quarta-feira, 26 de junho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 400, 401 - DA MORA – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 400, 401
- DA MORA
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo II – DA MORA –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebe-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

Segundo Bdine Jr., é preciso observar que, se a culpa é necessária para caracterizar a mora do devedor, o mesmo não acontece em relação à do credor, como se verifica da leitura deste artigo. Desse modo, se o devedor oferece a prestação no tempo devido e o credor não a recebe, este estará em mora, independente de culpa. Nessa hipótese, o devedor deixa de responder pelos riscos da coisa. Imagine-se que alguém se compromete a entregar um veículo ao comprador na Praça José Bonifácio, em Piracicaba. O Comprador atrasa-se para o encontro em razão de um acidente de trânsito que o impede de chegar ao locar no horário que combinaram os contratantes. No exemplo imaginado, se o carro fosse furtado em poder do vendedor, o prejuízo seria suportado pelo comprador que se atrasou involuntariamente.

A culpa do credor é irrelevante para a caracterização de sua mora e o obriga a indenizar os prejuízos do devedor relativos à conservação e a outros danos que suportar, pois a menção às despesas de conservação não é taxativa, mas apenas exemplificativa. Ademais, se o valor do bem oscilar entre o dia previsto para o pagamento e o de sua efetivação, o credor pagará o preço mais favorável ao devedor.

Ocorre mora do credor quando ele não receber a prestação no tempo e do modo devidos. Para que ela se verifique são necessários os requisitos seguintes: o vencimento da obrigação, pois antes disse ela não é exigível e o devedor não pode liberar-se de seu cumprimento; a oferta da prestação; a recusa injustificada do credor em receber.

O devedor isento de dolo deixa de ter responsabilidade pela conservação da coisa se ocorrer mora do credor, como está consignado neste dispositivo. O dolo do devedor estará caracterizado se ele abandonar o bem em face do atraso do credor. A lei exige que o devedor tenha cuidados mínimos com o objeto da prestação, conferindo-lhe direito de reembolso pelas despesas de conservação. A oscilação de preço do produto ocorre, por exemplo, quando o comprador de certa quantidade de gado atrasa-se para retirá-lo da fazenda do vendedor, verificando-se o aumento do preço da arroba desde a data em que devia ter apanhado os animais. Caso isso ocorra, o comprador pagará o preço do produto vigente na data da retirada efetiva do gado.

O dolo referido no artigo não corresponde à intenção de lesar, mas a ausência de providências acautelatórias que evitem dano ao bem em seu poder. Segundo Rizzato, não se compreendem nessas providências despesas vultosas, “como pinturas de prédios, constante revisão de um equipamento, substituição de peças e outras conservações que reclamam altos custos, insuportáveis pela sua condição econômica” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 486).

Concluindo Bdine Jr., diz que se a mora é simultânea, uma elimina a outra, ocorrendo compensação entre elas. As duas partes devem ser consideradas como se não estivessem em mora e nenhuma pode exigir perdas e danos da outra. Mas se as moras são sucessivas, permanecem os efeitos anteriores de cada uma. Ambas as partes respondem por perdas e danos do período em que estiveram em mora; o credor, pelos prejuízos que se verificaram enquanto ele recusou o recebimento do pagamento, e o devedor, pelos que se consumaram quando o primeiro concordou em receber e ele não quis pagar (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 438 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a ponta que o art. 400 estabelece os efeitos da mora accipiendi, a saber: a) o devedor, desde que não tenha agido com dolo para provocar a mora, não responderá pelos riscos com a conservação da coisa; b) as despesas que o devedor tiver com a conservação serão ressarcidas pelo credor; c) se o valor da prestação oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o dia do efetivo recebimento, o credor estará obrigado a receber pelo valor mais favorável ao devedor; d) o devedor pode desobrigar-se, consignando o pagamento.

