Direito Civil Comentado - Art.
798, 799, 800, 801, 802
- DO
SEGURO DE PESSOA - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE
PESSOA
– Seção III - (art. 789 a 802) -
Art.
798. O beneficiário não tem direito ao capital
estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência
inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o
disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo
único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula
contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Como
leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, este dispositivo procura enfrentar
problema que havia muito já se colocava em matéria de seguro envolvendo a
cobertura do evento morte, mas provocada pelo próprio segurado, ou seja,
suicídio. A questão toda sempre esteve em que, a rigor, dando-se o sinistro por
ato do segurado, quebrava-se a equação básica do ajuste, porquanto excluída a
aleatoriedade do evento coberto ou a estraneidade do fato à vontade do
segurado, assim desequilibrando-se o cálculo do risco coberto que levou à
fixação do prêmio pago, tudo conforme já examinado nos comentários ao CC 768.
A
esse respeito desenvolveu-se, então, na jurisprudência, e na esteira da
previsão do parágrafo único do art. 1.440 do Código civil de 1916, relevante
distinção sobre a conduta do suicídio. Dizia-se coberto o evento quando não
premeditado, ou seja, quando cometido sob estado do pleno discernimento, juízo,
compreensão do ato praticado, o chamado suicídio involuntário. Já, ao revés,
planejado o ato, praticado de forma consciente, refletiva, falava-se em
suicídio voluntário e, nesse caso, em ausência de cobertura securitária.
Seguindo e assentando essa diferenciação, o Supremo Tribunal Federal editou a
Súmula n. 105, dispondo que, “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do
segurado, no período contratual de carência, não exime o segurador do pagamento
do seguro”. Da mesma forma, no Superior Tribunal de Justiça fixou-se orientação
sumulada dispondo que “o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”
(Súmula n. 61). É evidente que persistia sempre grande dificuldade de prova, de
demonstração sobre as condições em que praticado o ato de suicídio, sem contar
a discussão sobre a quem caberia o ônus de demonstrar a existência ou não dessa
premeditação, se ao beneficiário ou à seguradora.
Foi
diante desse quadro que sobreveio a regra do artigo em pauta, estabelecendo, a
exemplo do que faz o art. 1.927 do Código Civil italiano, um prazo objetivo,
dentro do qual, em princípio, se ocorrido o suicídio, não haverá a cobertura,
devolvendo-se aos herdeiros a reserva técnica, nos mesmos moldes do parágrafo
único do CC 797. Após esse prazo, no entanto, qualquer suicídio será coberto,
em qualquer hipótese. Tal prazo é fixado, novamente em consonância com o
Direito italiano, em dois anos, contados da celebração do contrato ou de sua
recondução depois de suspenso, ou seja, de sua retomada após a purgação de
prêmios em atraso, causa de suspensão do ajuste. Tudo isso o CC/2002 dispõe, a
priori, sem identificar qualquer distinção acerca das condições em que
cometido o suicídio, portanto se voluntária ou involuntariamente. Tem-se
entendido que a regra pretendeu justamente superar essa diferenciação, a bem da
segurança jurídica, prevendo um critério objetivo e tarifado mediante o qual, o
suicídio, voluntário ou involuntário, se cobre sempre depois do prazo
legalmente estipulado (veja José Augusto Delgado. Comentários ao novo Código
Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004,
v. XI, t. I, p. 815; Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3.ed. São
Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 399).
Poder-se-ia objetar que a solução peca,
uma vez que, afinal, o suicídio involuntário acaba equivalendo a um fortuito,
bem ao sabor do pressuposto básico do risco que se quer garantir com o seguro
(ver Pedro Alvim. O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999,
p. 236). Daí dizer-se que, mesmo durante o prazo de dois anos, suicídio
involuntário não excluiria a obrigação de pagar o capital segurado. A
diferença, então, estaria em que, depois dos dois anos, qualquer suicídio se
cobriria, voluntário ou involuntário. É essa a posição, por exemplo de
Guilherme Calmon Nogueira da Gama (“O seguro de pessoa no novo Código Civil”.
