segunda-feira, 13 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 11 VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 11

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL - LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO-DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público. (Esta a redação do CPC atual)

Redação no CPC 1973: Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I – em que o exigir o interesse público;

1.    PUBLICIDADE DOS JULGAMENTOS

Ainda que sem consequências práticas significativas, o art. 11, caput, do CPC, prevê regra muito tímida a respeito da publicidade dos atos processuais, que nem de longe traduz toda a dimensão da exigência constitucional. Consta do dispositivo legal que todos os julgamentos dos órgãos jurisdicionais serão públicos, sob pena de nulidade. Mas e os outros atos processuais que não constituem julgamento, não serão, ao menos em regra, públicos? O acesso aos autos não deve ser regido pelo princípio da publicidade? E as audiências nas quais não se proferem julgamentos? Seria mais correto o dispositivo legal ora analisado referir-se a “atos processuais” no lugar de “julgamentos”. É, inclusive, nesse sentido o art. 189, caput, do CPC.
A garantia dessa publicidade encontra-se consagrada no art. X da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como na Constituição Federal pátria, no art. 93, IX e X. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 28, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    SEGREDO DE JUSTIÇA

Lamenta-se a utilização no parágrafo único do dispositivo legal do termo “segredo de justiça”, já arraigada na praxe forense. É evidente que nenhum processo corre em “segredo de justiça”, porque isso equivaleria na não aplicação do princípio da publicidade, sendo que a lei nesses casos somente mitiga a publicidade, restringindo-a às partes, a seus patronos, Defensoria Pública e Ministério Público. Perdeu-se uma ótima oportunidade de afastar, ao menos da lei, a inadequada expressão.
As hipóteses de atos que correm sob “segredo de justiça” estão previstas no art. 189 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 28/29, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    FUNDAMENTAÇÃO

Segundo o art. 93, IX, da CF, todas as decisões proferidas em processo judicial ou administrativo devem ser motivadas, sendo obrigatória aos julgadores a tarefa de exteriorização das razoes de seu decidir, com a demonstração concreta do raciocínio fático e jurídico que desenvolveu para chegar às conclusões contidas na decisão. Apesar da suficiente previsão constitucional contida no art. 93, IX, da CF, o CPC também consagra expressamente o princípio da motivação das decisões judiciais ao prever em seu art. 11, caput, que todos os julgamentos do órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 29, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tradicionalmente, a justificativa do princípio da motivação das decisões judiciais era voltada exclusivamente para os sujeitos processuais (justificativa endoprocessual). Num primeiro momento é voltada ao sucumbente, que sem conhecimento das razões da decisão não teria condições de elaborar o seu recurso, porque ninguém pode impugnar de forma específica uma decisão sem conhecer os seus fundamentos. Num segundo momento a fundamentação se mostra imprescindível para que o órgão jurisdicional competente para o julgamento do recurso possa analisar o acerto ou equívoco do julgamento impugnado. Ainda que esse aspecto mantenha a sua importância, continuando a justificar o princípio ora analisado, é importante apontar para o aspecto político desse princípio, que ganha relevância em tempos atuais.
Sob o ponto de vista político, a motivação se presta a demonstrar a correção, imparcialidade e lisura do julgado ao proferir a decisão judicial, funcionando o princípio como forma de legitimar politicamente a decisão judicial. Permite um controle da atividade do juiz não só do ponto de vista jurídico, feito pelas partes no processo, mas de uma forma muito mais ampla, uma vez que permite o controle da decisão por toda a coletividade.
As exigências formais da fundamentação das decisões judiciais estão consagradas no art. 489, § 1º, do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 29, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Uma decisão sem a devida fundamentação contém vício sério, porque, além de afrontar texto constitucional expresso, impede o acesso da parte sucumbente aos tribunais, impede a atuação desse órgão na revisão  da decisão e, pior do que tudo isso, permite que se façam ilações a respeito da imparcialidade e lisura do julgador, o que é altamente prejudicial para a imagem do Poder Judiciário. Essa nulidade absoluta deve atingir inclusive as pseudomotivações, encontradas cada vez com maior frequência na praxe forense, como “defiro por presentes os requisitos” ou ainda “concedo, nos termos da lei”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 29, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).


