partir de um conceito sugerido na conferência de Estocolmo, Suécia. Levando em conta isso e o crescimento exponencial das empresas, consideradas as que mais degradam o meio ambiente, a Constituição, como já discutido anteriormente, passou a prever a hipótese de responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes ambientais, no artigo 225, § 3º.

 

Contudo, tal dispositivo tratava de norma penal em branco e não possuía eficácia, precisando ser complementada por legislação específica. Por isso os legisladores criaram uma norma para tratar do assunto e lhe dar aplicabilidade, que vem a ser a Lei 9.605 de 1998, que prevê em seu artigo  a responsabilização penal às pessoas jurídicas, in verbis:

 

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

 

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. (BRASIL,1998).

 

Para Claudia Viegas e Isabella Santos (Viegas; Santos, p. 77, 2017): Com o advento da Lei 9.605 de 1998, restou estabelecida a possibilidade de responsabilização penal de pessoas jurídicas. Todavia, renomados juristas e doutrinadores encontram dificuldade de visualização prática de tal disposição, ocasionando numa controvérsia muito bem embasada em todos os pontos de vista.

 

Vale ressaltar que a Lei dos Crimes Ambientais estabelece dois requisitos para que o ente coletivo seja responsabilizado penalmente. O primeiro é que a decisão da conduta criminosa parta de um dos seus representantes (legais, contratuais) ou de seu órgão colegiado; o segundo requisito é que tal decisão beneficie a pessoa jurídica, consoante ao art. 3º da Lei.

 

Como consequência da responsabilização penal, os artigos 21 a 24 da Lei buscam adequar a pena a entidade jurídica. Eles sustentam que as penas podem ser prestação de serviços a comunidade, penas restritivas de direito, multas e pena de dissolução forçada, esta última aplica-se especificamente para as entidades criadas com o fim especifico de causar danos ao meio ambiente, nesse caso todos,  bens e patrimônios são declarados perdidos por serem instrumentos de crime. Veja-se os dispositivos a seguir:

 

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade.

 

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações. (...)

 

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. (BRASIL, 1998).

 

Salienta-se, que diferentemente do Brasil na França foi promulgada a Lei 92-1336, de 16 de dezembro de 1992, chamada de lei de adaptação, que acrescentou ao Code du Procédure Pénale o Título XVIII, o qual procurou adaptar-se as regras processuais penais de forma que possibilitasse a responsabilização penal da pessoa jurídica. O legislador francês buscou estabelecer regras para a acusação, para a instrução e julgamento dos entes coletivos. Vê-se que apesar da lei brasileira, Lei nº 9.605/98 corroborar com a ideia de responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais contida na Constituição, ela deixa de prever elementos importantes para tal, principalmente regras processuais e procedimentais.

 

Entraves da Responsabilização Penal da Pessoa Jurídica - A doutrina encontra muita divergência a respeito da possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica (PJ) prevista na Constituição. Com a leitura do art. 173, § 5º nota-se que este dispositivo afirma que o ente coletivo ficará sujeito as punições compatíveis com sua natureza, e ainda ressalta a possibilidade de responsabilidade individual, que pode ser penal, dos dirigentes.

 

E no artigo 225, § 5º “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Ressalta-se que as sanções são penais e administrativas, observamos que a Constituição utilizou dois vocábulos diferentes: conduta em primeiro e atividade em segundo. Conduta como já visto, implica em comportamento humano, que certamente só pode ser de uma pessoa física, já a atividade pode ser atribuída a pessoa jurídica, em sequência o constituinte refere-se às pessoas físicas e jurídicas respectivamente, por fim indica sanções penais e administrativas. (Moreira, 2013).

 

Com a interpretação deste dispositivo alguns autores, como é o caso de J. Cretella, acreditam que o legislador constituinte não autorizou a atribuição de sanção penal a pessoa jurídica, mas apenas sanções administrativas por suas atividades e as pessoas físicas, sanções penais por suas condutas.

 

Rômulo de Andrade em seu artigo cita o comentário de J. Cretella sobre o primeiro dispositivo mencionado (Cretella, 1993, apud, Moreira, 2013): “O dispositivo é bem claro ao fixar, de início, os dois tipos de responsabilidades:, a responsabilidade individual, civil ou criminal, dos dirigentes, pessoas físicas, e a responsabilidade civil, tão-só, da pessoa jurídica. (...). Não há a menor dúvida, porém, de que a fonte primeira ou remota – o ato gerador, a causa determinante – da responsabilidade, pública ou privada, é sempre, em última análise, o homem. (...) Daí o dizer-se que pessoa e responsabilidade são noções intimamente ligadas. A todo momento a ação (ou a omissão) humana pode empenhar a responsabilidade. ´Agir` ou ´deixar de agir` é traço típico do homem, da pessoa física, que se expande ou se retrai no mundo, influindo estas duas atitudes, ação ou omissão, sobre as relações jurídicas, de modo positivo ou negativo”.

