quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 441, 442, 443 - Dos Vícios Redibitórios – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 441, 442, 443
- Dos Vícios Redibitórios
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção V – Dos Vícios Redibitórios
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem impropria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

“O vício redibitório consiste no vício oculto da coisa que a torna impropria a seu uso. Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz de torna-lo imprestável ao fim a que se destina ou de reduzir a capacidade do bem por ocasião de sua utilização” diz Nelson Rosenvald.

Em seus ensinamentos, Nelson Rosenvald ensina que em nosso ordenamento, a disciplina é inserida na teoria geral dos contratos, não se prendendo a nenhum contrato em espécie. Seu campo de incidência são os contratos comutativos, em que há um conhecimento prévio das prestações recíprocas. A existência do sinalagma e, portanto, da justiça contratual, requer um equilíbrio entre as trocas contratuais. Haverá uma lesão a esse equilíbrio se o bem recebido por uma das partes for incapaz materialmente de atender a suas finalidades naturais.

O vício redibitório e a evicção são dois mecanismos próximos de tutela do contratante. O primeiro acautela-nos perante vícios materiais do objeto contratado. Já a evicção possibilita proteger o adquirente diante da perda jurídica do bem.

No Código Civil, o contratante apenas obterá êxito na demonstração do vício caso seja demonstrada a efetiva incapacitação do objeto adquirido. Em contrapartida, no Código de Defesa do Consumidor, art. 18, é suficiente que os vícios gerem a inadequação do produto. A inadequação abrange todas as formas de frustração à legítima expectativa do consumidor. Muitas vezes o produto ainda poderá ser utilizado, mas com perda de eficiência.

Exemplificando: um particular que adquira de outro uma geladeira usada poderá discutir o vício decorrente do motor que não funciona. Já o consumidor que adquire eletrodoméstico novo em determinada loja poderá até mesmo discutir o excesso do tempo de congelamento, mesmo que o produto funcione normalmente.

O conceito de inadequação no CDC é amplo a ponto de abranger as disparidades entre as informações recebidas pelo consumidor e as reais qualidades do produto. Assim, ao adquirir uma máquina copiadora com base em publicidade que propaga ser o produto capaz de reproduzir duas vezes mais rápido que os concorrentes, é possível utilizar os mecanismos disponibilizados pela legislação consumerista, caso a expectativa não se verifique efetivamente.

O CDC também vai além do regime do direito civil ao prestar tutela diante dos vícios de quantidade de produtos e serviços (CDC, 19 e 20). A quantidade é considerada algo concedido a menor ao consumidor em qualquer tipo de medida adquirida. Não apenas no simples aspecto numérico como também no que diz respeito à metragem, peso e proporção de produtos e serviços, além do desencontro quantitativo entre o bem oferecido e a mensagem publicitária divulgada.

Outrossim, nas relações privadas, o vício redibitório será oculto, assim conceituado como aquele que não poderia ser detectado por uma pessoa de cautela ordinária. Sendo o vício de fácil constatação, presume-se que houve desídia do adquirente quando da contratação.

O adquirente omisso que posteriormente invoca o vício incide em abuso do direito (CC, 187), na modalidade do venire contra factum proprium, na medida em que o exercício da pretensão atual é incompatível com a sua conduta originária, sobremaneira pelas expectativas legitimamente criadas no alienante.

Todavia, o consumidor será protegido mesmo diante de vícios aparentes ou de fácil constatação (CDC, 26), pois a sua vulnerabilidade determina uma intervenção mais drástica e corretiva do ordenamento jurídico sobre as suas relações.

O art. 441 demonstra que toda a teoria dos vícios redibitórios foi edificada em torno de uma garantia para o adquirente de bens móveis e imóveis, nas obrigações de dar coisa certa. Daí a utilização do termo coisa no dispositivo em comento.

Em inegável ampliação de horizontes, a sistemática concebida pelo Código de Defesa do Consumidor contempla também as obrigações de fazer. Os vícios do serviço (CDC, 20) nada mais são do que incorreções que tornam a prestação do serviço impropria ou inadequada (v.g., espetáculo musical com má qualidade de áudio).

Portanto, no Código Civil, qualquer discussão consequente à inexecução de serviços será solucionada à luz do inadimplemento das obrigações (art. 389) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 510-511 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No que expõe a doutrina apresentada por Fiuza, vícios redibitórios são os defeitos existentes na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição (ver art. 444), e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar a ação redibitória para a rejeição da coisa e a devolução do preço pago (rescisão ou redibição) ou a ação estimatória (actio quanti mninoris) para a restituição de parte do preço, a título de abatimento. Diz-se contrato comutativo o contrato oneroso em que a prestação e a contraprestação são cedas e equivalentes.

Integra-se ao instituto a redução de utilidade do bem em face do defeito oculto, embora cuide o dispositivo apenas da impropriedade do uso (inexatidão ou inaptidão ao uso a que se destina).

