quinta-feira, 16 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-A – DO INQUÉRITO - NOTITIA CRIMINIS, INICIO DE INQUÉRITO, AUTORIDADE POLICIAL TEM O DEVER DE INSTAURAR INQUÉRITO?, PODE A AUTORIDADE POLICIAL INDEFERIR REQUISIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?, PROVIDÊNCIA QUE O OFENDIDO PODE TOMAR, A DELATIO CRIMINIS, INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, A HIPÓTESE DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-A – DO INQUÉRITO - NOTITIA CRIMINIS,  INICIO DE INQUÉRITO,  AUTORIDADE POLICIAL TEM O DEVER DE INSTAURAR INQUÉRITO?, PODE A AUTORIDADE POLICIAL INDEFERIR REQUISIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?, PROVIDÊNCIA QUE O OFENDIDO PODE TOMAR, A DELATIO CRIMINIS, INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, A HIPÓTESE DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA - VARGAS DIGITADOR.

“Notítia criminis”

É com a notitia criminis que a Autoridade Policial dá início às investigações. Essa notícia do crime pode ser de “cognição imediata”, de “cognição mediata” e até mesmo de “cognição coercitiva”. A primeira ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato infringente da norma por meio das suas atividades rotineiras. Diz-se que há notitia criminis de cognição mediata quando a Autoridade Policial sabe do fato por meio de requerimento da vítima ou de quem possa representá-la, requisição da Autoridade Judiciária ou do órgão do Ministério Público, ou mediante representação. Ela será de cognição coercitiva nas hipóteses de prisão em flagrante, visto que, nesses casos, ao tempo em que a Autoridade Policial toma  conhecimento do fato criminoso, o seu autor lhe é apresentado, conduzido que foi sob coerção.

Início do inquérito

Mas como se inicia o inquérito policial? Qual a sua primeira peça? Depende da natureza do crime. Tratando-se de crime de ação pública incondicionada, isto é, aquele cuja propositura da ação penal pelo órgão do Ministério Público independe de qualquer condição – e tais crimes constituem a regra geral, nos termos do art. 100 do nosso CP - , a Autoridade Policial, dele tomando conhecimento, instaura o inquérito: a) de ofício, isto é, por iniciativa própria, quando o fato chegar ao seu conhecimento; b) mediante requisição da Autoridade Judiciária; c) mediante requisição do órgão do Ministério Público, ou, enfim, mediante requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, nos termos do art. 5º, do CPP. Qual o conteúdo do requerimento? Deverá a pessoa que fizer, narrar o fato com todas as suas circunstancias; individuar o pretenso culpado ou dar-lhe os sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou ainda os motivos da impossibilidade de o fazer; e, finalmente, nomear testemunhas, com indicação de sua profissão e residência, sempre que possível. Assim também deverá ser a requisição ministerial ou judicial. Se houver prisão em flagrante, a peça inaugural do inquérito será o auto de prisão em flagrante de que trata o art. 304 do CPP, consoante dispõe o art. 8º do mesmo estatuto processual. Tratando-se de infração de menor potencial ofensivo (contravenções e crimes cuja pena máxima cominada in abstracto não ultrapasse 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial), não haverá necessidade de inquérito. Nesse caso, a Autoridade Policial limitar-se-á a elaborar um Termo Circunstanciado de que deverão constar:

I – narração sucinta do fato e de suas circunstâncias, com a indicação do autor, do ofendido e das testemunhas;
II – nome, qualificação e endereço das testemunhas;
III – ordem de requisição de exames periciais, quando necessários;
IV – determinação da sua imediata remessa ao órgão do Ministério Público oficiante no juizado criminal competente, com as informações colhidas, comunicando-as ao Juiz;
V – certificação da intimação do autuado e do ofendido, para comparecimento em juízo no dia e hora designados.
Obs.: Veja-se, a propósito de infração de menor potencial ofensivo, a observação feita no final do verbete “O procedimento dos processos por crimes falimentares” (Cap. 53).

A autoridade Policial tem o dever de instaurar inquérito?

A Autoridade Policial tem o dever ou a faculdade de determinar a instauração de inquérito? O art. 5º diz: “Nos crimes de ação pública, o inquérito policial será iniciado”. Com tal expressão, que demonstra imperatividade, a própria lei criou para a Autoridade Policial o dever jurídico de instaurar o inquérito nos crimes de ação pública. Evidente que o artigo se refere aos crimes de ação pública incondicionada. E, nesse caso, a peça inaugural da investigação será, normalmente, a “portaria”, em que se registra a notitia criminis, podendo ser, também, uma requisição do Ministério Público ou do Juiz, requerimento do ofendido ou de quem legalmente o represente, ou até mesmo o auto de prisão em flagrante, conforme já anotamos, dando-se início, com uma dessas peças, à persecução.

Pode a Autoridade Policial indeferir requisição do Ministério Público?

Dispõe o  § 2º do art. 5º, do CPP que do indeferimento do requeimento do ofendido ou de quem legalmente o represente cabe recurso para o “Chefe de Polícia”. Silenciando quanto à requisição, pode-se concluir que a Autoridade Policial não pode indeferi-la.

Observe-se que o legislador, no inc. II do art. 5º, fala em requisição e requerimento, procurando, assim, distinguir as duas situações. Requisição é exigência legal. Requisitar é exigir legalmente. Já a palavra requerimento traduz a ideia de solicitação de algo permitido por lei.

Note-se, também, que no art. 13, II,, o legislador criou para a Autoridade Policial o dever de realizar as diligências requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público e silenciou, como não podia deixar de ser, quanto à possibilidade de indeferir tais requisições.

Não poderá, pois, a Autoridade Policial deixar de atender às requisições da Autoridade Judiciária ou do Ministério Público.

E se a requisição não fornecer nenhum dado de molde a permitir a investigação? Já vimos que a requisição de conter aquele mínimo indispensável para permitir a investigação. Se, contudo, os dados fornecidos forem vagos, cumprirá à Autoridade Policial oficiar à autoridade requisitante, mostrando-lhe a impossibilidade de qualquer investigação e, ao mesmo tempo, solicitando-lhe outras informações. E se o fato for manifestamente atípico? Se  tratar-se de atipicidade, deve a Autoridade Policiar oficiar ao órgão requisitante mostrando-lhe a total impossibilidade de cumpri-la por se tratar de ordem manifestamente ilegal. E se a autoridade não atender à requisição, sem embargo de se lhe fornecer o quantum statis para a persecução? Poderá ser processa por desobediência, sem prejuízo de eventuais sanções disciplinares. Tratando-se de requerimento do ofendido ou de quem legalmente o represente, a própria lei permite o indeferimento. Não se infira, pela redação do § 2º do art. 5º do CPP, permissiva do indeferimento, possa a Autoridade Policial fazê-lo quando bem quiser. Isso seria absurdo e conflitaria com o princípio de que à Polícia Judiciária incumbe investigar o  fato e sua autoria.