In: Revista dos Tribunais, v. 826, agosto de 2004, p. 11-37). Vale
lembrar, porém, que, mesmo para casos de eventos cobertos em seguros de vida
individuais, previu-se a possibilidade de as próprias partes fixarem carência,
dentro da qual o sinistro não se cobre (CC 797). Assim, no caso em discussão,
ter-se-ia nada mais que uma carência legal, todavia com contrapartida na
cobertura indistinta após seu transcurso, destarte abarcando mesmo o suicídio
voluntário, além do involuntário, de forma objetiva, aprioristicamente
deliberada pelo legislador, e sem que, mais, seja dado às partes pactuar outra
hipótese de exclusão de cobertura, como se expressa no parágrafo único do
dispositivo vertente. Ou seja, haveria uma espécie de carência legal, mas
ponderada ante a cobertura indistinta depois do prazo de dois anos, sem
qualquer cláusula excludente. É esse o papel de fator de equilíbrio que,
segundo se entente, a estipulação de tal prazo procura desempenhar. (Claudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 825-826 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No
entendimento de Ricardo Fiuza, retrata o dispositivo a problemática referente à
morte voluntária como causa de inobrigatoriedade do dever de indenizar. Como
sabemos, somente poderá ser efetivamente exigida a obrigação do segurador
quando a morte do segurado tenha sido involuntária. O Código Civil de 1916,
através do parágrafo único do art. 1.440, estatuía que se considerava morte
voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em
juízo.
Agora,
porém, a lei veio a estabelecer um limite temporal, como condição para
pagamento do capital segurado, ao afirmar, categoricamente, que somente após
dois anos da vigência inicial do contrato é que o beneficiário poderá reclamar
o seguro devido em razão de suicídio do segurado. A rigor, é irrelevante,
doravante, tenha sido, ou não, o suicídio premeditado, pois a única restrição
trazida pelo CC/2002 é de ordem tempo. A norma, ao introduzir lapso temporal no
efeito da cobertura securitária e caso de suicídio do segurado, recepciona a
doutrina italiana, onde o prazo de carência especial é referido como spatio
deliberandi. Esse prazo de inseguração protege o caráter aleatório do
contrato, diante de eventual propósito de o segurado suicidar-se.
Assim,
depois de passados dois anos de celebração do contrato, se vier o segurado a
suicidar-se, poderá o beneficiário, independentemente de qualquer comprovação
quanto à voluntariedade, ou não, do ato suicida praticado, reclamar a obrigação.
Observa-se que o preceito veio em abono à pessoa do beneficiário, em detrimento
das companhias seguradoras, que, amiúde, se valiam de eventuais suicídios para
se desonerarem da obrigação, ao argumento de que teria sido premeditado o
evento.
Sobre
a questão, os pretórios superiores sumularam entendimentos no sentido seguinte:
“O seguro de vida cobre morte por suicídio não premeditado” (Súmula 61 do SI’);
e “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período
contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro (Súmula 105 do STF, DE 16-12-1063). Há
um estudo interessante da lavra do eminente jurista pernambucano José Carlos
Cavalcanti de Araújo: “Exclusão do Suicídio da cobertura do contato de seguro
de acidentes pessoais. Distinção do Seguro de vida” (RT, 58/11-20).
Direito
comparado: A
Lei n. 17.418/67, conhecido como Código de Seguros argentino, dispõe em seu
art. 135 que o suicídio voluntario da pessoa cuja vida se assegura libera o
segurador, salvo se o contrato esteja em vigor ininterruptamente por três anos.
O
parágrafo único do CC 798 apenas fortalece a ideia de proteger os interesses do
beneficiário, quando reputa plenamente nula a cláusula contratual que exclui o
pagamento do capital por suicídio do segurado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 420/421 apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No
espancar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, o suicídio sempre é razão de controvérsias relativamente ao
seguro de vida, pois se, de um lado, o sinistro é causado pelo próprio
segurado, de outro, a autonomia da vontade deste encontra-se limitada por
circunstâncias de fato que se encontram fora do poder de ação do segurado.
