terça-feira, 16 de julho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 417, 418, 419, 420 - Das Arras ou Sinal – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 417, 418, 419, 420
- Das Arras ou Sinal – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo VI – Das Arras ou Sinal –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

Segundo ensinamentos de Bdine Jr., o conceito jurídico de arras ou sinal é a quantia em dinheiro ou o bem móvel que um dos contratantes entrega ao outro o objetivo de confirmar o acordo de vontades e de servir de princípio de pagamento. Na doutrina contemporânea, “prevalece o sentido confirmatório ou de acordo final, tornando-o definitivo”, pois, em regra, registra Arnaldo Rizzardo, “o sinal dado no início do contrato não autoriza arrependimento” (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 565). Dionízio da Rocha, porém, sustenta que sua função preponderante é a de estabelecer um critério indenizatório (“Das arras ou sinal”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 539/562).

O sinal só é possível nos contratos bilaterais destinados à transmissão do domínio e tem natureza de pacto acessório. A natureza jurídica das arras é de direito real, porque só se aperfeiçoam com a entrega do bem ou do dinheiro por um contratante ao outro.

Sinal e cláusula penal. Na lição de Nelson Rosenwald, são muitas as semelhanças entre o sinal e a cláusula penal: ambas se destinam a “assegurar o cumprimento da obrigação” e “exercem função coercitiva, pois, em caso de inadimplemento, tanto a retenção da quantia adiantada como a devolução em dobro demonstram a feição sancionatória do sinal”. Ademais, observa o autor, “o montante prefixado não se relaciona com os danos efetivos” em nenhuma das hipóteses (Cláusula penal: a pena privada nas relações negociais. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 174-6). A aproximação das duas figuras autoriza a aplicação do art. 413 do Código Civil ao caso de sinal que se revele excessivo (idem, ibidem, p. 177). No mesmo sentido a lição de Arnaldo Rizzardo (Direito das obrigações, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 569), e a conclusão do Enunciado n. 165 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais” (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 479 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, Arras ou sinal é a quantia em dinheiro, ou outra coisa fungível, que um dos contratantes dá ao outro em antecipado, com o objetivo de assegurar o cumprimento da obrigação, evitando o seu inadimplemento. Não se confunde com a cláusula penal, que só pode ser exigida após o inadimplemento, enquanto as arras são pagas de forma antecipada, justamente para evitar o descumprimento do contrato.

Se a obrigação vem a ser cumprida normalmente, as arras deverão ser descontadas do preço ou restituídas a quem as prestou (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 276, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O parecer de Guimarães e Mezzalina, as arras constituem convecção acessória real, com a finalidade de assegurar a conclusão de um determinado contrato, evitando o arrependimento de uma das partes para a conclusão do contrato. As arras somente podem ser convencionadas em contratos bilaterais de transferência de domínio.

As arras podem ser (i) confirmatórias, quando inexiste direito de arrependimento e o valor estipulado serve como prefixação de perdas e danos, caso a parte que deu as arras deixe de cumprir com a prestação confirmada, ou (ii) penitenciais, quando for expressamente estipulado o direito de arrependimento (vide comentários ao artigo 420). A maior distinção entre ambas reside na possibilidade de a parte que deu as arras vir a se arrepender da obrigação principal. Em se tratando de arras confirmatórias e havendo descumprimento da parte que deu as arras, a contraparte poderá reter as arras e, alternativamente, exigir a cobrança de indenização suplementar, se demonstrar que o valor das perdas supera o sinal, ou exigir o cumprimento da obrigação. Se for o caso de arras penitenciais, o sinal dado terá a função de reparar os danos acarretados pelo arrependimento e nada mais será devido pela parte que as deu.

As arras, assim, exercem três funções: confirmam o contrato, serve de prefixação de perdas e danos e integram o preço, se forem do mesmo gênero da obrigação principal (do contrário, servem apenas como uma garantia).

As diferem da cláusula penal, dado que, enquanto, na primeira hipótese, há, desde a sua constituição, a entrega de determinado valor ou bem móvel à contraparte, visando à confirmação do negócio, na segunda, o valor só é pago posteriormente, em caso de descumprimento contratual pela parte infratora. Nesse caso, as arras são consideradas princípio de pagamento (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

No diapasão de Bdine Jr., as arras podem ser confirmatórias ou penitenciais. Sua principal função é confirmar o contrato, tornando-o obrigatório. A entrega do sinal faz prova do acordo de vontades e as partes não podem mais rescindi-lo unilateralmente, sob pena de responder por perdas e danos, nos termos do disposto neste artigo e no seguinte. As arras confirmatórias tornam obrigatório o negócio e impedem o arrependimento de qualquer das partes. Na lição de Arnaldo Rizzardo, são seus elementos: “a) a entrega na conclusão do contrato, i.é, quando o mesmo se efetua, ou depois de enviada a proposta e emitida a aceitação; b) a entrega de dinheiro ou de um bem móvel; c) a devolução do dinheiro ou do bem quando da execução, ou conclusão do contrato; d) a faculdade de computar a quantia ou o bem móvel entregue no preço do negócio, se do mesmo gênero da coisa principal”, (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 567). Note-se que não há menção ao arrependimento, presente apenas nas arras penitenciais. No caso do sinal confirmatório, o arrependimento de qualquer dos contratantes significa inadimplemento e o bem ou o valor entregue para tornar o negócio definitivo tem a função de prefixar o valor indenizatório.

