sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 447, 448, 449, continua - Da Evicção – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 447, 448, 449, continua
- Da Evicção – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção VI – Da Evicção
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

Seguindo a esteira de Nelson Rosenvald, nas relações contratuais, não é suficiente que o transmitente entregue a coisa, cumprindo a obrigação principal, para haver a satisfação do outro contratante. As obrigações são complexas, exigindo-se do alienante que atue conforme a boa-fé, observando os deveres anexos de proteção, cooperação e informação, a fim de que o bem adquirido possa ser fluído da melhor forma possível pelo adquirente, tutelando-se as suas legítimas expectativas quanto ao negócio jurídico realizado.

Contudo, além da obrigação principal e dos deveres instrumentais oriundos da boa-fé, o sistema jurídico concebe garantias quanto à tutela física e jurídica do objeto adquirido. Vale dizer que o adquirente será protegido quanto à existência de vícios ocultos que tornem a coisa impropria para o uso (CC, 441), bem como no tocante à legitimidade do direito que é transferido.

Sobre os vícios redibitórios já efetuamos comentários. Relativamente à evicção, cuida-se de dever de garantia diante de eventual perda da coisa em virtude de decisão judicial ou administrativa que conceda o direito – total ou parcial – sobre ela a um terceiro estranho à relação contratual em que se deu a aquisição. O terceiro demonstra a anterioridade de seu direito, por deter a condição de real proprietário ou possuidor do bem, através de titulação anterior ao negócio que concedeu o direito ao adquirente. Com a perda da coisa, este passa a se chamar evicto (excluído). Incumbirá ao evicto dirigir-se ao alienante, pleiteando a indenização pelos prejuízos decorrentes da transferência de um direito que não lhe pertencia quando formalizado o contrato.

É fundamental a constatação da anterioridade do direito do terceiro, sob pena de o adquirente assumir todos os prejuízos consequentes à perda da cosa cujo fato gerador seja posterior à sua aquisição. Portanto, se após adquirir o imóvel o comprador se vê na posição de réu de ação de usucapião, a possibilidade de arguir a evicção em face do alienante variará conforme se tenha completado o prazo da usucapião: se antes ou depois (quando tinha condições de interromper a sua fluência) do registro. Evicção também haverá quando o decreto desapropriatório tiver antecedido o negócio jurídico, mas não for informado o fato ao adquirente. Certo é que, se tivesse conhecimento anterior da titularidade alheia do bem adquirido, não poderia posteriormente agir contra o alienante, figurando o abuso do direito (CC, 187).

A evicção se impõe nos contratos onerosos em geral, não apenas na compra e venda, de onde o modelo se originou. Contratos onerosos são aqueles em que ambas as partes obtêm encargos e vantagens recíprocas. Basta verificar a evicção na cessão onerosa de crédito (CC, 295), na dação em pagamento (CC, 359) e na transação (CC, 845).

Nos contratos gratuitos, como a doação, não se aplica a evicção, pois o adquirente não sofre um prejuízo propriamente dito, mas apenas a perda de uma vantagem (CC, 552). Contudo, nada impede que dentro de uma liberalidade o alienante consinta em assumir os riscos pela perda da coisa. Há que recordar ainda a especial natureza das doações com encargo, nas quais, apesar da gratuidade, o elemento acidental as converte em contrato bilateral.

Aliás, ao contrário dos vícios redibitórios, localizados nos contratos comutativos (CC, 441), a evicção se estende aos contratos aleatórios (CC, 458), nos quais há uma incerteza sobre o ganho e a perda. Com efeito, são eles onerosos, pois existe a garantia de adimplemento da eventual contraprestação.

Outrossim, o vício sempre se referirá a uma questão de direito que paira sobre a propriedade ou posse da coisa adquirida. Essa posse será civil, ou seja, aquela obtida por relação contratual (v.g. usufrutuário, arrendatário). Aliás, na locação, o CC, 568 bem explicita a questão. Se, porventura, a insurgência do terceiro disser respeito a aspectos fáticos, ligados à espoliação do bem por terceiros ou fatos da natureza, o alienante nada indenizará, pois apenas garante a indenidade jurídica da coisa.

A cláusula que acautela o adquirente em face da evicção é implícita, mesmo nos contratos efetuados em hasta pública. Destarte, haverá proteção em prol daquele que arrematou judicialmente em processo de execução. A grande indagação é a seguinte: quem lhe indenizará pela coisa evencida? Afinal, não se trata de alienação de um bem, mas sim de uma hipótese de expropriação praticada pelo Estado. Ademais, propugnar a evicção contra o antigo dono é uma tarefa árdua, diante de seu estado econômico precário, a não ser que tenha percebido o saldo remanescente pela alienação. A outro turno, postular contra os credores da execução gera maiores chances de sucesso, haja vista que eles levaram o bem à hasta e embolsaram o seu valor. Poder-se-ia, em princípio, objetar que os credores nunca foram titulares do bem, porém a cláusula geral da função social do contrato (CC, 421) propicia que o adquirente alcance aqueles, tendo em vista que o adquirente se torna vítima de uma relação obrigacional entre o executado e exequentes. Em suma, o resguardo do princípio da boa-fé objetiva provocará uma solidariedade passiva entre credores beneficiados e o executado.

Classicamente a evicção era produto exclusivo de uma decisão judicial favorável a terceiros, proferida em ação que lhe reconhecesse propriedade ou posse sobre a coisa alienada. Atualmente, admite-se que a sentença não é indispensável, sendo suficiente um ato de apreensão do bem por autoridade administrativa, privando o titular do poder sobre a coisa.

Com efeito, para fins de tráfego jurídico em uma época de extremo dinamismo nas relações econômicas, não há acentuada diferença entre a perda de um direito por força de uma sentença e a sua privação por uma inegável prova quanto à titularidade da coisa pelo terceiro. basta cogitar das hipóteses de apreensão, por autoridade administrativa, de veículos furtados alicerçados em documentação falsificada. É possível mesmo cogitar da possibilidade de o proprietário abandonar o bem móvel (CC, 1.263) ou imóvel (CC, 1.276) para ingressar diretamente com o pedido indenizatório decorrente da evicção, em vez de aguarda passivamente pela iniciativa do terceiro (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 517-518 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a evicção é a perda ou desapossamento da coisa por causa jurídica, determinante e preexistente à alienação, reconhecida por decisão judicial e em favor de outrem, verdadeiro detentor do direito sobre o bem. Tem o mesmo escopo teleológico de proteção ao adquirente, como acontece nos vícios redibitórios (defeito de qualidade), referindo-se, porém, a um defeito jurídico relativo ao negócio celebrado.