Antes do Código Civil de 2002 a controvérsia foi resolvida
no sentido de se admitir o pagamento da indenização se o suicídio não for
premeditado, conforme as súmulas 105 do STF e 61 do STJ: Súmula a05/STF: Salvo
se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de
carência não exime o segurador do pagamento do seguro.
A fórmula jurisprudencial esclarece que o suicídio, em si,
não exclui o dever de indenizar, mas não esclarece o que é a premeditação em
caso de suicídio. Em certo sentido todo suicídio é premeditado, por definição,
por se tratar de ação voluntária. Não é este, portanto, o sentido em que a
jurisprudência menciona a premeditação. Resta apenas considera-la em relação à
própria contratação do seguro, retirando a garantia nos casos em que o contrato
é feito quando o segurado já tenha deliberado retirar sua própria vida.
Visando
a superar a controvérsia, o CC 798 estabeleceu que a cobertura do seguro
permanece em caso de suicídio se este ocorrer após 2 anos do início de vigência
do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
799. O
segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice
conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da
utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço
militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem.
Na
visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, tal como já se examinou nos comentários
aos artigos precedentes, os seguros de pessoa cobrem, essencialmente, eventos
aleatórios que provoquem morte ou incapacidade da pessoa natural. Por isso
mesmo, no seguro de vida, havendo suicídio, sempre se diferenciou, como
comentado no artigo anterior, a hipótese de premeditação de outras em que o
cometimento do ato era considerado involuntário, equiparado mesmo ao acaso,
porquanto despido o segurado de devido discernimento ao praticá-lo. Vale dizer
que, nos seguros de pessoa por morte ou acidente, o risco garantido está,
fundamentalmente, nas condições individuais do segurado – sua idade, estado de
saúde, perfil de atividade normal. O que, portanto, quer exprimir o Código
Civil de 2002, no artigo em pauta, é que contingências de transporte, serviço
militar, esporte ou atos de auxílio ou salvamento de que decorra a morte ou
incapacidade da pessoa inserem-se, já, no risco normal do contrato, motivo pelo
qual não podem encerrar causa de exclusão da cobertura. São, de toda forma,
eventos aleatórios, contingenciais na vida da pessoa, que não servem a impedir
o pagamento, havido o sinistro, do capital segurado.
Aliás, muito antes da novel codificação,
já alertava Pontes de Miranda (Tratado de direito privado. Rio de
Janeiro, Borsoi, 1964, t. XLVI, § 4.960, n. 6, p. 17) que, nos casos do seguro
em exame, o serviço militar, o esporte, a mudança da pessoa consubstanciavam
circunstâncias que entravam normalmente no risco garantido e que, na técnica da
contratação, já tinham sua eventual ocorrência prevista pelo segurador. Ou
seja, a seu ver, o elemento diferencial do risco não eram as circunstâncias
aludidas, mas sim as condições pessoais do segurado – idade, saúde, tipo de
atividade normal. Da mesma forma, Pedro Alvim (O contrato de seguro. Rio
de Janeiro, forense, 1999, p. 263-4) já lembrava, apoiado na lição de Vivante,
que, nos seguros de pessoa, a regra de equivalência das prestações não pode
coarctar as exigências de vida do segurado, ao normal desenvolvimento da vida
do indivíduo, somente se podendo cogitar, antes que de agravamento, de causas
excludentes, concernentes a atos dolosos do segurado por vezes constitutivos de
ilícito penal, que sejam causas de sua morte, como quando se morre na tentativa
de escalar casa alheia, malgrado se cubram eventos posteriores daí decorrentes,
como a morte no cárcere por isso imposto (O contrato de seguro. Rio de