 

Nesse sentido Cláudia Viegas e Isabella Santos aduzem que (Viegas; Santos, p. 04, 2017): “São fortes os argumentos contrários à tese de responsabilização da pessoa jurídica, os quais encontram base nas definições quanto ao lugar e o tempo do crime, bem como quanto à própria teoria do crime, a qual preceitua a conduta humana como elemento estrutural. A culpabilidade que como já foi mencionado, é totalmente incompatível de ser atribuída as pessoas jurídicas. Ademais, de acordo com a legislação a pessoa atinge a capacidade penal aos dezoito anos de idade, reunindo a capacidade humana biopsicológica, ou seja, capacidade de compreender o caráter criminoso das ações e de determiná-las”.

 

Dessa forma, é necessário entender em que momento a pessoa jurídica forma a consciência ilícita dos seus atos, assim como em que momento atingiram a capacidade alcançada pelas pessoas físicas ao completarem dezoito anos. Bem como faz-se necessário explicar se há realmente, a possibilidade de que sejam realizados.

 

Outro ponto diz respeito aos princípios e regras do direito processual penal, o autor Rômulo de Andrade Moreira enumera as dificuldades que existem quando se trata de um processo penal cujo acusado é uma pessoa jurídica (Moreira, 2013):

 

1) “A quem serão dirigidos os atos processuais de cientificação: citação, intimação e notificação; ao presidente da empresa ou a quaisquer dos seus diretores”. Note-se que em França o art. 555 foi modificado para estabelecer expressamente o regramento das citações da pessoa jurídica.

 

2) “Quem será interrogado. Teria ele o direito ao silêncio e o direito de não autoincriminação. Sabendo-se que o interrogado tem também o direito indiscutível de não se autoincriminar e o de não fazer prova contra si mesmo, em conformidade com o art. 8.º, 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados no ordenamento jurídico brasileiro, por força, respectivamente, do Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto 592, de 6 de julho de 1992”.

 

Já em 1960, o grande Serrano Alves escrevia uma monografia com o título “O Direito de Calar” (Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos S/A), cuja dedicatória era “aos que ainda insistem na violação de uma das mais belas conquistas do homem: o direito de não se incriminar”. Nesta obra, adverte o autor que “há no homem um território indevassável que se chama consciência. Desta, só ele, apenas ele pode dispor. Sua invasão, portanto, ainda que pela autoridade constituída, seja a que pretexto for e por que processo for, é sempre atentado, é sempre ignomínia, é torpe sacrilégio.” (p. 151).

 

3) E a confissão. Se será admissível a confissão pelo interrogando (seja ele quem for) em prejuízo, por exemplo, dos demais sócios da pessoa jurídica. Convenha-se a confissão prejudicar ou não os demais membros da corporação.

 

4) E a revelia. Se  Será possível a decretação da revelia pela ausência injustificada de quem deveria comparecer para o interrogatório. E, se, os demais membros do ente coletivo ficarão prejudicados. Se, é possível a aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, no caso de citação editalícia.

 

5) E as regras sobre competência. Caso, per esempio, não seja conhecido o lugar da infração, é possível aplicar-se o art. 72 do Código de Processo Penal.  Se uma das pessoas físicas também denunciadas (em coautoria com a pessoa jurídica) tiver prerrogativa de função, aplicar-se-ão as regras de continência (art. 78, III, do Código de Processo Penal c/c o Enunciado 704 do Supremo Tribunal Federal) A pessoa jurídica seria julgada pelo respectivo Tribunal ou se  haveria a separação do processo (art. 80, CPP);

 

6) Quem teria interesse e legitimidade para recorrer em nome da pessoa jurídica. se apenas aquele que foi interrogado ou qualquer membro do ente coletivo que se sentiu prejudicado com a sentença.

 

7) Se ao se tratar de uma infração penal de menor potencial ofensivo, lavra-se o Termo Circunstanciado ou instaura-se o Inquérito Policial. Ainda também nesta hipótese quem poderá em nome da empresa, fazer a composição civil dos danos. Ou a transação penal.

 

8) E na suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95)  a quem poderá aceitar a proposta do Ministério Público. É evidente que as respostas a essas dúvidas não serão encontradas no Código de Processo Penal, vez que diferente da França, o Brasil não procurou se adaptar as regras processuais penais que possibilitassem a responsabilização da pessoa jurídica.