E quando, então poderá ela indeferir tais requerimentos? Nas seguintes hipóteses: a) se já estiver extinta a punibilidade; b) se o requerimento não fornecer o mínimo indispensável para se proceder à investigação; c) se o fato narrado for atípico; d) se o requerente for incapaz. Se a autoridade a quem for dirigido o requerimento não tiver competência, não poderá ela indeferi-lo, mas, sim, remetê-lo à autoridade que o for, aplicando-se, por analogia, a parte final do § 3º do art. 39 do Código de Processo Penal.

Providência que o ofendido pode tomar

Indeferindo o requerimento, que providência poderá tomar o requerente? A propósito, o § 2º do art. 5º:

“do despacho que indeferir o requerimento de abertura do inquérito caberá recurso para o Chefe de Polícia”.

A lei não fala como deve ser interposto tal recurso e silencia quanto ao prazo. Nada obsta, pois, que a parte se dirija ao Chefe de Polícia, em petição fundamentada, mostrando a falta de razão da Autoridade Policial. Como aquele despacho que indeferir requerimento de abertura de inquérito não faz coisa julgada, pois o instituto da res judicata é característico da jurisdição, poderá o requerente recorrer a qualquer tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade (a lei não fixa prazo), e, caso não seja “provido” seu recurso, poderá renová-lo, apresentando novos argumentos e indicações de prova. Nada obsta também que o requerente solicite à Autoridade Policial reconsideração do seu despacho; nem estará ele impossibilitado de, mesmo que o Chefe de Polícia venha a negar provimento ao seu recurso, ingressar em juízo, a fim de que sejam tomadas as providências que se fizerem necessárias. A expressão “Chefe de Polícia” àquela época, correspondia ao que hoje se denomina “Secretário da Segurança Pública”. Assim, quer-nos parecer que nos Estados onde houver um Delegado-Geral responsável por toda a Polícia Civil, ou outra Autoridade Policial hierarquicamente superior à Autoridade Policial que indeferiu o requerimento, o recurso a ele deve ser dirigido. Pretendia-se fosse o recurso dirigido a alguém, na Polícia, que exercesse função superior àquela desenvolvida pelos Delegados ou Comissários de Polícia. E o órgão superior era o Chefe de Polícia. Atualmente há outros superiores ao Delegado e inferiores ao Secretário da Segurança Pública, e àquela época não havia.

A “delatio criminis”

Além dessas modalidades de se iniciar o inquérito aos crimes de ação pública incondicionada, existem mais duas: pelo auto de prisão em flagrante, cujo estudo será feito no final, ou, então, por meio de delatio criminis, nos termos do § 3º, do art. 5º do CPP.

“Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública, poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”.

Como bem se percebe pela redação do texto supra, o legislador deu ao cidadão a faculdade de levar ao conhecimento da Autoridade Policial a notitia criminis. Mera faculdade. Tanto é faculdade que, se alguém deixar de fazer tal comunicação, não sofrerá nenhuma sanção. Evidente que não se trata, aqui, de “denúncia anônima “não é uma denúncia no significado jurídico do termo”, pelo  que não pode ser tomada em consideração na lei processual penal. Se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os “denunciados” chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? Daí a razão de o nosso CPP não acolher tal modalidade espúria de notitia criminis.

A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia, vomitarem, na calada da noite, à porta das delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros, da impunidade. Se admitida a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza e em outras cidades da Itália, inclusive na própria Roma, ao tempo da inquisitio extra ondinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas “Boca dos Leões” ou “Bocas de la Verità” (caixas de substância análoga ao concreto, em formato de boca de leão, com pequena abertura) suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno. Daí a ração de o nosso CPP não acolher tal modalidade espúria de notitia criminis. Por isso mesmo, apreciando o Agravo Regimental n. 355/RJ, a Corte Especial do STJ decidiu que “o Superior Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de inquérito policial a respeito de autoridades sujeitas à sua jurisdição com base em carta anônima. Agravo não provido” (DJ, 17-5-2004, p. 98). Se é assim em relação àquelas pessoas que têm o STJ como seu foro privativo, nenhuma razão, lógica ou jurídica, permitiria o contrário em relação às pessoas sujeitas à jurisdição de outros Tribunais e, inclusive, as subordinadas ao foro comum.

Assinale-se que o nosso Código de Processo Penal permite se façam delações à Polícia (art. 5º, § 3º). Não anônimas. “Verbalmente ou por escrito”, diz o texto legal. Presume-se, pois, que a delatio por escrito deva ser assinada. O art. 164, II, do CPP português, um dos mais recentes diplomas processuais penais, prescreve que “a junção de prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração anônima, salvo se for, ele mesmo, objeto ou elemento do crime”. No mesmo sentido o art. 240 do CPP italiano: “Documenti che contengono dichiarazioni anonime non possono essere acquisiti né in alcun modo utilizzati salvo che constituiscano corpo del reato o provengano comunque dall’imputato”.

Portanto, quem o desejar poderá fazer a delatio. Contudo é preciso que assuma a responsabilidade, identificando-se. A propósito, Giovanni Leone, Trattato di diritto processuale penali, Napoli. Jovene, 1961, v. 2, p. 11.

Sublinhe-se que o art. 340 do CP pune, com detenção, todo aquele que venha a provocar a ação da autoridade comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado. Assim, se o nosso diploma repressivo pune a denunciação caluniosa e a comunicação falsa de crime ou de contravenção, parece óbvio não se poder admitir o anonimato na notitia criminis; do contrário, já não teriam aplicação os arts. 339 e 340 do CP, em face da preferência que seria dada à notícia anônima... Mas uma observação pode ser feita: se a Polícia receber uma denúncia anônima sobre fato grave nada a impede de proceder a uma investigação sigilosa, com absoluta discrição, apenas e tão-somente para apurar, como observou o Prof. Lauria Tucci, a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito se positiva for a verificação (Persecução penal, prisão e liberdade, São Paulo, Saraiva, 1980, p. 34/35).

Inquérito oficial nos crimes de ação penal pública condicionada

Tratando-se de crime de ação pública condicionada à representação, diz o § 4º do art. 5º: “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”. A representação nada mais é que uma manifestação no sentido de não se opor à investigação e posterior processo. É feita pelo ofendido ou por quem legalmente o represente. Se o ofendido vier a morrer ou for judicialmente declarado ausente, o direito de representação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 1º do art. 24 do CPP. Nos crimes contra os costumes, sendo a ofendida pobre, há certas particularidades, que serão analisadas quando estudarmos a ação penal. É possível também ser ele iniciado se houver prisão em flagrante e o titular do direito de representação der a devida autorização.

A hipótese de requisição do Ministro da Justiça

Há casos em que a ação pública fica subordinada à requisição do Ministro da Justiça. E, nessas hipóteses, como se inicia o inquérito? Na verdade, em pouquíssimas hipóteses a nossa lei condiciona a propositura da ação penal à requisição ministerial. De fato. Ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, a instauração do processo fica subordinada, além de outras condições previstas em lei, à requisição ministerial, nos termos do art. 7º, § 3º, b, do CP. Os crimes contra a honra do Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro, pouco importando se cometidos publicamente ou não, são, também, de ação pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, como se constata pela leitura do art. 145, parágrafo único, do CP.