Ainda que não pareça ser o mais recomendável, o Superior Tribunal de Justiça admite a chamada fundamentação referencial (per relationem), consistente na alusão e incorporação formal, em ato jurisdicional, de decisão anterior ou parecer do Ministério Público (Informativo 517/STJ, 2ª Turma, EDcl no AgRg no AResp 94.942-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/2/2013). Será curioso verificar como se portará o Tribunal diante das novas exigências de fundamentação consagradas no art. 489 do CPC atual, já que se ele for levado realmente a sério o juiz precisará fazer mágica para se valer dessa forma de fundamentação sem proferir uma sentença nula. De qualquer forma, ao menos no julgamento do agravo regimental há regra expressa afastando a fundamentação per relationem, estando o relator proibido de fundamentar seu voto com a transcrição de sua decisão monocrática. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 29/30, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

domingo, 12 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 10 VARGAS, Paulo S.R

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 10

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    CONTRADITÓRIO COMO FORMA DE EVITAR SUPRESA ÀS PARTES

Partindo-se do pressuposto de que durante todo o desenrolar procedimental as partes serão informadas dos atos processuais, podendo reagir para a defesa de seus direitos, parece lógica a conclusão de que a observância do contraditório é capaz de evitar a prolação de qualquer decisão que possa surpreendê-las. Em matérias que o juiz só possa conhecer mediante a alegação das partes, realmente parece não haver possibilidade de a decisão surpreender as partes.
Os problemas verificam-se no tocante às matérias de ordem pública, na aplicação de fundamentação jurídica alheia ao debate desenvolvido no processo até o momento da prolação da decisão, e aos fatos secundários levados ao processo pelo próprio juiz. São matérias e temas que o juiz pode conhecer de ofício, havendo, entretanto, indevida ofensa ao contraditório sempre que o tratamento de tais matérias surpreender as partes. Ainda que a matéria de ordem pública e a aplicação do princípio do iura novit curia permitam uma atuação do juiz independentemente da provocação da parte, é inegável que o juiz, nesses casos – se decidir-se sem dar oportunidade de manifestação prévia às partes -, as surpreenderá com sua decisão, o que naturalmente ofende o princípio do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Infelizmente os membros do Poder Judiciário, em sua esmagadora maioria, não percebiam a diferença basilar entre decidir de ofício e decir sem a oitiva das partes. Determinadas matérias e questões devem ser conhecidas de ofício, significando que, independentemente de serem levadas ao conhecimento do juiz pelas partes, elas devam ser conhecidas, enfrentadas e decididas no processo. Mas o que isso tem a ver com a ausência de oitiva das partes? Continua a ser providência de ofício o juiz levar a matéria ao processo, ouvir as partes e decidir a respeito dela. Como a surpresa das partes deve ser evitada em homenagem ao princípio do contraditório, parece que mesmo nas matérias e questões que deva conhecer de ofício o juiz deve intimar as partes para manifestação prévia antes de proferir sua decisão, conforme inclusive consagrado na legislação francesa e portuguesa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26/27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O entendimento resta consagrado pelo art. 10 do CPC e em outros dispositivos legais. Segundo o dispositivo mencionado, nenhum juiz, em qualquer órgão jurisdicional, poderá julgar com base em fundamento que não tenha sido objeto de discussão prévia entre as partes, ainda que as matérias devam ser conhecidas de ofício pelo juiz.
O dispositivo é claro, mas não terá vida fácil nas mãos da magistratura nacional. Em especial porque ele contraria uma premissa não reconhecida pelos juízes, de que quando eles decidem de ofício estão sempre certos, e por isso não precisam ouvir previamente as partes, que em nada contribuirão na formação de um convencimento já formado.
Essa premissa, devidamente superado pelo art. 10 do CPC, é a ratio do Enunciado 3 da ENFAM: “É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa”. Chamo tal enunciado de “enunciado bola de cristal”, já que o juiz teria uma capacidade sensorial de saber de antemão o que as partes podem alegar, já antevendo a inutilidade de tal manifestação antes mesmo delas se materializarem no mundo real. É como dizer que o juiz não precisa ouvir as partes porque já formou o seu convencimento, desprezando o fato de que tal convencimento deve ser construído de forma  colaborativa com as partes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