Janeiro, forense, 1999, p. 263-4). Ressalva porém, João Marcos Brito Martins,
quanto ao artigo em questão, que a pretensão é de vedar exclusão de eventos
resultantes das hipóteses explicitadas no texto, desde que se coloquem dentro
da perspectiva do que seja razoável esperar, como quando o segurado se veja na
contingência de usar transporte mais arriscado, ou quando morra ou fique
incapacitado em virtude do exercício de esporte normal, mas não de práticas
excepcionalmente perigosas, além mesmo da concepção de esporte, de risco
incomum, que se pretenda qualificar como esportiva, tal qual, no seu exemplo,
saltos de penhascos ou atos semelhantes (O contrato de seguro. Rio de
Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 154). Na verdade, entende-se aqui de
rigor não olvidar que a regra contém preceito que tenciona preservar a
amplitude da cobertura do seguro pessoa, ante o bem da vida que lhe é
subjacente, pelo que qualquer exclusão deve ser vista com extrema cautela e
olhar sempre restritivo. Assim, no exemplo da atividade arriscada, que não se
queira esportiva, é bem de ver que, hoje, esportes até há pouco vistos como
próprios de aventureiros, fora, portanto, de qualquer risco razoável, são já mais
corriqueiros, praticados não mais por um grupo raro de pessoas com gosto por
expor sua vida a perigo demasiado. Pense-se nos esportes de montanha, nas
escaladas, nos enduros, nas ultramaratonas e assim por diante. (Claudio Luiz
Bueno de Godoy, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 827 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
A
redação do artigo, em seu histórico, é a mesma do projeto. Não há artigo
correspondente no CC/1916. Na realidade, segundo o histórico apresentado por
Ricardo Fiuza, o dispositivo em questão confirma, em maior escala, a
responsabilidade do segurador, ainda que o óbito provenha de ato do segurado,
no qual se sobreleve maior risco e mesmo que da apólice conste essa restrição.
Para que tal regra seja efetivamente aplicada, faz-0se necessário que o
segurado esteja em uma das quatro hipóteses taxativamente elencadas. São elas:
o segurado há de estar no exercício regular do direito (prestação de serviço
militar ou prática de esporte), ou praticando filantropia (atos de humanidade
em auxílio de outrem), ou se utilizando de meio de transporte mais arriscado,
quando é óbvio – não vai prever o resultado, somente porque se trata de atividade
de maior risco.
Novamente,
esse artigo vem garantir o direito do beneficiário contra possíveis
manipulações das companhias de seguro, objetivando à postergação do pagamento
devido. Nada mais justo do que proteger o beneficiário nessas situações, previstas
taxativa e especialmente, justamente porque representam atividades, umas de
maior risco, mais imprevisíveis, outras, praticadas sob o império do altruísmo.
(Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 421 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, o dispositivo torna nula a cláusula de exoneração da seguradora no
caso de morte nas circunstâncias que especifica, que cuidam ou de exercício
irrenunciável do direito de escolha de meio de transporte ou de praticar
esportes, ou do cumprimento de deveres legais, como a prestação de serviço
militar e a realização de atos de humanidade em auxílio de outrem.
De
outro lado, a falsa declaração do estipulante quanto a alguma dessas condições
implica a perda do direito à indenização (CC 766). Assim, por exemplo, a
seguradora não pode se recusar a pagar indenização em razão de morte ocorrida
na prática de voo livre, mas pode se recusar a indenizar se, no momento da
contratação o segurado informar, falsamente, que não pratica o referido
esporte. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
800. Nos
seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do
segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.