Pelo art. 1.106 do CC de 1916 não responde o alienante se a coisa for alienada em hasta pública (entenda-se, venda forçada, a judicial ou a administrativa), tornando inadmissíveis a ação redibitória ou a estimatória. Tal dispositivo não tem correspondente no texto do CC de 2002, não prevalecendo mais a circunstância excepcionada como exclusão de direito.

A propósito do parágrafo único, anota Clóvis Beviláqua o seguinte: “As doações são contratos unilaterais e benéficos, aos quais não convém a classificação de comutativos. Todavia, se a doação é gravada com encargo, deve ser desclassificada de entre os contratos unilaterais, porque ao donatário é imposta igualmente a prestação, resultante do encargo”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 238, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Marco Túlio de Carvalho Rocha conceitua vício redibitório como vício ou defeito oculto ou ausência de qualidade da coisa recebida (vício do objeto da prestação), em virtude de contrato comutativo ou de doação com encargo, que a torna impropria ao uso ou lhe diminua o valor (441).

Das distinções, pode-se apontar: a) no inadimplemento não há a entrega da coisa que era objeto da obrigação; b) vícios aparentes: nas relações comuns, a aceitação da coisa faz presumir a aceitação de vícios aparentes, exceto se houver ressalvas ou se o alienante obrigar-se a repará-los e c) a diferença de área nas vendas ad mensuram tem regulação própria (CC, 500 e 501).

Podem ser apontados cinco elementos: a) o vício deve ser oculto: os vícios ostensivos presumem-se aceitos ou são objeto de outros meios de proteção; b) desconhecimento do adquirente: se o adquirente conhecer o vício, mantém a pretensão se o receber com ressalva ou se o alienante obrigar-se a repará-lo; c) o vício deve existir no momento da tradição e perdurar até o momento da reclamação; d) prejuízo à finalidade da coisa ou ao seu valor; e) o bem deve ter sido objeto de contrato comutativo ou de doação com encargo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar o abatimento no preço.

Em relação ao art. em comento, Nelson Rosenvald ensina que o adquirente da coisa viciada terá duas opções: redibir o negócio jurídico ou obter o abatimento no preço do bem mediante a ação estimatória. São as chamadas ações edilícias. A faculdade de escolha é absoluta, de livre conveniência do adquirente.

A ação redibitória implica a devolução da coisa com restituição dos valores pagos ao alienante. Trata-se de hipótese de direito potestativo à rescisão contratual. Com efeito, a rescisão se aplica às hipóteses em que a desconstituição da obrigação é fruto de um vício do objeto já existente ao tempo da contratação (v.g., evicção), não se podendo cogitar um inadimplemento ou inexecução – o que caracterizaria a resolução, por força do CC, 475).

Por outro ângulo, a ação estimatória, ou quanti minoris, implica a conservação do negócio jurídico à custa da redução do preço de aquisição, com devolução de parte de valores pelo alienante.

Apesar do silêncio do legislador, acreditamos que a melhor maneira de calcular a restituição é pela obtenção de uma proporcionalidade entre o que foi pago e a perda de valor da coisa em decorrência do vício, alcançando-se assim a quantia a ser restituída. Nada impede a nomeação de um perito para a execução de tal atividade.

Há que alertar que não existe necessariamente uma relação entre a extensão do vício e a opção do credor. Ele terá o direito potestativo à redibição, mesmo que o vício não seja apto a inutilizar completamente a coisa, bem com poderá exercitar a pretensão de abatimento, mesmo nos casos em que o vício torne a coisa absolutamente impropria para o seu uso.

No sistema de vícios do produto do Código de Defesa do Consumidor, a tutela ao vulnerável é mais densa. O art. 18, § 1º, I, permite a substituição do produto por outro da mesma espécie, além de conceder as alternativas da redibição e da quanti minoris. Não se olvide de que, para os vícios do serviço, sempre haverá a possibilidade de reexecução (CDC, 20, I), e, para os vícios de quantidade, a complementação do peso ou da medida (CDC, 19, II), tratando-se de vício do produto, ao consumidor só será facultada a adoção das três alternativas, se antes não obteve êxito na medida de sanação do vício no prazo de trinta dias (CDC, 18, § 1º). Excepciona-se o pré-requisito nos casos em que, em razão da extensão dos vícios, é impraticável a tentativa de remediá-los (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 512 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento de Fiuza, a lei confere uma segunda alternativa de proteção ao prejudicado, presente o vício redibitório. Pode o adquirente, em vez de redibir o contrato, enjeita do a coisa, postular o abatimento do preço pago, conservando o bem, mediante a ação estimatória ou actio quanti minoris (ação de menor preço). Trata-se de ação edilícia, como também é denominada a ação redibitória. Essa alternativa deixa de existir, por exceção, na hipótese do art. 444, quando ao adquirente cabe exercitar a ação redibitória, diante do perecimento da coisa em decorrência do vício redibitório.