E o pior é continuar a partir da premissa de que o juiz não pode se enganar, que nada que a parte alegue poderá fazê-lo mudar de ideia, criando um pequeno ditador no processo, em nítido desrespeito aos princípios do contraditório, consagrado no art. 10 do CPC, e da cooperação, previsto no art 6º do mesmo livro.
E ainda mais curioso – ou triste – é o Enunciado 04 da ENFAM ao afirmar que na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC. É curioso porque escolhe, aparentemente ao acaso, um vício que gera nulidade absoluta para prescrever que em relação a ele não é preciso respeitar o princípio do contraditório. Porque justamente esse vício é um mistério. Mas é óbvio que o entendimento consagrado no criticável enunciado tem como razão específica a razão geral exposta no Enunciado 3 da mesma ENFAM: se o juiz já formou seu convencimento, porque teria que ouvir as partes antes de decidir? A resposta, ignorada por referidos enunciados é óbvia: para respeitar o princípio constitucional do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Justamente em razão da novidade legislativa deve ser criticado o Enunciado 01 da ENFAM, no sentido de que o termo “fundamento”, previsto no art. 10 do CPC, é o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. Significa dizer que o juiz estaria liberado para decidir conforme o fundamento jurídico mais apropriado ao caso concreto sem necessariamente permitir que as partes se manifestem previamente sobre ele. Se o autor qualificou os fatos narrados na petição inicial como erro apto a gerar a rescisão do contrato, o juiz poderá na sentença julgar o pedido procedente com fundamento em dolo, mesmo que em nenhum momento as partes tenham se manifestado sobre tal vício do consentimento durante o processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Não é preciso muito esforço para se notar a impropriedade do Enunciado 01 da ENFAM, que na realidade, ao menos no tocante à fundamentação jurídica, pretende pura e simplesmente revogar o art. 10 do CPC. Parece também ser nesse sentido o Enunciado 05: “Não viola o art. 10 do CPC/2015, a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório”; e o Enunciado 06: “Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório”. Haja esforço na tentativa de revogar um dispositivo legal que, entretanto, continua em plena vigência.

É claro que tais enunciados da ENFAM, que basicamente revogam os arts. 9º e 10 do CPC, podem não ser aplicados pelos juízes no caso concreto, afinal, a esperança é a última que morre. E caso os apliquem no caso concreto estarão contribuindo para um sem número de recursos, inclusive o recurso especial por clara violação de normas federais. Um desserviço, portanto, tanto acadêmico como prático.  (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