O instituto compreende uma relação tríplice conflituosa, envolvendo o evictor (terceiro prejudicado e reivindicante), o evicto (adquirente lesado e vencido) e o alienante, responsável pela transmissão do bem ou direito reivindicado e que responde pelos riscos da evicção. Com efeito, o evicto tem ação contra o alienante, na forma dos arts. 450 e 455 do CC/2002. A evicção é total (CC, 450), parcial (perda não expressiva, com direito á indenização correspondente) ou, ainda parcialmente considerável (CC. 455).

Conforme a jurisprudência, o direito de demandar pela evicção não supõe, necessariamente, a perda da coisa por sentença judicial, admitindo-se, a tanto, os atos administrativos: “Evicção. Apreensão do veículo pela autoridade administrativa. 1. Precedentes da Corte assentaram que a ‘existência de boa-fé’, diante dos termos do CC. 1.107, não afasta a responsabilidade pelo fato de ter sido o veículo negociado apreendido pela autoridade administrativa, não sendo exigível prévia sentença judicial” (STJ, 4 ~T. REsp 33.803-SP, rel. Mm. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27-3-2000). No mesmo sentido: RSTJ, 74/219; REsp 162.163-SP; 64.496-SP; 51.875-RJ. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 242, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No diapasão do Professor Marco Túlio de Carvalho Rocha, temos como conceito de Evicção, a perda total ou parcial de uma coisa, em virtude de sentença que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, de onde nascera a pretensão do evicto” (Clóvis Beviláqua, Código Civil..., v. 4, p. 281).

A prestação nem sempre pressupõe a transferência da posse (ex.: há evicção se A cede a B crédito contra C que se vem a saber ser de titularidade de D)

Antes da efetiva perda do bem, o adquirente pode requerer a anulação do negócio por erro, a resolução contratual, exigir caução, opor a exceptio non adimpleti conractus ou opor a exceptio doli (art. 477, “invocável por analogia”).

Os vícios de direito podem ser afastados pelo alienante até o momento da prestação.

Evicção vem do latim evincere = ex vincere, vencer, pondo fora, tirando, afastando. Vencedor: evictor; vencido: evicto.

Exemplos (situações que podem configurar a evicção): o alienante não tem a propriedade do bem; o alienante não tem a posse do bem; o bem encontra-se gravado com ônus real; terceiro exerce direito de preferencia sobre o bem; o bem foi penhorado por dívidas do alienante; o bem foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação.

Não há evicção; a) se o bem se perde antes de ser prestado; não há evicção se a aquisição do bem encontra-se sujeita a condição suspensiva não realizada ou pendente de termo inicial, salvo se já tiver havido adimplemento; b) se o bem encontrava-se sujeito a condição resolutiva de domínio de que o adquirente tinha ou deveria ter conhecimento (ex.: cláusulas de retrovenda ou de preferência, ou preferência legal); c) na alienação de universalidade se houver a perda de um bem pertencente a ela, salvo se houver cláusula expressa ou se o bem for “essencial” (há evicção pela perda da universalidade); d) se não existir o bem alienado; a responsabilidade a que se refere o art. 295 não configura responsabilidade pela evicção, mas decorre de nulidade absoluta por impossibilidade do objeto; e) em razão de limitações legais (administrativas, civis ou constitucionais) ao direito (ex.: proibição de exercício de atividade comercial, direitos de vizinhança), porque o direito existe com as referidas limitações; f) se o alienante aliena a terceiro o bem que deveria transferir ao adquirente, depois de realizado o contrato com este (há inadimplemento); g) não é evicção a anulabilidade por erros nem a resolução contratual, nem a indenizatória por inadimplemento. O adquirente “tem de escolher o exercício de uma ou de outra pretensão”. São possíveis pedidos sucessivos alternativos.

A evicção pode ocorrer se entre alienante e adquirente tiver havido: a) contrato oneroso comutativo (art. 447) – em geral os em que há obrigação de dar, inclusive os de uso temporário e os plurilaterais (art. 1.005); b) alienação em hasta pública (art. 447); c) partilha (art. 2.024); d) demarcação; e) doação propter núpcias (art. 552).

Ocorre, se a perda da coisa dá-se em razão de ação petitória, possessória, declaratória, anulatória, resolutiva ou rescisória.

A casa da evicção pode ser fato anterior, simultâneo ou posterior à conclusão do contrato.

A sentença é requisito indispensável à evicção? A lei não a exige expressamente, mas a tradição jurídica sim. A necessidade de sentença que decrete a perda da coisa para o adquirente é do próprio conceito de evicção. O fato de a sentença ser necessária a fim de ser caracterizar a evicção não significa que o adquirente é obrigado a aguardá-la para reclamar indenização ao alienante. Pode fazê-lo com base na anulação do negócio por erro, na resolução contratual, pode exigir caução, opor a exceptio non adimpleti contractus ou opor a exceptio doli. Tantos fundamentos jurídicos para pedido indenizatório fundado na alienação por pessoa não legitimada torna ainda mais claro não haver a necessidade de se distorcer o conceito de um instituto que possui longa tradição histórica e que pertence a todos os países da tradição jurídico romano-germânica.

Sílvio Venosa (Direito civil, v. II, p. 586) e Arnoldo Wald (Obrigações e contratos, p. 247), no entanto, defendem que a evicção pode decorrer de ato administrativo (ex.: apreensão policial de veículo furtado). Orlando Gomes julga a sentença dispensável se a evicção decorre de condição resolutiva (Contratos, p. 116). Nestes casos é mais adequado falar-se em responsabilidade pelo descumprimento contratual. O dever de garantia é uma das vertentes do princípio da boa-fé objetiva e, uma vez que o alienante não esteja em condições de assegurar a posse ou a propriedade do bem pelo adquirente, há infração desse dever. A tese de evicção sem sentença judicial tem sido acolhida, no entanto, pelo superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE RECONHECE A EVICÇÃO PARA QUE O EVICTO POSSA EXERCER OS DIREITOS DELA RESULTANTES. Para o evicto possa exercer os direitos resultantes da evicção, na hipótese em que a perda da coisa adquirida tenha sido determinada por decisão judicial, não é necessário o trânsito em julgado da referida decisão. A evicção consiste na perda parcial ou integral do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribua seu uso, posse ou propriedade a outrem em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição. Pode ocorrer, ainda, em razão de ato administrativo do qual também decorra a privação da coisa. A perda do bem por vício anterior ao negócio jurídico oneroso é o fator determinante da evicção, tanto que há situações em que os efeitos advindos da privação do bem se consumam a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, desde que haja efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito. Assim, apesar de o trânsito em julgado da decisão que atribua a outrem a posse ou a propriedade da coisa conferir o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção, o aplicador do direito não pode ignorar a realidade comum do trâmite processual nos tribunais que, muitas vezes, faz com que o processo permaneça ativo por longos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da contrição imediata dos bens do evito, que aguarda, impotente, o trânsito em julgado da decisão que já lhe assegurava o direito. Com efeito, os civilistas contemporâneos ao CC/1916 somente admitiam a evicção mediante sentença transitada em julgado, com base no art. 1.117, I, do referido Código, segundo o qual o adquirente não poderia demandar pela evicção se fosse privado da coisa não pelos meios judiciais, mas por caso fortuito, força maior, roubo ou furto. Ocorre que o Código Civil vigente, além de não ter reproduzido esse dispositivo, não contém nenhum outro que preconize expressamente a referida exigência. Dessa forma, ampliando a rigorosa interpretação anterior, jurisprudência e doutrina passaram a admitir que a decisão judicial e sua definitividade nem sempre são indispensáveis para a consumação dos riscos oriundos da evicção”. REsp 1.332.112/GO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 21/3/2013. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 08.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.

