CÓDIGO
PENAL – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL – LEI N. 7.209
DE 11 DE JULHO DE 1984 – DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL, DO CRIME, DA IMPUTABILIDADE
PENAL, DO CONCURSO DE PESSOAS, DAS PENAS, DA COMINAÇÃO DAS PENAS, DA APLICAÇÃO
DA PENA, DA SUSPENSÃO CONDICIONAL, DO LIVRAMENTO CONDICIONAL, DOS EFEITOS DA
CONDENAÇÃO, DA REABILITAÇÃO, DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA, CONCLUSÃO - VARGAS
DIGITADOR
Excelentíssimo Senhor
Presidente da República:
1.
Datam de mais de vinte anos as tentativas de
elaboração do novo código Penal. Por incumbência do Governo Federal, já em 1963
o Professor Nelson Hungria apresentava o anteprojeto de sua autoria,
ligando-se, pela segunda vez, à reforma de nossa legislação Penal.
2.
Submetido ao ciclo de conferencias e debates
do Instituto Latino-Americano de Criminologia, realizado em São Paulo,e a
estudos promovidos pela Ordem dos Advogados do Brasil e Faculdades de Direito,
foi objeto de numerosas propostas de alteração, distinguindo-se o debate pela
amplitude das contribuições oferecidas. Um ano depois, designou o então
Ministro Milton Campos a comissão revisora do antiprojeto, composta dos
Professores Nelson Hungria, Aníbal Bruno e Hanibal Cláudio Fragoso. A comissão
incorporou a texto numerosas sugestões, reelaborando-o em sua quase inteireza,
mas a conclusão não chegou a ser divulgada. A reforma foi retomada pelo
Ministro Luiz Antônio da Gama e Silva, que em face do longo e eficiente
trabalho de elaboração já realizado submeteu o anteprojeto a revisão final, por
comissão composta dos Professores Benjamin Moraes Filho, Heleno Cláudio Fragoso
e Ivo D’Aquino. Nessa última revisão punha-se em relevo a necessidade de
compatibilizar o anteprojeto do Código Penal com o Código Penal Militar, também
em elaboração. Finalmente, a 21 de outubro de 1969, o Ministro Luiz Antônio da
Gama e Silva encaminhou aos Ministros Militares, então no exercício da Chefia
do Poder Executivo, o texto do Projeto do Código Penal, convertido em lei pelo
Decreto-Lei n. 1.004, da mesma data. Segundo o artigo 407, entraria o novo
Código Penal em vigor no dia 1º de janeiro de 1970.
3.
No Governo do Presidente Emilio Médici, o
Ministro Alfredo Buzaid anuiu à conveniência de entrarem simultaneamente em
vigor o Código Penal, o Código de Processo penal e a Lei de Execução Penal,
como pressuposto de eficácia da Justiça Criminal. Ao Código penal, já editado,
juntar-se-iam os dois outros diplomas, cujos anteprojetos se encontravam em
elaboração. Era a reforma do sistema penal brasileiro, pela modernização de
suas leis constitutivas, que no interesse da segurança dos cidadãos e da
estabilidade dos direitos então se intentava. Essa a razão das leis
proteladoras da vigência do Código Penal, daí por diante editadas. A partir da
lei n. 5.573, de 1º de dezembro de 1969, que remeteu para 1º de agosto de 1970
o início da vigência em apreço, seis diplomas legais, uns inovadores, outros
protelatórios, foram impelindo para diante a entrada em vigor do Código Penal
de 1969.
4.
Processa-se, entrementes, salutar renovação
das leis penais e processuais vigentes. Enquanto adiada a entrada em vigor do
Código Penal de 1969, o Governo do Presidente Ernesto Geisel, sendo Ministro da
Justiça o Dr. Armando Falcão, encaminhou
ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2, de 22 de fevereiro de 1977,
destinado a alterar dispositivos do Código Penal de 1940, do Código de Processo
Penal e da Lei das Contravenções Penais. Coincidiam as alterações propostas, em
parte relevante, com as recomendações da Comissão Parlamentar de Inquérito
instituída em 1975, na Câmara dos Deputados, referentes à administração da
Justiça Criminal e a urgente reavaliação dos critérios de aplicação e execução
da pena privativa da liberdade. Adaptado à positiva e ampla contribuição do
congresso Nacional, o projeto se transformou na Lei n. 6.416 de 24 de maio de
1977, responsável pelo ajustamento de importantes setores da execução penal à
realidade social contemporânea. Foram tais as soluções por ele adotadas que
pela Mensagem n. 78, de 30 de agosto de 1978, o Presidente Ernesto Geisel,
sendo ainda Ministro da Justiça o Dr. Armando Falcão, encaminhou ao Congresso
Nacional o projeto de lei que revogava o Código Penal de 1969. Apoiava-se a
Mensagem, entre razões outras, no fato de que o Código Penal de 1940, nas
passagens reformuladas, se tornara “mais atualizado do que o vacante”. O
projeto foi transformado na Lei n. 6.578, de 11 de outubro de 1978, que revogou
o Código Penal e as leis nºs 6.016, de 31 de dezembro de 1973, e6.063, de 27 de junho de 1974, que o haviam
parcialmente modificado.
5.
Apesar desses inegáveis aperfeiçoamentos, a
legislação penal continua inadequada às exigências da sociedade brasileira. A
pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a Constancia da
medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social do apenados
e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade
contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos
jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos juristas na
primeira metade do século.
6.