sábado, 11 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 9º - VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 9º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e I(II;
III – à decisão prevista no art. 701.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Segundo o art. 5º, LV, da CF, “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Também na Lei de Arbitragem (art. 21, § 2º, da Lei 9.307/1996) existe expressa previsão para que se cumpra o contraditório no processo arbitral. O contraditório e a ampla defesa são tratados pelo texto constitucional no mesmo dispositivo legal, mas nesse tópico a análise será limitada ao princípio do contraditório.
Tradicionalmente, considera-se ser o princípio do contraditório formado por dois elementos: informação e possibilidade de reação. Sua importância é tamanha que a doutrina moderna entende tratar-se de elemento componente do próprio conceito de processo. Nessa perspectiva, as partes devem ser devidamente comunicadas de todos os atos processuais, abrindo-se a elas a oportunidade de reação como forma de garantir a sua participação na defesa de seus interesses em juízo. Sendo o contraditório aplicável a ambas as partes, costuma-se também empregar a expressão “bilateralidade da audiência”, representativa da paridade de armas entre as partes que se contrapõem em juízo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O conceito tradicional de contraditório exige alguns apontamentos. A informação exigida pelo princípio é naturalmente associada à necessidade de a parte ter conhecimento do que está ocorrendo no processo para que possa se posicionar – positiva ou negativamente – a esse respeito. Fere o princípio do contraditório qualquer previsão legal que exija um comportamento da parte sem instrumentalizar formas para que tome conhecimento da situação processual. No tocante à reação e à interpretação de quem a verificação concreta desse segundo elemento depende da vontade da parte, que opta por reagir ou se omitir, é importante lembrar que a regra do ônus processual nesse caso limita-se aos direitos disponíveis. Nestes, o contraditório estará garantido ainda que concretamente não se verifique reação, bastando que a parte tenha a oportunidade de reagir. Nas demandas que têm como objeto, direitos indisponíveis, o contraditório exige a efetiva reação, criando-se mecanismos processuais para que, ainda que a parte concretamente não reaja, crie-se uma ficção jurídica de que houve a reação. Assim, não se presumem verdadeiros os fatos alegados pelo autor diante da revelia do réu quando a demanda versar sobre direitos indisponíveis (art. 345, II, do CPC). Nos direitos disponíveis só há reação quando faticamente a parte reagir, enquanto nos direitos indisponíveis a reação é jurídica, porque ainda que a parte não reaja faticamente, a própria lei prevê os efeitos jurídicos da reação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Diante do exposto, não é feliz a redação do art. 9º, caput, do CPC, ao prever que o juiz não proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida. Na realidade, não há qualquer ofensa em decidir sem que a outra parte tenha sido ouvida, já que a manifestação dela é um ônus processual. A única compreensão possível do dispositivo legal é de que a decisão não será proferida antes de intimada a parte contrária e concedida a ela uma oportunidade de manifestação. Afinal, a circunstância de poder ser ouvida, que não se confunde com efetivamente ser ouvida, já é o suficiente para se respeitar o princípio do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 22, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Percebeu-se, muito por influência de estudos alemães sobre o tema, que o conceito tradicional de contraditório fundado no binômio “informação + possibilidade de reação” garantia tão somente no aspecto formal a observação desse princípio. Para que seja substancialmente respeitado, não basta informa e permitir a reação, mas exigir que essa reação no caso concreto tenha real poder de influenciar o juiz na formação de seu convencimento. A reação deve ser apta a efetivamente influenciar o juiz na formação de seu convencimento. A reação deve ser apta a efetivamente influenciar o juiz na prolação de sua decisão, porque em seu contraditório seria mais um princípio “para inglês ver”, sem grande significação prática. O “poder de influência” passa a ser, portanto, o terceiro elemento do contraditório, tão essencial quanto os elementos da informação da reação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Essa nova visão do princípio do contraditório reconhece a importância da efetiva participação das partes na formação do convencimento do juiz, mas a sua real aplicação depende essencialmente de se convencerem os juízes de que assim deve ser no caso concreto. Posturas como a do juiz que recebe a defesa escrita em audiência nos Juizados Especiais e sem sequer folhear a peça passa a sentenciar certamente não vão ao encontro da nova visão do contraditório. O mesmo ocorre quando desembargadores conversam, leem, ou excepcionalmente se ausentam enquanto o advogado faz sustentação oral perante o Tribunal. Como observa a melhor doutrina, somente por meio de um constante e intenso diálogo do juiz com as partes se concretizará o contraditório participativo, mediante o qual o poder de influência se tornará uma realidade.
Apesar de não ser expresso no sentido de estar contido no conceito de contraditório o poder de influência, o art. 7º do CPC pode conduzir a essa interpretação ao exigir que o juiz zele pelo efetivo contraditório, que somente será realmente efetivo se, além da informação e da possibilidade de reação, esta for concretamente apta a influenciar a formação do convencimento do juiz. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    CONTRADITÓRIO INÚTIL