A ação estimatória pode ser manejada, ainda, pelo comprador contra quem lhe fez a venda de móvel ou imóvel quando apurada a diminuição na qualidade ou na extensão para o efeito de abatimento proporcional no preço pago, não cabendo, v.g., se da escritura de compra e venda ficou claramente estipulado tratar-se de venda ad corpus (TJPE, I~ Câmara Cível, AC 696/85) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 239, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a prática de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo faculta ao adquirente requerer o abatimento do preço. No direito romano esse direito correspondia á actio quanti minoris. Se o preço ojá tiver sido pago, fica o alienante obrigado a restituir o valor equivalente à desvalorização sofrida pela coisa transferida ao adquirente.

A escolha do adquirente por uma das duas vias, desfazimento do contrato ou abatimento do preço, é irrevogável (Caio Mário, Instituições..., v. III, p. 127).

Se o objeto da contraprestação for indivisível, como no caso de troca, a pretensão de abatimento do preço pode ser impossível (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. XXXVIII, p. 283).

O exercício da pretensão não exclui o direito de reclamar por outro vício que venha a ser descoberto (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mas as despesas do contrato.

Seguindo os ensinamentos de Rosenvald, a norma em referência agrava a condição do alienante que tinha ciência do vício oculto da coisa ao tempo da entrega efetiva da posse. Encontrando-se o vendedor de boa-fé, a restituição se limita ao preço contratado. Todavia, constatada a má-fé daquele que encobre o vício, acrescentar-se-á o valor das perdas e danos.

Não obstante o Código faça referência apenas à ação redibitória, parece-nos que mesmo na ação estimatória será factível a incidência cumulativa do ressarcimento ao adquirente.

A responsabilidade contratual segue as regras relativas ao inadimplemento das obrigações (CC, 389). Portanto, as perdas e danos incidirão cumulativamente aos juros, atualização monetária e honorários advocatícios. É interessante que as partes estipulem a cláusula penal compensatória (CC, 408 e 410) como forma de prefixação de perdas e danos, evitando-se a árdua demonstração de danos emergente e lucros cessantes.

Outro detalhe. Enquanto os prazos de reclamação dos vícios seguem a sistemática exígua do CC, 445, a pretensão indenizatória poderá ser exercitada em três anos (a contar da transferência da posse), ex vi do CC, 206, § 3º, V.

Nas relações de consumo, a boa ou má-fé do fornecedor de produtos e serviços é irrelevante para fins de responsabilização contratual e ressarcimento. A tutela da boa-fé objetiva e do dever anexo de proteção ao consumidor resulta na desconsideração do aspecto psicológico da contraparte (CDC, 23).

Por fim, vale realçar que, no Código Civil, o adquirente apenas poderá rescindir o contrato, obter abatimento e, eventualmente, auferir perdas e danos perante a pessoa do alienante imediato, com quem celebrou o negócio jurídico. A garantia legal quanto aos vícios do objeto não alcança a cadeia anterior de circulação do produto, caso o vício já existisse mesmo quando da aquisição pelo próprio alienante.

Já nas relações consumeristas, é patente a solidariedade entre todos aqueles que participaram da inserção do produto viciado no mercado (CDC, 18). Daí caberá ao consumidor a opção entre o litisconsórcio passivo e a responsabilização isolada do fornecedor que lhe convier.

Apesar de expressamente não ter o legislador acolhido a solidariedade passiva nas relações privadas, acreditamos que pela aplicação das cláusulas gerais da boa-fé objetiva (CC, 422) e da função social do contrato (CC, 421) em um sistema móvel será viável a responsabilização direta dos alienantes mediatos. Apesar de o adquirente não ser parte nos contratos que antecederam a aquisição do bem, aqueles negócios jurídicos produzem consequências objetivas nas relações posteriores, sendo necessário preservar a tutela externa do crédito e a confiança do adquirente. Acreditamos que a solidariedade não pode mais se restringir à lei ou à vontade das partes (CC, 265), sendo justificada nas hipóteses de vulneração à própria principiologia do sistema (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 512-513 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo doutrina de Ricardo Fiuza, é atribuída ao alienante, por presunção legal, responsabilidade pelo vício redibitório quer o conheça ou não, ao tempo da alienação. Essa responsabilidade é aquilatada de acordo com a demonstração da conduta do alienante, ou seja, se transmitiu a coisa agindo de má-fé ou boa-fé. Portando ciência prévia do defeito oculto, restituirá o que recebeu, com o acréscimo de perdas e danos (RT, 447/216); ignorando-o, restituirá apenas o valor recebido e o das despesas contatuais.

Não é mais desonerado o alienante, por ignorância do vício, havendo cláusula expressa como dispõe o CC de 1916 (art. 1.102) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 239, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo ensinamento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se o alienante tinha conhecimento do vício da coisa, sua responsabilidade é ampla, deverá restituir não apenas os danos emergentes, equivalentes ao desembolso realizado pelo adquirente em virtude do contrato, que engloba o preço pago mais as despesas de transferência, quanto o lucro cessante, i.é, o que o adquirente razoavelmente deixou de ganhar em virtude do defeito da coisa.

Se o alienante não tinha conhecimento do vício da coisa, não se lhe pode imputar culpa e, por isso, o dispositivo só o obriga a devolver o valor recebido mais as despesas do contrato. Tais quantias sujeitam-se à correção monetária por serem dívida de valor (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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