No diapasão de Nelson Rosenvald, o dispositivo permite que a autonomia privada das partes estenda, restrinja ou mesmo exclua a garantia jurídica da evicção. Afinal, não se trata de norma de ordem pública. Mediante cláusula contratual, adquirente e alienante poderão acrescentar valores àqueles devidos por prejuízos decorrentes da perda do direito, inserindo, por exemplo, caução pessoal de fiança ou obrigação de restituição em dobro. Outrossim, factível é o ajuste de atenuação dos valores eventualmente pagos pela evicção.

Contudo, no tocante à exclusão convencional dos riscos da evicção, perece-se apenas eficaz relativamente às perdas e danos, pois de qualquer jeito receberá o evicto restituição pelos valores pagos. A norma remete à exclusão da “responsabilidade” (perdas e danos) e não do pagamento ao adquirente.

A única exceção ao “mínimo indenizatório” concerne ao adquirente que tem conhecimento da situação duvidosa e litigiosa do direito do alienante e, mesmo assim, cientemente e expressamente dispensa a garantia. Celebrará um contrato aleatório (emptio spei), em que assume o risco do tocante à existência do bem, alforriando o alienante, sendo que nada receberá caso a evicção se pronuncie.

Nos contratos de adesão envolvendo relações privadas, o ordenamento sanciona com invalidade as cláusulas que contenham referencia à exclusão de responsabilidade pela evicção. Dispõe o CC, 424, sobre a nulidade dos ordenamentos que estipulem renúncia antecipada do aderente o direito resultante da própria natureza do negócio jurídico.

No mesmo sentido, nas relações de consumo serão nulas as cláusulas que impliquem renúncia de direitos, impossibilitando, atenuando ou exonerando a responsabilidade do fornecedor (CDC, 51, I) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 518 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lembrando a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o reforço, redução ou exclusão da responsabilidade pela evicção, são disposições de vontade dos contratantes, autorizadas por lei. Pelo reforço, as partes convencionam devolução de valor superior. Diversamente, poderão convir pela devolução não integral (redução) ou pela completa isenção de responsabilidade pela evicção, de caráter indenizatório, o que não exclui a responsabilidade do alienante pela devolução do preço (CC, 449), salvo se o adquirente, informado do risco da evicção, o assumiu (CC, 449, in fine) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 242, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito de reclamar indenização por evicção decorre da lei mas pode ser afastado, diminuído ou aumentado por disposição expressa das partes, anterior, simultânea ou posterior ao contrato.

O pacto de não garantir a evicção somente é eficaz se o evicto tinha conhecimento do risco (CC. 449 e 557), caso em que o negócio é aleatório segundo o CC, 460. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Na lição de Nelson Rosenvald, observamos pela redação do artigo que, mesmo diante de cláusula excludente de evicção – cláusula de non praestanda evictione - , poderá o adquirente reclamar a responsabilidade por desconhecimento da origem litigiosa da coisa. Nesse caso, ser-lhe-á restituído o valor correspondente ao preço pago, evitando-se o enriquecimento sem causa. Portanto, a cláusula que afasta a garantia é relativizada, quando o adquirente não é advertido sobre o risco da coisa.

O mesmo efeito de restituição do pagamento ocorre nos casos em que o alienante é informado do risco da evicção, porém não o assume. Como não desconhece o vício, resta excluído o dolo do alienante, que apenas restituirá o que recebeu, inserindo o adquirente na situação primitiva, sem nenhum acréscimo de perdas e danos.

Tratando-se da aquisição de bens imóveis, a averbação emprestará a necessária publicidade no tocante à configuração de constrições ou demandas sobre o bem negociado, impedindo que o adquirente alegue o desconhecimento dos riscos da evicção. Nesse sentido estava a letra do CPC/1973, 659, § 4º, na dicção conferida pela Lei n. 11.382/2006, (hoje correspondendo no CPC/2015, ao art. 844, com a seguinte redação: Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial).

Seguindo nos ensinamentos de Nelson Rosenvald, parece-nos, todavia, que o dispositivo descurou em sancionar com maior gravidade o alienante que sabia da existência da evicção e não informou o adquirente sobre os riscos. A omissão dolosa – pelo silêncio intencional da parte a respeito de qualidade da coisa que a outra parte ignorava – implicaria não só a necessidade de restituição dos valores pagos como ainda a imposição de indenização. Em suma, a responsabilidade do alienante é objetiva, pois independe da cogitação de culpa quanto ao conhecimento do fato. O seu fundamento é a garantia. Entretanto, a ciência prévia à alienação quanto ao evento determinante da evicção propiciará agravamento da responsabilidade, à medida que afronta o direito à conduta de quem procura se beneficiar com a própria torpeza. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 519 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina aberta por Ricardo Fiuza, o dispositivo limita a cláusula de isenção excludente de responsabilidade do alienante aos efeitos indenizatórios, não excluindo a sua obrigação de devolver o preço pago. Ocorrente a evicção, o adquirente (evicto), não obstante a cláusula, tem direitos de receber o preço que despendeu pela coisa evicta, seja porque, insciente do risco ou dele conhecendo, não o assumiu. Caso o tenha assumido, materializa-se a renúncia do evicto ao direito que lhe é assegurado.

A não-repetição do preço por assunção do risco pelo evicto enseja que este venha anuir com os riscos, importando cláusula de renúncia. Entende João Alves da Silva que “a obrigação de restituir o preço só desaparece, quando o adquirente teve conhecimento do risco e expressamente o assumiu, como cláusula licita que é” (João Luiz Alves, Código Civil da Republica dos Estados Unidos do Brasil! anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1917 (p. 753).