Essa, em síntese, a razão pela qual institui,
no Ministério da Justiça, comissões de juristas incumbidas de estudar a
legislação penal e de conceber as reformas necessárias. Do longo e dedicado
trabalho dos componentes dessas comissões resultaram três anteprojetos: o da
Parte Geral do Código Penal, o do Código de Processo Penal e o da Lei de
Execução Penal. Foram todos amplamente divulgados e debatidos em simpósios e
congressos. Para analisar as críticas e sugestões oferecidas por especialistas
e instituições, constitui as comissões revisoras, que reexaminaram os referidos
antiprojetos e neles introduziram as alterações julgadas convenientes. Desse
abrangente e patriótico trabalho, participara, na fase de elaboração, os
Professores Francisco de Assis Toledo, Presidente da Comissão, Francisco de
Assis Serrano Neves, Ricardo Antunes Andreucci, Miguel Reale Júnior, Hélio
Fonseca, Rogério Lauria Tucci e René Ariel Dotti na segunda fase, destinada à
revisão dos textos e incorporação do material resultante dos debates, os
Professores Francisco de Assis Toledo, Coordenador da Comissão, Dinio de Santis
Garcia, Jair Leonardo Lopes e Miguel Reale Júnior.
7.
Deliberamos remeter à fase posterior a
reforma da Parte Especial do Código, quando serão debatidas questões polêmicas,
algumas de natureza moral e religiosa. Muitas das concepções que modelaram o
elenco de delitos modificaram-se ao longo do tempo, alterando os padrões de
conduta, o que importará em possível descriminalização. Por outro lado, o
avanço científico e tecnológico impõe a inserção, na esfera punitiva, de
condutas lesivas ao interesse social, como versões novas da atividade econômica
e financeira ou de atividades predatórias da natureza.
8.
A precedência dada à reforma da Parte Geral
do Código, à semelhança do que se tem feito em outros países, antecipa a adoção
da nova política criminal e possibilita a implementação das reformas do sistema
sem suscitar questões de ordem prática.
DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL
9.
Na aplicação da lei penal no tempo, o Projeto
permanece fiel ao critério da lei mais benigna. Amplia, porém, as hipóteses
contempladas na legislação vigente, para abranger a garantia assegurada no
artigo 153, § 16, da Constituição da República. Resguarda-se, assim, a
aplicação da lex mitior de qualquer
caráter restritivo, no tocante ao crime e à pena.
10. Define o Projeto, nos artigos 4º e 6º,
respectivamente, o tempo e lugar do crime, absorvendo, no caso, contribuição do
Código de 1969, consagrada na doutrina.
11. Na aplicação da lei penal no espaço, o Projeto
torna mais precisas as disposições de forma a suprir, em função dos casos
ocorrentes, as omissões do Código de 1940.
DO CRIME
12. Pareceu-nos inconveniente manter a definição
de causa no dispositivo pertinente à relação de causalidade, quando ainda
discrepantes as teorias e consequentemente imprecisa a doutrina sobre a
exatidão do conceito. Pôs-se, portanto, em relevo a ação e a omissão como as
duas formas básicas de comportamento humano. Se o crime consiste em uma ação
humana, positiva ou negativa (nullum
crimen sine actione) o destinatário da norma penal é todo aquele que
realiza a ação proibida ou omite a ação determinada, desde que, em face das
circunstâncias, lhe incumba o dever de participar o ato ou abster-se de
fazê-lo.
13. No art. 13, § 2º, cuida o Proje3to dos
destinatários, em concreto, das normas preceptivas, subordinados à prévia
existência de um dever de agir. Ao introduzir o conceito de omissão relevante,
e ao extremar, no texto da lei, as hipóteses em que estará presente o dever de
agir, estabelece-se a clara identificação dos sujeitos a que se destinam as
normas preceptivas. Fica dirimida a dúvida relativa à superveniência de causa
independente com a inclusão, no texto do § 1º do artigo 13, da palavra
relativamente, “se a causa superveniens”,
destaca Nelson Hungria, “se incumbe sozinha do resultado e não tem ligação
alguma, nem mesmo ideológica, com a ação ou omissão, esta passa a ser, no
tocante ao resultado, uma “não causa” (Comentários, v. 1, t. 2. 5, ed. 1978, p.
67).
14. Foram mantidas, nos artigos 14, 15, 17 e 18,
as mesmas regras do Código atual, constantes, respectivamente, dos artigos 12,
13, 14 e 15, relativas aos conceitos de crime consumado e tentado, de
desistência voluntária e arrependimento eficaz, de crime impossível, de dolo e
culpa stricto sensu.
15. O
projeto mantém a obrigatoriedade de redução de pena, na tentativa (artigo 14,
parágrafo único), e cria a figura do arrependimento posterior à consumação do
crime como causa igualmente obrigatória de redução de pena. Essa inovação
constitui providência de Política Criminal e é instituída menos em favor do
agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à
reparação do dano, nos crimes cometidos “sem violência ou grave ameaça da
pessoa”.
16. Retora
o Projeto, no artigo 19, o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes
qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu a injustificada
responsabilidade objetiva. A regra se3 estende a todas as causas de aumento
situadas no desdobramento causal da ação.
17. É,
todavia, no tratamento do erro que o
princípio nullum crimen sine culpa
vai aflorar com todo o vigor no direito legislado brasileiro. com efeito,
acolhe o Projeto, nos artigos 20 e 21, as duas formas básicas de erro
construídas pela dogmática alemã: erro sobre elementos do tipo (Tatbestandisirtum) e erro sobre a
ilicitude do fato (Verbotisirrtum).
Definiu-se a evitabilidade do erro em relação da consciência potencial da
ilicitude (parágrafo único do artigo 21), mantendo-se no tocante às
descriminantes putativas a tradição brasileira, que admite a forma culposa, em
sintonia com a denominada “teoria limitada da culpabilidade” (“Culpabilidade e
a problemática do erro jurídico penal”, de Francisco de Assis Toledo, in RT 517:251).
18. O
princípio da culpabilidade estende-se assim, a todo o Projeto. Aboliu-se assim,
a medida de segurança para o imputável. Diversificou-se o tratamento dos
partícipes, no concurso de pessoas. Admitiu-se a escusabilidade da falta de
consciência da ilicitude. Eliminaram-se os resíduos de responsabilidade
objetiva, principalmente os denominados crimes qualificados pelo resultado.
