DIREITO
CIVIL COMENTADO. Arts. 49, 50, 51 –
Das Pessoas Jurídicas – Vargas, Paulo S. R.
TITULO I
– Das Pessoas Jurídicas (art. 40 a 69)
Capítulo
I – Disposições Gerais
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o
juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador
provisório.1
1.
Nomeação Judicial de
administrador provisório
Uma vez que a pessoa
jurídica não pode ficar sem representação, para as excepcionais hipóteses em
que os próprios membros da sociedade deixem de indicar um administrador, deverá
o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear um administrador
provisório, cujo procedimento será o da jurisdição voluntária (CPC, art
1.103/1973 – correspondência no CPC/2015 no “Art. 719. Quando este Código não estabelecer procedimento especial,
regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta
Seção.”).
Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações seja,
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
1, 2, 3, 4, 5, 6.
1.
Desconsideração da
personalidade jurídica
A desconsideração da
personalidade jurídica “consiste na
possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade oral
sempre que esta venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos
daqueles para os quais foi constituída, permitindo que o credor de obrigação
assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio particular de seus sócios ou
administradores para a satisfação de seu crédito”. (1)
2.
Requisitos e limites para
a desconsideração da personalidade jurídica
A doutrina da
desconsideração da personalidade jurídica é permeada pela noção do abuso do
princípio da autonomia da personalidade e do patrimônio das pessoas jurídicas
em relação a seus membros. Caracterizado o abuso, seja pelo desvio de
finalidade (teoria subjetiva) seja pela confusão patrimonial (teoria objetiva),
é legitimo aos credores da pessoa jurídica afastar, pontual e temporariamente,
a autonomia da pessoa jurídica em relação a seus sócios ou administradores,
atingindo diretamente o patrimônio dessas pessoas para satisfazer obrigações
existente contra a pessoa jurídica. É o abuso, portanto, o elemento necessário
à desconsideração da personalidade jurídica. É o abuso, portanto, o elemento
necessário à desconsideração da personalidade jurídica, sendo desnecessária a
prova da insolvência da sociedade (nessa hipótese de desconsideração com base
no artigo 50 do Código Civil). Nesse sentido: “A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art 50 do Código
Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica” (IV
Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 281). Apesar de inegavelmente admitida,
a desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção à regra geral da
autonomia da personalidade das pessoas jurídicas, razão pela qual deve ser interpretada
sempre restritivamente e aplicada nos exatos limites de sua necessidade. “Só se aplica a desconsideração da
personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e,
limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido” (I
Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 7) e “Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de
desconsideração da personalidade jurídica previstos no art 50 (desvio de
finalidade social ou confusão patrimonial). (Este enunciado não prejudica o
Enunciado n. 7)” (I Jornada de Direito Civil, enunciado n. 146). “O encerramento irregular das atividades da
pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade
jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 282). “As pessoas jurídicas de direito privado sem
fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso
da personalidade jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 284).
3.
Encerramento irregular
O encerramento
irregular da pessoa jurídica caracterizado pelo simples abandono de suas
atividades sem o arquivamento do ato de encerramento no respectivo registro,
por si só, não permite a desconsideração da personalidade jurídica com a
consequente extensão da responsabilidade patrimonial aos membros da pessoa
jurídica. Nesse sentido: “o encerramento
irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para
caracterizar abuso da personalidade jurídica” (IV Jornada de Direito Civil,
Enunciado n. 282). É essa também a posição recente do Superior Tribunal de
Justiça: “A mera demonstração de
insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a
devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da
personalidade jurídica” (STJ, AgRg no REsp n. 1.173.067-RS, j. 01.06.2012,
rel. Min. Nancy Andrighi). Todavia, o encerramento irregular autoriza a
presunção de abuso, transferindo ao sócio a prova de inexistência desse abuso:
“do encerramento irregular da empresa presume-se
o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela
confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da
personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de
seu sócio” (SRJ, REsp n. 1.259.066-SP, j. 19.06.2012, rel. Min. Nancy
Andrighi).
4.