A jurisprudência tem consagrado: “Civil. Evicção e indenização. Cumulação. Possibilidade. Ainda que seja relevante a existência ou não de culpa do alienante para que este seja obrigado a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade, nada impede que o adquirente busque o ressarcimento também com base na regra geral da responsabilidade civil contida no CC, arts. 159 e 1.059” (STJ, 4 ~ T., REsp 4.836-SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, dj DE 15.06.1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 243, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira do mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo condiciona a cláusula que exclui a garantia da evicção a: a) desconhecimento do risco por parte do adquirente; b) não assunção do risco pelo adquirente que o conhecia.

Desse modo, em sua literalidade, o dispositivo leva a crer que o adquirente devidamente informado do risco poderia ainda demandar pela evicção. Importa, no entanto, apenas o conhecimento dos riscos pelo adquirente nos termos do art. 457. Evicção pressupõe erro do evicto; erro que somente existe se este ignora o risco que recaia sobre o direito. Se o adquirente foi informado do risco, pode demandar por outro fundamento, não pela evicção.

Haveria antinomia entre o art. 449 (cominado com o art. 460) e o 457, se o primeiro somente isentasse o alienante se o adquirente assumisse expressamente o risco da evicção. O art. 449 deve ser interpretado, no entanto, no mesmo sentido do art. 457: basta que o adquirente tenha tido conhecimento do risco para que o pacto de não garantir a evicção tenha plena eficácia, tornando o negócio aleatório (Clóvis Beviláqua. Código Civil..., v. 4, p. 283). Mais do que isso, na literalidade do art. 457, basta o conhecimento do risco para obstar o direito de reclamar indenização por evicção (Pontes de Miranda, Tratado..., t. XXXVIII, p. 247).

Arnaldo Wald vê quatro soluções conforme os dois critérios, conhecimento do risco pelo adquirente e exclusão da responsabilidade do alienante, se apresentem ou não. Deixa-se de analisar a referida tese em pormenor por se entender que ela não tem fundamento legal (Obrigações e contratos, p. 243) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 444, 445, 446 - Dos Vícios Redibitórios – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 444, 445, 446
- Dos Vícios Redibitórios
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção V – Dos Vícios Redibitórios
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

No pensar de Rosenvald, quando estudamos as obrigações de dar no Código Civil, aprendemos que, no momento da tradição da coisa, todos os riscos são transferidos do alienante para o adquirente (CC, 492). É o brocardo res perito domino – a coisa perece para o seu dono.

Todavia, nas hipóteses de evicção e vício redibitório, remanesce a responsabilidade do alienante, justamente pelo fato de o vício ser preexistente à entrega da posse – apesar de sua constatação ocorrer em momento posterior.

Seria o caso de alguém que adquire um veículo em boas condições aparentes e, alguns dias pós, surge um grave problema hidráulico, sendo detectada a sua anterioridade em relação ao momento da alienação.

Certamente, incumbe ao adquirente o ônus probatório da anterioridade do vício, sem nenhuma necessidade de se indagar sobre eventual culpa do alienante. Porém, caso o alienante tencione acrescentar ao seu pleito as perdas e danos (CC, 443), comprovará também a má-fé do adquirente, pois, como o visto, não se cogita aqui de responsabilidade objetiva.

Lembre-se que nas relações de consumo é factível a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), com facilitação da defesa do consumidor diante dos vícios do produto e do serviço, condicionada à manifestação do magistrado sobre os requisitos da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor. Será o óbice técnico da demonstração do nexo causal entre o vício e a sua anterioridade, que propiciará a inversão do ônus da prova, em detrimento do fornecedor (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 513 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo parecer de Ricardo Fiuza, a responsabilidade do alienante subsiste quando, já em poder do adquirente, a coisa alienada perece em virtude do vício oculto, desde que este preexista à tradição da coisa.

Ao adquirente apenas cabe exercitar a ação redibitória, diante do perecimento da coisa em decorrência do vício redibitório, não tendo lugar, por óbvio, a aplicação do art. 442. O alienante deverá restituir o que recebeu (valor do preço), acrescido das despesas contratuais, respondendo, ainda, por perdas e danos, caso verificada a prévia ciência do defeito oculto (art. 443) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 239, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a perda da coisa após a tradição extingue a pretensão do adquirente em razão de vícios redibitórios. Se, todavia, a perda da coisa ocorrer em razão do vício existente no momento da tradição, a responsabilidade do alienante por vícios redibitórios permanece, devendo-se observar, na sua quantificação, o disposto no artigo anterior.

O alienante não responde: a) se o adquirente tiver renunciado à garantia. A cláusula de exclusão da responsabilidade por dolo é nula; b) se a coisa perecer por caso fortuito, força maior ou por culpa do adquirente (Op. cit., loc., cit.) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contato da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-0se da alienação, reduzido à metade.

§ 1º. Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de centro e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2º. Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

No Código Civil de 1916, lembra Rosenvald, os prazos decadenciais para invocação de vício redibitório eram excessivamente econômicos. Contavam-se quinze dias para o exercício do direito potestativo de redibição ou abatimento do preço na aquisição de coisas móveis e seis meses para os imóveis, considerando-se os prazos a partir do momento da tradição.

Agora, o artigo em comento amplia os ditos prazos decadenciais para trinta dias, tratando-se de coisas móveis, e de um ano se for bem imóvel. O Código Civil corretamente afasta o termo inicial como o da tradição – somente aplicável aos bens móveis -, substituindo-se pelo momento da entrega efetiva da coisa, seja o bem móvel, seja imóvel. Vale dizer que, mesmo que o adquirente de um terreno ainda não tenha efetuado o registro e se convertido em proprietário (CC, 1.245), já estará em curso o prazo extintivo do direito desde o momento da transmissão da posse.

Em caráter inovador, o § 1º do art. 445 estabelece uma contagem de prazo decadencial distinta daquela sugerida pelo caput. O legislador adota um conceito jurídico indeterminado – “vício que por sua natureza só puder ser reconhecido mais tarde” – para estender o termo inicial para o momento em que o adquirente foi cientificado do vício, portanto em época posterior à entrega efetiva do bem.

Como qualquer conceito jurídico indeterminado, os contornos desses vícios serão delineados pelo magistrado na concretude do caso, diante das peculiaridades da situação e, é claro, da relação entre o vício e o tráfego jurídico habitual relativo àquele produto.

Destarte, no momento do conhecimento do vício se inicia a contagem do prazo para o exercício das ações edilícias, sendo de seis meses para coisas móveis e um ano para imóveis. De certa forma, provar o momento da detecção do vício é uma tarefa árdua para o adquirente. Todavia, propicia maior tutela a ele, eis que muitas vezes os vícios só se manifestam em determinadas épocas. Basta supor a situação daquele que adquire um imóvel de um particular (relação privada) no inverno e apenas observa as infiltrações no verão, quando as chuvas evidenciam os vícios ocultos.