O presente dispositivo estabelece que, se aquele que deu as arras não executar o contrato, as perderá em favor do outro, que poderá considerar desfeito o negócio. Acrescenta que se a inexecução foi de quem recebeu as arras, aquele que as deu pode considerar desfeito o contrato e exigir sua devolução, além do equivalente, atualizado monetariamente e acrescido de juros e honorários de advogado.

A parte final equivale à devolução em dobro prevista no CC/1916, art. 1.905. A parte inocente pode satisfazer-se com a retenção do sinal, ou com sua devolução acrescida do equivalente. Mas pode também demonstrar que seu prejuízo foi superior ao valor do sinal e pretender indenização suplementar. Nessa hipótese, prevista no CC, 419, o valor das arras valerá como o mínimo da indenização (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 482 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o art. 418 supre omissão do art. 1.097 do Código Civil de 1916, estabelecendo as diversas consequências do inadimplemento da obrigação, em que tenham sido prestadas as arras: a) se o descumprimento for imputável a quem deu as arras, este as perderá em benefício do que recebeu; b) se a inexecução for imputável a quem recebeu as arras, deverá devolvê-las em dobro, acrescidas de juros, correção e honorários de advogado. O CC/2002 substituiu a expressão “devolver em dobro” usada no CC/1916 por “devolver o mais equivalente”, a nosso ver, data venha, em prejuízo da clareza (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 224, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, o caso em questão trata das arras confirmatórias referidas no comentário ao art. 417. Se a prestação tornar-se impossível sem culpa de qualquer das partes, nenhuma delas poderá ser punida. Assim, nesse caso, há apenas a restituição das arras, anteriormente entregues, sob pena de enriquecimento sem causa.

Rescisão de compromisso de compra e venda decorrente de inadimplemento do comprador: As arras possuem natureza indenizatória, servindo para compensar em parte os prejuízos suportados, de modo que também devem ser levadas em consideração ao se fixar o percentual de retenção sobre os valores pagos pelo comprador” (STJ, 3ª T., REsp nº 1224921, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.04.2011).

Compra e venda de veículo. Arras confirmatórias. Retenção. Impossibilidade. O fato de deixar de cumprir com o avençado, impõe-lhe o dever de responder pelo desfazimento do contrato, mas não o ônus de perder em favor da vendedora, o que lhe fora entregue a título de arras confirmatórias. Recurso não provido” (TJSP, Proc. n. 106720829934-1/001(1), Rel. Des. Pereira da Silva, j. 15.2.2011) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Observando ensinamentos de Bdine Jr., segundo a parte final deste artigo, a parte inocente pode postular a execução do contrato com perdas e danos, valendo as arras como mínimo de indenização. Essa solução é possível quando as arras forem confirmatórias, i.é, confirmarem a celebração do contrato, sem direito de arrependimento. Sempre que as partes não convencionarem em sentido diverso, as arras serão consideradas confirmatórias. E, se confirmatórias, prevalece a função das arras de tornar definitivo o negócio, tanto que a parte final do presente artigo autoriza a parte inocente a exigir a execução do contrato e cumular tal pretensão com a indenização pelos prejuízos que houver suportado.

Se houver expressa referência a natureza penitencial das arras, considera-se presente o direito de arrependimento (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado, v. I. Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 763).

As arras serão penitenciais quando as partes convencionarem a possibilidade de arrependimento. Nesses casos, elas atuam como pena convencional, como sanção ao arrependimento, mesmo que ele tenha sido previsto. É o que está consignado no art. 420. Segundo esta regra, nesses casos, não haverá direito à indenização suplementar.

O Código Civil de 1916 não previa a possibilidade de a parte inocente postular indenização suplementar. Durante sua vigência, foi editada a Súmula n. 412 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal por quem o deu, ou a sua restituição em dobro por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo”.

Para cobrança das arras não há necessidade de prova do prejuízo real. O sinal integra o valor da prestação devida nos casos em que ele é confirmatório, como revela o art. 417. Isso só não acontecerá se as arras não forem do mesmo gênero da obrigação principal. Mas se o sinal for penitencial, ele só terá natureza indenizatória (art. 420, parte final, do CC).

Em certas hipóteses, a jurisprudência admite que as arras sejam devolvidas simplesmente, e não em dobro: quando houver acordo entre as partes, quando ambos os contratantes agirem com culpa e quando o cumprimento do contrato não se verificar em decorrência de caso fortuito ou outro motivo estranho à vontade das partes. Nesse sentido: ROCHA, José Dionízio da. “Das arras ou sinal”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 550.

As arras desempenham três funções: confirmam o contrato, servem de prefixação de perdas e danos e como princípio de pagamento, integrando o preço, se do mesmo gênero da obrigação principal. Nas hipóteses em que as arras não forem do mesmo gênero da obrigação principal, elas não integram o preço, mas representam uma garantia e devem ser devolvidas a quem as entregou quando o preço for pago integralmente (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 485 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo não esteve presente no Código Civil de 1916 e inova o direito anterior ao permitir à parte que não deu causa ao descumprimento da obrigação pleitear indenização suplementar, provando que o seu prejuízo foi maior que o valor das arras. Como também poderá exigir a execução do contrato, acrescido das perdas e danos cujo valor mínimo deve corresponder ao das arras.