19. Repele
o Projeto as normas do Código de 1940, pertinentes às denominadas
“descriminantes putativas”. Ajusta-se, assim, o Projeto à teoria limitada da
culpabilidade, que distingue o erro incidente sobre os pressupostos fáticos de
uma causa de justificação do que incide sobre a norma permissiva. Tal como no
Código vigente, admite-se nesta área a figura culposa (artigo 17, § 1º).
20. Excetuado
o acerto de redação do artigo 22, no qual se substitui a palavra “crime” por
“fato”, mantêm-se os preceitos concernentes ao erro determinado por terceiros,
ao erro sobre a pessoa, à coação irresistível e à obediência hierárquica.
21. Permanecem
as mesmas, e com o tratamento que lhes deu o Código vigente, as causas de
exclusão da ilicitude. A inovação está contida no artigo 23, que estende o
excesso punível, antes restrito à legítima defesa, a todas as causas de
justificação.
DA IMPUTABILIDADE PENAL
22. Além das correções terminológicas necessárias,
prevê o Projeto, no parágrafo único, in
fine, do artigo 26, o sistema vicariante para o semi-imputável como
consequência lógica da extinção da medida de segurança para o imputável. Nos
casos fronteiriços em que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela
medida de segurança. Na hipótese oposta, pela pena reduzida. Adotada, porém, a
medida de segurança, dela se extrairão todas as consequências, passando o
agente à condição de inimputável e, portanto, submetido às regras do Título VI,
onde se situa o artigo 98, objeto da remissão cntida no mencionado parágrafo
único do artigo 26.
23. Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao
menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política
Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da
criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não
consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente
antissocial na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do
processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena
criminal. De resto, com a legislação de menores, recentemente editada, dispõe o
Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor
de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao
tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.
24. Permanece íntegros, tal como redigidos no
Código vigente, os preceitos sobre paixão, emoção e embriaguez. As correções
terminológicas introduzidas não lhes alteram o sentido e o alcance e se
destinam a conjugá-los com disposições outras, do novo texto.
DO CONCURSO DE PESSOAS
25. Ao reformular o Título IV, adotou-se a
denominação “Do Concurso de Pessoas” decerto mais abrangente, já que a
coautoria não esgota as hipóteses do concursus
delinquentium. O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código
Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monística
do Código italiano, como corolário da teoria
da equivalência das causas (Exposição de Motivos do Ministro Francisco
campos, item 22). Sem completo retorno à experiência passada, curva-se,
contudo, o Projeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do
artigo 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção,
aliás, reclamada com eloquência pela doutrina, em face de decisões
reconhecidamente injustas.
DAS PENAS
26. Uma política criminal orientada no sentido de
proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos
de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada
vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções
outras para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se
trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal
básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos
sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos
casos de reconhecida necessidade.
27. As
críticas que em todos os países se têm feito à pena privativa da liberdade
fundamentaram-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de
tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a
inutilidade dos métodos até agora pernicioso, a inutilidade dos métodos até
agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes,
os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as
consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou
responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do
cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho.
28. Esse questionamento da privação da liberdade
tem levado penalistas de numerosos países e a própria Organização das Nações
Unidas a uma “procura mundial” de soluções alternativas para os infratores que
não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade.
29. Com o ambivalente propósito de aperfeiçoar a
pena de prisão, quando necessária, é de substituí-la, quando aconselhável, por
formas diversar de sanção criminal, dotadas de eficiente poder corretivo,
adotou o Projeto novo elenco de penas. Fê-lo, contudo, de maneira cautelosa,
como convém a toda experiência pioneira nesta área. Por esta razão, o Projeto
situa as novas penas na faixa ora reservada ao instituto da suspensão
condicional da pena, com significativa ampliação para os crimes culposos.
Aprovada a experiência, fácil será, no futuro, estendê-la a novas hipóteses,
por via de pequenas modificações no texto. Nenhum prejuízo, porém, advirá da
inovação introduzida, já que o instituto da suspensão condicional da pena, tal
como vem sendo aplicado com base no Código de 1940, é um quase nada jurídico.
30. Estabelecem-se com precisão os regimes de
cumprimento da pena privativa da liberdade: o fechado, consistente na execução
da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; o semiaberto, em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, e finalmente o aberto,
que consagra a prisão-albergue, cuja execução deverá processar-se em casa de
albergado ou instituição adequada.
31. Institui-se, no regime fechado, a
obrigatoriedade do exame criminológico para seleção dos condenados conforme o
grau de emendabilidade e consequente individualização do tratamento penal.
32. O trabalho, amparado pela Previdência Social,
será obrigatório em todos os regimes e se desenvolverá segundo as aptidões ou
ofício anterior do preso, nos termos das exigências estabelecidas.
33. O
cumprimento da pena superior a 8 (oito) anos será obrigatoriamente iniciado em
regime fechado. Abrem-se, contudo, para condenados a penas situadas aquém desse
limite, possibilidades de cumprimento em condições menos severas, atentas as
condições personalíssimas do agente e a natureza do crime cometido. Assim, o
condenado a pena entre 4 (quatro) e 8 (oito) anos poderá iniciar o seu
cumprimento em regime semiaberto. Ao condenado a pena igual ou inferior a 4
(quatro) anos, quando primário, poderá ser concedido, ab initio, o regime aberto, na forma do artigo 33, § 3º, se
militarem em seu favor ou requisitos do artigo 59.
34. A opção pelo regime inicial da execução cabe,
pois, ao juiz da sentença, que o estabelecerá no momento da fixação da pena, de
acordo com os critérios estabelecidos no artigo 59, relativos a culpabilidade,
aos antecedentes, à conduta social e à personalidade do agente, bem como aos
motivos e circunstâncias do crime.
35. A decisão será, no entanto, provisória, já que
poderá ser revista no curso da execução. A fim de humanizar a pena privativa da
liberdade, adota o Projeto o sistema progressivo de cumprimento da pena, de
nova índole, mediante o qual poderá dar-se a substituição do regime a que
estiver sujeito o condenado, segundo seu próprio mérito. A partir do regime
fechado, fase mais severa do cumprimento da pena, possibilita o Projeto a
outorga progressiva de parcelas da liberdade suprimida.