 

Um dos maiores entraves da responsabilização penal da pessoa jurídica é a aplicação de pena para esta, de forma que afronta às teorias relativas às penas. O artigo 5º, XLV da CF, prevê o princípio da personalidade da pena, segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado, o que impede a aplicação de uma pena a um ente coletivo, pois este é composto por várias pessoas e muitas delas podem ser alheias à prática do fato criminoso.

 

Nota-se que essa seria uma hipótese de aplicação da “responsabilidade penal objetiva”, a qual significa que a lei determina que o agente responda pelo resultado ainda que tenha agido com ausência de culpa ou dolo, o que contraria a doutrina do direito penal que é fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade. (Souza, p. 85, 2007). Felizmente o art. 3º da lei nº 9.605/98 previu que as pessoas jurídicas só responderiam por atos ilícitos quando a infração fosse praticada por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade, dessa forma, exige-se dolo ou culpa de tais pessoas naturais, ademais, o dispositivo dispõe que a responsabilidade da PJ não exclui a das pessoas físicas. Contudo, a lei de crimes ambientais errou ao não fixar parâmetros legais de fixação de penas para as pessoas jurídicas. Diferentemente do que ocorre com a pena privativa de liberdade, que é especificada em reclusão ou detenção, além de ter limitado seu quantum de pena em cada crime, os tipos  penais contidos na lei não preveem qual o tipo de pena a ser aplicada e o tempo mínimo e máximo, que a empresa pode ser condenada.

 

No art. 21, a lei 9.605/98 de forma genérica enuncia que as penas aplicáveis às empresas poderão ser: “isolada, cumulativamente ou alternadamente”. Segundo Rafael Borges e André Nascimento (Borges; Nascimento, 2018): A Lei 9.605/98 não estabelece, por exemplo, o prazo máximo por que pode perdurar a pena de interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade (artigo 21, inciso II, c/c artigo 22, inciso II e parágrafo 2º), modalidade de pena restritiva de direitos, ou qualquer uma das penas de prestação de serviços comunitários (artigo 21, inciso III, c/c artigo 23).

 

Portanto, fica nas mão do juiz ao condenar uma pessoa jurídica escolher os tipos ou o tipo de pena aplicáveis, bem como o tempo de duração destas. Levando em consideração a dosimetria da pena de multa, e como será feita a medição da situação econômica do réu (art. 60 CPB) pessoa jurídica.

 

Ainda tomando de empréstimo as palavras dos autores (Borges; Nascimento, p. 13, 2018): “Todas as penas aplicáveis às empresas se revestem de inegável conteúdo econômico e financeiro. Assim, a imprecisão legislativa sobre o tema representa um grande desafio para gestores, uma vez que é sempre um exercício de adivinhação estimar as perdas financeiras que podem decorrer de processos criminais por crimes ambientais”.

 

A garantia constitucional da legalidade assegura a todos, pessoas físicas e jurídicas, que só a lei em sentido estrito pode habilitar o poder punitivo, sendo tal poder vedado à jurisprudência, à doutrina ou aos costumes. Uma lei marcada pela generalidade e indeterminação das penas cominadas aos crimes, como ocorre com a Lei 9.605/98, obriga a que o juiz, com seus preconceitos, veleidades e idiossincrasias particulares, aja como legislador e complemente o preceito secundário dos tipos penais. Talvez como em nenhuma outra situação, justiça aqui parece ser uma questão de sorte. O juiz na hora de dosar a pena a ser aplicada ao ente coletivo não poderá usar como referência a pena privativa de liberdade cominada em cada tipo penal, vez que, violaria o princípio da legalidade, já que inexistiria norma expressa nesse sentido.

 

A Responsabilização da PETROBRAS: uma discussão sobre o precedente de responsabilização penal de pessoas jurídicas: Sabe-se que a responsabilização penal da pessoa jurídica é uma realidade no direito brasileiro, muito porque a construção histórica do sistema jurídico brasileiro fora herança de uma estrutura europeia, estrutura essa que conhecia a responsabilização penal da pessoa jurídica desde os primórdios do direito penal grego que punia “clãs” que, respeitados os limites de analogia, refletiam à época o conceito de pessoa jurídica que se conhece atualmente. Todavia, sabe-se não ser por fato de uma norma e/ou sanção encontrar-se previamente disposta em um campo abstrato que, efetivamente, sua aplicação e/ou cumprimento se dá de forma eficiente no campo de concreto e material.