Afirma-se que o contraditório é um princípio absoluto – para alguns uma  garantia – vedado qualquer afastamento no caso concreto tanto pelo legislador como pelo operador do direito. Ainda que se compreenda a importância do princípio, é preciso compatibilizar o contraditório com todos os demais princípios, o que poderá mostrar no caso concreto que o contraditório pode não se mostrar indispensável como se costuma imaginar.
O contraditório é moldado essencialmente para a proteção das partes durante a demanda judicial, não tendo nenhum sentido que o seu desrespeito, se não gerar prejuízo à parte que seria protegida pela sua observação gere nulidade de atos e até mesmo do processo como um todo. Qual o sentido, à luz da efetividade da tutela jurisdicional, em anular um processo porque neste houve ofensa ao contraditório em desfavor do vitorioso? O autor não foi intimado da juntada pela parte contrária de um documento e a seu respeito não se manifestou. Houve ofensa ao contraditório, não há dúvida, mas relevável se o autor ainda assim sagrou-se vitoriosa na demanda. A citação ocorreu em homônimo do réu, vício gravíssimo – chamado por alguns de vício transrescisório pela possibilidade de alegação a qualquer momento, até mesmo depois do prazo da ação rescisória – que impede a regular formação da relação jurídica processual. Ocorre, entretanto, que o pedido do autor foi rejeitado, ou seja, o réu, mesmo ser ter sido citado, sagrou-se vitorioso na demanda. Que sentido teria anular essa sentença por ofensa ao contraditório? A resposta é óbvia: nenhum. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 23, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Os exemplos trazidos têm como objetivo demonstrar que no caso concreto a ofensa ao princípio do contraditório não gera nulidade em toda e qualquer situação, não representado uma diminuição do princípio a sua aplicação à luz de outros princípios e valores buscados pelo processo moderno. O afastamento pontual do contraditório, nos termos expostos, é não só admitido, como também recomendável.
Por outro lado, também se admite que o próprio procedimento, de forma ampla e genérica, afaste em algumas situações o contraditório, evitando o chamado “contraditório inútil”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A sentença proferida inaudita altera parte que julga o mérito em favor do réu que nem foi citado (art. 332 do CPC) certamente não se amolda ao conceito de contraditório, porque nesse caso o réu não é sequer informado da existência da demanda. Mas realmente se pode falar em ofensa ao princípio do contraditório? Exatamente qual seria a função de citar o réu e permitir sua reação se o juiz já tem condições de dar a vitória definitiva da demanda (sentença de mérito) a seu favor? Evidentemente, nenhuma digna de nota, não se podendo antever qualquer agressão ao ideal do princípio do contraditório nessas circunstâncias. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Da mesma forma é a previsão do art. 1.019, caput, do CPC, que permite ao relator do agravo de instrumento negar seguimento ao recurso por meio de decisão monocrática proferida liminarmente. Nesse caso, são dispensadas a intimação do agravado e a abertura de prazo para contrarrazões porque ele já teve o melhor resultado possível com o julgamento proferido liminarmente. Novamente afasta-se o contraditório por reconhecer a inutilidade de sua observação no caso concreto. Essas circunstâncias de dispensa pontual do contraditório são mantidas no CPC, ainda que sofram algumas modificações procedimentais que serão tratadas em sede própria. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O CPC, entretanto, e aqui de forma diferente do diploma legal revogado, cria uma regra geral que consagra a dispensa do contraditório inútil. Nos termos do art. 9º, caput, do CPC, não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Ou seja, a exigência de oitiva prévia se dá exclusivamente para a prolação de decisão contra a parte, entendendo-se, a contrario senso, que a decisão a seu favor poderá ser proferida por oitiva prévia. Trata-se, à evidência, do fundamento da dispensa do contraditório inútil: se a decisão irá favorecer a parte não há qualquer necessidade de ouvi-la antes de sua prolação, servindo o dispositivo legal ora analisado como regra geral a legitimar tal dispensa para qualquer situação.