O valor da indenização pode superar o equivalente á devolução em dobro das arras previstas para a hipótese de arrependimento (art. 420).

Havendo cumulação do pedido de execução do contrato com as perdas e danos, devem as arras ser abatidas do valor da indenização (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 225, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na esteira de Guimarães e Mezzalina, o dispositivo em questão pôs termo à longa discussão doutrinária existente a respeito da possibilidade de se exigir, cumulativamente, indenização e o recebimento das arras, em caso de inexecução do contrato. Vale lembrar que o caso em questão somente é aplicável às hipóteses de arras confirmatórias (vide comentário ao art. 420). No caso de descumprimento da prestação, não há necessidade de prova do prejuízo, para o recebimento das arras. Tal ônus impõe-se apenas nas hipóteses de cobrança de prejuízo suplementar.

É invalida a cláusula contratual que prevê a perda de parte das parcelas pagas pelo promissário-vendedor, com a rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel, ainda que seja a título de direito às arras, quando tal valor represente o enriquecimento sem causa do promitente-vendedor” (STJ, 3ª T., REsp nº 223118, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19.11.2001) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

Seguindo na linha de raciocínio de Bdine Jr., nos casos em que o contrato estipular a possibilidade de arrependimento, o sinal indenizará a parte prejudicada pelo exercício desse direito, de modo que sua natureza será penitencial, ao punir o contratante que exerce o direito de se arrepender. não será possível indenização suplementar, pois o arrependimento já estava previsto desde a celebração do contrato, de maneira que o valor do sinal já foi avaliado pelos contratantes com o objetivo de indenizá-los no caso de arrependimento da outra parte.

Arnaldo Rizzardo observa que não há lugar ao arrependimento, mesmo no caso de arras penitenciais, se elas representarem início de pagamento, pois, forte em Pontes de Miranda, sustenta que nessa hipótese haveria contradição indesejada entre “firmeza e infirmeza do contrato” (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 565) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 486 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na classificação da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, Arras penitenciais, adquirem essa qualificação sempre que as partes houverem convencionado expressamente o direito de arrependimento, ou seja, de desistir do contrato, valendo as arras, no caso, como indenização prefixada: quem deu, perde; quem recebeu, devolve eu dobro.

Independem as arras penitenciais, de haver ou não inadimplemento da obrigação uma vez que os contratantes podem escolher entre cumprir ou não cumprir o contrato, já estando a indenização prefixada.

Se o contrato não se concretizar por caso fortuito u força maior, não incidirá o disposto neste artigo. Quem deu as arras, as receberá de volta, acrescidas apenas da atualização monetária pertinente (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 225, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Guimarães e Mezzalina, o dispositivo em questão trata das arras penitenciais, as quais deverão ser, expressamente, estipuladas pelas partes no título da obrigação. Do contrário, as arras terão apenas o aspecto confirmatório, tratado nos dispositivos anteriores. A grande diferença entre ambas é a impossibilidade de se exigir indenização suplementar, dado que as arras penitenciais são consideradas uma estimativa convencionada entre as partes de perdas e danos.

“Tratando-se penitenciais, a restituição em dobro do devidamente corrigido pelo promitente- vendedor exclui indenização maior a título perdas e danos. Súmula 412 do STF e precedentes do STJ e precedentes do STJ” (RSTJ, 110/281) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 16.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 414, 415, 416 - Da Cláusula Penal – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 414, 415, 416
- Da Cláusula Penal – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 389 a 420) Capítulo V – Da Cláusula Penal –
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Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas essa só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.

Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.

Seguindo a esteira de Bdine Jr., caso a obrigação seja indivisível e sejam vários os devedores, se apenas um deles inadimplir o contrato, todos incorrerão na pena. No entanto, segundo este dispositivo, somente o culpado poderá ser cobrado pela dívida toda. Os demais responderão apenas por sua quota.

O parágrafo único deste dispositivo autorizada os não culpados a ajuizarem ação regressiva em face do culpado. Caso a obrigação seja divisível, só incorre na pena o devedor infrator, ou seu herdeiro, proporcionalmente à sua parte na obrigação (CC, 415) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 475 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, quando a obrigação é indivisível e vários são os devedores, o inadimplemento de qualquer um deles determina a cominação da pena a todos. Como a pena é representada, em regra, por uma quantia em dinheiro, torna-se divisível e por isso deve ser exigida proporcionalmente a cada um dos devedores, admitindo o Código que seja exigida de forma integral apenas do culpado.

É claro que se a cláusula pena se constituir também em obrigação indivisível ou se estiver estabelecido quanto a ela a solidariedade, poderá ser toda ela exigida de qualquer um dos codevedores, independentemente de culpa sempre ressalvada a ação regressiva conta o culpado (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 223, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Guimarães e Mezzalina, o Código parte do pressuposto de que a cláusula penal não é indivisível, especialmente por, em geral, ser estipulada em pecúnia. Por essa razão, cada um dos codevedores deve ser responsável por sua quota-parte (concursu partes fiunt). No entanto, em se tratando de cláusula penal que contenha obrigação indivisível, a pena poderá ser cobrada de qualquer um dos codevedores, ao qual caberá o devido direito de regresso contra o culpado pelo descumprimento.

Na solidariedade entre os codevedores, aplica-se o regramento pertinente (CC, 264 a 685), ficando todos os devedores responsáveis pela integralidade da cláusula penal.