Enfim, cremos que o Código Civil concebeu dois modelos de vícios redibitórios, que deverão coexistir dentro das peculiaridades referidas.

Há ainda uma regra especial para os vícios decorrentes de negócio jurídico de venda de animais. O § 2º determina que incumbirá ao legislador subalterno definir os prazos decadenciais para a reclamação dos vícios em tais relações. Enquanto a lei especial não for editada, o parâmetro do magistrado será o costume na região em que se efetivou o contrato. O legislador confia nos usos locais das grandes praças de venda de animais, eis que um dos paradigmas do Código Civil é a concretude, sendo necessário alcançar a pessoa em seu meio e tempo, a fim de que a decisão possa ser verdadeiramente justa. Mas, caso não se identifique um padrão de prazos na região em que houve o contrato, o Código determina a adoção da regra do § 1º, do mesmo artigo (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 515 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico apresentado por Ricardo Fiuza, consta que o texto original do anteprojeto previa o prazo de seis meses para a redibição ou abatimento do preço do imóvel e de quinze dias se fosse móvel. Emenda apresentada pelo Deputado Juarez Bernardes ampliou o prazo, com a seguinte justificativa: “A nós se afigura sobremaneira o prazo de seis meses estipulados para que o adquirente de bem imóvel obtenha a redibição ou o abatimento no preço da coisa adquirida eivada de vício. Certas propriedades rurais exigem dos compradores muito tempo para que sejam conhecidas. As divisas, as servidões, o regime de água, a qualidade da terra, o revestimento desta impõem averiguações imprescindíveis para cujo conhecimento o prazo de seis meses é insuficiente. Daí a necessidade de sua duplicação, que objetiva a tranquilidade do comprador, e intenta prevenir o desfazimento de aquisições de bens imóveis em desacordo com as finalidades em vista”.

Aprovada a emenda pela Câmara, foi o dispositivo remetido ao Senado com a seguinte redação: “Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contados da entrega efetiva. Se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzindo ao meio. § P Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que do mesmo se tiver ciência, até o prazo máximo de seis meses em se tratando de bens móveis, e de um ano para os imóveis.

A redação atual do dispositivo, proposta pelo Senado, resulta de duas emendas de autoria dos Senadores Milton Cabra e Marcelo Miranda acolhidas apenas parcialmente pelo Senador Josaphat Marinho, sob a forma de subemenda. Comparando-a com a redação atual, percebe-se que houve melhoramento de linguagem do texto. As justificativas do Senador Josaphat Marinho, integralmente acolhidas pelo Relator Ricardo Fiuza, foram as seguintes:

“O art. 445 regula como ‘o adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contados da entrega efetiva. Se a estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido ao meio’. A emenda n. 43 altera a redação do artigo e seus §*: estabelece o prazo em ‘seis meses’ se a coisa for móvel, e na hipótese de o adquirente já estar na posse, alude a prazo ‘reduzido à metade’, em vez de ‘reduzido ao meio’, como diz o Projeto. Considera o § 1 ~ unificado no caput e redige dessa forma um ‘Parágrafo único. Em se tratando de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais’. A esse parágrafo único é preferível o § 2 ~ do projeto por ser mais amplo, ao prever, ainda: ‘aplicando-se o disposto no parágrafo anterior, se não houver regra disciplinando a matéria’. Desse modo, a emenda, em conjunto, improcede. E correto, porém, no capta, dizer-se, quanto ao prazo, ‘reduzido à metade’, e não ‘reduzido ao meio’, segundo consta do Projeto. A emenda, portanto, é parcialmente aceita, para que se diga, na parte final do art. 445, capta, ‘reduzido à metade’, e não ‘reduzido ao meio’. A emenda n. 42 objeta, quanto ao § 1 ~, que ‘mesmo’ não é pronome, e o substitui por ‘dele’. A substituição atende a melhor linguagem, e a emenda merece aprovação”.

Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Então, na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza (Relator), tem-se que o dispositivo certifica tratar-se de prazo decadencial. Os prazos resultam dobrados em relação ao que dispõe o art. 178, § 2º, do CC de 1916 e para os fins previstos no Art. 443 do NCC.

O termo a quo para o cômputo do prazo é o da tradição da coisa, excetuando-se, todavia, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, apurando-se o prazo, nesse caso, a pedir da ciência do vício oculto. Nas relações de consumo, prevalece a lei especial sobre as disposições gerais do CC, de tal forma que os prazos são diferenciados nos termos do Art. 26 do CDC, permitindo-se, inclusive, causa suspensiva (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 240, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, tem-se os prazos para o exercício do direito de ação por vício redibitório a) bens moveis: 30 dias; b) bens imóveis: Um ano; c) vendas de animais: legislação especial, usos locais ou 30 dias.

Os prazos contam-se da “entrega efetiva” da coisa (art. 445, caput, 1ª parte), salvo se: a) o adquirente já estivesse na posse da coisa: contam-se pela metade, a partir da alienação (art. 445, caput, 2ª parte); b) por sua natureza, o vício somente puder ser conhecido mais tarde (CC, 445, § 1º): 1) Móveis: 180 dias a partir da ciência do vício; 2) Imóveis: 1 ano a partir da ciência do vício; c) houver cláusula de garantia (CC, 446): o prazo será de 30 dias após o término da garantia.

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, ainda há os vícios da coisa nas relações de consumo, que além das opções previstas no Código Civil, o consumidor pode: a) reclamar coisa da mesma quantidade e qualidade (CDC, 18, § 1º, I); b) exigir a reexecução do serviço (CDC, 20, I).

Nas relações de consumo o CDC estabelece os seguintes prazos para o consumidor reclamar por defeitos do produto ou do serviço: a) Vícios aparentes: 90 dias a contar do recebimento da coisa (CDC, 26, II). O prazo decadencial, mas pode ser obstado pela reclamação (CDC, 26, § 2º); b) Vícios ocultos: 90 dias a contar do momento em que fica evidenciado o defeito (CDC, 26, § 3º). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

Na esteira de Nelson Rosenvald, outra substancial novidade é a possibilidade de imprimir efeito impeditivo ao início do prazo decadencial na fluência de cláusula de garantia acertada entre as partes. O dies a quo da contagem para o exercício dos prazos referidos no art. 445 será somente aquele em que cessar a garantia contratual. Portanto, se A vende uma geladeira a B e lhe concede garantia por dois anos, a partir desse instante fluirá o prazo de trinta dias para o exercício das ações edilícias.