3.    CONTRADITÓRIO DIFERIDO (OU POSTECIPADO)

A estrutura básica do contraditório é: (i) pedido; (ii) informação da parte contrária; (iii) reação possível; (iv) decisão. Essa ordem dos elementos que de maneira mais completa determina o contraditório é percebida inclusive na estrutura do processo de conhecimento: (i) petição inicial; (ii) citação; (iii) respostas do réu; (iv) sentença.
É, realmente, mais adequada a estrutura do princípio do contraditório porque a decisão a ser proferida pelo juiz só ocorre depois da oportunidade de ambas as partes manifestarem-se a respeito da matéria que formará o objeto da decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Essa ordem, apesar de ser a preferível, pode excepcionalmente ser afastada pelo legislador, como ocorre na concessão das tutelas de urgência inaudita altera partes, em situações de extrema urgência nas quais a decisão do juiz deve preceder a informação e reação da parte contrária. Nesse caso, haverá um “contraditório diferido ou postecipado”, porque, apesar de os elementos essenciais do princípio continuarem a existir, a inversão da sua ordem tradicional antecipa a decisão para o momento imediatamente posterior ao pedido da parte. A estrutura do contraditório diferido é: (i) pedido; (ii) decisão; (iii) informação da parte contrária; (iv) decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 24/25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tradicionalmente associado às tutelas de urgência, deve ser lembrado que nessa espécie de tutela convivem as duas formas de contraditório. A tutela cautelar, por exemplo, pode ser concedida somente por meio de sentença, depois do regular andamento do processo, não deixando, nesse caso, de ser uma tutela de urgência. Por outro lado, o juiz pode postergar para depois da apresentação da contestação a decisão sobre a tutela antecipada requerida na petição inicial, e, caso a conceda nesse momento, ela também não deixará de ser uma tutela de urgência.
Fica claro, portanto, que o contraditório tradicional não deve ser descartado quando se fala em tutela de urgência, devendo, inclusive, ser justificada sua aplicação no caso concreto. Sendo excepcional o contraditório diferido, só deve ser admitido se o respeito ao contraditório tradicional representar concretamente um sério risco à efetividade da tutela a ser concedida. Esse risco deriva de dois fatores: a ciência do réu permitir a prática de atos materiais que levam à ineficácia da tutela pretendida (p. ex., na busca e apreensão de incapazes) ou a demora natural para que o réu seja citado e tenha oportunidade de se manifestar (p. ex., na sustação de protesto). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A tutela da evidência também convive com as duas formas de contraditório, ora analisadas. Tutela da evidência é aquela fundada na grande probabilidade de a parte ter o direito que alega, sem a necessidade de o tempo ser inimigo da efetividade, não sendo crível que, à luz do princípio do acesso à ordem jurídica justa, tenha que esperar o final do processo para que seja a tutela concedida jurisdicionalmente.
O contraditório diferido é excepcional, devendo ser utilizado com extrema parcimônia, até porque a prolação de decisão sem a oitiva do réu capaz de invadir a esfera de influência do sujeito que não foi ouvido é sempre uma violência. Apesar disso, seja em razão do manifesto perigo de ineficácia (tutela de urgência), seja pela enorme probabilidade de o direito existir (tutela de evidência), o contraditório diferido cumpre com a promessa constitucional do art. 5º, LV, da CF. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Conforme já analisado, a melhor interpretação – senão a única – do art. 9º, caput, do CPC, é no sentido de ser criada uma proibição de decisão judicial antes de o juiz dar oportunidade de manifestação à parte contrária. O parágrafo único do dispositivo prevê as exceções a essa regra, consagrando dessa forma as hipóteses de admissão do contraditório diferido.
Apesar de no primeiro inciso estar prevista a tutela provisória de urgência, é importante ficar registrado que, exatamente como ocorre no sistema atual, continuará a existir tutela de urgência concedida após a oitiva da parte contrária à que elaborou o pedido. Pela forma como restou redigido o dispositivo legal fica a falsa impressão de qualquer tutela de urgência legitima o contraditório diferido, em interpretação que não deve ser prestigiada. Significa que não basta ser tutela provisória de urgência, mas que nesta haja risco de perecimento do direito e/ou ineficácia da tutela pretendida para se excepcionar regra consagrada no caput do art. 9º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

No inciso II do dispositivo ora comentado o texto final do Código de Processo Civil sanou injustificável omissão contida no projeto de lei originariamente sancionado no Senado ao incluir entre as hipóteses de tutela concedida mediante contraditório diferido a tutela da evidência nas hipóteses previstas no art. 309, incisos II e III. A regra é repetida no art. 311, parágrafo único, do CPC. Que permite a concessão liminar da tutela de evidência nessas duas hipóteses. Como se pode notar, o legislador exclui a hipótese prevista no art. 309, I, dando a entender que a concessão de tutela da evidência, quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, só pode ser concedida por meio do contraditório tradicional. A hipótese prevista no inciso IV do art. 311 do CPC exige o contraditório tradicional porque o fundamento da tutela da evidência nesse caso depende do teor da contestação a ser apresentada pelo réu. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 25/26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O legislador, ao prever o cabimento de contraditório diferido apenas às duas hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311 do CPC, cometeu um erro crasso, desconsiderando que o rol de hipóteses de cabimento de tutela da evidência previsto por tal dispositivo é meramente exemplificativo. Parcialmente corrige seu erro no inciso III, do art. 9º do CPC, ao prever cabimento de contraditório diferido na expedição do mandado monitório, espécie de tutela da evidência não prevista no art. 311 do CPC.