E questiona: No caso do mútuo feneratício, a mora do credor faz cessar afluência dos juros? Entende-se que sim. A posição, entretanto, não é unânime. Beviláqua registra as divergências: “O Código Civil brasileiro refere-se á atenuação da responsabilidade do devedor, declarando que ele, somente responde por seu dolo, após a mora do credor; mas não fala da cessação dos juros, como faz o alemão, art. 301. Se a dívida é produtiva de juros, cessam estes, desde a mora do credor. Todavia é tão racional esta isenção de juros durante a mora do credor que podemos considera-la incorporada ao nosso direito, independentemente de disposição expressa. É certo que, em relação ao ponto, a opinião dos doutos é divergente. Assim é que Windscheid (Pand, II, § 346, nota ‘7) acha que eles são devidos, como frutos da coisa, porque o devedor goza do capital. Momento, porém frisa, a diferença entre os frutos propriamente ditos e os juros do capital, e faz sentir que não se devem cobrar juros de uma quantia, que o devedor devia conservar à disposição do credor, para entregar a qualquer momento. Aliás, havendo consignação, cessam os juros (art. 796)” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 118-9) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 216, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a esteira de Guimarães e Mezzalina, tais efeitos são decorrência direta da recusa injustificada do credor em receber a coisa, no termo aprazado. Nessa hipótese, diversamente do que se dá na mora do devedor, não há a necessidade de que haja culpa do credor. Basta apenas e tão somente que este retarde o recebimento da prestação ou não a receba da forma devida, bem como que o devedor não tenha agido com dolo.

Exemplificativamente, pode-se mencionar a hipótese de credor que deixou de comparecer no locar e hora combinado com o devedor, em razão de acidente de trânsito, e a coisa objeto da prestação foi furtada por terceiro. nesse caso, o credor seria o responsável pelos prejuízos sofridos pelo devedor (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 25.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 401. Purga-se a mora:

I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;

II – por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

Surfando com Bdine Jr., purgar ou emendar a mora é o modo pelo qual se procede à sua cessação. Aquele que está em mora pode purga-la, cumprindo a obrigação descumprida e indenizando a outra parte. A purgação só pode ser feita se ainda trouxer resultado útil ao credor. Do contrário, haverá inadimplemento absoluto.

Este artigo aponta as hipóteses em que a purgação da mora poderá ser feita pelo credor ou pelo devedor. a purgação da mora pelo devedor realiza-se mediante oferta da prestação atrasada mais o valor dos prejuízos dela resultantes. Os prejuízos a serem ressarcidos são os conhecidos, pois os ainda não conhecidos podem ser cobrados em ação autônoma, mas não impedem a emendar da mora. Em relação ao credor, a purgação verifica-se quando ele aceita receber o pagamento e sujeita-se aos efeitos da mora.

A purgação pode ocorrer a qualquer momento, desde que ainda seja útil ao credor. Desse modo, é possível concluir que a consignação é ação destinada a prevenir e a emendar a mora. A purgação da mora não se confunde com a sua cessação. Esta última não depende de um comportamento do moroso, pois resulta da própria extinção da obrigação em decorrência de outro fato que não seja imputável a ele. É o que ocorre quando as dívidas fiscais do devedor são anistiadas. Nesse caso, cessa a mora, produzindo efeitos pretéritos, pois os efeitos já produzidos serão afastados. Na purgação da mora, os efeitos produzidos não são pretéritos, porque estes últimos se conservam (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 439 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina, purgação ou emenda da mora é a extinção dos efeitos futuros do estado moroso, em decorrência da oferta da prestação, pelo devedor, acrescida de todas as perdas e danos até o dia da oferta, ou ainda em face da prontificação do credor em receber a coisa, pagando todos os encargos advindos com advindos com a sua demora em receber.

Na concepção de Ricardo Fiuza, a purgação pode ser admitida a qualquer tempo, mesmo depois de iniciada a ação executiva contra o devedor ou a consignatória contra o credor. Nesses casos, as perdas e danos incluirão também os honorários advocatícios e as custas judiciais.

Pode a convenção das partes impedir a mora? Sobre o assunto, decidiu a Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. Na ocasião, registrou o Deputado Eniani Satyro, em seu relatório geral: “Na realidade, muito embora o Código vigente permita que as partes livremente convencionem a proibição da purgação da mora, esta deve ser sempre admitida, como preceito de ordem pública. Nos dias atuais, como restrição de ordem social à autonomia da vontade, deve prevalecer o princípio que assegura sempre direito à purgação da mora, nos casos previstos na lei. É sobretudo nos negócios estipulados entre pessoas de nível cultural e econômico diverso, ou nos contratos de adesão, que consta a exclusão da purgação da mora em virtude de convenção das partes, com graves prejuízos ao contraente mais fraco. Muito embora possa haver hipóteses em que a conclusão do negócio só convenha quando previsto o adimplemento em data certa, a concessão do direito de purgar a mora resulta de relevantes razoes de natureza social que cabe ao legislador preservar” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 217, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Guimarães e Mezzalina, a purgação da mora, tanto do credor quanto do devedor, dá-se com a assunção pelo inadimplente das respectivas consequências que houver gerado à contraparte na relação obrigacional. Tal emenda somente poderá ser efetuada nos casos em que, a despeito do cumprimento não se dar no termo aprazado, a prestação ainda é útil e aproveitável (termo não essência – vide comentários ao artigo 333). A purgação da mora também não poderá ocorrer nos casos em que, pela lei ou pela convenção, a consequência da mora for a resilição do contrato.