 

Como já discutido, existem inúmeros entraves, omissões e, por vezes, falta de uma vontade efetiva de punir pessoas jurídicas, em especial as que detém influência econômica relativamente no cenário nacional. Como já disposto alhures, a imputação penal encontra-se adstrita ao desígnio e à decisão de caráter subjetivo e pessoal do agente infrator que, por vontade livre e própria, busca atuar em desconformidade com a norma.

 

Todavia, a pessoa jurídica enquanto ente jurídico possui sequer capacidade autônoma de ação, senão o suficiente para agir por desígnios próprios, logo, tomado de decisões de forma livre e própria, sendo necessário, portanto, para fins de responsabilização penal, a remissão à conduta da pessoa física que, mais das vezes, usa da  posição para agir usando o nome da pessoa jurídica. Em suma, não haveria o que se falar em uma pessoa jurídica escorreita se os seus dirigentes/representantes não compartilharem dessa posição social recomendável. Logo, na prática, não existiria responsabilização penal da pessoa jurídica e sim responsabilização penal dos sócios e dirigentes que dessa participam e com essa concorrem na prática de violações penais.

 

Como já disposto sobre culpabilidade, corroborou-se com a seguinte visão: A capacidade de culpabilidade de uma empresa deriva de sua responsabilidade para com suas prestações coletivas defeituosas que ocorrem por conta de carências na estrutura organizativa ou na ética empresarial. O conteúdo da culpabilidade deve se referir ao injusto. Se o injusto é caracterizado por uma organização defeituosa e por uma ética empresarial insuficiente, isso deve projetar-se também na culpabilidade, que consiste em não haver criado as condições necessárias para a não realização do injusto (Dannecker. 2001 p. 47).

 

Dessa forma, faz-se preciso consciência da incapacidade de ação da pessoa jurídica (vez que essa não pode atuar de outro modo) e perceber que a culpabilidade funda-se na reprovação sistêmica de toda a estrutura empresarial, surgindo, em tese, a possibilidade de uma esculpação da pessoa jurídica frente a observância do seu correto funcionamento e, portanto, a ausência de causalidade entre o fenômeno criminoso (ambiental, moral) e a organização empresarial que se evidencia correta. Baseados nessa tese, pode-se entender que a ética empresarial possui grandes reflexos na disciplina da responsabilidade penal da pessoa jurídica, na medida em que pode ser o fundamento para a culpabilidade ou esculpação do ente em questão. Essa visão nasce da construção do conceito de empresas com atividades voltadas a destinações sociais, não só a obtenção de lucro.

 

Todavia, nosso Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Petrobrás, firmou posicionamento contrário a tese supra exposta, vez que admitiu a responsabilização penal da empresa independente de ação penal contra os envolvidos na direção dessa. Esse entendimento conflitou com inúmeros posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça que condicionava, de forma concorrente, o processamento simultâneo de empresa e da pessoa física dirigente/responsável.

 

A teoria em questão nasceu da premissa de que a pessoa jurídica não pratica atos volitivos, por não possuir consciência ou vontade de querer, já que são seus administradores ou agentes que no plano fático realizam atos que legitimam sua existência. Contudo, como aludido, as cortes conflitaram quanto a dispensa a aplicação da teoria da dupla imputação para os crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas.

 

A responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais é preciso que dois requisitos sejam cumpridos, quais sejam: a decisão da conduta criminosa parta de um dos representantes (legais, contratuais) ou do órgão colegiado e que tal decisão beneficie a pessoa jurídica. Além disso, existem duas teorias a respeito da imputação de crime a PJ, conforme citado por Myrna Britto e Rayra Santos (Britto; Santos, 2019): Para a primeira corrente, é plenamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica no caso de crimes ambientais porque assim determinou o § 3º do art. 225 da CF/88.  Com efeito, a pessoa jurídica pode ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas.

 

Vale ressaltar no resgate à probidade da Lei  que, para essa corrente, o § 3º do art. 225 da CF/88 não exige, para que haja responsabilidade penal da pessoa jurídica, que pessoas físicas sejam também, obrigatoriamente, denunciadas. Seguindo, a segunda corrente entende que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que em conjunto com uma pessoa física. De acordo com essa corrente o ministério público não poderia oferecer a denúncia apenas contra a pessoa jurídica, devendo identificar obrigatoriamente a pessoa física que tenha participado do delito, assim é condição que haja denúncia e condenação para ambos e é isso que a teoria da dupla imputação defende. (Bruno Silva, em extensa e importante matéria, publicado no site bsilvcow.jusbrasil.com.br, há três meses, com o título “A responsabilidade penal das pessoas jurídicas uma análise crítica sobre a responsabilização das empresas na seara criminal”, nos comentários ao CC 45, acessado em 17/11/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

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