Outras hipóteses de ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça (poucas, aliás) vêm previstas na Lei de Imprensa. Voltaremos ao assunto quando do estudo sobre a ação pública subordinada à requisição ministerial.


Mas, quando subordinada a ação penal a tal condição, coo se inicia o inquérito? O Código silenciou. Subentende-se deva a requisição ministerial ser encaminhada ao Chefe do Ministério Público (Federal ou Estadual, conforme o caso), cabendo-lhe remetê-la ao órgão do Ministério Público competente (Promotor ou Procurador da República do lugar onde o processo deva tramitar), e este, então, se entender de necessidade as diligências, requisitá-las à Autoridade Policial. Nessa hipótese, deve o Promotor, ao requisitar o inquérito, encaminhar também a requisição ministerial, uma vez que, se na ação penal subordinada à representação o inquérito, encaminhar também a requisição ministerial, uma vez que, se na ação penal subordinada à representação o inquérito sem ela não pode ser instaurado, pela mesma razão não o poderá também se não lhe for encaminhada a requisição.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – DA PERSECUÇÃO – DO INQUÉRITO – DA INVESTIGAÇÃO PREPARATÓRIA, POLÍCIA, DIVISÃO, POLÍCIA DE SEGURANÇA, POLÍCIA CIVIL, DO INQUÉRITO POLICIAL, FINALIDADE DO INQUÉRITO, INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS, COMPETÊNCIA, INDISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO, NATUREZA DO INQUÉRITO, INCOMUNICABILIDADE - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7 – DA PERSECUÇÃO – DO INQUÉRITO – DA INVESTIGAÇÃO PREPARATÓRIA, POLÍCIA, DIVISÃO, POLÍCIA DE SEGURANÇA, POLÍCIA CIVIL, DO INQUÉRITO POLICIAL, FINALIDADE DO INQUÉRITO, INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS, COMPETÊNCIA, INDISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO, NATUREZA DO INQUÉRITO, INCOMUNICABILIDADE -   VARGAS DIGITADOR.

Da investigação preparatória

Dispões o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, infere-se que a lei não pode atribuir o julgamento de uma causa a outras pessoas que não integrem o Poder Judiciário, porquanto, se isso fosse possível, a referida causa estaria sendo excluída da apreciação do Poder Judiciário, cujos órgãos estão previstos, implícita ou explicitamente, na Lei Maior. Podemos então afirmar: somente os Órgãos Jurisdicionais é que podem julgar e compor os litígios: nulla poena sine judice (nenhuma pena poderá ser imposta senão pelo Juiz). É verdade que a própria Constituição atribui o poder de julgar a outro órgão que não o Judiciário. É o caso do Senado Federal, no julgamento dos crimes de responsabilidade cometidos por aquelas pessoas referidas no art. 52 da CF. Mas a Constituição pode excepcionar a si própria...

Por  outro lado, se ninguém pode ser privado da sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), e esse é o processo segundo estabelece a lei, se aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes (art. 5º, LV, da CF), se ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, da CF), se ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF), é sinal de que ninguém pode ser punido sem que haja um processo, observando-se aquele due process of law. Tal princípio implica defesa ampla, regular contraditório, duplo grau de jurisdição, igualdade das partes. Como o Estado Soberano, titular do direito de punir, por razões analisadas anteriormente, autolimitou tal direito, é claro que, quando alguém transgride a norma penal incriminadora, sua punição somente se efetivará por meio do processo. E, para que isso ocorra, é preciso que o Estado-Administração leve a notícia daquele fato ao conhecimento do Estado-Juiz (apontando-lhe o respectivo autor), a fim de que, apreciando-o, declare se procede ou improcede, se é fundada ou infundada a pretensão estatal.

O Estado, para tanto, desenvolve intensa atividade que se denomina persecutio criminis, principalmente por meio da Polícia Judiciária ou Polícia Civil (segundo a terminologia da Constituição da República) e depois pelo Ministério Público, instituições por ele criadas para, preferentemente, exercerem tal função, personificando o interesse da sociedade na repressão às infrações penais. Assim, é o órgão do Ministério Público quem leva ao conhecimento do Juiz, por meio da denúncia, o fato se reveste de aparência delituosa, apontando o seu autor, a fim de que o Juiz possa verificar se deve, ou não, puni-lo, e, de outra banda, é a Polícia Civil quem leva ao conhecimento do Ministério Público a notícia desse fato delituoso, com a indicação do respectivo responsável.

Polícia

O vocábulo polícia, do grego politeia – de polis (cidade) – significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar. Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no sentido “de manter a ordem pública, a tranquilidade e paz interna”; posteriormente, passou a indicar “o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos”. Esse o seu sentido atual.

Divisão

Quanto ao lugar onde desenvolve sua atividade, a Polícia pode ser terrestre, marítima ou aérea. Quanto à exteriorização, ostensiva ou secreta, conforme desenvolva sua atividade ostensiva ou secretamente. Quanto à organização, pode ser leiga ou de carreira. Finalmente, quanto ao seu objeto, costumam os autores distinguir a Polícia em Administrativa, de Segurança e Judiciária. A primeira é aquela que tem por objeto “as limitações impostas a bens jurídicos individuais”, limitações essas que visam assegurar “completo êxito da administração”. Como exemplo de Polícia Administrativa, podemos citar a Polícia Aduaneira, a Polícia Rodoviária e a Polícia Ferroviária Federal de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 144 da Lei Maior.

Polícia de Segurança

Já a Polícia de Segurança tem por objetivo as medidas preventivas, visando à não-alteração da ordem jurídica. Ela age com certo poder discricionário, isto é, com poderes mais ou menos amplos, sem as limitações impostas pela lei. Não se confunda discricionariedade com arbitrariedade; esta encerra o abuso do poder, prepotência, condenados por lei.

Polícia Civil

Mas, enquanto a Polícia de Segurança visa a impedir a turbação da ordem pública, adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Polícia Civil intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança pretendia prevenir não puderam ser evitados... ou, então, aqueles fatos que a Polícia de Segurança nem sequer imaginava pudessem acontecer...

Até então, a Polícia incumbida dessa tarefa era denominada Polícia Judiciária. Esse é o nome que lhe empresta o CPP. Todavia, a Constituição Federal, no art. 144, § 4º, dispõe que: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Logo, para a Constituição, Polícia Civil é a incumbida de elaborar o inquérito, enquanto Polícia Judiciária é a destinada a cumprir as requisições dos Juízes e membros do Ministério Público, como se infere do art. 13 do diploma processual pena. Sem embargo, o uso já consagrou a denominação de Polícia Judiciária não só para a que elabora os inquéritos como à que realiza as requisições de Juízes e Promotores.