36. Mas a regressão do regime inicialmente menos
severo para outro de maior restrição é igualmente contemplada, se a impuser a
conduta do condenado.
37. Sob essa ótica, a progressiva conquista da
liberdade pelo mérito substitui o tempo de prisão como condicionante exclusiva
da devolução da liberdade.
38. Reorientada a resposta penal nessa nova
direção – a da qualidade da pena em interação com a quantidade – esta será
tanto mais justificável quanto mais apropriadamente ataque as causas de futura
delinquência. Promove-se, assim, a sentença judicial a ato de prognose,
direcionada no sentido de uma presumida adaptabilidade social.
39. O Projeto limita-se a estabelecer as causas
que justificam a regressão do regime aberto (artigo 36, § 2º), remetendo a
regulamentação das demais hipóteses à Lei de Execução Penal.
40. Adota o Projeto as penas restritivas de
direitos, substitutivas da pena de prisão, consistentes em prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e
limitação de fim de semana, fixando o texto os requisitos e critérios
norteadores da substituição.
41. Para adotar de força coercitiva o cumprimento
da pena restritiva de direitos, previu-se a conversão dessa modalidade de
sanção em privativa da liberdade, pelo tempo da pena aplicada, se
injustificadamente descumprida a restrição imposta. A conversação, doutra
parte, far-se-á se ocorrer condenação por outro crime à pena privativa da
liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
42. Essas penas privativas de direitos, em sua
tríplice concepção, aplicam-se aos delitos dolosos cuja pena, concretamente
aplicada, seja inferior a 1 (um) ano e aos delitos culposos de modo geral,
resguardando-se em ambas as hipóteses, o prudente arbítrio do juiz. A
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e circunstâncias do crime, é que darão a medida de
conveniência da substituição.
43. O Projeto revaloriza a pena de multa, cuja
força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das
quantias estabelecidas na legislação em vigor,adotando-se, por essa razão, o
critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos sujeito a correção monetária
o ato da execução.
44. Prevê o Projeto o pagamento DM parcelas
mensais, bem como o desconto no vencimento ou salário do condenado, desde que
não incida sobre os recursos necessários ao seu sustento e ao de sua família.
45. A multa será convertida em detenção quando o
condenado, podendo, deixa de pagá-la ou frustra a execução. A cada dia-multa
corresponde um dia de detenção. A conversão, contudo, não poderá exceder a 1
(um) ano.
46. As condenações inferiores a 6 (seis) meses
poderão ser substituídas por penas de multa, se o condenado não for reincidente
e se a substituição constituir medida eficiente (artigo 60, § 2º).
DA COMINAÇÃO DAS PENAS
47. Tornou-se
necessária a inserção de Capítulo específico, pertinente à cominação das penas
substitutivas, já que o mecanismo da substituição não poderia situar-se
repetitivamente em cada modalidade de delito.
48. Os
preceitos contidos nos artigos 53 e 58 disciplinam os casos em que a cominação
está na figura típica legal, nos moldes tradicionais. Nos casos de penas restritivas
de direitos (artigos 54 a 57) e de multa substitutiva (parágrafo único do
artigo 58), adotou-se a técnica de instituir a cominação no próprio Capítulo.
DA APLICAÇÃO DA PENA
49. Sob a mesma fundamentação doutrinária do
Código vigente, o Projeto busca assegurar a individualização
da pena, sobcritérios mais abrangentes e precisos. Transcende-se, assim, o
sentido individualizador do Código vigente, restrito à fixação de quantidade de
pena, dentro de limites estabelecidos, para oferecer ao arbitrium iudices variada gama de opções, que em determinadas
circunstâncias pode envolver o tipo de sanção a ser aplicada.
50. As diretrizes para fixação da pena estão
relacionadas no artigo 59, segundo o critério da legislação em vigor,
tecnicamente aprimorado e necessariamente adaptado ao novo elenco de penas.
Preferiu o Projeto a expressão “culpabilidade” em lugar de “intensidade do dolo
ou grau de culpa”, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou
menor, incide na quantidade da pena. Fez-se referência expressa ao
comportamento da vítima, erigido, muitas vezes, em fator criminógeno, por
constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, entre outras
modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes. A
finalidade da individualização está esclarecida na parte final do preceito:
importa em optar, dentre as penas cominadas, pela que for aplicável, com a
respectiva quantidade, à vista de sua necessidade e eficácia para a “reprovação
e prevenção do crime”. Nesse conceito se define a Política Criminal preconizada
no Projeto, da qual se deverão extrair todas as suas lógicas consequências.
Assinale-se, ainda, outro importante acréscimo: cabe ao juiz fixar o regime
inicial de cumprimento da pena privativa da liberdade, fator indispensável da
individualização que se completará no curso do procedimento executório, em
função do exame criminológico.
51. Decorridos quarenta anos de entrada em vigor
do Código Penal, remanescem as divergências suscitadas sobre as etapas da
aplicação da pena. O Projeto opta claramente pelo critério das três faces,
predominante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se,
inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no artigo 59; consideram-se, em
seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes, incorporam-se ao cálculo,
finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo
conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos
elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo em primeira
instância, o quantum da majoração
decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da
sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje
sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de
garantia constitucional da ampla defesa.
52. Duas diferenças alteram o rol das
circunstâncias agravantes prescritas na legislação em vigor: cancelou-se a
redundante referência a “asfixia”, de caráter meramente exemplificativo, já que
é tida por insidiosa ou cruel esta espécie de meio, na execução do delito:
deu-se melhor redação ao disposto no artigo 44, II, c, ora assim enunciado no art. 61, II, e: “em estado de embriaguez
preordenada”.
53. O projeto dedicou atenção ao agente que no
concurso de pessoas desenvolve papel saliente. No artigo 62 reproduz-se o texto
do Código atual, acrescentando-se, porém, como agravante, a ação de induzir
outrem à execução material do crime. Estabelece-se, assim, paralelismo com os
elementos do tipo do artigo 122 (induzimento com os elementos, instigação ou
auxílio ao suicídio).