Duas observações avultam. A primeira é que, apesar de em princípio soar inusitado o óbice legal, o próprio CC, 207 permite que uma norma estabeleça impedimento ou suspensão ao curso da decadência – aliás, assim já era o tom do art. CDC 26, § 2º. A segunda diz respeito à valorização da garantia contratual nas relações interprivadas e interempresariais, a ponde de converter os prazos do Código Civil de 2002 em regras meramente subsidiárias e complementares. Contudo, jamais poderá o adquirente renunciar ao prazo decadencial fixado em lei (CC, 209).

Mas a regra do art. 446 também revela a preocupação do legislador com a boa-fé objetiva do adquirente perante o alienante. Caso o adquirente descubra o vício redibitório dentro do prazo de garantia, terá trinta dias a contar da descoberta para denunciá-lo ao alienante, sob pena de decadência ao exercício do direito potestativo de desconstituir a relação ou abater o preço.

Pela teoria da responsabilidade, será justificável a invocação do vício pelo declarante somente quando não tiver agido de má-fé ou culposamente. Na espécie, se o adquirente sabe da existência do vício, há um dever anexo de informação imediata perante o alienante, a fim de que este possa se posicionar sobre a questão. A negligencia do referido esclarecimento, pelo indevido aguardo do término da garantia contratual, importa em violação à confiança do alienante e abuso do exercício do direito subjetivo. Daí a elogiável opção do Código pelo prazo decadencial do trintídio.

A título comparativo, no Código de Defesa do Consumidor os prazos de reclamação para vícios aparentes são de trinta dias para os produtos não duráveis e noventa dias para os duráveis, contados da entrega efetiva; tratando-se de vícios ocultos, os prazos são idênticos, mas a contagem se processa a partir da descoberta do vício (CDC, 26, § 3º). A garantia contratual será complementar à legal (art. 50). Doravante, existirão casos em que os mecanismos de garantia do Código Civil de 2002 serão mais eficazes ao consumidor do que as regras conferidas pelo microssistema que lhe serve. Poderá ele recorrer à norma mais benéfica do Código Civil pela regra de interface do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor. Exemplificando: pelo Código Civil o adquirente de um imóvel conta com o prazo elástico de humano para reclamar dos vícios após a cessação da garantia contratual. Todavia, esse prazo cai para três meses nas relações de consumo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 515-516 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico apresentado pelo relator Ricardo Fiuza que salienta o texto original do projeto: “Art. 446. Não correrão os prazos do artigo anterior na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante dentro nos trinta dias do descobrimento, sob pena de caducidade”. Com emenda da lavra dos Senadores Milton Cabral e Marcelo Miranda ganhou a redação atual. Como justificativa apresentaram a de melhorar a linguagem do texto, substituindo o termo “caducidade” por “decadência”, no intuito de dar maior tecnicismo à linguagem jurídica utilizada pelo projeto. Ainda que as expressões possam ser consideradas sinônimas, como o projeto se refere sempre à prescrição e à decadência, a utilização do termo “caducidade” em dispositivos isolados poderia gerar dúvidas futuras na sua interpretação e aplicação. Emenda, por conseguinte, de boa técnica legislativa.

Não há artigo correspondente no CC de 1916.

A Doutrina aponta Cláusula de garantia como causa obstativa de decadência e como cláusula contratual, pela qual o alienante acoberta a idoneidade da coisa, é complementar da garantia obrigatória e legal, a que responde. Não exclui, portanto, a garantia legal.

O primeiro relatório ao projeto, de autoria do Deputado Ernani Satyro, já registrava não se haver “como confundir o fato de não correr prazo na constância da cláusula de garantia, com a obrigação que tem o adquirente de denunciar o defeito da coisa ao alienante, tão logo o verifique. Trata-se, como se vê, de consagração jurídica de um dever de probidade e boa-fé, tal como enunciado no artigo 422. Não é por estar amparado pelo prazo de garantia, que o comprador deva se prevalecer dessa situação para abster-se de dar ciência imediata do vício verificado na coisa adquirida”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 241, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a cláusula de garantia estabelece a obrigatoriedade de o alienante responder por vícios da coisa durante determinado tempo. É reforço negocial de obrigação que já é estabelecida pela lei e pode atribuir ao adquirente condições que a lei não contempla, como a troca da coisa por outra do mesmo gênero e qualidade.

O artigo 446 tem por objetivo apontar a solução a ser dada em casos em que haja garantia negocial paralela à garantia legal. A solução é no sentido de suspensão dos prazos de garantia legal, que começam a correr, de forma unificada, por 30 dias, ao término do prazo de garantia convencional.


A solução é aparentemente, simples. Contudo o dispositivo, em sua literalidade, permitiria a redução de prazos legais superiores a 30 dias. Bastaria, para tanto, que o alienante concedesse prazo de garantia ínfimo, a partir do qual somente sobejariam os 30 dias previstos no dispositivo. A amputação de prazos legais maiores não é permitida, pois o alienante somente se exime, validamente, de sua responsabilidade por vícios redibitórios por renúncia do adquirente, quando este tem conhecimento do vício antes da contratação. Desse modo, a melhor solução é a de se respeitar o prazo legal se da aplicação da regra do art. 446 resultar redução daquele. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 441, 442, 443 - Dos Vícios Redibitórios – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 441, 442, 443
- Dos Vícios Redibitórios
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção V – Dos Vícios Redibitórios
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem impropria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

“O vício redibitório consiste no vício oculto da coisa que a torna impropria a seu uso. Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz de torna-lo imprestável ao fim a que se destina ou de reduzir a capacidade do bem por ocasião de sua utilização” diz Nelson Rosenvald.

Em seus ensinamentos, Nelson Rosenvald ensina que em nosso ordenamento, a disciplina é inserida na teoria geral dos contratos, não se prendendo a nenhum contrato em espécie. Seu campo de incidência são os contratos comutativos, em que há um conhecimento prévio das prestações recíprocas. A existência do sinalagma e, portanto, da justiça contratual, requer um equilíbrio entre as trocas contratuais. Haverá uma lesão a esse equilíbrio se o bem recebido por uma das partes for incapaz materialmente de atender a suas finalidades naturais.

O vício redibitório e a evicção são dois mecanismos próximos de tutela do contratante. O primeiro acautela-nos perante vícios materiais do objeto contratado. Já a evicção possibilita proteger o adquirente diante da perda jurídica do bem.

No Código Civil, o contratante apenas obterá êxito na demonstração do vício caso seja demonstrada a efetiva incapacitação do objeto adquirido. Em contrapartida, no Código de Defesa do Consumidor, art. 18, é suficiente que os vícios gerem a inadequação do produto. A inadequação abrange todas as formas de frustração à legítima expectativa do consumidor. Muitas vezes o produto ainda poderá ser utilizado, mas com perda de eficiência.