A Polícia Civil (ou Judiciária, como é mais conhecida) tem, assim, por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo, como bem o diz o art. 4º do CPP.

Do inquérito policial

Inquérito policial é um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Civil ou Judiciária (como a denomina o CPP), visando a elucidar as infrações penais e sua autoria.

A Polícia Civil exerce aquela atividade, de índole eminentemente administrativa, de investigar o fato típico e apurar a respectiva autoria. É o conceito que se infere do art. 4º do CPP. Contudo, o art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF distinguem as funções de apurar as infrações penais e as de Polícia Judiciária. Já que houve tal distinção, é lícito afirmar, nos termos do § 4º do art. 144 da Lei Maior, que às Polícias Civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de investigar as infrações penais e sua respectiva autoria, bem como (e aqui teríamos a Polícia Judiciária) fornecer às Autoridades Judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; realizar as diligências requisitadas pela Autoridade Judiciária ou Ministério Público; cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades competentes; representar ao Juiz no sentido de ser decretada a prisão preventiva ou  temporária; representar ao Juiz no sentido de se proceder ao exame de insanidade mental do indiciado; cumprir cartas precatórias expedidas na área da investigação criminal; colher a vida pregressa do indiciado; proceder à restituição, quando cabível, de coisas apreendidas, realizar as interceptações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296, de 24-71996 etc.

Finalidade do inquérito

Pela leitura de vários dispositivos do CPP, notadamente o 4º e o 12, há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso. Para tanto, a Polícia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemunhas, tomando declarações da vítima, procedendo a exames periciais, nomeadamente os de corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando buscas e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo informações sobre todas as circunstâncias que circunvolveram o fato tido como delituoso, buscando tudo, enfim, que possa influir no esclarecimento do fato. Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver a necessária atividade visando a descobrir, conhecer o verdadeiro autor do fato infringente da norma.

Inquéritos extrapoliciais

O inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Civil. Todavia o parágrafo único do art. 4º do CPP estabelece que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. Observa-se, desse modo, que o dispositivo invocado deixa entrever a existência de inquéritos extrapoliciais, isto é, elaborados por autoridade outras que não as policiais, inquéritos esses que têm ou podem ter a mesma finalidade dos inquéritos policiais.

Há entendimento no sentido de que o art. 144, § 4º, da CF não mais permite seja o inquérito, nas infrações penais comuns, presidido por outra autoridade que não a policial. De fato, assim dispõe o citado parágrafo: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. A vingar a tese, são inconstitucionais os arts. 43 do Regimento Interno do STF e 58 do Regimento Interno do STJ.

O preceito constitucional, a nossa aviso, quis, apenas e tão-somente, dizer o que compete à Polícia Civil. O que o referido preceito quis, também, foi excluir aqueles delegados que não eram de carreira, muito comum nos Estados do Norte e Nordeste, onde Cabos e Sargentos da PM, até hoje, normalmente, exercem as funções de Polícia Civil. Se por acaso a Constituição dissesse que a competência para apurar as infrações penais comuns e sua autoria passaria a ser privativa da Polícia civil, por óbvio as críticas teriam cabimento.

Aliás, quando da promulgação da Lei Complementar n. 40/81 (antiga Lei Orgânica do Ministério Público), houve muita gente que afirmou que os Delegados e Juízes não mais poderiam dar início ao processo, tal como permitido pelo art. 531 do CPP, pela simples razão de o art. 3º daquele diploma dizer ser “função institucional do Ministério Público a propositura da ação penal pública”... E o Supremo Tribunal Federal pôs as coisas no seu devido lugar com a edição da Súmula 601: “Os arts. 3º, II, e 55 da Lei Complementar n. 40/81 (Lei Orgânica do Ministério Público) não revogaram a legislação anterior que atribui a iniciativa para a ação penal pública, no processo sumário, ao Juiz ou à Autoridade Policial, mediante Portaria ou Auto de Prisão em Flagrante”...

Assim, nos crimes contra a saúde pública, em determinadas infrações ocorridas nas áreas alfandegárias, têm as autoridades administrativas poderes para elaborar inquéritos que possam servir de alicerce à denúncia. É muito comum o próprio INSS investigar infrações que lhe digam respeito, p. ex., falta de repasse pelas empresas das contribuições descontadas dos empregados e que deveriam ser recolhidas àquela autarquia. Feita a investigação, é ela remetida ao Ministério Público Federal. Se este entender serem necessários outros esclarecimentos, requisita-os à Polícia Feral. Nas Prefeituras Municipais são corriqueiras essas investigações que servem de base à denúncia. Não importa o nome que se lhes dê, “investigação”, “sindicância”, “inquérito administrativo”...

Temos também os inquéritos policiais militares, conhecidos pela sigla IPM. Tais inquéritos nada mais são do que investigações levadas a cabo pelas autoridades militares para apurar a existência de crime da alçada da Justiça Militar e suas respectivas autorias.

Tratando-se de infração cometida por um membro do Ministério Público, as investigações tramitam sob a presidência do Procurador-Geral ou outro Procurador por ele designado (art. 40, parágrafo único, da Lei n. 8.625, de 12-2-1993). Tratando-se de Magistrado, compete à Presidência do Tribunal a que estiver vinculado designar um dos seus membros para a investigação (art. 33 da Lei Complementar n. 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Veja-se ainda, e a propósito, a Súmula 397 do STF.

A Lei n. 1579, de 18-3-1952, dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, que, como o nome está a indicar, procedem a investigações de maior vulto, e, caso a Comissão constate a existência de crime da alçada da Justiça Comum, pode o órgão do Ministério Público, com base naqueles inquéritos parlamentares, praticar o ato instaurador da instância penal, isto é, oferecer denúncia. Cabe esclarecer que a Lei n. 10.001, de 4-9-2000, dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo MP e por outros órgãos a respeito das conclusões das comissões parlamentares de inquérito.

Temos ainda o inquérito civil criado pela Lei n. 7.347, de 24-7-1985. Tal inquérito, presidido pelo órgão do Ministério Público, tem por objetivo colher elementos para a propositura da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Competência

A expressão “competência”, aqui, é empregada no sentido de poder atribuído a um funcionário de tomar conhecimento de determinado assunto. A quem cabe a presidência do inquérito? Normalmente, à Autoridade Policial. Em alguns casos, não. Vejam-se, a propósito: a) o art. 41, parágrafo único, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625, de 12-2-1993); b) o art. 43 e respectivo parágrafo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; c) a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal; d) o art. 33 da Lei Complementar n. 35, de 14-3-1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional); e e) o art. 58 do Regimento Interno do STJ.

Salvante esses casos, excluída a ressalva feita pelo parágrafo único do art. 4º do CPP, e deixando de lado os inquéritos extrapoliciais (militar, parlamentar), a competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Todos os Estados são divididos em municípios e em cada um deles o Estado mantém um número variável de Delegados para aí exercerem suas funções. Nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras, o município, em face da sua vastidão, é dividido em áreas denominadas distritos e em cada um deles atua certo número de autoridades policiais. Tratando-se de infração da alçada federal (art. 109 da CF), a competência é dos Delegados Federais, que exercem suas atividades dentro de áreas maiores, denominadas seções ou subseções, abrangentes de vários municípios.

