MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo
5 – INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA, DOUTRINAL, JUDICIAL, GRAMATICAL, LÓGICA,
SISTEMÁTICA, HISTÓRICA, EXTENSIVA E RESTRITIVA, PROGRESSIVA E ANALÓGICA - VARGAS DIGITADOR.
Noções
Interpretar a lei é
descobrir ou revelar a vontade contida na norma jurídica ou, como diz Clóvis é
revelar o pensamento que anima as suas palavras.
Considerando o sujeito que
interpreta a lei, a interpretação distingue-se em autêntica, doutrinal e
judicial. Diz-se autêntica quando realizada pelo próprio legislador.
Pode ser considerada lei
interpretativa a Exposição de Motivos que acompanha as grandes leis, como CP ou o CPP? Uns acham que sim, porquanto ela
deve dar um entendimento exato da nova lei. Outros, a nosso ver, com maior
razão, opinam negativamente, sob o fundamento de que uma grande lei é obra de
vários e a Exposição de Motivos que a acompanha é redigida por uma só pessoa.
Na sua redação pode ocorrer que o redator não revele, exatamente, o pensamento
que animou os elaboradores.
Interpretação
autêntica
A doutrina distingue a interpretação autêntica em contextual e por lei posterior. Se a interpretação é feita no contexto,
“mediante disposiciones que mutuamente se aclaran”, diz-se contextual, tal como
se vê no art. 150 e parágrafos do CP, notadamente os §§ 4º e 5º, em que o
próprio legislador procurou gizar os contornos da palavra “casa”. Se a
interpretação se dá por lei posterior – o que constitui a regra -, fala-se em
interpretação “por lei posterior”. Veja-se, e a propósito, a Lei n. 4.898/65.
Entendeu-se que a “representação” de que tratava e trata esse diploma fosse
condição de procedibilidade. Mais tarde, foi promulgada a Lei n. 5.249, de
9-2-1967, dando-lhe o exato sentido: notitia
criminis... Interpretação, poi8s, autêntica por lei posterior...
Interpretação
doutrinal
Doutrinal
é
a interpretação feita pelos juris
scriptores (juristas), pelos comentadores, pelos doutrinadores. Os Comentários ao Código de Processo Penal,
feitos por Espínola Filho, Florêncio de Abreu, Basileu Garcia, Hélio Tornaghi,
Frederico Marques, e.g., constituem verdadeira interpretação doutrinal,
porquanto, em seus trabalhos, procuram revelar o verdadeiro sentido do
dispositivo legal.
A interpretação doutrinal,
produto das pesquisas dos juristas, é de valor inexcedível. E seu prestígio
será tanto maior quanto maior for a envergadura do jurista.
Interpretação
judicial
É aquela levada a efeito
pelos Juízes e Tribunais ao aplicarem a lei a um caso concreto. Sua importância
é também extraordinária, e quando uniforme, duradoura e repetida, forma a
jurisprudência, que, segundo muitos aut0res, pode até ser considerada fonte do
direito. Não se deve deslembrar que o Juiz “não pode ser agnóstico em relação
às opções que se lhe deparam em sede de interpretação. E ele vive e opera num
determinado clima político-constitucional em que a pessoa humana representa o
valor supremo; e é à posição desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas
interpretações antitéticas de uma norma legal” (G. Berttiol, Instituições
de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra.
Coimbra Ed., 1974, p. 297).
Interpretação
gramatical
Do ponto de vista objetivo,
isto é, levando em conta os meios ou expedientes intelectuais empregados para
se proceder à interpretação, , esta se distingue em gramatical ou literal, lógica
ou teleológica, sistemática e histórica. Outros autores preferem dizer
que os elementos “histórico” e “sistemático” são considerados na interpretação
lógica ou teleológica.
Gramatical ou literal é a
que se inspira no próprio significado das palavras.
Aliás, o art. 2º do CPPM
assim dispõe: “A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido
literal de suas expressões. Os termos técnicos hão de ser entendidos em sua
acepção especial, salvo se evidentemente empregados com outra significação”.
Quando a lei fala em
“queixa”, deve entender-se como tal a peça vestibular da ação penal privada.
Esse o seu sentido técnico-jurídico. Entretanto vulgarmente se designa com esse
vocábulo a notitia criminis que se
leva ao conhecimento da Autoridade Policial. É comum dizer-se: Fulano foi fazer
queixa à Polícia... Queixa, aí, está empregada no seu sentido vulgar.
A interpretação gramatical é
importantíssima, mas não exclui os outros métodos de interpretação. Em matéria
de interpretação, não se pode nem se deve olvidar o ensinamento de Celso:
“Scire leges, non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem...”.