Exemplificando: um particular que adquira de outro uma geladeira usada poderá discutir o vício decorrente do motor que não funciona. Já o consumidor que adquire eletrodoméstico novo em determinada loja poderá até mesmo discutir o excesso do tempo de congelamento, mesmo que o produto funcione normalmente.

O conceito de inadequação no CDC é amplo a ponto de abranger as disparidades entre as informações recebidas pelo consumidor e as reais qualidades do produto. Assim, ao adquirir uma máquina copiadora com base em publicidade que propaga ser o produto capaz de reproduzir duas vezes mais rápido que os concorrentes, é possível utilizar os mecanismos disponibilizados pela legislação consumerista, caso a expectativa não se verifique efetivamente.

O CDC também vai além do regime do direito civil ao prestar tutela diante dos vícios de quantidade de produtos e serviços (CDC, 19 e 20). A quantidade é considerada algo concedido a menor ao consumidor em qualquer tipo de medida adquirida. Não apenas no simples aspecto numérico como também no que diz respeito à metragem, peso e proporção de produtos e serviços, além do desencontro quantitativo entre o bem oferecido e a mensagem publicitária divulgada.

Outrossim, nas relações privadas, o vício redibitório será oculto, assim conceituado como aquele que não poderia ser detectado por uma pessoa de cautela ordinária. Sendo o vício de fácil constatação, presume-se que houve desídia do adquirente quando da contratação.

O adquirente omisso que posteriormente invoca o vício incide em abuso do direito (CC, 187), na modalidade do venire contra factum proprium, na medida em que o exercício da pretensão atual é incompatível com a sua conduta originária, sobremaneira pelas expectativas legitimamente criadas no alienante.

Todavia, o consumidor será protegido mesmo diante de vícios aparentes ou de fácil constatação (CDC, 26), pois a sua vulnerabilidade determina uma intervenção mais drástica e corretiva do ordenamento jurídico sobre as suas relações.

O art. 441 demonstra que toda a teoria dos vícios redibitórios foi edificada em torno de uma garantia para o adquirente de bens móveis e imóveis, nas obrigações de dar coisa certa. Daí a utilização do termo coisa no dispositivo em comento.

Em inegável ampliação de horizontes, a sistemática concebida pelo Código de Defesa do Consumidor contempla também as obrigações de fazer. Os vícios do serviço (CDC, 20) nada mais são do que incorreções que tornam a prestação do serviço impropria ou inadequada (v.g., espetáculo musical com má qualidade de áudio).

Portanto, no Código Civil, qualquer discussão consequente à inexecução de serviços será solucionada à luz do inadimplemento das obrigações (art. 389) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 510-511 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No que expõe a doutrina apresentada por Fiuza, vícios redibitórios são os defeitos existentes na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição (ver art. 444), e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar a ação redibitória para a rejeição da coisa e a devolução do preço pago (rescisão ou redibição) ou a ação estimatória (actio quanti mninoris) para a restituição de parte do preço, a título de abatimento. Diz-se contrato comutativo o contrato oneroso em que a prestação e a contraprestação são cedas e equivalentes.

Integra-se ao instituto a redução de utilidade do bem em face do defeito oculto, embora cuide o dispositivo apenas da impropriedade do uso (inexatidão ou inaptidão ao uso a que se destina).

Pelo art. 1.106 do CC de 1916 não responde o alienante se a coisa for alienada em hasta pública (entenda-se, venda forçada, a judicial ou a administrativa), tornando inadmissíveis a ação redibitória ou a estimatória. Tal dispositivo não tem correspondente no texto do CC de 2002, não prevalecendo mais a circunstância excepcionada como exclusão de direito.

A propósito do parágrafo único, anota Clóvis Beviláqua o seguinte: “As doações são contratos unilaterais e benéficos, aos quais não convém a classificação de comutativos. Todavia, se a doação é gravada com encargo, deve ser desclassificada de entre os contratos unilaterais, porque ao donatário é imposta igualmente a prestação, resultante do encargo”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 238, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Marco Túlio de Carvalho Rocha conceitua vício redibitório como vício ou defeito oculto ou ausência de qualidade da coisa recebida (vício do objeto da prestação), em virtude de contrato comutativo ou de doação com encargo, que a torna impropria ao uso ou lhe diminua o valor (441).

Das distinções, pode-se apontar: a) no inadimplemento não há a entrega da coisa que era objeto da obrigação; b) vícios aparentes: nas relações comuns, a aceitação da coisa faz presumir a aceitação de vícios aparentes, exceto se houver ressalvas ou se o alienante obrigar-se a repará-los e c) a diferença de área nas vendas ad mensuram tem regulação própria (CC, 500 e 501).

Podem ser apontados cinco elementos: a) o vício deve ser oculto: os vícios ostensivos presumem-se aceitos ou são objeto de outros meios de proteção; b) desconhecimento do adquirente: se o adquirente conhecer o vício, mantém a pretensão se o receber com ressalva ou se o alienante obrigar-se a repará-lo; c) o vício deve existir no momento da tradição e perdurar até o momento da reclamação; d) prejuízo à finalidade da coisa ou ao seu valor; e) o bem deve ter sido objeto de contrato comutativo ou de doação com encargo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar o abatimento no preço.

Em relação ao art. em comento, Nelson Rosenvald ensina que o adquirente da coisa viciada terá duas opções: redibir o negócio jurídico ou obter o abatimento no preço do bem mediante a ação estimatória. São as chamadas ações edilícias. A faculdade de escolha é absoluta, de livre conveniência do adquirente.

A ação redibitória implica a devolução da coisa com restituição dos valores pagos ao alienante. Trata-se de hipótese de direito potestativo à rescisão contratual. Com efeito, a rescisão se aplica às hipóteses em que a desconstituição da obrigação é fruto de um vício do objeto já existente ao tempo da contratação (v.g., evicção), não se podendo cogitar um inadimplemento ou inexecução – o que caracterizaria a resolução, por força do CC, 475).

Por outro ângulo, a ação estimatória, ou quanti minoris, implica a conservação do negócio jurídico à custa da redução do preço de aquisição, com devolução de parte de valores pelo alienante.

Apesar do silêncio do legislador, acreditamos que a melhor maneira de calcular a restituição é pela obtenção de uma proporcionalidade entre o que foi pago e a perda de valor da coisa em decorrência do vício, alcançando-se assim a quantia a ser restituída. Nada impede a nomeação de um perito para a execução de tal atividade.

Há que alertar que não existe necessariamente uma relação entre a extensão do vício e a opção do credor. Ele terá o direito potestativo à redibição, mesmo que o vício não seja apto a inutilizar completamente a coisa, bem com poderá exercitar a pretensão de abatimento, mesmo nos casos em que o vício torne a coisa absolutamente impropria para o seu uso.