54. A Lei n. 6.416, de 1977, alterou a disciplina
da reincidência, limitando no tempo os efeitos da condenação anterior, a fim de
não estigmatizar para sempre o condenado. A partir desse diploma legal deixou
de prevalecer a condenação anterior para efeito de reincidência, se decorrido
período superior a 5 (cinco) anos entre a data do cumprimento ou da extinção da
pena e a da infração posterior. A redação do texto conduziu a situações
injustas: o réu que tenha indeferida a suspensão da condicional tem em seu
favor a presunção da reincidência, antes
de outro, beneficiado pela suspensão. A distorção importa em que a pena menos
grave produz, no caso, efeitos mais graves. Daí a redação dada ao artigo 64, I,
mandando computar “o período de prova da suspensão ou do livramento
condicional, senão houver revogação”.
55. As circunstâncias atenuantes sofreram
alterações. Tornou-se expresso, para evitar polêmicas, que a atenuante da
menoridade será aferida na data do fato; a da velhice, na data da sentença.
Incluiu-se no elenco o “desconhecimento da lei” em evidente paralelismo com o
disposto no artigo 21. A ignorantia legis
continua inescusável no Projeto, mas atenua a pena. Incluiu-se, ainda, na letra
c, a hipótese de quem age em
cumprimento de ordem superior. Não se justifica que o autor de crime cometido
sobcoação resistível seja beneficiado com atenuante e não ocorra o mesmo quando
a prática do delito ocorre “em cumprimento de ordem superior”. Se a coação
irresistível e a obediência hierárquica recebem, como dirimentes, idêntico
tratamento, a mesma equiparação devem ter a coação e a obediência, quando
descaracterizadas em meras atenuantes. Beneficia-se, como estímulo à verdade
processual, o agente que confessa espontaneamente, perante a autoridade, a
autoria do crime, sem a exigência, em vigor, de ser a autoria “ignorada ou
imputada a outrem”. Institui-se, finalmente, no artigo 66, circunstância
atenuante genérica e facultativa, que permitirá ao juiz considerar circunstância
relevante, ocorrida antes, durante ou após o crime, para a fixação da pena.
56. Foram mantidos os conceitos de concurso material e concurso formal, ajustados ao novo elenco de penas.
57. A inovação contida no parágrafo único do
artigo 70 visa a tornar explícito que a regra do concurso formal não poderá
acarretar punição superior à que, nas mesmas circunstâncias, seria cabível pela
aplicação do cúmulo material, impede-se, assim, que numa hipótese de aberratio ictus (homicídio doloso mais
lesões culposas), se aplique ao agente pena mais severa em razão do concurso
formal, do que a aplicável, no mesmo exemplo, pelo concurso material. Quem
comete mais de um crime, com uma única ação,não pode sofrer pena mais grave do
que a imposta ao agente que reiteradamente, com mais de uma ação, comete os
mesmos crimes.
58. Mantém-se a definição atual de crime continuado. Expressiva inovação
foi introduzida, contudo, no parágrafo do artigo 71, in verbis:
“Nos
crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras dos artigos 70,
parágrafo único, e 75”
59. O critério da teoria puramente objetiva cão
revelou na prática maiores
inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria
objetivo subjetiva. O Projeto optou pelo critério que mais adequadamente se
opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas
ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos
de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança.
Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o
delinquente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave
que o dispensado a criminosos ocasionais. De resto, com a extinção, no Projeto,
da medida de segurança para o imputável, urge reforçar o sistema destinando
penas mais longas aos que estariam sujeitos à imposição de medida de segurança
detentiva e que serão beneficiados pela abolição da medida. A Política Criminal
situa, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a libertação prematura
de determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada periculosidade.
60. Manteve-se na exata conceituação atual o erro
na execução – aberratio ictus – relativo
ao objeto material do delito, sendo único o objeto jurídico, bem como o
tratamento do resultado diverso do pretendido – aberratio delicti.
61. O Projeto baliza a duração máxima das penas
privativas de liberdade, tendo em vista o disposto no artigo 153, § 11, da
Constituição, e veda a prisão perpétua. As penas devem ser limitadas para
alimentarem no condenado a esperança da liberdade e a aceleração da disciplina,
pressupostos essenciais da eficiência do tratamento penal. Restringiu-se, pois,
no artigo 75, a duração das penas privativas da liberdade a 30 (trinta) anos,
criando-se, porém, mecanismo desestimulador do crime, uma vez alcançado este
limite. Caso contrário, o condenado à pena máxima pode ser induzido a outras
infrações, no presídio, pela consciência da impunidade, como atualmente ocorre.
Daí a regra de interpretação contida no artigo 75, § 2º: “sobrevindo condenação
por ato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação,
computando-se, para esse fim, o tempo restante da pena anteriormente
estabelecida”.
DA SUSPENSÃO CONDICIONAL
62. O instituto da suspensão condicional da pena
foi mantido no Projeto com as adaptações impostas pelas novas modalidades de
penas e a sistemática a que estão sujeitas. Tal como no Código Penal vigente, a
execução da pena privativa da liberdade não superior a 2 (dois) anos poderá ser
suspensa, se o condenado não for reincidente em crime doloso e se a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e circunstâncias do crime, indicarem ser necessária e
suficiente a concessão do benefício.
63. Conquanto se exija que o condenado não seja
reincidente, a condenação anterior a pena da multa não obsta a concessão do
benefício, ficando assim adotada a orientação da Súmula 499 do Supremo Tribunal Federal. É óbvio, por
outro lado, que a condenação anterior não impede a suspensão, se entre a data
do cumprimento da pena e a infração posterior houver decorrido tempo superior a
5 (cinco) anos. Entendeu-se dispensável o Projeto reportar-se à regra geral
sobre a temporariedade da reincidência, em cada norma que a ela se refira, por
tê-la como implícita e inafastável.