Interpretação
lógica
Quando o intérprete se serve
das regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei e a intenção
do legislador, fala-se de interpretação
lógica ou teleológica, porquanto
visa precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifestada.
Interpretação
sistemática
Recorre-se a este tipo de
interpretação quando a dúvida não recai sobre o sentido de uma expressão ou de
uma fórmula da lei, mas sim sobre a regulamentação do fato ou da relação sobre
que se deve julgar. Aqui o intérprete deve colocar a norma em relação com o
conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que
têm pertinência com ela. Assim, p. ex., para saber qual a razão que levou o legislador
a permitir a figura do Assistente da Acusação (art. 268 do CPP) nas ações
penais públicas, há necessidade de se proceder a uma análise de outros
institutos, nomeadamente os recursos. Por que as Súmulas 208 e 210 do STF
restringem a atividade recursal do Assistente? Porque nos demais casos seu
direito à satisfação do dano não fica afetado... Logo, o legislador permitiu
que o ofendido interviesse como Assistente do Ministério Público nos crimes de
ação penal pública para preservar o seu direito à satisfação do dano. Do
contrário, ter-lhe-ia permitido o uso de outros recursos, comuns às demais
partes...
Interpretação
histórica
A pesquisa do processo
evolutivo da lei, isto é, a história da lei ou a história dos seus precedentes,
auxilia o aclaramento da norma. Os projetos de leis, as discussões havidas
durante sua elaboração, a Exposição de Motivos, as obras científicas do autor
da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para proceder à
interpretação. Diz-se, então, histórico tal método interpretativo.
Interpretação
extensiva e restritiva
Quanto aos resultados, a interpretação pode ser extensiva ou
restritiva. A linguagem da lei peca ou por excesso ou por defeito. Às
vezes, como diz Maggiore, é demasiado genérica (plus dixit quam voluit) -
disse mais do que queria -, de sorte que, aparentemente, compreende relações
que permaneceram, na vontade do legislador, excluídas. Outras vezes é demasiado
restrita (minus dixit quam voluit) – disse menos do que queria -, de modo que,
aparentemente, exclui relações queridas pela própria lei.
Cumpre, então, ao
intérprete, para restabelecer o equilíbrio, atribuir à norma, no primeiro caso,
um alcance menos amplo; no segundo, mais amplo. Restritiva, repita-se porque
restringe a aparente extensão da norma.
Assim, por exemplo, quando o
legislador diz, no art. 271 do CPP, que “ao assistente será permitido propor
meios de prova”, deve-se entender que está excluída a prova testemunhal, pois,
de outro modo, estaria ilidida, por via oblíqua, a regra segundo a qual a
Acusação deverá oferecer o rol das testemunhas (se quiser fazê-lo) quando da
propositura da ação (art. 41, in fine), como se depreende da leitura do art.
397 do mesmo diploma processual. Atente-se para a circunstância de que o
assistente de acusação ingressa em juízo após a instauração da instância penal,
como se dessume do art. 268 do CPP, e não antes.
Outras vezes, percebe-se que
o legislador minus dixit quam voluit (disse
menos do que queria dizer). Urge, assim, fazer as palavras da lei corresponderem
ao seu espírito, e, para tanto, deverá o intérprete ampliar o sentido ou
alcance daquelas. Fala-se, aí, em interpretação extensiva. Exemplo: o art. 34
do CPP diz que o menor de 21 e maior de 18 pode exercer o direito de queixa.
Pergunta-se: poderá exercer, também, o direito de representação? Claro que sim.
Quem pode o mais, pode o menos. Na verdade, a representação é um minus em relação à queixa. Observe-se
que a expressão “menor de 21 e maior de 18” foi apanhada tal como está no art.
34 do CPP. Hoje, como a maioridade se inicia aos 18 anos, essa disposição caiu
no vazio.