Segundo orientação de Claudio Luiz Bueno
de Godoy, a disposição do presente artigo significa uma exceção à regra da
sub-rogação que está no preceito do CC 786, não só porque, como muito se
sustenta, no seguro de pessoa, de que aqui se trata, cobre-se evento atinente à
vida ou faculdades pessoais do segurado, que, falecido, nada transfere, como
nada transfere o beneficiário, afinal quanto a direito que não é seu, mas
sobretudo porque a quantia que pelo sinistro se paga não representa qualquer
reposição do patrimônio desfalcado, assim calculável, e sim a entrega de soma
aleatória, estimada pelas partes contratantes, incompatível, destarte, com a
ideia de sub-rogação (veja João Marcos Brito Martins. O contrato de seguro. Rio
de Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 155-6). É de lembrar, a propósito,
que a sub-rogação se dá pelo pagamento que o segurador faz de dívida do
terceiro causador do sinistro, no seguro de dano, mensurado exatamente por
quanto seja o importe desse prejuízo causado. Pois no seguro de pessoa não há,
justamente, um valor de prejuízo que o segurador paga, no lugar do causador do
evento, assim sub-rogando-se no direito do prejudicado de lhe cobrar a mesma
importância. O que o segurado, ou o beneficiário, recebe não é o valor de um
prejuízo provocado, mas uma soma aprioristicamente fixada, arbitrada, a
forfait, no contrato. Daí a inexistência, no contrato de seguro de pessoa,
do direito à sub-rogação do segurador, porquanto incompatível com um valor de
seguro estipulado pelo próprio segurador e pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno
de Godoy, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 828 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No
dissertar de Ricardo Fiuza, a regra geral, exposta no CC 786, é a de que, uma
vez paga a indenização, tem o segurador o direito de sub-rogar-se, nos limites
do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o
autor do dano. Entretanto, devido às evidentes peculiaridades do seguro de
pessoas, entendeu o legislador de estabelecer uma exceção; nessa modalidade
específica de seguro, não poderá o segurador sub-rogar-se nos direitos e ações
do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.
Aqui
o legislador atenta para a importância do bem jurídico objeto do seguro: nesse
caso, fugiria ao bom senso transferir-se ao segurador o direito de acionar o
terceiro causador do sinistro, já que o interesse do segurado ou do
beneficiário pelo reconhecimento judicial de sua pretensão ante aquele é,
evidentemente, muito mais relevante do que o do segurador em recuperar o
prejuízo sofrido. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 421 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Para
Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, os objetivos visados com o seguro de danos e de pessoas são
distintos. O seguro de danos visa a indenizar o segurado por prejuízos que
sofreu. Tem finalidade indenitária e, em razão disso, não se admitem os atos
que possibilitam ao segurado enriquecer-se em razão do sinistro, razão pela
qual uma vez indenizado pela seguradora, perde em favor dela o direito de
reclamar indenização ao causador do dano.
A
finalidade do seguro de pessoa é compensar o segurado. O sinistro atinge
atributos da personalidade que são, por sua natureza, insuscetíveis de
apreciação econômica. A compensação visa a premiar o beneficiário em razão do
prejuízo moral que sofreu, concedendo-lhe um ganho econômico. Se a seguradora
fosse sub-rogada nos direitos que o segurado ou o beneficiário tivessem contra
o causador do sinistro, o ganho econômico visado quando da contratação ficaria
anulado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
801. O
seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em
proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§
1º. O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o
único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as
obrigações contratuais.
§
2º. A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de
segurados que representem três quartos do grupo.
Como
aponta Claudio Luiz Bueno de Godoy, esse dispositivo cuida do chamado seguro de
pessoas em grupo, que se define pela contratação, junto ao segurador, encetada
por um estipulante, em benefício de um grupo de indivíduos de alguma forma a
ele vinculados. De pronto estabelece o preceito que o estipulante pode ser não
só a pessoa jurídica, como também a pessoa natural, desde que de qualquer
maneira ligada ao grupo de pessoas a quem o ajuste beneficia. Tal vinculação,
acrescente-se, pode ter variada origem, que vai da relação de emprego, como é
comum, quando o empregador contrata seguro em proveito de seus empregados, até
a relação associativa ou profissional. Nesses casos, as cláusulas contratuais
são ajustadas entre o segurador e o estipulante, que se obriga, pessoalmente,
ao respectivo cumprimento, incluindo a prestação do prêmio global, que pode ou
não ser arrecadado, total ou parcialmente, dos beneficiários, os componentes do
chamado grupo segurável. Mais, ao estipulante cumpre indicar os integrantes
desse mesmo grupo, assim como as eventuais substituições, muito embora, como
ressalva José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord.
Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p.
851), não afastada pela lei a hipótese de grupo determinado, mas sem indicação
nominal dos segurados.
Os
segurados, em proveito e em nome, de quem o estipulante contrata porquanto seu
mandatário, como já estava no art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/66, possuem
direta pretensão contra o segurador, para exigência do valor segurado, no caso
de ocorrência de sinistro, relativo a risco que lhes concerne, que lhes é
afeto, diferentemente da simples estipulação, por risco do estipulante, em que
terceiro é meramente o beneficiário. Explicita-se, todavia, que o estipulante
não representa o segurador perante o grupo de pessoas seguradas. A especial
preocupação do legislador, porém, foi a modificação do contrato, de forma
essencial e a dano potencial dos segurados, sem seu prévio conhecimento e,
mais, sem seu placet. Daí a exigência, agora expressa, de que qualquer
alteração daquele jaez deve contar com a concordância de pelo menos três
quartos dos membros do grupo segurável, manifestada de qualquer forma, desde
que inequívoca.
Por fim, o seguro em grupo não se
conforma, exatamente, à previsão que se continha nos arts. 1.466 a 1.470 do
anterior Código, relativos ao chamado seguro mútuo, não reproduzido,
remanescendo, apenas, em lei especial (Decretos-lei n. 2.063/40, 3.908/41 e
8.934/46). Pelo seguro mútuo, os próprios segurados dispersavam entre si o
risco constituindo sociedade que exercia as funções de segurador. No artigo em
comento, ao revés, alguém estipula junto ao segurador um seguro que beneficia
grupo de pessoas. Não são elas próprias que constituem uma sociedade para
tanto. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud
Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 829
- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Na
toada de Ricardo Fiuza, o dispositivo visa à garantia dos segurados nos
contratos de seguro em grupo, pondo-os a salvo de acordos feitos à sua revelia,
pelos chamados estipulantes. O fato de exigir-se três quartos dos
segurados como condição para qualquer alteração no contrato está a demonstrar
que a regra é a sua inalterabilidade. Em verdade, a alegada impossibilidade
prática de obter-se o assentimento de tão grande número de interessados, além
de discutível, não procede, pois dela não se pode inferir que devam ser
atribuídos ao estipulante poderes absolutos para mudança das cláusulas
obrigacionais. A propósito, convém advertir que a justiça paulista já declarou
nulas as alterações feitas no contrato de seguro de grupo, sem expresso
assentimento dos segurados.
Em
sede doutrinária, extrai-se a brilhante lição de Silvio Rodrigues, que
conceitua o seguro de vida em grupo como “o negócio que se estabelece entre um
estipulante e a seguradora, através do qual aquele se obriga ao pagamento de um
prêmio global e aquela se obriga a indenizar pessoas pertencentes a um grupo
determinado, denominado grupo segurável, pessoas essas ligadas por um interesse
comum e cuja relação, variável de momento a momento, é confiada à seguradora” (Direito
civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 27.ed., São Paulo,
Saraiva, 2000, v. 3. P. 359).
Existem
três partes interessadas no negócio: o estipulante, o segurador e o grupo
segurável. O estipulante, porém, não representa o segurador perante o grupo
segurado, mas é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de
todas as obrigações contratuais.