A purgação da mora poderá ocorrer ainda quando o afetado por ela renunciar aos direitos que possam lhe advir da situação. Essa renúncia poderá ser expressa ou tácita. Nessa segunda hipótese, a renúncia deverá ser verificada de acordo com as circunstâncias do caso, especialmente quando o comportamento daquele a quem a mora aproveitar tiver comportamento incompatível com os direitos detidos em face da parte inadimplente.

A parte embargante, entendendo serem excessivos os cálculos apresentados pelo exequente, deveria ter realizado o pagamento dos valores que acreditava serem devidos – parte incontroversa -, desvencilhando-se, de tal modo, da incidência de correção monetária e de juros de mora sobre referido montante. Inteligência dos arts. 394 e 395 do CC/2002” (STJ, 5ª T. REsp n. 767498 – RJ, Rel. Des. Arnaldo Esteves Lima, j. 9.3.2006).

Nesse caso, o devedor deverá oferecer a prestação acrescida dos juros moratórios e eventuais danos emergente e lucros cessantes que houver causado ao credor. Em se tratando de termo não essencial e não havendo lide pendente, a purgação da mora será admitida sem a necessidade de anuência do credor. Já tendo o credor ajuizado demanda em face do devedor, a emendatio morae sem anuência do sujeito ativo da relação obrigacional somente será admitida, nos casos em que houver expressa disposição legal (ex.? na hipóteses de ação de despejo por falta de pagamento prevista na lei do inquilinato – lei n. 8.245 de 18.10.1981) (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 316).

No caso de purgação da mora do credor, além de arcar com eventuais prejuízos acarretados ao devedor, ele ficará ainda sujeito a receber a coisa no estado em que se encontrar (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 26.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 25 de junho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 397, 398, 399 - DA MORA – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 397, 398, 399
- DA MORA
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo II – DA MORA –
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Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Conforme ensinamentos de Bdine Jr., se a obrigação é positiva e líquida e tem termo (prazo certo, para ser adimplida, verifica-se a mora na ocasião em que o cumprimento havia de ter sido implementado. A obrigação é positiva quando exige uma conduta comissiva do devedor – dar ou fazer -, pois, nas obrigações negativas, aplica-se à mora a regra prevista no art. 390, compreendida entre as disposições gerais aplicáveis ao inadimplemento absoluto e à mora. A obrigação é líquida nos casos em que for certa ou determinada, sem necessidade da elaboração de cálculo, como estava expresso no art. 1.516 do CC/1916, que não tem correspondência no CC/2002 – valendo notar que a necessidade de simples cálculos aritméticos não acarretam iliquidez.

Segundo o parágrafo único deste artigo, a interpelação extrajudicial ou judicial do devedor só será necessária nos casos em que não houver termo previsto para o adimplemento. Por essa razão, a jurisprudência que determina indistintamente serem os juros incidentes desde a citação, nos casos de inadimplemento contratual, não parece dar interpretação adequada a este dispositivo.

A mora verifica-se com a citação (efeito, aliás, no art. 219 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 240), nos casos em que a obrigação não é positiva e líquida – pois há necessidade de seu reconhecimento ou da fixação de seu valor. Mas, caso se trate de decisão que se limita a reconhecer o inadimplemento no termo previsto, a mora retroage ao momento em que houve o inadimplemento, que haveria de ser o termo inicial para cálculo de juros.

O fato de haver uma decisão judicial condenando o devedor não significa que a obrigação já não fosse positiva e líquida, mas apenas que o devedor resistiu de modo injustificado a seu cumprimento, não havendo razão para os juros de mora só fluírem da citação, pois a mora já se havia perpetrado anteriormente, nos termos exatos deste dispositivo.

Se a obrigação é positiva e líquida – como a de pagar a mensalidade escolar na data prevista no contrato -, o devedor estará em mora de pleno direito no termo estabelecido (o dia do vencimento), independentemente de qualquer outra providência do credor. Mas se não houver termo estabelecido, o devedor só estará em ora após ser constituído por interpelação judicial ou extrajudicial. Essa é a denominada mora ex persona, que depende de providência do credor. Por exemplo, no comodato por prazo indeterminado, o esbulho só se caracteriza depois que o comodante notifica o comodatário, concedendo-lhe o prazo de trinta dias para desocupar o imóvel (mora ex persona).