Mas nada fala a respeito das liminares do processo possessório (art. 562 do CPC) e nos embargos de terceiro (art. 678 do CPC), que também são espécies de tutela da evidência ausente do rol do art. 311 do CPC. Como não é razoável imaginar-se que com o Código de Processo Civil atual, tais liminares não possam mais ser concedidas, inaudita altera partes, é essencial uma interpretação extensiva do art. 9º, II, deste Código. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

sexta-feira, 10 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
·         Sem correspondência no CPC/1973

1.    INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Ao exigir do juiz na aplicação do ordenamento jurídico o atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, a promoção da dignidade da pessoa humana e a observância da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, o dispositivo ora comentado consagra legislativamente uma moderna concepção da função jurisdicional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Entendo que o art. 8º do CPC se volta à atividade jurisdicional do juiz e não à aplicação do direito ao caso concreto, porque nesse caso os princípios que devem nortear o juiz são os do direito material aplicável. Há varias decisões que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e a razoabilidade, mas todos esses princípios, diretos fundamentais ou regras se prestam a resolver a crise jurídica de direito material. O Código de Processo Civil é um diploma processual instrumental, e como tal, deve regulamentar a atividade jurisdicional e não a aplicação do direito ao caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    FINS SOCIAIS E EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM

A parte inicial do art. 8º do CPC é a reprodução praticamente literal do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei 4.657/1942), apenas substituindo o termo “lei” por “ordenamento jurídico”, o que deve ser elogiado ao passo que reconhece não ser a lei a única fonte do Direito.
Ao prever que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, deve se compreender que os fins sociais do processo são a concretização do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido como a preservação do Direito por meio do processo.
Significa dizer que essa parte inicial do art. 8º do CPC não deve ser compreendida como uma carta de alforria processual dada ao juiz para interpretar e explicar o ordenamento jurídico processual em busca de um suposto fim social ou bem comum. O juiz deve respeito às formas processuais previstas pela lei, não havendo bem comum maior que a preservação de tais regras no caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18/19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Nos termos do art. 1º, III, da CF, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, tratando-se de direito fundamental. Sua inclusão no art. 8º do CPC, ainda que traga certo charme e aspecto de contemporaneidade ao diploma legal, traz muitas dúvidas e poucas certezas.
Ainda longe de uma definição no plano material, o direito fundamental à dignidade humana agora se aplica à atividade jurisdicional. Concordo com parcela da doutrina que já teve oportunidade de se manifestar sobre o dispositivo legal ora comentado, de que a dignidade da pessoa humana se identifica no plano processual com o princípio do devido processo legal. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Diz o art. 5º, LIV, da CF, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, consagração atual do princípio ora analisado. É pacífico o entendimento de que o devido processo legal funciona como um supraprincípio, um princípio-base, norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Além do aspecto processual, também se aplica atualmente o devido processo legal como fator limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
Ainda que exista certa divergência a respeito da sua origem, costuma-se creditá-la à previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que utilizava a expressão law of the land, tendo surgido a expressão due process of Law para designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tratando-se de um princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte, no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo legal, pois na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros princípios derivados do devido processo legal. Não foi essa, entretanto, a opção do direito pátrio, que, além da previsão do devido processo legal, contém previsão de diversos outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais como o contraditório, a motivação das decisões, a publicidade, a isonomia etc. a opção deve ser louvada em razão da evidente dificuldade de definir concretamente o significado e o alcance do princípio do devido processo legal, mas deve ser registrado que, apesar de o art. 5º, LIV, da CF ser encarado como norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido processo legal (Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 243). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Atualmente, o princípio do devido processo legal é analisado sob duas óticas, falando-se em devido processo legal substancial (substantive due process) e devido processo legal formal (procedural due process). No sentido substancial, o devido processo legal diz respeito ao campo da elaboração e da interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. É campo para a aplicação dos princípios – ou como prefere parcela da doutrina, das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19/20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Originariamente voltado para a atuação do Poder Público, o devido processo legal substancial também vem sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ainda que tal vinculação deva ser ponderada no caso concreto com o princípio da autonomia da vontade (Didier, Curso, p. 31-32). Exemplo perfeito encontra-se no caso da aluna de universidade paulista quase expulsa de seus quadros em rezão de ter assistido à aula de minissaia, mediante sindicância interna na qual não se concedeu direito de defesa à estudante. Ainda que a faculdade seja privada e tenha um regulamento por ela mesma criado, é natural que esse regulamento não possa contrariar os direitos fundamentais.
No sentido formal encontra-se a definição tradicional do princípio, dirigido ao processo em si, obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais. Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado com a ideia de um processo justo, que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