Recuperação judicial. Impugnação de crédito. Instrumento Particular de Confissão de Dívida com Garantia Real. Garantia consistente em lavratura de escritura de segunda hipoteca de imóvel pertencente à interveniente anuente, empresa controlada pela recuperanda – Cláusula penal prevendo que não outorgada a escritura no prazo de trinta dias, incidiria multa equivalente a 50% do valor do imóvel, assumida a obrigação pela recuperanda e pela interveniente anuente. Multa que deve ser incluída no OGC – inteligência do disposto nos artigos 263, 219 e 414 do CC/2002. Indiscutível a solidariedade entre os devedores, a cláusula penal prevista contratualmente de qualquer um dos devedores solidários, já que compõe o valor da obrigação originariamente assumida por todos eles. Sentença reformada e agravo de instrumento provido determinando-se a inclusão da multa” (TJSP Câm. Especial de Fal. e Rec. Jud., AI n. 512.896-4, Rel. Des. Romeu Ricupero, j. 31.10.2007) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 15.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

Para Fiuza, o dispositivo foi simplesmente repetido do Código Civil de 1916. Sobre o tema, já sintetizava Beviláqua que “a divisibilidade da obrigação personaliza a responsabilidade pela infração. Somente o culpado incorre na pena, e esta se lhe aplica, proporcionalmente a sua quota, porque o credor apenas em relação a essa parte foi prejudicado. Pela parte restante continuam os outros devedores responsáveis, como desde o começo, cada um por sua quota” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 78) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 223, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Bdine Jr., no caso de obrigações com prestação divisível, somente o devedor que infringir a obrigação estará sujeito à cláusula penal e só responderá em proporção à sua parte na obrigação (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 475 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento de Guimarães e Mezzalina, referido dispositivo nem encontrava razão de existir face à regra geral a respeito de obrigações divisíveis (CC, 257). O dispositivo em questão parece ter sido inserido em mera simetria ao artigo 414 (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 15.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

Caminhando na esteira de Bdine Jr., tem-se que a cláusula penal é semelhante às perdas e danos, da qual se distingue porque seu valor é arbitrado antecipadamente pelos contratantes, e não posteriormente, pelo juiz. As perdas e danos abrangem o dano emergente e o lucro cessante, nos termos do art. 402. Dessa forma, permitem que os prejuízos sejam ressarcidos integralmente.

Por contemplar uma estimativa antecipada feita pelos contratantes, a cláusula penal pode estar além ou aquém do montante efetivo dos prejuízos. A cláusula penal também não se confunde com a multa simples, constituída por certa importância que deve ser paga em caso de infração a certos deveres: multa de trânsito, multa por infração à convenção do condomínio etc. A multa simples não mantém relação com o ressarcimento dos danos, ou com o inadimplemento contratual, visando apenas a punir o infrator.

A multa penitencial é outro instituto que não se confunde com a cláusula penal. A cláusula penal é instituída em benefício do credor, como está expresso no CC, 410. O devedor não tem a faculdade de optar entre cumprir a obrigação ou pagar a multa. A multa penitencial é estabelecida em favor do devedor. caracteriza-se quando as partes estabelecem que ele poderá cumprir a prestação devida ou pagará multa.

Em relação às arras penitenciais, a cláusula penal apresenta semelhanças. Ambas são acessórias e destinam-se a garantir o cumprimento da obrigação, sendo certo que seus valores são prefixação de perdas e danos. Diferenciam-se, no entanto, em razão do seguinte: a) a cláusula penal atual como elemento de coerção para evitar o inadimplemento contratual, enquanto as arras penitenciais, por permitirem o arrependimento, facilitam o descumprimento da avença. Nessa hipótese, segundo a regra do CC, 420 e a súmula 412 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ocorrerá a perda do sinal ou sua restituição em dobre, sem que nada mais possa ser exigido a título de perdas. É preciso observar, contudo, que a regra do CC, 420 só se refere às arras penitenciais, como se verá no estudo do item específico sobre o tema; b) a cláusula penal pode ser reduzida pelo juiz em caso de cumprimento parcial da obrigação ou de montante manifestamente excessivo, o que não ocorre em relação às arras; c) a cláusula penal é exigível somente se houver inadimplemento do contrato, mas as arras são pagas antecipadamente; d) a cláusula aperfeiçoa-se com a simples estipulação no instrumento, mas as arras dependem da entrega de dinheiro ou de outro objeto.

Com a utilização da cláusula, as partes dispensam a necessidade da demonstração dos prejuízos e de sua liquidação, tornando-se suficiente a demonstração do inadimplemento. É o que está consignado neste artigo 416. O parágrafo único deste dispositivo impede o credor de exigir o valor suplementar dos prejuízos, quando ele ultrapassar o da cláusula penal. Ressalva, porém, a possibilidade de as partes convencionarem o contrário, hipótese em que a pena estipulada corresponderá ao valor mínimo da indenização. Desse modo, caso os prejuízos demonstrados na ação sejam inferiores ao valor da pena convencional, prevalecerá este último.