O art. 14 do Decreto-lei n. 58/37 e o art. 32 da Lei n. 6.766/69, que regulam loteamentos e exigem que os adquirentes de imóveis sejam notificados para pagar as prestações, ainda que haja valor certo das parcelas e data fixada para o pagamento, transformaram em mora ex persona o que poderia ser mora ex re. Disposição semelhante a respeito dos imóveis não loteados consta do Decreto-lei 745/69, que cuida da venda de imóveis não loteados.

A Súmula n. 76 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça proclamou o entendimento de que “a falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”. nesses casos, a notificação transforma a mora em inadimplemento absoluto e impede a purgação no prazo de resposta. Diante do teor da referida súmula, nem mesmo a regra do art. 219 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 240, que confere à citação força de constituir o devedor em mora, é suficiente para dispensar a notificação do comprador.

Ao se referir apenas a interpelação judicial ou extrajudicial, o parágrafo único do artigo em exame não elimina a adequação da notificação e do protesto – expressões utilizadas no art. 960 do CC/1916, que não foram repetidas no diploma legal em vigor – para constituir o devedor em mora, pois as expressões são genéricas e compreendem toda e qualquer forma capaz de levar ao devedor a notícia formal de descumprimento da obrigação.

Segundo Judith Martins-Costa, invocando Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, interpelação, notificação, protesto ou citação judicial podem constituir o devedor em mora (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 289). Renan Lotufo, contudo, em face da distinção formal de interpelação, notificação e protesto no CPC/1973 – Seção X, Capítulo II, do Título único do Livro III – sustenta o contrário (Código Civil comentado, São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 448) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 430-431 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouco fala a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza. Aqui, o termo inicial da constituição do devedor em mora é definido em lei: a data em que praticado o ato ilícito.

A obrigação ex delicto, ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos causados à vítima do delito nasce com o ato ilícito, tornando-se desde logo exigível. Daí por que os juros moratórios são contados desde o momento em que o ato delituoso é cometido (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 215, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, para que se configure a mora do devedor (mora solvendi ou debendi), três requisitos são necessários: exigibilidade imediata da obrigação, inexecução culposa e constituição em mora. A esse respeito, vale destacar que é o requisito da exigibilidade que requer que a obrigação seja líquida (valor da prestação já apurado) e certa (a prestação já contém todos os seus elementos específicos).

A necessidade de constituição em mora variará conforme a obrigação seja ex persona ou ex re. Na primeira, inexiste um termo certo para que o devedor realize a prestação ou que o credor a receba. Assim, para que a mora se constitua, haverá a necessidade de que haja a interpelação da parte inadimplente e seus efeitos terão início ex nunc (i.é, contados a partir da intimação). De outro lado, a mora ex re constitui-se automaticamente, sem que haja a necessidade de interpelação da parte em mora. São hipóteses de mora ex re: (i) o descumprimento de obrigações negativas, quando há o dever de não praticar determinado ato; (ii) nos casos de prática de ato ilícito, em que o dever de reparar surge na data em que houve a violação do direito (CC, 398); e (iii) violação de obrigação positiva e líquida, no seu termo, em decorrência da regra dies interpellat pro homine. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Pereira destaca que a regra dies interpellat pro homine não deve ser absoluta em todos os casos, ressaltando a necessidade de que haja seu temperamento, quando houver a necessidade de que sejam praticados atos específicos pelas partes. Assim, ilustrativamente, destaca negócio de compra e venda de imóvel, em que, a despeito do vencimento do termo assinalado, é necessário que o credor interpele o devedor, para indicar o registro onde será passada a escritura definitiva, para que apresente determinados documentos etc. o autor menciona ainda as dívidas quesíveis, em que o devedor não poderá ser constituído em mora, enquanto não se positivar a atitude do credor de ir procurar pela prestação devida (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 319).

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Conforme assinalado na anotação do art. 394, a Doutrina apresentada por Fiuza, constitui pressuposto da mora solvendi a inexecução culposa da obrigação pelo devedor. sem culpa do devedor, não se há que falar em mora (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 215, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na cartilha de Bdine Jr. haverá mora ex re quando houver prática de ato ilícito. Este artigo do Código Civil fixa como o momento da prática do ato, aquele em que o devedor é considerado em mora. Em consequência disso, a Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que os juros moratórios fluem do evento danoso nos casos de responsabilidade aquiliana (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 435 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouco se estende, também, Guimarães e Mezzalina, atendo-se a que o artigo trata, expressamente, de hipótese legal de mora ex re. A esse respeito, vide comentários ao artigo 397. E citam “Súmula STJ 154. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Segundo Bdine Jr., a mora pode ser tanto do devedor (mora solvendi), quanto do credor (mora accipiendi ou creditoris). Este dispositivo trata da mora do devedor, e o seguinte, da mora do credor. A mora do devedor, que ocorre quando ele descumpre sua obrigação, é ex re – se decorrer de fato previsto na lei – ou ex persona.