O inquérito é indispensável?

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido, possa exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal.

Se essa é a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente  dispensável. Vejam-se, a propósito, os art. 12, 39, § 5º, e § 1º do art. 46, todos do CPP.

E não é só: o art. 27 do CPP dispões que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Contudo, normalmente, essas informações chegam às mãos do titular da ação penal por meio do inquérito policial. Pode-se então afirmar: ele é necessário, mas, como vimos, não absolutamente indispensável.

Natureza do inquérito

O inquérito policial tem natureza administrativa. São seus caracteres: ser escrito (art. 9º do CPP), sigiloso (art. 20 do CPP) e inquisitivo, já que nele não há o contraditório. É verdade que o inc. LV do art. 5º da CF dispões que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes”. Nem por isso se pode dizer seja o inquérito contraditório. Primeiro, porque no inquérito não há acusado; segundo, porque não PE processo. A expressão processo administrativo tem outro sentido, mesmo porque no inquérito não há litigante, e a Magna Carta fala dos “litigantes em processo judicial ou administrativo...”. O inquérito é medida preparatória para o exercício da ação penal e, por sinal, dispensável, dês que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a ingressar em juízo. A garantia está destinada aos “processos administrativos” e inclusive às sindicâncias (com o objetivo de impor sanções) que tramitam pelos diversos órgãos da Administração Pública, como Prefeitura, INSS, DNER, Secretarias de Estado, Ministérios, Autarquias Federais, Empresas Públicas, Receita Federal etc. Ora, se o inquérito não tem finalidade punitiva, por óbvio não admite o contraditório. Certo que o mesmo texto da Lei Magna ainda se refere aos “acusados em geral”, assegurando-lhes “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Há respeitável entendimento de que a expressão “acusados em geral” abarcaria também a figuras do “indiciado”, do “investigado”, do “suspeito”. Cremos, data venia, que não se lhe pode emprestar um sentido maior. De fato. O contraditório implica uma série de poderes que não se encontram, nem podem ser encontrados, no inquérito policial: formular reperguntas às testemunhas, arguir a suspeição da Autoridade Policial, ter o direito de requerer diligências que lhe interessem, não podendo sua realização ser mera faculdade da Autoridade Policial, recorrer dos atos da Autoridade Policial... Ademais, o princípio do contraditório, dogma constitucional, traduz o direito que têm as partes acusadora e acusada de se manifestarem sobre as alegações, atos e manifestações de qualquer delas. Se no inquérito não há acusação, mas a investigação, não se pode admitir contraditório naquela fase preambular da ação penal. Se por acaso o indiciado sofrer constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, como prisão ilegal, inquérito sem fundamento, p. ex., fará jus ao remédio constitucional do habeas corpus. Ele (nem ninguém) não pode ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Se for preso em flagrante, ser-lhe-á assegurada a assistência de advogado. Obviamente, se ele quiser. O simples fato de a Autoridade Policial não ser obrigada a nomear um Advogado àquele que for preso em flagrante deixa bem claro não ser o inquérito contraditório, muito embora tenha ele acesso aos remédios jurídicos que façam respeitados os direitos que a Magna Carta lhe confere. Tem direito à liberdade provisória, nos casos previstos em lei, direito à fiança, quando permitida... Assim, se indiciado não é acusado, parece lógico que a expressão “e aos acusados em geral” não pode abranger quem não é acusado. Em face disso, é de entender que a expressão serve para abranger todo e qualquer acusado. Em face disso, é de entender que a expressão serve para abranger todo e qualquer acusado: no processo comum, no processo penal militar, na Lei de Imprensa, na Lei de Falências etc., bem como aqueles que são submetidos a sindicância ou a procedimento administrativo com caráter punitivo.

Embora o inquérito seja um procedimento administrativo, não tem caráter punitivo. Assim, a expressão “acusados em geral” não se estende aos “indiciados”.

Cumpre observar que o inquérito instaurado no Ministério da Justiça com vistas à expulsão de estrangeiro, como se infere dos §§ 4º e 7º do art. 103 da Lei n. 6.815/80, é contraditório. De posse dos dados fornecidos pelo Ministério Público (art. 101 do referido diploma), o Ministro da Justiça determinará a instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro. Notificado e comparecendo, será qualificado e interrogado, em seguida ser-lhe-á aberta vista dos autos para indicar defensor bem como as provas que desejar produzir... Mas, nesse caso, o inquérito tem caráter punitivo...

Incomunicabilidade

Incomunicabilidade é qualidade de incomunicável. Quando se diz que o indiciado está incomunicável, quer dizer-se: indiciado que não pode comunicar-se com quer que seja, salvo, é evidente, com as próprias autoridades incumbidas das investigações. É o que diz o parágrafo único do art. 21 do CPP.

Por outro lado, o art. 21, caput, estabelece:

“A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir”.

A incomunicabilidade, evidentemente, era medida severa e, por isso mesmo, só poderia ocorrer quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação estivesse a exigi-la.

A atual Constituição, entretanto, no Capítulo destinado ao Estado de Defesa e ao Estado de Sítio, proclama, no art. 136, § 3º, IV:

                    “É vedada a incomunicabilidade do preso”.


Ora, se durante o estado de defesa, quando o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública ou a paz social, ameaçadas pr grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, podendo determinar medidas coercitivas, destacando-se restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações, o sigilo da correspondência e o sigilo de comunicação telegráfica e telefônica, havendo até prisão sem determinação judicial, tal como disciplinado no art. 136 da CF, não se pode decretar a incomunicabilidade do preso (CF, art. 136, § 3º, IV), com muito mais razão não há de se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito policial. Desse entendimento comunga Mirabete (Processo penal, 2 ed., Atlas, p. 92).

terça-feira, 14 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL- FONTES FORMAIS E SUBSTANCIAIS, DIRETAS, ORGÂNICAS, INDIRETAS, SECUNDÁRIAS, DIRETAS MEDIATAS OU REMOTAS, VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 6 – FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL- FONTES FORMAIS E SUBSTANCIAIS, DIRETAS, ORGÂNICAS, INDIRETAS, SECUNDÁRIAS, DIRETAS MEDIATAS OU REMOTAS,  VARGAS DIGITADOR.

Sentido da palavra “fonte”

Já se disse que origem e fonte do Direito é a mesma coisa. Para o nosso estudo, entretanto, reservamos à expressão “fontes” do Direito o sentido de formas de exteriorização do Direito. Fonte do Direito, portanto, nada mais são do que as formas pelas quais as regras jurídicas exteriorizam-se; se apresentam. São, enfim, “modos de expressão do Direito”.