Interpretação
progressiva
Diz-se progressiva a
interpretação quando o intérprete, observando que a expressão contida na norma
sofrer alteração ao correr dos anos, procura adaptar-lhe o sentido ao conceito
atual. Exemplificando: o § 2º do art. 5º do CPP diz caber recurso ao Chefe de Polícia da decisão do Delegado
que indefere requerimento visando à instauração de inquérito. Indaga-se: quem é
o Chefe de Polícia? Quando da elaboração do Código de Processo Penal, em 1942, “Chefe
de Polícia” era a denominação que se dava aos atuais Secretários da Segurança
Pública. Depois, com a organização da Polícia Civil, o Chefe de Polícia passou
a ser denominado Secretário da Segurança Pública, e, em face das inúmeras
funções que lhe foram afetas, em razão mesmo do aumento populacional e do
crescimento da criminalidade, criaram-se outros cargos, como o de
Delegado-Geral da Polícia Civil e os de Delegados Seccionais. Assim, aquele
recurso, sem prazo para a sua interposição, pode ser dirigido ao Delegado-Geral
ou até mesmo ao Delegado Seccional. A finalidade do recurso é pedir a um órgão
superior o reexame do ato do Delegado de Polícia que indeferia o requerimento
para a instauração de inquérito. E como os Delegados Seccionais, o
Delegado-Geral da Polícia Civil, como são chamados em São Paulo, ou que outro
nome tenham nos demais Estados, exercem funções mais graduadas, o recurso pode
ser dirigido a qualquer deles. Os arts. 298 e 299 do CPP permitem a prisão por
via postal, telegráfica e telefônica. Àquela época não havia o fax... Hoje, os Tribunais, normalmente,
quando mantêm as sentenças condenatórias, e se for o caso, determinam a prisão
via fax. Interpretação progressiva
daquelas disposições.
Interpretação
analógica
Ao lado da interpretação
extensiva e mantendo com esta certa similitude, está a interpretação analógica.
Não se deve confundir, contudo, a interpretação analógica com a analogia. A primeira
é forma de interpretação; a segunda é integração. Quando se pode proceder à
interpretação analógica? Quando a própria lei a determinar. Algumas vezes, a
lei penal (a própria lei penal) a permite, e o faz “quando uma cláusula genérica
se segue a uma fórmula casuística”, e, nessas hipóteses, “deve entender-se que
aquela somente compreende os casos análogos aos destacados por esta, que, do
contrário, seria ociosa”. Assim, p. ex., quando o art. 61, II, c, do CP fala em “à traição, de
emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou
impossível a defesa do ofendido”, pergunta-se: que outro recurso poderá ser
este? Evidentemente deve ser um “recurso” semelhante, análogo à “emboscada”, “à
traição”, “à dissimulação”, em molde a dificultar ou tornar impossível a defesa
do ofendido.
Não teria sentido que o
legislador ali catalogasse todas as hipóteses que guardassem semelhança com a “emboscada”,
com a “traição”, com a “dissimulação”. Preferiu, com boa técnica, fazer uso de
uma fórmula casuística (à traição, de emboscada, mediante dissimulação) e, em
seguida, lançar mão de uma fórmula genérica (ou outro recurso que dificultou ou
tornou impossível a defesa do ofendido), entendendo-se, pois, que o recurso de
que lança mão o agente, para se emoldurar no art. 61, II, c, do CP, há de ser semelhante à traição, à emboscada, à
dissimulação. E ele o será, evidentemente, se dificultou ou tornou impossível a
defesa do ofendido. Na interpretação analógica a vontade da norma é abraçar os
casos análogos, semelhantes àqueles por ela regulados. Veja-se, também, e a
propósito, o art. 403 do CPP.
Analogia
Analogia é integração. Parte
da doutrina entende que existe a plenitude do ordenamento jurídico e, por isso,
não se pode cuidar de reintegrá-lo. A maioria, entretanto, entende que o
ordenamento jurídico apresenta lacunas, vazios. Tais vazios devem ser
preenchidos, e o processo usado para o preenchimento, para inteirar, para
completar, para integrar o ordenamento jurídico, chama-se analogia.
Assim é um princípio
jurídico segundo o qual a lei estabelecida para determinado fato a outro se
aplica, embora por ela não regulado, dada a semelhança em relação ao primeiro. P.
ex.: os embargos declaratórios interrompem o prazo para outro eventual recurso?
O CPP não trata do assunto. Mas, como o art. 538 do CPC diz que interrompe e
como a matéria é análoga, aplicando-se a regra do art. 3º do CPP, podemos dizer
que no processo penal ela tem inteiro cabimento. Pode o Juiz penal dar-se por
suspeito se for amigo íntimo do pai do acusado? Pela redação do art. 254 do
CPP, não. Ali se cuida da amizade íntima como qualquer das partes, e o pai do
acusado não é parte. Todavia, numa ação cível, se o Juiz for amigo do pai do
autor ou do réu, poderá dar-se por suspeito, alegando motivo de foro íntimo,
nos termos do parágrafo unido do art. 135 do CPC. Logo, invocando o art. 3º do
CPP, e a situação é análoga à prevista no CPC, nada impede que o Juiz penal, no
exemplo dado, dê-se por suspeito.
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