Teoria maior e teoria
menor da desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da
personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor
Além da regra geral de
desconsideração da personalidade jurídica consagrada pelo artigo 50 do Código
Civil, no campo do direito ambiental e do direito do consumidor, a
desconsideração da personalidade jurídica é admitida tão somente com a
demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Por exigir requisitos mais
rígidos, a regra geral da desconsideração da personalidade jurídica foi
denominada Teoria Maior da Desconsideração. “- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica,
e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o
Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais
homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. – A teoria maior
da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser
aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o
cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência,
ou a demonstração de desvio de finalidade (Teoria Subjetiva da
Desconsideração). – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso
ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito
Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o
pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco
empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro
que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores
desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isso é, mesmo
que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa
por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da
teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese
autônoma do § 5º do art 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não
se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera
existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores” (STJ, REsp n. 279.273-SP, j. 04.12.2003, rel. para acórdão
Min. Nancy Andrighi).
5.
Desconsideração inversa
da personalidade jurídica
A situação mais
ordinária e comum de abuso da autonomia da personalidade e do patrimônio da
pessoa jurídica ocorre quando seus sócios ou administradores se utilizam da
pessoa jurídica para satisfação de seus interesses pessoais, desviando-se dos
interesses da própria pessoa jurídica. Nessas hipóteses, portanto, se permite
que os credores da pessoa jurídica busquem diretamente os bens dos sócios ou
administradores que cometeram esse abuso para satisfação de seus créditos.
6.
Aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica
Não se discute mais que
a desconsideração da personalidade jurídica pode ser feita na mesma ação movida
contra a pessoa jurídica, independentemente de uma ação autônoma. Contudo, não
pode permitir a desconsideração da personalidade jurídica, afetando o
patrimônio pessoal dos sócios ou administradores sem lhes oportunizar o amplo
contraditório, o que preferencialmente deve ser feito por meio de um incidente
ao processo. A questão, contudo, é complexa e a jurisprudência ainda debate a
necessidade da prévia instauração desse incidente, frente a possibilidade de o
contraditório se instaurar após a intimação do sócio da penhora realizada sobre
seu patrimônio, por meio de embargos à execução, impugnação ao cumprimento de
sentença ou exceção de pré-executividade (STJ, REsp n. 1.096.604-DF, j.
02.08.12, rel. Luís Felipe Salomão). (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM
em 15.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1)
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery, Código Civil Comentado, 4ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 208.
Segundo
Artigo de Anderson Schreiber, publicado por Flávio Tartuce, aqui reproduzido 10.07.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)) existe uma Medida Provisória em Abril/2019 de MP
881/2019, com alterações ao Código Civil – Parte 1, com a seguinte redação:
O
Presidente da República editou, em 30 de abril de 2019, a Medida Provisória nº
881, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica:
Trata-se, segundo o
próprio Governo Federal, de tentativa de superação da estagnação econômica e
das altas taxas de desemprego, notadamente por meio da redução da burocracia necessária
para pequenos e médios empreendedores desenvolverem atividades. Segundo o
artigo 1º da MP, ‘fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica,
que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de
atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente
normativo e regulador.’”
O § 1º do artigo
inicial revela a abrangência das modificações pretendidas: “O disposto nesta
Medida Provisória será observado na aplicação e na interpretação de direito
civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas
que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o
exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao
meio ambiente.” A MP promoveu, ainda, diversas alterações no corpo do Código
Civil. Foram analisadas as principais modificações em dois textos, sendo este o
primeiro deles. Iniciado pela Parte Geral e pela Teoria Geral dos contratos.
Na Parte Geral do CC/2002,
a MP 881/2019, inseriu expressivas modificações no art. 50, que trata do
instituto da desconsideração de personalidade jurídica. 2. O Caput do artigo
foi alterado, explicitando que a desconsideração deverá atingir os bens apenas
dos administradores ou sócios direta ou indiretamente, beneficiados pelo abuso
da personalidade jurídica. A alteração evita que a desconsideração venha a se
dar em prejuízo de sócios ou administradores que não contribuíram para o abuso,
como sócios minoritários que não participam da administração da pessoa jurídica
– os quais, de fato, não deveriam ser atingidos pela desconsideração.
Todavia, a expressão “direta
ou indiretamente beneficiados” deve ser interpretada de modo ampliativo:
administradores e sócios que participam da administração da pessoa jurídica
têm, também eles, o dever de evitar o abuso da personalidade jurídica e, nesse
contexto, ainda que não tenham sido diretamente beneficiados pelo abuso, podem
ser chamados a responder como beneficiários indiretos, especialmente nos casos
em que o sócios e administradores diretamente beneficiados não tenham patrimônio
suficiente.