Para Carlos Roberto Gonçalves, “não pode o credor pretender aumentar seu valor, a pretexto de ser insuficiente. Resta-lhe, neste caso, deixar de lado a cláusula penal e pleitear perdas e danos, que abrangem o dano emergente e o lucro cessante. O ressarcimento do prejuízo será, então, integral. A desvantagem é que terá de provar o prejuízo alegado. Se optar por cobrar a cláusula penal, estará dispensado desse ônus. Mas o ressarcimento pode não ser integral, se o quantum fixado não corresponder ao valor dos prejuízos” (Direito civil brasileiro, São Paulo Saraiva, 2004, v. II, p. 384).

No entanto, talvez o melhor entendimento a respeito para esta questão é o de que, mesmo nos casos em que o credor pretender abrir mão da cláusula penal e demonstrar os prejuízos, estará impedido de fazê-lo se as partes optaram pela fixação prévia do montante por intermédio da aludida pena convencional, sem convencionar a possibilidade de cobrança de indenização suplementar (MARTINS-COSTA, Judith, Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 482).

Caso os prejuízos resultem de dolo ou de culpa extracontratual, não prevalecerá a cláusula penal, que apenas se destina às hipóteses de perdas e danos resultantes de culpa contratual (GONÇALVES, Carlos Roberto. Op., Cit., p. 385) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 475 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, um dos efeitos da cláusula penal é a sua exigibilidade imediata, independentemente de qualquer alegação de prejuízo por parte do credor.

Este artigo 416, em seu parágrafo único, inova o direito anterior ao permitir, na prática, a elevação da cláusula penal, sob o rótulo de “indenização suplementar”, sempre que as partes houverem convencionado essa possibilidade (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 223, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Guimarães e Mezzalina, em razão de sua função assecuratória, a prova contrária produzida pelo devedor no sentido de ausência de prejuízos do credor não ilide a aplicação da cláusula penal. Para sua exigibilidade, basta apenas e tão somente a prova do descumprimento da obrigação garantida.

Em regra, a cláusula penal compensatória não pode ser exigida em conjunto com a obrigação principal, dado que a primeira se configura alternativa do credor à segunda (CC, 410). Todavia, por não se tratar de matéria de ordem pública, podem as partes estipular de modo contrário, instituindo a possibilidade de exigir perdas e danos adicionais à cláusula penal compensatória. Nesse caso, caberá ao credor demonstrar que o valor estipulado à cláusula penal não é suficiente para indenizar os prejuízos acarretados pelo descumprimento da obrigação (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 15.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Direito Civil comentado. Arts. 49, 50, 51 – Das Pessoas Jurídicas Inclui MP 891/2019 – Vargas, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO. Arts. 49, 50, 51 –
 Das Pessoas Jurídicas Vargas, Paulo S. R.
 
TITULO I – Das Pessoas Jurídicas (art. 40 a 69)
Capítulo IDisposições Gerais
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório.1

1.               Nomeação Judicial de administrador provisório

Uma vez que a pessoa jurídica não pode ficar sem representação, para as excepcionais hipóteses em que os próprios membros da sociedade deixem de indicar um administrador, deverá o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear um administrador provisório, cujo procedimento será o da jurisdição voluntária (CPC, art 1.103/1973 – correspondência no CPC/2015 no “Art. 719. Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção.”).

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações seja, estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 1, 2, 3, 4, 5, 6.

1.               Desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica “consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade oral sempre que esta venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída, permitindo que o credor de obrigação assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio particular de seus sócios ou administradores para a satisfação de seu crédito”. (1)

2.               Requisitos e limites para a desconsideração da personalidade jurídica

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica é permeada pela noção do abuso do princípio da autonomia da personalidade e do patrimônio das pessoas jurídicas em relação a seus membros. Caracterizado o abuso, seja pelo desvio de finalidade (teoria subjetiva) seja pela confusão patrimonial (teoria objetiva), é legitimo aos credores da pessoa jurídica afastar, pontual e temporariamente, a autonomia da pessoa jurídica em relação a seus sócios ou administradores, atingindo diretamente o patrimônio dessas pessoas para satisfazer obrigações existente contra a pessoa jurídica. É o abuso, portanto, o elemento necessário à desconsideração da personalidade jurídica. É o abuso, portanto, o elemento necessário à desconsideração da personalidade jurídica, sendo desnecessária a prova da insolvência da sociedade (nessa hipótese de desconsideração com base no artigo 50 do Código Civil). Nesse sentido: “A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 281). Apesar de inegavelmente admitida, a desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção à regra geral da autonomia da personalidade das pessoas jurídicas, razão pela qual deve ser interpretada sempre restritivamente e aplicada nos exatos limites de sua necessidade. “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido” (I Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 7) e “Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este enunciado não prejudica o Enunciado n. 7)” (I Jornada de Direito Civil, enunciado n. 146). “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 282). “As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 284).

3.               Encerramento irregular

O encerramento irregular da pessoa jurídica caracterizado pelo simples abandono de suas atividades sem o arquivamento do ato de encerramento no respectivo registro, por si só, não permite a desconsideração da personalidade jurídica com a consequente extensão da responsabilidade patrimonial aos membros da pessoa jurídica. Nesse sentido: “o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica” (IV Jornada de Direito Civil, Enunciado n. 282). É essa também a posição recente do Superior Tribunal de Justiça: “A mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica” (STJ, AgRg no REsp n. 1.173.067-RS, j. 01.06.2012, rel. Min. Nancy Andrighi). Todavia, o encerramento irregular autoriza a presunção de abuso, transferindo ao sócio a prova de inexistência desse abuso: “do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio” (SRJ, REsp n. 1.259.066-SP, j. 19.06.2012, rel. Min. Nancy Andrighi).