As fontes formais e substanciais

G. Battaglini distingue as fontes em formais e substanciais. Aquelas são maneiras de expressão da norma jurídica positiva. Estas constituem a matéria em que se busca o conteúdo do preceito jurídico. Assim, certos princípios universais como o neminem laedere – ninguém pode prejudicar outrem (negativo) são fontes substanciais (cf. Direito penal, trad. Paulo José da Costa Júnior e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo, Saraiva, 1964, p. 37).

Classificação das fontes formais

Como classificá-las? Predominante a ideia de que se reduzem a duas: a lei e o costume. Outros ainda acrescentam a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito.

A lei é, realmente, a principal fonte do Direito. Grosso modo, é por meio da norma jurídica que o Direito se manifesta e se revela. É a principal fonte porque contém em si mesma a norma. Outras fontes, sem que contenham a norma, produzem-na indiretamente e, “otras la producen de una manera secundaria o incidental”.

Com esse entendimento, podemos classificar as fontes formais, de acordo com Miguel Fenech (Derecho procesal penal, Barcelona, Labor, 1952, p. 101), em diretas, que contêm em si a norma, e em supletivas, que são de duas ordens: “indiretas”, indiretas, que sem conterem a norma, produzem-na indiretamente, e “secundárias”, as que a produzem de maneira secundária ou incidental.

Modalidades das fontes diretas

As fontes diretas são constituídas pelas leis – entendendo-se estas em seu sentido mais amplo, isto é, como toda disposição emanada de qualquer órgão estatal na esfera de sua própria competência. Dentro das fontes diretas, fazem-se algumas divisões, atendendo-se à finalidade ou importância das normas processuais nelas contidas.

Desse modo, podemos classificar as fontes diretas em: a) fontes processuais penais principais (CF e CPP); b) fontes processuais penais extravagantes; c) fontes orgânicas principais; e d) fontes orgânicas complementares.

Interessam-nos, apenas, as fontes do Direito Processual Penal Comum.

As fontes processuais penais extravagantes são de duas espécies: complementares e modificativas. São fontes extravagantes complementares: a Lei n. 5.250, de 9-2-1967 (Lei de Imprensa); o Decreto-lei n. 201, de 27-2-1967 (crimes de responsabilidade dos Prefeitos municipais e respectivo processo); a Lei n. 1.079, de 10-4-1950 (crimes de responsabilidade de Preside da República e outras pessoas); a Lei n. 1.521, de 26-12-1951 (crime contra a economia popular); a Lei n. 4.898, de 9-12-1965 (abuso de autoridade); a Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (Lei de Tóxicos), que não só define as figuras delituais penais como também estabelece regras para o respectivo processo e julgamento etc. Tais normas, em sua grande maioria, são aplicáveis a “setores que não foram compreendidos pelo Código de Processo Penal.”.

Como fontes extravagantes modificativas, e como tais se entendem as que “modificam, ampliam ou extinguem normas e preceitos do Código”, podemos citar: a Lei n. 1.408, de 9-8-1951 (sobre a contagem dos prazos); a Lei n. 263, de 23-2-1948 (sobre a instituição do Júri); a Lei n. 4.336, de 1º-6-1964 (que acrescentou o § 4º ao art. 600 do CPP); a Lei n. 5.941, de 22-11-1973 (que alterou a redação dos arts. 408 e 594 do CPP); A Lei in. 6.416, de 24-5-1977 (que alterou dispositivos sobre liberdade provisória); a Lei n. 8.035, de 27-04-1990 (sobre fiança); a Lei n. 8.038, de 28-5-1990 (sobre a ação penal originária da alçada do STF e do STJ e sobre o procedimento dos recursos extraordinário e especial); a Lei n. 8.072, de 25-7-1990 (sobre os crimes hediondos); a Lei n. 8.658, de 26-5-1993 (que revogou os arts. 556 a 562 do CPP); a Lei n. 9.099, de 26-9-1995 (que instituiu os Juizados Especiais Criminais); a Lei n. 7.492, de 16-6-1986, sobre crimes contra o sistema financeiro (permitindo à Comissão de Valores Imobiliários intervir, nesses crimes, como assistente da acusação e criando nova circunstância autorizadora da prisão preventiva – magnitude da lesão causada), a Lei n. 7.960, de 21-12-1989, dispondo sobre a prisão temporária; a Lei n. 10.259, de 12-7-2001, que instituiu o Juizado Especial Federal; a Lei n. 9.271, de 17-4-1996 (que deu nova redação aos arts. 366, 367, 368, 369 e 370 do CPP) etc.

Fontes orgânicas

Como fontes orgânicas principais, temos as leis de organização judiciária, porquanto “revelam, em grande parte, as regras pertinentes à nomeação, investidura e atribuições dos órgãos jurisdicionais e seus auxiliares”.

São fontes orgânicas complementares os Regimentos Internos dos Tribunais que contêm normas subsidiárias da legislação processual, como se constata pelos arts. 667, 666, 638 e 618 do CPP. Nesse rol se incluem os Regimentos Internos da Câmara Federal, do Senado e das Assembleias Legislativas, por força do que dispõem os arts. 38, 73 e 79 da Lei n. 1.079, de 10-4-1950 (Lei do impeachement).

Fontes indiretas

Fontes indiretas são aquelas que, embora não contenham a norma, produzem-na indiretamente. Assim, são considerados como tais: os costumes, a jurisprudência e os princípios gerais do Direito.

Fontes secundárias

As fontes secundárias, isto é, as que, sem conterem a norma, produzem-na de maneira secundária ou incidental, têm, também, sua importância. Têm tal qualidade o Direito histórico, o Direito estrangeiro, as construções doutrinárias nacionais ou alienígenas, que, inegavelmente, auxiliam a redação das leis, a sua interpretação e, às vezes, a própria aplicação da norma.

Fontes diretas mediatas ou remotas

A fonte direta remota do Direito Processual Penal pátrio é a legislação portuguesa: as Ordenações Afonsinas, Manuelinas, filipinas.

Proclamada a Independência do Brasil, surgiu a lei de 20-9-1823, determinando vigerem no País as Ordenações, leis, regulamentos, alvarás, decretos e resoluções promulgadas pelos reis de Portugal. A Constituição Imperial, no seu art. 179, XVIII, prometia ao povo brasileiro um Código Civil e um Criminal fundados nas sólidas bases da justiça e da equidade.

Em 1830, surgiu o Código Criminal, vindo a seguir, em 1832, o Código de Processo Criminal. Este diploma trouxe profundas modificações, destacando-se a extinção das devassas, a formação da culpa, que passou a ser pública, a instituição do habeas corpus.

Duas leis posteriores ao Código de Processo Criminal, tiveram repercussão: a de 3-12-1841 e a de 20-9-1871. A primeira, referindo-se, particularmente, às funções da Polícia e ampliando suas atribuições. A segunda, estabelecendo regras sobre fiança, criando o habeas corpus preventivo, estendo essa garantia, na sua feição liberatória ou preventiva, aos estrangeiros, e o inquérito policial, que, pela primeira vez, aparece com esse nomen juris.