64. Reduziu-se o limite máximo do período de
prova, a fim de ajustá-lo à prática judiciária. Todavia, para que o instituto
não se transforme em garantia de impunidade, instituíram-se condições mais
eficazes, quer pela sua natureza, quer pela possibilidade de fiscalização mais
efetiva de sua observância, até mesmo com a participação da comunidade.
65. Tais condições transformaram a suspensão
condicional em solução mais severa do que as penas restritivas de direitos,
criando-se para o juiz mais esta alternativa à pena privativa da liberdade não
superior a 2 (anos). Os condenados ficam sujeitos a regime de prova mais
exigente, pois além das condições até agora impostas deverão cumprir, ainda, as
de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de fim de semana, bem
como condições outras, especificadas na sentença “adequadas ao fato e à
situação pessoal do condenado” (artigos 46, 48, 78, § 1º, e 79).
66. Orientado no sentido de assegurar a individualização da pena, o Projeto prevê a
modalidade de suspensão especial, na
qual o condenado não fica sujeito à prestação de serviço à comunidade ou à
limitação de fim de semana. Nesse caso o condenado, além de não reincidente em
crime doloso, há de ter reparado o dano, se podia fazê-lo; ainda assim, o
benefício somente será concedido se as circunstâncias do artigo 59 lhe forem inteiramente favoráveis, isto
é, se mínima a culpabilidade, irretocáveis os antecedentes e de boa índole a
personalidade, bem como relevantes os motivos e favoráveis as circunstâncias.
67. Em qualquer das espécies de suspensão é
reservada ao juiz a faculdade de especificar outras condições, além das
expressamente previstas, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do
condenado (artigo 79), com as cautelas anteriormente mencionadas.
68. A suspensão da execução da pena é condicional. Como na legislação em
vigor, pode ser obrigatória ou facultativamente revogada. É obrigatória a
revogação quando o beneficiário é condenado em sentença definitiva, por crime
doloso, no período de prova ou em qualquer das hipóteses previstas nos incisos
II e III do artigo 81. É facultativa quando descumprida a condição imposta ou
sobrevier condenação por crime culposo.
69. Introduzidas no Projeto as penas de prestação
de serviços à comunidade e de instalação de fim de semana, tornou-se mister
referência expressa ao seu descumprimento como causa da revogação obrigatória
(artigo 81, III). Esta se opera à falta de reparação do dano, sem motivo
justificado e em face de expediente que frustre a execução da pena da multa
(artigo 81, III) a revogação é facultativa se o beneficiário descumpre condição
imposta ou é irrecorrivelmente condenado, seja por contravenção, seja a pena
privativa da liberdade ou restritiva de direito em razão de crime culposo.
70. Adotando melhor técnica, o Projeto reúne sob a
rubrica “Prorrogação do Período de Prova” as normas dos §§ 2º e 3º do art 59 do
Código vigente, pertinentes à prorrogação de prazo. O § 2º considera prorrogado
o prazo “até o julgamento definitivo”, se o beneficiário está sendo processado
por outro crime ou por contravenção; o § 3º mantém a regra segundo a qual,
“quando facultativa a revogação, o juiz pode, ao invés de decretá-la, prorrogar
o período de prova até o máximo, se este não foi o fixado”.
71. Finalmente, expirado o prazo de prova sem que
se verifique a revogação, considera-se extinta a pena privativa da liberdade.
DO
LIVRAMENTO CONDICIONAL
72. O projeto dá novo sentido à execução das penas
privativas da liberdade. A ineficácia dos métodos atuais de confinamento
absoluto e prolongado, fartamente demonstrada pela experiência, conduziu o
Projeto à ampliação do arbitrium iudicis,
no tocante à concessão do livramento condicional. O juiz poderá conceder o
livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou
superior a 2 (dois) anos, desde que cumprido mais de um terço da pena, se o
condenado não for reincidente em crime
doloso e tiver bons antecedentes (artigo 83, I), pode ainda concedê-la se o
condenado for reincidente em crime doloso,
cumprida mais da metade da pena (artigo 83, II). Ao reduzir, porém, os prazos
mínimos de concessão do benefício, o Projeto exige do condenado, além dos
requisitos já estabelecidos – quantidade da pena aplicada, reincidência,
antecedentes e tempo de pena cumprida – a comprovação de comportamento
satisfatório, durante a execução da pena, bom desempenho do trabalho que lhe
foi atribuído e aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho
honesto, bem como a reparação do dano,
salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo (artigo 83, III e IV).
73. Tratando-se, no entanto, de condenado por crime doloso, cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará subordinada não só
às condições dos mencionados incisos I, II, III, e IV do artigo 83, mas, ainda,
à verificação, em perícia, da superação das condições e circunstâncias que
levaram o condenado a delinquir (parágrafo único do artigo 83).
74. A norma se destina, obviamente, ao condenado
por crime violento, como homicídio, roubo, extorsão mediante sequestro em todas
as suas formas, estupro, atentado violento ao pudor e outros da mesma índole.
Tal exigência mais uma consequência necessária da extinção da medida de
segurança para o imputável.
75. Permite-se, como no Código em vigor, a
unificação das penas para efeito de livramento (artigo 84). O juiz, ao
concedê-lo, especificará na sentença as condições a cuja observância o
condenado ficará sujeito.
76. Como na suspensão da pena, a revogação do
livramento condicional será obrigatória ou facultativa. Quanto à revogação
obrigatória (artigo 86), a inovação consiste em suprimir a condenação “por
motivo de contravenção”, ficando, pois, a revogação obrigatória, subordinada
somente à condenação por crime, cometido na vigência do benefício ou por crime anterior, observada a regra da
unificação (artigo 84). A revogação será facultativa se o condenado deixar de
cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença ou for irrecorrivelmente
condenado por crime a pena que não seja privativa de liberdade ou por
contravenção (artigo 87). Uma vez revogado, o livramento não poderá ser
novamente concedido. Se a revogação resultar de condenação por crime cometido
anteriormente à concessão daquele benefício, será descontado na pena a ser
cumprida o tempo em que esteve solto o condenado.