Não é tranquila a doutrina na conceituação da natureza jurídica da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo considerados postulados, princípios e regras a depender do doutrinador que enfrenta o tema. A própria distinção entre ambas é muitas vezes colocada em dúvida, ainda que seja prefeível entender-se a razoabilidade como referente à compatibilidade entre os meios e fins de uma medida e a proporcionalidade como regra de construção de solução jurídica diante da colisão de dois direitos fundamentais.
Na aplicação das normas processuais, portanto, o juiz deve se valer da proporcionalidade e da razoabilidade, mas sem se esquecer do princípio da legalidade, também devidamente consagrado no art. 8º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Um exemplo de aplicação da regra da proporcionalidade na interpretação e aplicação de norma processual é a possibilidade de o juiz alterar a ordem da penhora prevista no art. 835 do CPC. Segundo o caput do dispositivo legal, o magistrado deve seguir preferencialmente a ordem, o que permite sua inversão, salvo na hipótese de dinheiro (art. 855, § 1º, do CPC), mas não há no dispositivo qualquer menção de quais os requisitos para tanto. O Superior Tribunal de Justiça entende que a inversão será admitida quando não onerar em demasia o executado e não sacrificar significativamente a eficácia executiva, em nítida aplicação da regra da proporcionalidade (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 436.961/PR, rel Min. Mauro Campbell Marques, j, 17/12/2013, DJe 05/02/2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
           
            Quando há isenção de recolhimento de custas processuais, como ocorre com o autor de processo coletivo e com o beneficiário da assistência judiciária, entende o Superior Tribunal de Justiça que viola o princípio da razoabilidade e a imposição de que o oficial de justiça ou o perito judicial arquem, em favor do Erário, com as despesas necessárias para o cumprimento dos atos processuais (STJ, 1ª Seção, REsp 1.144.687/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 12/05/2010, DJe 21/05/2010).
            A incorreta percepção de que sejam sinônimos ou mesmo que, apesar de diferentes, as regras da proporcionalidade e da razoabilidade sempre são aplicadas em conjunto, também é sentida na aplicação de tais regras a normas e fenômenos processuais, como se pode notar em julgamento do Superior Tribunal de Justiça no qual se decidiu que as astreintes nortear-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ, 1ª Seção, REsp 1.112.862/GO, rel. Min. Humberto Martins, j. 13/04/2011, DJe 04/05/2011, Recurso Especial repetitivo tema 149). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20/21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

5.    PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A parte final do art. 8º do CPC consagra para a atividade jurisdicional três dos cinco princípios da Administração Pública previstos no art. 37 da CF/1988: legalidade, publicidade e eficiência. Não consta do dispositivo processual o princípio da impessoalidade, por ser tal tema tratado no processo civil como garantia do juízo natural, e da moralidade, já que no art. 5º do CPC está devidamente consagrado o princípio da boa-fé objetiva. É curiosa a inclusão do princípio da publicidade, devidamente consagrado no art. 11 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da legalidade exige do juiz a aplicação da norma processual no caso concreto, com o que se garantirá o devido processo legal. É natural que atualmente não haja mais uma visão restritiva de que a legalidade seja exclusivamente a aplicação da lei, já que a lei não é a única fonte do Direito. Portanto, por princípio da legalidade deve-se entender a aplicação do direito processual ao caso concreto, inclusive as normas que dão às partes certa liberdade para determinarem a norma a ser aplicada no caso concreto, como ocorre, por exemplo, no negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) e no saneamento do processo compartilhado (art. 357, § 2º, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O juiz, ao aplicar o entendimento consagrado no Enunciado nº 4 da ENFAM, que determina que no reconhecimento da incompetência absoluta não deve ser aplicado o art. 10 do CPC, estará violando dois dispositivos ao mesmo tempo: o art. 10 e o art. 8º do CPC. Na realidade, sempre que o juiz não segue as regras processuais previstas em lei ou determinadas pela vontade das partes, nos limites legais, estará violando o dispositivo ora comentado.

O princípio da eficiência exige que todos os órgãos da Administração Pública exerçam suas funções de forma eficiente, ou seja, de modo a propiciarem o grau máximo de satisfação, não podendo ser diferente com o Poder Judiciário. Sendo a função do Poder Judiciário, a tutela de direitos pela atividade jurisdicional, cabe ao Poder Judiciário prestar um serviço eficiente, atendendo na plenitude o ideal de acesso à ordem jurídica justa, alcançando-se o melhor resultado, no menor espaço de tempo e trazendo aos jurisdicionados a maior satisfação possível. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).