4.               Teoria maior e teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor

Além da regra geral de desconsideração da personalidade jurídica consagrada pelo artigo 50 do Código Civil, no campo do direito ambiental e do direito do consumidor, a desconsideração da personalidade jurídica é admitida tão somente com a demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Por exigir requisitos mais rígidos, a regra geral da desconsideração da personalidade jurídica foi denominada Teoria Maior da Desconsideração. “- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. – A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (Teoria Subjetiva da Desconsideração). – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isso é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (STJ, REsp n. 279.273-SP, j. 04.12.2003, rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi).

5.               Desconsideração inversa da personalidade jurídica

A situação mais ordinária e comum de abuso da autonomia da personalidade e do patrimônio da pessoa jurídica ocorre quando seus sócios ou administradores se utilizam da pessoa jurídica para satisfação de seus interesses pessoais, desviando-se dos interesses da própria pessoa jurídica. Nessas hipóteses, portanto, se permite que os credores da pessoa jurídica busquem diretamente os bens dos sócios ou administradores que cometeram esse abuso para satisfação de seus créditos.

6.               Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica

Não se discute mais que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser feita na mesma ação movida contra a pessoa jurídica, independentemente de uma ação autônoma. Contudo, não pode permitir a desconsideração da personalidade jurídica, afetando o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores sem lhes oportunizar o amplo contraditório, o que preferencialmente deve ser feito por meio de um incidente ao processo. A questão, contudo, é complexa e a jurisprudência ainda debate a necessidade da prévia instauração desse incidente, frente a possibilidade de o contraditório se instaurar após a intimação do sócio da penhora realizada sobre seu patrimônio, por meio de embargos à execução, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade (STJ, REsp n. 1.096.604-DF, j. 02.08.12, rel. Luís Felipe Salomão). (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 15.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)             Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 4ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 208.

Segundo Artigo de Anderson Schreiber, publicado por Flávio Tartuce, aqui reproduzido 10.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)) existe uma Medida Provisória em Abril/2019 de MP 881/2019, com alterações ao Código Civil – Parte 1, com a seguinte redação:

O Presidente da República editou, em 30 de abril de 2019, a Medida Provisória nº 881, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica:

Trata-se, segundo o próprio Governo Federal, de tentativa de superação da estagnação econômica e das altas taxas de desemprego, notadamente por meio da redução da burocracia necessária para pequenos e médios empreendedores desenvolverem atividades. Segundo o artigo 1º da MP, ‘fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.’”

O § 1º do artigo inicial revela a abrangência das modificações pretendidas: “O disposto nesta Medida Provisória será observado na aplicação e na interpretação de direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente.” A MP promoveu, ainda, diversas alterações no corpo do Código Civil. Foram analisadas as principais modificações em dois textos, sendo este o primeiro deles. Iniciado pela Parte Geral e pela Teoria Geral dos contratos.

Na Parte Geral do CC/2002, a MP 881/2019, inseriu expressivas modificações no art. 50, que trata do instituto da desconsideração de personalidade jurídica. 2. O Caput do artigo foi alterado, explicitando que a desconsideração deverá atingir os bens apenas dos administradores ou sócios direta ou indiretamente, beneficiados pelo abuso da personalidade jurídica. A alteração evita que a desconsideração venha a se dar em prejuízo de sócios ou administradores que não contribuíram para o abuso, como sócios minoritários que não participam da administração da pessoa jurídica – os quais, de fato, não deveriam ser atingidos pela desconsideração.

Todavia, a expressão “direta ou indiretamente beneficiados” deve ser interpretada de modo ampliativo: administradores e sócios que participam da administração da pessoa jurídica têm, também eles, o dever de evitar o abuso da personalidade jurídica e, nesse contexto, ainda que não tenham sido diretamente beneficiados pelo abuso, podem ser chamados a responder como beneficiários indiretos, especialmente nos casos em que o sócios e administradores diretamente beneficiados não tenham patrimônio suficiente.

A MP 881/2019 acrescentou, ainda, cinco novos parágrafos ao artigo, buscando estabelecer critérios objetivos para a aplicação do instituto. Nesse particular, a Medida Provisória merece elogios: a desconsideração da personalidade jurídica é instituto cujo impacto sobre sócios e administradores andava a merecer a indicação de parâmetros mais objetivos na codificação civil. Nessa direção, o § 1º define o que se deve entender por desvio de finalidade, aludindo à utilização dolosa da pessoa jurídica para (a) lesar credores e (b) praticar atos ilícitos de qualquer natureza. Apesar do conectivo “e”, não se trata de requisitos cumulativos, bastando o ouso da pessoa jurídica em um ou outro sentido para a caracterização do desvio de finalidade. A exigência de dolo, no entanto, é criticável: dificulta excessivamente a aplicação da desconsideração e atrela o artigo 50 a uma perspectiva subjetivista, que enxerga a desconsideração como uma sanção a um mal feito, afastando-se da abordagem contemporânea do abuso do direito como exercício de uma situação jurídica subjetiva em dissonância com a sua finalidade normativa – como parecia ter sido a intenção do legislador na versão original do Código Civil, ao optar pelo emprego da expressão desvio de finalidade. Ainda em relação a essa matéria, a MP 881/2019 estabelece que a mera alteração da atividade originariamente desenvolvida pela pessoa jurídica não implica, per si, desvio de finalidade (art. 50, § 5º).