A MP 881/2019
acrescentou, ainda, cinco novos parágrafos ao artigo, buscando estabelecer
critérios objetivos para a aplicação do instituto. Nesse particular, a Medida
Provisória merece elogios: a desconsideração da personalidade jurídica é
instituto cujo impacto sobre sócios e administradores andava a merecer a
indicação de parâmetros mais objetivos na codificação civil. Nessa direção, o §
1º define o que se deve entender por desvio de finalidade, aludindo à utilização
dolosa da pessoa jurídica para (a) lesar credores e (b) praticar atos ilícitos
de qualquer natureza. Apesar do conectivo “e”, não se trata de requisitos
cumulativos, bastando o ouso da pessoa jurídica em um ou outro sentido para a
caracterização do desvio de finalidade. A exigência de dolo, no entanto, é criticável:
dificulta excessivamente a aplicação da desconsideração e atrela o artigo 50 a
uma perspectiva subjetivista, que enxerga a desconsideração como uma sanção a
um mal feito, afastando-se da abordagem contemporânea do abuso do direito como
exercício de uma situação jurídica subjetiva em dissonância com a sua
finalidade normativa – como parecia ter sido a intenção do legislador na versão
original do Código Civil, ao optar pelo emprego da expressão desvio de
finalidade. Ainda em relação a essa matéria, a MP 881/2019 estabelece que a
mera alteração da atividade originariamente desenvolvida pela pessoa jurídica não
implica, per si, desvio de finalidade (art. 50, § 5º).
A segunda hipótese de
abuso da personalidade jurídica, a confusão patrimonial, é detalhada no § 2º do
artigo 50 – também introduzido pela MP 881/2019 -, que alude à ausência de separação
de fato entre os patrimônios dos sócios e da pessoa jurídica. Os dois primeiros
incisos deste parágrafo descrevem exemplos corriqueiros de confusão patrimonial,
como o cumprimento reiterado de obrigações do sócio ou administrador pela
pessoa jurídica, ou vice-versa, e a transferência de ativos sem efetiva contraprestação.
O terceiro inciso refere-se genericamente a “outros atos de descumprimento da
autonomia patrimonial”, possibilitando ao intérprete identificar, a partir de
elementos do caso concreto, outras modalidades de confusão, como, por exemplo,
a prestação de garantia pela pessoa jurídica em negócio de interesse exclusivo
do sócio.
A MP 881/2019
acrescentou ao artigo 50, também o § 3º, que consagra a noção de
desconsideração inversa da personalidade jurídica, há muito admitida por nossa
doutrina e jurisprudência. Com efeito, não obstante a desconsideração ter sido
concebia para permitir que credores da pessoa jurídica alcançassem o patrimônio
dos sócios ou administradores, admite-se hoje a invocação da teoria para
justificar o movimento inverso: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica
denominada ‘inversa’ para alcançar de sócio que se valeu da pessoa jurídica para
ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros” (Enunciado n. 283
da IV Jornada de Direito Civil). Por fim, a MOP 881/2019 – por meio do novo §
4º do artigo em comento, afastou a possibilidade de desconsideração da personalidade
jurídica a partir da mera identificação de grupo econômico, exigindo, também
nesses casos, a presença dos requisitos do desvio de finalidade ou da confusão
patrimonial. Também aqui, a alteração é elogiável: aplicar a desconsideração da
personalidade jurídica a partir da mera configuração de grupo econômico significaria
a pagar as fronteiras entre as diferentes personalidades jurídica, subvertendo
o instituto.
Já no capítulo do
Código Civil dedicado aos contratos em geral, foram diversas as modificações
realizadas. Primeiramente, a MP 881/2019 inseriu na parte final do Caput do
artigo 421, que consagra o princípio da função social do contrato, a necessidade
de observância ao disposto na chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
O acréscimo parece
ter tentado prestigiar os princípios norteadores daquela Medida Provisória,
quais sejam, a “proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”
(art. 1º). A função social, contudo, exerce justamente o papel de impor juízo
de merecimento de tutela sobre o exercício da liberdade contratual,
condicionando-a à promoção dos valores constitucionais. Determinar que a
aplicação da noção de função social do contrato se dê com observância da
liberdade econômica é uma contradição nos seus próprios termos e parece
exprimir uma absoluta falta de conhecimento do próprio conceito de função social.
O acréscimo somente não merece crítica mais aguda porque é inócuo: afirma, a
rigor, que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da
função social do contrato, observada a própria liberdade de contratar.