77. Cumprida as condições do livramento,
considera-se extinta a pena privativa da liberdade (artigo 90).
DOS
EFEITOS DA CONDENAÇÃO
78. A novidade do Projeto, nesta matéria, reside
em atribuir outros efeitos à condenação, consistentes na perda de cargo, função
pública ou mandato eletivo; na incapacidade para o exercício do pátrio poder,
tutela ou curatela, e na inabilitação para dirigir veículo (artigo 92, I, II,
III). Contudo, tais efeitos não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença (parágrafo
único do artigo 92). É que ao juiz incumbe, para a declaração da perda do
cargo, função pública ou mandado eletivo, verificar se o crime pelo qual houve
a condenação foi pratico com o abuso de poder ou violação de dever para com a
administração Pública e, ainda, se a pena aplicada foi superior a 4 (quatro)
anos. É bem verdade, em tais circunstâncias, a perda do cargo ou da função
pública pode igualmente resultar de processo administrativo instaurado contra o
servidor. Aqui, porém, resguardada a separação das instâncias administrativa e
judicial, a perda do cargo ou função pública independe do processo
administrativo. Por outro lado, entre os efeitos da condenação inclui-se a
perda do mandato eletivo.
79. Do mesmo modo, a fim de declarar, como efeito
da condenação, a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou
curatela, deverá o juiz verificar se o crime foi cometido, respectivamente, contra
filho, tutelado ou curatelado e se foi doloso a que se comine pena de reclusão.
80. A inabilitação para dirigir veículo, como
efeito da condenação, declara-se quando o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime
doloso, distinguindo-se, pois, a interdição temporária para dirigir (artigo 47,
III), que se aplica aos autores de crimes culposos de trânsito. Estes usam o
veículo como meio para fim ilícito, qual seja transportar-se de
um ponto para outro, sobrevindo então o crime, que não era o fim do agente.
Enquanto aqueles outros, cuja condenação tem como efeito a inabilitação para
dirigir veículo, usam-no deliberadamente como meio para fim ilícito.
81. Nota-se que todos esses efeitos da condenação
serão atingidos pela reabilitação vedada, porém, a reintegração do cargo,
função pública ou mandato eletivo, no exercício do qual o crime tenha ocorrido,
bem como vedada a volta ao exercício do pátrio poder, da tutela ou da curatela
em relação ao filho, tutelado ou curatelado contra o qual o crime tenha sido
cometido (parágrafo único do artigo 93).
DA
REABILITAÇÃO
82. A reabilitação não é causa 1 extintiva da
punibilidade e, por isso, ao invés de estar disciplinada naquele Título, como
no Código vigente, ganhou Capítulo próprio, no Título V. trata-se de instituto
que não extingue, mas tão-somente suspende alguns efeitos penais da
sentença condenatória, visto que a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se
restabelece o status quo ante. Diferentemente,
as causas extintivas da punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo
cessar definitivamente a pretensão punitiva ou a executória.
83. Segundo o Projeto, a reabilitação não tem,
apenas, o efeito de assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a
condenação do reabilitado, mas consiste, também, em declaração judicial de que
o condenado cumpriu a pena imposta ou esta foi extinta, e de que durante 2
(dois) anos após o cumprimento ou extinção da pena, teve bom comportamento e
ressarciu o dano causado, ou não o fez porque não podia fazê-lo. Tal declaração
judicial reabilita o condenado, significando que ele está em plenas condições
de voltar ao convívio da sociedade, sem nenhuma restrição ao exercício de seus
direitos.
84. Reduziu-se o prazo de 2 (dois) anos, tempo
mais do que razoável para a aferição da capacidade de adaptação do condenado às
regras do convívio social. Nesse prazo, computa-se o período de prova de
suspensão condicional e do livramento, se não sobrevier revogação.
85. A reabilitação distingue-se da revisão, porque
esta, quando deferida, pode apagar definitivamente a condenação anterior,
enquanto aquela não tem esse efeito. Se o reabilitado vier a cometer novo crime
será considerado reincidente, ressalvado o disposto no artigo 64.
86. A reabilitação será revogada se o reabilitado
for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de
multa. Portanto, duas são as condições para a revogação: primeira, que o
reabilitado tenha sido condenado como reincidente, por decisão definitiva, e
para que isso ocorra é necessário que entre a data do cumprimento ou extinção
da pena e a infração posterior não tenha decorrido período de tempo superior a
5 (cinco) anos (artigo 64); segunda, que a pena aplicada seja restritiva de
direitos ou privativa de liberdade.
DAS
MEDIDAS DE SEGURANÇA
87. Extingue o Projeto a medida de segurança para
o imputável e institui o sistema vicariante para os fronteiriços. Não se
retornam, com tal método, soluções clássicas. Avança-se, pelo contrário, no
sentido da autenticidade do sistema. A medida de segurança, de caráter
meramente preventivo e assistencial, ficará reservada aos inimputáveis. Isso,
em resumo, significa: culpabilidade, pena; periculosidade – medida de
segurança. Ao réu perigoso e culpável não há razão para aplicar o que tem sido,
na prática, uma fração de pena eufemisticamente denominada medida de segurança.
88. Para alcançar esse objetivo, sem prejuízo da
repressão aos crimes mais graves, o Projeto reformulou os institutos do crime
continuado e do livramento condicional, na forma de esclarecimentos anteriores.
89. Duas espécies de medida de segurança cosagra o
Projeto: a detentiva e a restritiva. A detentiva consiste na internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, fixando-se no prazo mínimo de internação
entre 1 (um) e 3 (três) anos. Esse prazo tornar-se-á indeterminado, perdurando
a medida enquanto não for verificada a cessação da periculosidade por perícia
médica. A perícia deve efetuar-se ao término do prazo mínimo prescrito e
repetir-se anualmente.