Os arts. 390, 397, caput, e 398 estabelecem as hipóteses em que a mora resulta da lei. São elas: a execução do ato nas obrigações negativas; o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo; e a prática do ato ilícito. A mora do devedor acarreta os efeitos de: (a) responsabilizá-lo por todos os prejuízos causados ao credor (art. 395); e (b) perpetuar a obrigação (art. 399). O devedor em mora responderá pela impossibilidade da prestação, mesmo se ela resultar de caso fortuito ou força maior, se ocorrido durante o atraso.

Segundo o artigo em exame, o devedor só se exonerará dessa responsabilidade se demonstrar que não agiu com culpa e que o fato ocorreria mesmo se a obrigação tivesse sido cumprida oportunamente. A redação do dispositivo legal é aparentemente defeituosa, porque, se o devedor demonstra que não agiu com culpa, não se pode reconhecer que esteja em mora. E, se não estava em mora, o presente dispositivo não incide ao caso concreto.

Nem se diga que a culpa a que o artigo se refere não é a que identifica a mora, mas sim a relativa à impossibilidade da prestação, pois, nesse caso, se chegaria à conclusão de que o devedor em mora só responderia pelo dano ocorrido no atraso se agisse com culpa, o que não altera aquilo que se verifica quando, por sua culpa, ocorre impossibilidade da prestação, antes de ele estar em mora (no sentido de retardamento). E não se pode dar ao dispositivo legal interpretação que acarrete sua inutilidade ou perplexidade.

Na realidade, o devedor em mora só se exonerará da obrigação de indenizar caso se constate que o dano ocorreria mesmo que ele não estivesse em mora. Por exemplo, alguém atrasa a restituição de um imóvel recebido em comodato e, durante o período da mora, ocorre uma inundação que destrói o imóvel edificado. Houve, pois, força maior, que tornou impossível a prestação durante a mora, incidindo na espécie a primeira parte deste dispositivo. Contudo, o dano sobreviria mesmo que o imóvel houvesse sido restituído tempestivamente ao comodante, de modo que não se poderá obrigar o comodatário moroso a indenizar. Situação idêntica se verificaria se um veículo não fosse restituído à empresa de locação na data ajustada, mas fosse guardado no estacionamento em que ela mantém todos os seus outros veículos, de onde viesse a ser furtado. Também aqui seria possível concluir que o devedor em mora não deve ser responsabilizado, pois se o veículo tivesse sido devolvido na data estabelecida, estaria guardado no mesmo local, de maneira que, nas palavras de Judith Martins-Costa, “o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. A interpretação adequada do presente dispositivo é a de que ele impõe ao devedor o ônus de demonstrar não ter agido com culpa, além de que o dano ocorreria ainda que a mora não ocorresse (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 299) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 431 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/06/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, já foi apresentado aqui, quando anotou-se o art. 393, que não impossibilidade da prestação por caso fortuito ou força maior, estes ocorridos antes da mora, nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao devedor. se a impossibilidade ocorrer depois da mora, o devedor responderá por perdas e danos, pois assumiu o risco de permanecer com a coisa ou de retardar o cumprimento da obrigação.

O art. 399 atenua a regra geral de que todos os riscos devem se suportados pelo devedor em mora, exonerando-o da responsabilidade de provas: (a) inexistência de culpa quanto à mora; e (b) que o dano teria ocorrido, ainda que a prestação tivesse sido cumprida pontualmente (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 216, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/06/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

À sombra do dispositivo em questão, Guimarães e Mezzalina atem-se à perpetuação da obrigação, um dos efeitos da constituição do devedor em mora. Assim, o devedor em mora continua obrigado pela danificação da coisa, mesmo em hipótese de caso fortuito e força maior. A exclusão de responsabilidade, nesse aspecto, somente pode se dar com a prova de que o dano teria sobrevindo, ainda que o devedor tivesse cumprido, oportunamente, com a obrigação. Trata-se, portanto, de presunção relativa de culpabilidade do devedor, mas que pode ser ilidida com a prova em contrário.

Ilustrativamente, pode-se mencionar a destruição por raio de coisa fixa ao solo; mesmo que o devedor tivesse cumprido com a obrigação no termo aprazado, o bem teria se deteriorado (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.06.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).