Embora tautológica,
a nova redação do Caput do art. 421 não promete trazer qualquer transformação concreta
no modo como nossa doutrina e jurisprudência aplicam a noção de função social
do contrato – noção que, de resto, derivaria diretamente da Constituição,
independentemente de atuação do legislador ordinário, na medida em que a funcionalização
dos institutos jurídicos ao atendimento de valores sociais relevantes resulta
da própria primazia que o Constituinte atribui a tais valores, mesmo quando tutela
a livre iniciativa, não como liberdade vazia, mas em atenção ao seu “valor
social” (CR, art. 1º, IV)
Indo além, a MP
881/2019, também introduziu no artigo 421, um parágrafo único, que estabelece a
prevalência de um assim chamado “princípio da intervenção mínima do Estado” e reserva
caráter “excepcional” à revisão contratual “determinada de forma externa às
partes”. Mais uma vez, o equívoco salta aos olhos. Não existe um “princípio
da intervenção mínima do Estado”; a intervenção do Estado nas relações
contratuais de natureza privada é imprescindível, quer para assegurar a força
vinculante dos contratos, quer para garantir a incidência das normas jurídicas,
inclusive das normas constitucionais, de hierarquia superior à referida Medida
Provisória. A MP 881/2019 parece ter se deixado levar aqui por uma certa
ideologia que enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando,
na verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito –
afigura-se necessária para assegura o exercício da referida liberdade.
No que tange à revisão
contratual, também parece ter incorrido a Medida Provisória nessa falsa
dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de contratar, quando, ao
contrário, a revisão contratual privilegia o exercício dessa liberdade ao preservar
a relação contratual estabelecida livremente entra as partes, ao contrário do que
ocorre com a resolução contratual, remédio a que já tem direito todo contratante
nas mesmas situações em que a revisão é cabível, em conformidade com o art.
478. Se a intenção da MP foi evitar que revisões judiciais de contratos
resultem em alterações excessivas do pacto estabelecido entre as partes,
empregou meio inadequado: afirmar que a revisão contratual deve ser excepcional
nada diz, porque não altera as hipóteses em que a revisão se aplica, hipóteses que
são expressamente delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único
acrescentado pela MP tampouco indica parâmetros, critérios ou limite à revisão contratual,
o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá qualquer efeito
relevante no modo como a revisão contratual
é aplicada na prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se
dá com bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo
contratual.
A referida MP
modificou, ainda, o caput do art. 423, que trata da interpretação pró-aderente,
substituindo a referência a cláusulas “ambíguas ou contraditórias”
que constava de sua redação original pela alusão a cláusulas “que gerem
dúvida quanto à sua interpretação”. A modificação é compreensível: não existem,
tecnicamente, cláusulas ambíguas ou contraditórias, pois ambiguidade e contradição
são constatações a que chega o intérprete após a interpretação das cláusulas,
constituindo não um prius, mas um posterius em relação à compreensão
do sentido e alcance das disposições contratuais.
A MP 881/2019 acrescentou,
ainda, um parágrafo único ao artigo 423, repleto de equívocos redacionais. Alude,
em primeiro lugar, a “contratos não atingidos pelo disposto no caput”,
quando normas jurídicas evidentemente não atingem contratos, mas os abrangem ou
contemplam. Afirma, ainda, que, em tais casos, “a dúvida na interpretação beneficia”
a parte que não redigiu a cláusula controvertida, quando dúvidas não beneficiam
ninguém: é a interpretação da cláusula que deve ser benéfica a uma ou outra
parte. Abstraindo-se as questões linguísticas, o novo dispositivo parece ter
pretendido ampliar a incidência da chamada interpretativo contra preferentem
ou contra stipulatorem: quem redige a cláusula não pode se beneficiar da
sua falta de clareza, devendo tal cláusula ser interpretada em favor da
contraparte. Não se pode, contudo, generalizar demasiadamente a referida orientação
hermenêutica. Em relações paritárias, nem sempre é fácil identificar quem
redigiu a cláusula: um contratante pode não ter elaborado a redação de uma certa
cláusula, mas pode ter tido a oportunidade de modifica-la, optando por não fazê-lo.
Em tais hipóteses, lançar sobre o redator todo o ônus interpretativo pode se
revelar desproporcional. Daí ter o Código Civil, em sua redação original,
limitado a regra às relações contratuais de adesão. A extensão promovida pela
MP 881/2019 deve ser, portanto, aplicada com cautela.