Se
o grupo segurado pretender insurgir-se contra o segurador, deve fazê-lo
diretamente, e não por intermédio do estipulante, que, embora permaneça
inalterável durante a vigência do contrato, detém, tão somente, a atribuição de
firmar o contrato com o segurador, sem responder por este perante o grupo
segurado. Por outro lado, o estipulante funcionará, na equação contrária, como
elo de ligação entre o segurador e o grupo, tendo a responsabilidade, perante o
primeiro, de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações pelo grupo
contraídas, uma vez que foi ele quem procurou a companhia para a consecução do
negócio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 421-422 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo 790 admite que uma pessoa estipule seguro sobre a vida de outra pessoa, desde que possua interesse legítimo. O presente dispositivo autoriza que uma pessoa estipule seguro de vida de um grupo de pessoas a que se vincule. O vínculo que mais comumente justifica a estipulação do seguro em grupo é o empregatício, mas pode ser o de usuários de determinado serviço, como o de transporte. Não se confunde o seguro em grupo com o seguro de responsabilidade civil no qual o estipulante busca garantir-se contra riscos decorrentes de sua atividade, de modo a receber indenização equivalente à que tem de pagar a terceiro que sofre o dano.
O estipulante é a parte do contrato, i.é, aquele que se vincula ao cumprimento dos deveres inerentes ao contrato. Apesar disso, o § 2º retira-lhe o poder de modificar a apólice sem a anuência de três quartos dos segurados. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 802. Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado.
Estudando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código Civil de 2002, no artigo presente, quer explicitar que o seguro de assistência funeral e o seguro de assistência à saúde não são modalidades de seguro de pessoa, mas sim de seguro de dano. Ou seja, a contratação que tenha por base custear despesas de funeral ou médico-hospitalares, muito embora na dependência do evento que afete a pessoa do segurado, são seguros de dano, como tal regrados, razão pela qual, então, não se lhes aplicam as disposições da Seção III, fechada pelo artigo ora em discussão.
Quanto ao seguro-saúde, aquele firmado para cobrir despesas médico-hospitalares, vale anotar a existência de lei especial a regra-lo, qual seja, a Lei n. 9.656/88, com disposições específicas, como, por exemplo: vedando a exclusão de cobertura mesmo de doenças preexistentes, depois de 24 meses (art. 11); obrigando ao reembolso de despesas de coberturas mínimas, que, portanto, não podem ser afastadas por ajuste (art. 12); determinando, nas contratações individuais, a renovação automática a partir do prazo inicial, sem cobrança de qualquer taxa, sem recontagem de carências e sem possibilidade de rescisão unilateral pela operadora, salvo nos casos de fraude e não pagamento por período superior a 60 dias, nos últimos 12 meses de vigência desde que havida regular notificação até o 50º dia da inadimplência, mesmo assim se não estiver em curso internação do titular (art. 13); garantindo, nos seguros coletivos em que o vínculo se estabelecer em virtude da relação de trabalho, a permanência do segurado, quando rescindido o ajuste laboral, sem justa causa, nas mesmas condições, pagando o prêmio devido, em tempo previamente tarifado, mínimo e máximo (art. 30), da mesma forma, malgrado em diversas condições, quando se dê a aposentadoria (art. 31). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 829 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na lógica de Ricardo Fiuza, esse dispositivo cuida de despesas acessórias, que, eventualmente, podem surgir como consectâneo lógico do evento principal. O art. 1.460 do CC de 1916 já dispunha que a apólice poderá limitar ou particularizar os riscos do seguro, eximindo, com isso, o segurador de responder por outros. Desse modo, a interpretação do contrato será concebida sempre de modo restritivo, a não permitir que as despesas acessórias, não previstas no instrumento contratual, ou não inerentes ou intrínsecas ao objeto do contrato, devam ser de responsabilidade do segurador. Tal previsão se justifica, ainda mais porque, tratando-se do contrato aleatório, o segurador assume os riscos decorrentes do negócio, nos exatos termos da avença. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 422 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Finalizando o capítulo
com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, o seguro de vida e o de danos pessoais têm como objeto conferir ao
beneficiário determinada indenização pela ocorrência do sinistro. A cobertura
de prejuízos que o segurado vier a suportar em razão do sinistro deve constar
de previsão expressa e corresponde a seguro de dano, devendo obedecer às regras
relativas a esta modalidade. (Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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