90. O Projeto
consagra, significativa inovação ao prever a medida de segurança restritiva,
consistente na sujeição do agente a tratamento ambulatorial, cumprindo-lhe
comparecer ao hospital nos dias que lhe forem determinados pelo médico, a fim
de ser submetido à modalidade terapêutica prescrita.
91. Corresponde a inovação às atuais
tendências de “desinstitucionalização”, sem
o exagero de eliminar a internação. Pelo contrário, o Projeto estabelece
limitações estritas para a hipótese de tratamento ambulatorial, apenas
admitindo quando o ato praticado for previsto como crime punível com detenção.
92. A sujeição a tratamento ambulatorial será
também determinada pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, devendo
perdurar enquanto não verificada a cessação de periculosidade.
93. O agente poderá ser transferido em qualquer
fase do regime de tratamento ambulatorial para o detentivo, consistente em
internação hospitalar de custódia e tratamento psiquiátrico, se a conduta
revelar a necessidade da providência para fins curativos.
94. A liberação do tratamento ambulatorial, a
desinternação e a reintegração constituem hipóteses previstas nos casos em que
a verificação da cura ou a persistência da periculosidade as aconselhem.
DA
AÇÃO PENAL
95. O Título ficou a salvo de modificações,
executadas pequenas correções de redação nos artigos 100 §§ 2º e 3º, 101 e 102.
DA
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
96. Excluíram-se do rol das causas extintivas da
punibilidade a reabilitação e o ressarcimento do dano no peculato culposo. A primeira
porque, dependendo de anterior extinção da pena, não tem a natureza de causa
extintiva da punibilidade. Diz mais com certos efeitos secundários de
condenação já consumada (item 82). A segunda porque, tratando-se de norma
específica e restrita, já contemplada expressamente na Parte Especial, artigo
312, § 3º, nada justifica sua inócua repetição entre normas de caráter geral.
97. Deu-lhe melhor redação à hipótese de casamento
da vítima com terceiro, ficando claro que esta forma excepcional de extinção
depende da ocorrência concomitante de três condições: o casamento, a
inexistência de violência real e a inércia da vítima por mais de 60 (sessenta)
dias após o casamento.
98. Incluiu-se o perdão judicial entre as causas
em exame (artigo 107, IX) e explicitou-se que a sentença que o concede não será
considerada para configuração futura de reincidência (artigo 120). Afastam-se,
com isso, as dúvidas que ora têm suscitado decisões contraditórias em nossos
tribunais. A opção se justifica a fim de que o perdão, cabível quando
expressamente previsto na Parte especial ou em lei, não continue, como por
vezes se tem entendido, a produzir os efeitos de sentença condenatória.
99. Estatui o artigo 110 que, uma vez transitada
em julgado a sentença condenatória, a prescrição regula-se pela pena aplicada, verificando-se
nos prazos fixados no artigo 109, os quais são aumentados de um terço, se o
condenado é reincidente. O § 1º dispõe que a prescrição se regula pela pena
aplicada, se transitada em julgado a sentença para a acusação ou improvido o
recurso desta. Ainda que a norma pareça desnecessária preferiu-se explicitá-la no
texto, para dirimir de vez a dúvida alusiva à prescrição pela pena aplicada,
não obstante o recurso da acusação, se este não foi provido. A ausência de tal
norma tem estimulado a interposição de recursos destinados a evitar tão somente
a prescrição. Manteve-se por outro lado, a regra segundo a qual, transitada em
julgado a sentença para a acusação, haja ou não recurso da defesa, a prescrição
se regula pela pena concretizada na sentença.
100.
Norma apropriada impede que a prescrição pela
pena aplicada tenha por termo inicial data anterior à do recebimento da
denúncia (§ 2º do artigo 110). A inovação, introduzida no Código Penal pela Lei
n. 6.416, de 24 de maio de 1977, vem suscitando controvérsias doutrinárias. Pesou,
todavia, em prol de sua manutenção, o fato de que, sendo o recebimento da denúncia
causa interruptiva da prescrição (art 117, I), uma vez interrompida esta o
prazo recomeça a correr por inteiro (artigo 117, § 2º).
101.
Trata-se, além disso, de prescrição pela pena
aplicada, o que pressupõe, obviamente, a existência de processo e de seu termo:
a sentença condenatória. Admitir, em tal caso, a prescrição da ação penal em
período anterior ao recebimento da denúncia importaria em declarar a
inexistência tanto no processo quanto da sentença. Mantém-se, pois, o despacho
de recebimento da denúncia como causa interruptiva, extraindo-se do princípio
as consequências inelutáveis.
102.
O prazo de prescrição no crime continuado,
antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, não mais terá como termo
inicial a data em que cessou a continuação (Código Penal, artigo 111, c).
103.
Adotou o Projeto, nesse passo, orientação
mais liberal, em consonância com o princípio introduzido em seu artigo 119,
segundo o qual, no concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá isoladamente
sobre a pena de cada um. Poderá ocorrer a prescrição do primeiro crime antes da
prescrição do último a ele interligado pela continuação. A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal orienta-se nesse sentido, tanto que não considera o
acréscimo decorrente da continuação para cálculo do prazo prescricional (Súmula
497).
104.
Finalmente, nas Disposições Transitórias,
cancelaram-se todos os valores de multa previstos no Código atual de modo que
os cálculos de pena pecuniária sejam feitos, doravante, segundo os precisos
critérios estabelecidos na Parte Geral. Foram previstos, ainda, prazos e regras
para a implementação paulatina das novas penas restritivas de direitos.
CONCLUSÃO
105.
São essas, em resumo, as principais inovações
introduzias no anexo Projeto de reforma penal que tenho a honra de submeter à
superior consideração de Vossa Excelência. Estou certo de que, se adotado e
transformado em lei, há de constituir importante marco na reformulação do nosso
Direito Penal, além de caminho seguro para modernização da nossa Justiça
Criminal e dos nossos estabelecimentos penais.
Valho-me
da oportunidade para renovar a Vossa Excel~encia a expressão do meu profundo
respeito.
Ibrahim
Abi-ackel.