A segunda hipótese de abuso da personalidade jurídica, a confusão patrimonial, é detalhada no § 2º do artigo 50 – também introduzido pela MP 881/2019 -, que alude à ausência de separação de fato entre os patrimônios dos sócios e da pessoa jurídica. Os dois primeiros incisos deste parágrafo descrevem exemplos corriqueiros de confusão patrimonial, como o cumprimento reiterado de obrigações do sócio ou administrador pela pessoa jurídica, ou vice-versa, e a transferência de ativos sem efetiva contraprestação. O terceiro inciso refere-se genericamente a “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial”, possibilitando ao intérprete identificar, a partir de elementos do caso concreto, outras modalidades de confusão, como, por exemplo, a prestação de garantia pela pessoa jurídica em negócio de interesse exclusivo do sócio.

A MP 881/2019 acrescentou ao artigo 50, também o § 3º, que consagra a noção de desconsideração inversa da personalidade jurídica, há muito admitida por nossa doutrina e jurisprudência. Com efeito, não obstante a desconsideração ter sido concebia para permitir que credores da pessoa jurídica alcançassem o patrimônio dos sócios ou administradores, admite-se hoje a invocação da teoria para justificar o movimento inverso: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros” (Enunciado n. 283 da IV Jornada de Direito Civil). Por fim, a MOP 881/2019 – por meio do novo § 4º do artigo em comento, afastou a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica a partir da mera identificação de grupo econômico, exigindo, também nesses casos, a presença dos requisitos do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. Também aqui, a alteração é elogiável: aplicar a desconsideração da personalidade jurídica a partir da mera configuração de grupo econômico significaria a pagar as fronteiras entre as diferentes personalidades jurídica, subvertendo o instituto.

Já no capítulo do Código Civil dedicado aos contratos em geral, foram diversas as modificações realizadas. Primeiramente, a MP 881/2019 inseriu na parte final do Caput do artigo 421, que consagra o princípio da função social do contrato, a necessidade de observância ao disposto na chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

O acréscimo parece ter tentado prestigiar os princípios norteadores daquela Medida Provisória, quais sejam, a “proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica” (art. 1º). A função social, contudo, exerce justamente o papel de impor juízo de merecimento de tutela sobre o exercício da liberdade contratual, condicionando-a à promoção dos valores constitucionais. Determinar que a aplicação da noção de função social do contrato se dê com observância da liberdade econômica é uma contradição nos seus próprios termos e parece exprimir uma absoluta falta de conhecimento do próprio conceito de função social. O acréscimo somente não merece crítica mais aguda porque é inócuo: afirma, a rigor, que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observada a própria liberdade de contratar.

Embora tautológica, a nova redação do Caput do art. 421 não promete trazer qualquer transformação concreta no modo como nossa doutrina e jurisprudência aplicam a noção de função social do contrato – noção que, de resto, derivaria diretamente da Constituição, independentemente de atuação do legislador ordinário, na medida em que a funcionalização dos institutos jurídicos ao atendimento de valores sociais relevantes resulta da própria primazia que o Constituinte atribui a tais valores, mesmo quando tutela a livre iniciativa, não como liberdade vazia, mas em atenção ao seu “valor social” (CR, art. 1º, IV)

Indo além, a MP 881/2019, também introduziu no artigo 421, um parágrafo único, que estabelece a prevalência de um assim chamado “princípio da intervenção mínima do Estado” e reserva caráter “excepcional” à revisão contratual “determinada de forma externa às partes”. Mais uma vez, o equívoco salta aos olhos. Não existe um “princípio da intervenção mínima do Estado”; a intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada é imprescindível, quer para assegurar a força vinculante dos contratos, quer para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive das normas constitucionais, de hierarquia superior à referida Medida Provisória. A MP 881/2019 parece ter se deixado levar aqui por uma certa ideologia que enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando, na verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito – afigura-se necessária para assegura o exercício da referida liberdade.

No que tange à revisão contratual, também parece ter incorrido a Medida Provisória nessa falsa dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de contratar, quando, ao contrário, a revisão contratual privilegia o exercício dessa liberdade ao preservar a relação contratual estabelecida livremente entra as partes, ao contrário do que ocorre com a resolução contratual, remédio a que já tem direito todo contratante nas mesmas situações em que a revisão é cabível, em conformidade com o art. 478. Se a intenção da MP foi evitar que revisões judiciais de contratos resultem em alterações excessivas do pacto estabelecido entre as partes, empregou meio inadequado: afirmar que a revisão contratual deve ser excepcional nada diz, porque não altera as hipóteses em que a revisão se aplica, hipóteses que são expressamente delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único acrescentado pela MP tampouco indica parâmetros, critérios ou limite à revisão contratual, o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá qualquer efeito relevante  no modo como a revisão contratual é aplicada na prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se dá com bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo contratual.

A referida MP modificou, ainda, o caput do art. 423, que trata da interpretação pró-aderente, substituindo a referência a cláusulas “ambíguas ou contraditórias” que constava de sua redação original pela alusão a cláusulas “que gerem dúvida quanto à sua interpretação”. A modificação é compreensível: não existem, tecnicamente, cláusulas ambíguas ou contraditórias, pois ambiguidade e contradição são constatações a que chega o intérprete após a interpretação das cláusulas, constituindo não um prius, mas um posterius em relação à compreensão do sentido e alcance das disposições contratuais.