No sistema de vícios do produto do Código de Defesa do Consumidor, a tutela ao vulnerável é mais densa. O art. 18, § 1º, I, permite a substituição do produto por outro da mesma espécie, além de conceder as alternativas da redibição e da quanti minoris. Não se olvide de que, para os vícios do serviço, sempre haverá a possibilidade de reexecução (CDC, 20, I), e, para os vícios de quantidade, a complementação do peso ou da medida (CDC, 19, II), tratando-se de vício do produto, ao consumidor só será facultada a adoção das três alternativas, se antes não obteve êxito na medida de sanação do vício no prazo de trinta dias (CDC, 18, § 1º). Excepciona-se o pré-requisito nos casos em que, em razão da extensão dos vícios, é impraticável a tentativa de remediá-los (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 512 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento de Fiuza, a lei confere uma segunda alternativa de proteção ao prejudicado, presente o vício redibitório. Pode o adquirente, em vez de redibir o contrato, enjeita do a coisa, postular o abatimento do preço pago, conservando o bem, mediante a ação estimatória ou actio quanti minoris (ação de menor preço). Trata-se de ação edilícia, como também é denominada a ação redibitória. Essa alternativa deixa de existir, por exceção, na hipótese do art. 444, quando ao adquirente cabe exercitar a ação redibitória, diante do perecimento da coisa em decorrência do vício redibitório.

A ação estimatória pode ser manejada, ainda, pelo comprador contra quem lhe fez a venda de móvel ou imóvel quando apurada a diminuição na qualidade ou na extensão para o efeito de abatimento proporcional no preço pago, não cabendo, v.g., se da escritura de compra e venda ficou claramente estipulado tratar-se de venda ad corpus (TJPE, I~ Câmara Cível, AC 696/85) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 239, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a prática de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo faculta ao adquirente requerer o abatimento do preço. No direito romano esse direito correspondia á actio quanti minoris. Se o preço ojá tiver sido pago, fica o alienante obrigado a restituir o valor equivalente à desvalorização sofrida pela coisa transferida ao adquirente.

A escolha do adquirente por uma das duas vias, desfazimento do contrato ou abatimento do preço, é irrevogável (Caio Mário, Instituições..., v. III, p. 127).

Se o objeto da contraprestação for indivisível, como no caso de troca, a pretensão de abatimento do preço pode ser impossível (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. XXXVIII, p. 283).

O exercício da pretensão não exclui o direito de reclamar por outro vício que venha a ser descoberto (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mas as despesas do contrato.

Seguindo os ensinamentos de Rosenvald, a norma em referência agrava a condição do alienante que tinha ciência do vício oculto da coisa ao tempo da entrega efetiva da posse. Encontrando-se o vendedor de boa-fé, a restituição se limita ao preço contratado. Todavia, constatada a má-fé daquele que encobre o vício, acrescentar-se-á o valor das perdas e danos.

Não obstante o Código faça referência apenas à ação redibitória, parece-nos que mesmo na ação estimatória será factível a incidência cumulativa do ressarcimento ao adquirente.

A responsabilidade contratual segue as regras relativas ao inadimplemento das obrigações (CC, 389). Portanto, as perdas e danos incidirão cumulativamente aos juros, atualização monetária e honorários advocatícios. É interessante que as partes estipulem a cláusula penal compensatória (CC, 408 e 410) como forma de prefixação de perdas e danos, evitando-se a árdua demonstração de danos emergente e lucros cessantes.

Outro detalhe. Enquanto os prazos de reclamação dos vícios seguem a sistemática exígua do CC, 445, a pretensão indenizatória poderá ser exercitada em três anos (a contar da transferência da posse), ex vi do CC, 206, § 3º, V.

Nas relações de consumo, a boa ou má-fé do fornecedor de produtos e serviços é irrelevante para fins de responsabilização contratual e ressarcimento. A tutela da boa-fé objetiva e do dever anexo de proteção ao consumidor resulta na desconsideração do aspecto psicológico da contraparte (CDC, 23).

Por fim, vale realçar que, no Código Civil, o adquirente apenas poderá rescindir o contrato, obter abatimento e, eventualmente, auferir perdas e danos perante a pessoa do alienante imediato, com quem celebrou o negócio jurídico. A garantia legal quanto aos vícios do objeto não alcança a cadeia anterior de circulação do produto, caso o vício já existisse mesmo quando da aquisição pelo próprio alienante.

Já nas relações consumeristas, é patente a solidariedade entre todos aqueles que participaram da inserção do produto viciado no mercado (CDC, 18). Daí caberá ao consumidor a opção entre o litisconsórcio passivo e a responsabilização isolada do fornecedor que lhe convier.

Apesar de expressamente não ter o legislador acolhido a solidariedade passiva nas relações privadas, acreditamos que pela aplicação das cláusulas gerais da boa-fé objetiva (CC, 422) e da função social do contrato (CC, 421) em um sistema móvel será viável a responsabilização direta dos alienantes mediatos. Apesar de o adquirente não ser parte nos contratos que antecederam a aquisição do bem, aqueles negócios jurídicos produzem consequências objetivas nas relações posteriores, sendo necessário preservar a tutela externa do crédito e a confiança do adquirente. Acreditamos que a solidariedade não pode mais se restringir à lei ou à vontade das partes (CC, 265), sendo justificada nas hipóteses de vulneração à própria principiologia do sistema (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 512-513 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo doutrina de Ricardo Fiuza, é atribuída ao alienante, por presunção legal, responsabilidade pelo vício redibitório quer o conheça ou não, ao tempo da alienação. Essa responsabilidade é aquilatada de acordo com a demonstração da conduta do alienante, ou seja, se transmitiu a coisa agindo de má-fé ou boa-fé. Portando ciência prévia do defeito oculto, restituirá o que recebeu, com o acréscimo de perdas e danos (RT, 447/216); ignorando-o, restituirá apenas o valor recebido e o das despesas contatuais.

Não é mais desonerado o alienante, por ignorância do vício, havendo cláusula expressa como dispõe o CC de 1916 (art. 1.102) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 239, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo ensinamento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se o alienante tinha conhecimento do vício da coisa, sua responsabilidade é ampla, deverá restituir não apenas os danos emergentes, equivalentes ao desembolso realizado pelo adquirente em virtude do contrato, que engloba o preço pago mais as despesas de transferência, quanto o lucro cessante, i.é, o que o adquirente razoavelmente deixou de ganhar em virtude do defeito da coisa.

Se o alienante não tinha conhecimento do vício da coisa, não se lhe pode imputar culpa e, por isso, o dispositivo só o obriga a devolver o valor recebido mais as despesas do contrato. Tais quantias sujeitam-se à correção monetária por serem dívida de valor (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).