Em 1889 modificou-se o regime político do Brasil. A Constituição de 1891 outorgou aos Estados-Membros a competência para legislarem sobre matéria processual civil e penal. Muitos Estados, senão a grande maioria, elaboraram seus estatutos processuais, e outros continuaram sendo regidos pelas leis imperiais (modificadas e completadas por sua legislação esparsa sobre Processo Penal), até que, em 1934, a Carta Política aboliu aquela prerrogativa dos Estados.

A competência para legislar sobre Direito Processual deslocou-se para a União. E, sem embargo daquela abolição, não se empreendeu a realização de um Código de Processo Penal. A Carta Magna de 1937 repetiu a exigência da anterior, e, assim, em 1941, surgiu o nosso atual CPP.


O CPP brasileiro, que começou a vigorar em 1º-1-1942, e que continua vigendo, é dividido em livros; estes, em títulos; os títulos, em capítulos e os capítulos, por sua vez, em artigos, com um total de 811 artigos.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA, DOUTRINAL, JUDICIAL, GRAMATICAL, LÓGICA, SISTEMÁTICA, HISTÓRICA, EXTENSIVA E RESTRITIVA, PROGRESSIVA E ANALÓGICA - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 5 – INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA, DOUTRINAL, JUDICIAL, GRAMATICAL, LÓGICA, SISTEMÁTICA, HISTÓRICA, EXTENSIVA E RESTRITIVA, PROGRESSIVA E ANALÓGICA -   VARGAS DIGITADOR.

Noções

Interpretar a lei é descobrir ou revelar a vontade contida na norma jurídica ou, como diz Clóvis é revelar o pensamento que anima as suas palavras.

Considerando o sujeito que interpreta a lei, a interpretação distingue-se em autêntica, doutrinal e judicial. Diz-se autêntica quando realizada pelo próprio legislador.

Pode ser considerada lei interpretativa a Exposição de Motivos que acompanha as grandes leis, como  CP ou o CPP? Uns acham que sim, porquanto ela deve dar um entendimento exato da nova lei. Outros, a nosso ver, com maior razão, opinam negativamente, sob o fundamento de que uma grande lei é obra de vários e a Exposição de Motivos que a acompanha é redigida por uma só pessoa. Na sua redação pode ocorrer que o redator não revele, exatamente, o pensamento que animou os elaboradores.

Interpretação autêntica

A doutrina distingue a interpretação autêntica em contextual e por lei posterior. Se a interpretação é feita no contexto, “mediante disposiciones que mutuamente se aclaran”, diz-se contextual, tal como se vê no art. 150 e parágrafos do CP, notadamente os §§ 4º e 5º, em que o próprio legislador procurou gizar os contornos da palavra “casa”. Se a interpretação se dá por lei posterior – o que constitui a regra -, fala-se em interpretação “por lei posterior”. Veja-se, e a propósito, a Lei n. 4.898/65. Entendeu-se que a “representação” de que tratava e trata esse diploma fosse condição de procedibilidade. Mais tarde, foi promulgada a Lei n. 5.249, de 9-2-1967, dando-lhe o exato sentido: notitia criminis... Interpretação, poi8s, autêntica por lei posterior...

Interpretação doutrinal

Doutrinal é a interpretação feita pelos juris scriptores (juristas), pelos comentadores, pelos doutrinadores. Os Comentários ao Código de Processo Penal, feitos por Espínola Filho, Florêncio de Abreu, Basileu Garcia, Hélio Tornaghi, Frederico Marques, e.g., constituem verdadeira interpretação doutrinal, porquanto, em seus trabalhos, procuram revelar o verdadeiro sentido do dispositivo legal.

A interpretação doutrinal, produto das pesquisas dos juristas, é de valor inexcedível. E seu prestígio será tanto maior quanto maior for a envergadura do jurista.

Interpretação judicial

É aquela levada a efeito pelos Juízes e Tribunais ao aplicarem a lei a um caso concreto. Sua importância é também extraordinária, e quando uniforme, duradoura e repetida, forma a jurisprudência, que, segundo muitos aut0res, pode até ser considerada fonte do direito. Não se deve deslembrar que o Juiz “não pode ser agnóstico em relação às opções que se lhe deparam em sede de interpretação. E ele vive e opera num determinado clima político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é à posição desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal” (G. Berttiol,  Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra. Coimbra Ed., 1974, p. 297).

Interpretação gramatical

Do ponto de vista objetivo, isto é, levando em conta os meios ou expedientes intelectuais empregados para se proceder à interpretação, , esta se distingue em gramatical ou literal, lógica ou teleológica, sistemática e histórica. Outros autores preferem dizer que os elementos “histórico” e “sistemático” são considerados na interpretação lógica ou teleológica.

Gramatical ou literal é a que se inspira no próprio significado das palavras.

Aliás, o art. 2º do CPPM assim dispõe: “A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido literal de suas expressões. Os termos técnicos hão de ser entendidos em sua acepção especial, salvo se evidentemente empregados com outra significação”.

Quando a lei fala em “queixa”, deve entender-se como tal a peça vestibular da ação penal privada. Esse o seu sentido técnico-jurídico. Entretanto vulgarmente se designa com esse vocábulo a notitia criminis que se leva ao conhecimento da Autoridade Policial. É comum dizer-se: Fulano foi fazer queixa à Polícia... Queixa, aí, está empregada no seu sentido vulgar.

A interpretação gramatical é importantíssima, mas não exclui os outros métodos de interpretação. Em matéria de interpretação, não se pode nem se deve olvidar o ensinamento de Celso: “Scire leges, non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem...”.

Interpretação lógica

Quando o intérprete se serve das regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei e a intenção do legislador, fala-se de interpretação lógica ou teleológica, porquanto visa precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifestada.

Interpretação sistemática

Recorre-se a este tipo de interpretação quando a dúvida não recai sobre o sentido de uma expressão ou de uma fórmula da lei, mas sim sobre a regulamentação do fato ou da relação sobre que se deve julgar. Aqui o intérprete deve colocar a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com ela. Assim, p. ex., para saber qual a razão que levou o legislador a permitir a figura do Assistente da Acusação (art. 268 do CPP) nas ações penais públicas, há necessidade de se proceder a uma análise de outros institutos, nomeadamente os recursos. Por que as Súmulas 208 e 210 do STF restringem a atividade recursal do Assistente? Porque nos demais casos seu direito à satisfação do dano não fica afetado... Logo, o legislador permitiu que o ofendido interviesse como Assistente do Ministério Público nos crimes de ação penal pública para preservar o seu direito à satisfação do dano. Do contrário, ter-lhe-ia permitido o uso de outros recursos, comuns às demais partes...

Interpretação histórica

A pesquisa do processo evolutivo da lei, isto é, a história da lei ou a história dos seus precedentes, auxilia o aclaramento da norma. Os projetos de leis, as discussões havidas durante sua elaboração, a Exposição de Motivos, as obras científicas do autor da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para proceder à interpretação. Diz-se, então, histórico tal método interpretativo.