A MP 881/2019 acrescentou, ainda, um parágrafo único ao artigo 423, repleto de equívocos redacionais. Alude, em primeiro lugar, a “contratos não atingidos pelo disposto no caput”, quando normas jurídicas evidentemente não atingem contratos, mas os abrangem ou contemplam. Afirma, ainda, que, em tais casos, “a dúvida na interpretação beneficia” a parte que não redigiu a cláusula controvertida, quando dúvidas não beneficiam ninguém: é a interpretação da cláusula que deve ser benéfica a uma ou outra parte. Abstraindo-se as questões linguísticas, o novo dispositivo parece ter pretendido ampliar a incidência da chamada interpretativo contra preferentem ou contra stipulatorem: quem redige a cláusula não pode se beneficiar da sua falta de clareza, devendo tal cláusula ser interpretada em favor da contraparte. Não se pode, contudo, generalizar demasiadamente a referida orientação hermenêutica. Em relações paritárias, nem sempre é fácil identificar quem redigiu a cláusula: um contratante pode não ter elaborado a redação de uma certa cláusula, mas pode ter tido a oportunidade de modifica-la, optando por não fazê-lo. Em tais hipóteses, lançar sobre o redator todo o ônus interpretativo pode se revelar desproporcional. Daí ter o Código Civil, em sua redação original, limitado a regra às relações contratuais de adesão. A extensão promovida pela MP 881/2019 deve ser, portanto, aplicada com cautela.  

Além das modificações implementadas em dispositivos já existentes, a MP 881/2019 acrescentou dois artigos ao Código Civil, aplicáveis às chamadas relações interempresariais. Dispõe o novo art. 480-A: “Nas relações interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual”. A norma, como alguns outros acréscimos promovidos pela MP, representa inovação de pouca ou nenhuma utilidade prática: os contratantes sempre puderam, no exercício de sua autonomia privada, estabelecer parâmetros objetivos (ou subjetivos) para a interpretação dos requisitos de revisão ou resolução do contrato, nas relações interempresariais ou de qualquer outra natureza. Tal faculdade, já há muito reconhecida pela doutrina, não exclui a necessidade de um juízo concreto de merecimento de tutela para determinar, em cada caso, a compatibilidade dos parâmetros contratualmente estabelecidos com a ordem jurídica brasileira, atentando especialmente para a impossibilidade de afastamento do princípio do equilíbrio contratual. A fixação convencional de parâmetros para interpretação dos requisitos instituídos em lei não pode, a toda evidência, conduzir à supressão dos referidos requisitos.

Já o art. 480-B prevê que “nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.” A norma é insólita. A simetria entre os contratantes é presumida em qualquer relação contratual, e não apenas em relações interempresariais. A caracterização da vulnerabilidade de um dos contratantes é que afasta tal presunção, sempre relativa.

Também a parte final do dispositivo que determina seja observada a alocação de risco estabelecida pelos contratantes parece fora de lugar: tal alocação deve ser observada em qualquer espécie de relação contratual, e não apenas nas relações interempresariais. O novo art. 480-B é ruim, pois, se interpretado a contrario sensu, poderia levar à conclusão de que, fora das relações interempresariais, a simetria não se presume e a alocação convencional de riscos deve ser ignorada, bem ao contrário do que deveria pretender uma assim chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Merece crítica, ademais, a tentativa de estabelecer, pela introdução de normas não constantes da redação original da codificação civil, uma espécie de microssistema das relações interempresariais, incompatível com um código que, ao revés, unificou as relações civis e empresariais, contemplando expressamente o direito de empresa.

Encerra-se, assim, a análise das alterações realizadas pela MP 881/2019 na Parte Geral e na Teoria Geral dos contratos.


2. Redação originária do artigo: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.”

2.    Redação originária do artigo:

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional.”

3.Redação originária do artigo: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” Redação modificada pela MP 881/2019: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente. Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida.” Alterações da MP 881 ao Código Civil - Parte I - Artigo de Anderson Schreiber. Publicado por Flávio Tartuce - Alterações da MP 881/2019 ao CÓDIGO CIVIL - PARTE I. Anderson Schreiber. Professor Titular da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Advogado. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que essa se conclua.1

§ 1º. Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.

§ 2º. As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.

§ 3º. Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

1.               Liquidação da sociedade

O artigo 51 estabelece a necessidade da prévia liquidação da sociedade antes da extinção de sua personalidade jurídica. Durante a fase de liquidação, a sociedade mantém sua personalidade jurídica devendo realizar todo seu ativo e pagar todos os débitos. É apenas após a destinação de todo o patrimônio da sociedade e do pagamento de todas as dívidas que se extingue a personalidade da pessoa jurídica, cancelando-se sua inscrição no registro (CC, arts 1.033 a 1.038, CPC/1973, arts 655 e 674, correspondendo aos arts. 835 e 860, do CPC/2015, respectivamente, mantidos em vigor por força do art 1.218 do CPC/1973, correspondendo ao art 1.046, §§ 2º, 3º e 4º do CPC/2015.  (Direito civil comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site direito.com em 16.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).