Além das
modificações implementadas em dispositivos já existentes, a MP 881/2019
acrescentou dois artigos ao Código Civil, aplicáveis às chamadas relações
interempresariais. Dispõe o novo art. 480-A: “Nas relações
interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos
para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto
contratual”. A norma, como alguns outros acréscimos promovidos pela MP,
representa inovação de pouca ou nenhuma utilidade prática: os contratantes
sempre puderam, no exercício de sua autonomia privada, estabelecer parâmetros objetivos
(ou subjetivos) para a interpretação dos requisitos de revisão ou resolução do
contrato, nas relações interempresariais ou de qualquer outra natureza. Tal faculdade,
já há muito reconhecida pela doutrina, não exclui a necessidade de um juízo concreto
de merecimento de tutela para determinar, em cada caso, a compatibilidade dos parâmetros
contratualmente estabelecidos com a ordem jurídica brasileira, atentando
especialmente para a impossibilidade de afastamento do princípio do equilíbrio
contratual. A fixação convencional de parâmetros para interpretação dos
requisitos instituídos em lei não pode, a toda evidência, conduzir à supressão dos
referidos requisitos.
Já o art. 480-B
prevê que “nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos
contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.” A norma é
insólita. A simetria entre os contratantes é presumida em qualquer relação contratual,
e não apenas em relações interempresariais. A caracterização da vulnerabilidade
de um dos contratantes é que afasta tal presunção, sempre relativa.
Também a parte final
do dispositivo que determina seja observada a alocação de risco estabelecida
pelos contratantes parece fora de lugar: tal alocação deve ser observada em
qualquer espécie de relação contratual, e não apenas nas relações interempresariais.
O novo art. 480-B é ruim, pois, se interpretado a contrario sensu, poderia
levar à conclusão de que, fora das relações interempresariais, a simetria não se
presume e a alocação convencional de riscos deve ser ignorada, bem ao contrário
do que deveria pretender uma assim chamada Declaração de Direitos de
Liberdade Econômica. Merece crítica, ademais, a tentativa de estabelecer,
pela introdução de normas não constantes da redação original da codificação civil,
uma espécie de microssistema das relações interempresariais, incompatível com
um código que, ao revés, unificou as relações civis e empresariais,
contemplando expressamente o direito de empresa.
Encerra-se, assim, a
análise das alterações realizadas pela MP 881/2019 na Parte Geral e na Teoria
Geral dos contratos.
2. Redação originária do artigo: “Art. 50. Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial,
pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou
indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para fins do
disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa
jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por
confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios,
caracterizada por:
I - cumprimento
repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou
vice-versa;
II - transferência
de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor
proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de
descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no
caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou
de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera
existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput
não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui
desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica.”
2.
Redação originária do artigo:
“Art. 421. A
liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.” Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 421. A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o
disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Parágrafo único. Nas
relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do
Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de
forma externa às partes será excepcional.”
3.Redação originária
do artigo: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 423. Quando houver no contrato de
adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a
mais favorável ao aderente. Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo
disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na
interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida.” Alterações da MP 881 ao
Código Civil - Parte I - Artigo de Anderson Schreiber. Publicado por Flávio Tartuce - Alterações
da MP 881/2019 ao CÓDIGO CIVIL - PARTE I. Anderson Schreiber. Professor Titular da UERJ. Procurador do Estado
do Rio de Janeiro e Advogado. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização
para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que essa
se conclua.1
§ 1º. Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver
inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2º. As disposições para a liquidação das sociedades
aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3º. Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento
da inscrição da pessoa jurídica.
1.
Liquidação da sociedade
O artigo 51 estabelece
a necessidade da prévia liquidação da sociedade antes da extinção de sua
personalidade jurídica. Durante a fase de liquidação, a sociedade mantém sua
personalidade jurídica devendo realizar todo seu ativo e pagar todos os
débitos. É apenas após a destinação de todo o patrimônio da sociedade e do
pagamento de todas as dívidas que se extingue a personalidade da pessoa
jurídica, cancelando-se sua inscrição no registro (CC, arts 1.033 a 1.038,
CPC/1973, arts 655 e 674, correspondendo aos arts. 835 e 860, do CPC/2015,
respectivamente, mantidos em vigor por força do art 1.218 do CPC/1973,
correspondendo ao art 1.046, §§ 2º, 3º e 4º do CPC/2015. (Direito
civil comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material
coletado no site direito.com em 16.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações (VD)).