Interpretação extensiva e restritiva

Quanto aos resultados, a interpretação pode ser extensiva ou restritiva. A linguagem da lei peca ou por excesso ou por defeito. Às vezes, como diz Maggiore, é demasiado genérica (plus dixit quam voluit)  - disse mais do que queria -, de sorte que, aparentemente, compreende relações que permaneceram, na vontade do legislador, excluídas. Outras vezes é demasiado restrita (minus dixit quam voluit) – disse menos do que queria -, de modo que, aparentemente, exclui relações queridas pela própria lei.

Cumpre, então, ao intérprete, para restabelecer o equilíbrio, atribuir à norma, no primeiro caso, um alcance menos amplo; no segundo, mais amplo. Restritiva, repita-se porque restringe a aparente extensão da norma.

Assim, por exemplo, quando o legislador diz, no art. 271 do CPP, que “ao assistente será permitido propor meios de prova”, deve-se entender que está excluída a prova testemunhal, pois, de outro modo, estaria ilidida, por via oblíqua, a regra segundo a qual a Acusação deverá oferecer o rol das testemunhas (se quiser fazê-lo) quando da propositura da ação (art. 41, in fine), como se depreende da leitura do art. 397 do mesmo diploma processual. Atente-se para a circunstância de que o assistente de acusação ingressa em juízo após a instauração da instância penal, como se dessume do art. 268 do CPP, e não antes.

Outras vezes, percebe-se que o legislador minus dixit quam voluit (disse menos do que queria dizer). Urge, assim, fazer as palavras da lei corresponderem ao seu espírito, e, para tanto, deverá o intérprete ampliar o sentido ou alcance daquelas. Fala-se, aí, em interpretação extensiva. Exemplo: o art. 34 do CPP diz que o menor de 21 e maior de 18 pode exercer o direito de queixa. Pergunta-se: poderá exercer, também, o direito de representação? Claro que sim. Quem pode o mais, pode o menos. Na verdade, a representação é um minus em relação à queixa. Observe-se que a expressão “menor de 21 e maior de 18” foi apanhada tal como está no art. 34 do CPP. Hoje, como a maioridade se inicia aos 18 anos, essa disposição caiu no vazio.

Interpretação progressiva

Diz-se progressiva a interpretação quando o intérprete, observando que a expressão contida na norma sofrer alteração ao correr dos anos, procura adaptar-lhe o sentido ao conceito atual. Exemplificando: o § 2º do art. 5º do CPP diz caber recurso ao Chefe de Polícia da decisão do Delegado que indefere requerimento visando à instauração de inquérito. Indaga-se: quem é o Chefe de Polícia? Quando da elaboração do Código de Processo Penal, em 1942, “Chefe de Polícia” era a denominação que se dava aos atuais Secretários da Segurança Pública. Depois, com a organização da Polícia Civil, o Chefe de Polícia passou a ser denominado Secretário da Segurança Pública, e, em face das inúmeras funções que lhe foram afetas, em razão mesmo do aumento populacional e do crescimento da criminalidade, criaram-se outros cargos, como o de Delegado-Geral da Polícia Civil e os de Delegados Seccionais. Assim, aquele recurso, sem prazo para a sua interposição, pode ser dirigido ao Delegado-Geral ou até mesmo ao Delegado Seccional. A finalidade do recurso é pedir a um órgão superior o reexame do ato do Delegado de Polícia que indeferia o requerimento para a instauração de inquérito. E como os Delegados Seccionais, o Delegado-Geral da Polícia Civil, como são chamados em São Paulo, ou que outro nome tenham nos demais Estados, exercem funções mais graduadas, o recurso pode ser dirigido a qualquer deles. Os arts. 298 e 299 do CPP permitem a prisão por via postal, telegráfica e telefônica. Àquela época não havia o fax... Hoje, os Tribunais, normalmente, quando mantêm as sentenças condenatórias, e se for o caso, determinam a prisão via fax. Interpretação progressiva daquelas disposições.

Interpretação analógica

Ao lado da interpretação extensiva e mantendo com esta certa similitude, está a interpretação analógica. Não se deve confundir, contudo, a interpretação analógica com a analogia. A primeira é forma de interpretação; a segunda é integração. Quando se pode proceder à interpretação analógica? Quando a própria lei a determinar. Algumas vezes, a lei penal (a própria lei penal) a permite, e o faz “quando uma cláusula genérica se segue a uma fórmula casuística”, e, nessas hipóteses, “deve entender-se que aquela somente compreende os casos análogos aos destacados por esta, que, do contrário, seria ociosa”. Assim, p. ex., quando o art. 61, II, c, do CP fala em “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”, pergunta-se: que outro recurso poderá ser este? Evidentemente deve ser um “recurso” semelhante, análogo à “emboscada”, “à traição”, “à dissimulação”, em molde a dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido.

Não teria sentido que o legislador ali catalogasse todas as hipóteses que guardassem semelhança com a “emboscada”, com a “traição”, com a “dissimulação”. Preferiu, com boa técnica, fazer uso de uma fórmula casuística (à traição, de emboscada, mediante dissimulação) e, em seguida, lançar mão de uma fórmula genérica (ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido), entendendo-se, pois, que o recurso de que lança mão o agente, para se emoldurar no art. 61, II, c, do CP, há de ser semelhante à traição, à emboscada, à dissimulação. E ele o será, evidentemente, se dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Na interpretação analógica a vontade da norma é abraçar os casos análogos, semelhantes àqueles por ela regulados. Veja-se, também, e a propósito, o art. 403 do CPP.

Analogia

Analogia é integração. Parte da doutrina entende que existe a plenitude do ordenamento jurídico e, por isso, não se pode cuidar de reintegrá-lo. A maioria, entretanto, entende que o ordenamento jurídico apresenta lacunas, vazios. Tais vazios devem ser preenchidos, e o processo usado para o preenchimento, para inteirar, para completar, para integrar o ordenamento jurídico, chama-se analogia.


Assim é um princípio jurídico segundo o qual a lei estabelecida para determinado fato a outro se aplica, embora por ela não regulado, dada a semelhança em relação ao primeiro. P. ex.: os embargos declaratórios interrompem o prazo para outro eventual recurso? O CPP não trata do assunto. Mas, como o art. 538 do CPC diz que interrompe e como a matéria é análoga, aplicando-se a regra do art. 3º do CPP, podemos dizer que no processo penal ela tem inteiro cabimento. Pode o Juiz penal dar-se por suspeito se for amigo íntimo do pai do acusado? Pela redação do art. 254 do CPP, não. Ali se cuida da amizade íntima como qualquer das partes, e o pai do acusado não é parte. Todavia, numa ação cível, se o Juiz for amigo do pai do autor ou do réu, poderá dar-se por suspeito, alegando motivo de foro íntimo, nos termos do parágrafo unido do art. 135 do CPC. Logo, invocando o art. 3º do CPP, e a situação é análoga à prevista no CPC, nada impede que o Juiz penal, no exemplo dado, dê-se por suspeito.