quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 462, 463, continua - Do Contrato Preliminar – VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 462, 463, continua
- Do Contrato Preliminar – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção VIII – Do Contrato Preliminar
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

Seguindo os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato preliminar pode ser conceituado como aquele em que as partes se comprometem a efetuar, posteriormente, um segundo contrato, que será o contrato principal. A autonomia privada permite que, por meio de duas relações obrigacionais sucessivas de efeitos diversos, possam as partes produzir negócios jurídicos. Com o contrato preliminar as partes não se obrigam apenas a prosseguir negociações, mas a exigir a conclusão de um contrato com certo conteúdo.

A distinção entre os dois modelos contratuais é facilitada pela identificação do objeto: enquanto no contrato principal o objeto consiste na obrigação de dar, fazer ou não fazer, no contrato preliminar se traduz na obrigação de concluir o contrato principal, ou seja, uma obrigação de fazer em momento futuro.

Não é tão incomum a celebração de contratos preliminares. Muitas vezes os parceiros preferem se conhecer melhor antes do passo final, elidindo consequências jurídicas de uma convenção definitiva. Em outros casos, existem dificuldades momentâneas que impedem a celebração imediata do contrato principal, seja elas de ordem econômica ou pessoal. Nessas situações, nada impede que duas ou mais pessoas ajustem o contrato, convencionando os direitos e deveres recíprocos e os termos essenciais da operação econômica, porém protraindo o acordo definitivo e a produção de efeitos jurídicos e econômicos para um momento posterior.

O contrato preliminar não pode ser enfrentado como uma categoria intermediária entre as negociações preliminares e o contrato definitivo. Cuida-se de figura autônoma. Enquanto as tratativas são levadas a efeito independentemente de qualquer compromisso, pois as partes não sabem se irão ou não contratar, o contrato preliminar demanda um acordo de vontades e uma relação jurídica concluída, de natureza patrimonial. Já há o consentimento dos pré-contratantes, cuja finalidade é a segurança do negócio substancial que se tem em mira. A fase negociatória é concluída positivamente, porém as partes optam pela não celebração do contrato definitivo. Com o contrato preliminar, as partes não se obrigam a prosseguir nas negociações, mas a concluir certo conteúdo, pronto e acabado, pois elas já “fecharam o negócio”.

Ademais, no período entre as negociações preliminares e o contrato preliminar, as partes costumam celebrar pequenos acordos, usualmente denominados de minutas ou cartas de intenção. Elas demonstram que os parceiros já não mais se encontram em um estágio primário. Porém, os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não acordaram ainda no que tange às cláusulas em aberto. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se aos termos das minutas parciais.

Também existe certa proximidade entre os contratos normativos e os preliminares. O contrato normativo não obriga as partes a uma futura contratação, mas, caso deliberem em tal sentido, os termos da futura avença não poderão fugir do conteúdo por aquele disciplinado. Seria o caso do contrato coletivo de trabalho. Ele não disciplina diretamente os contratos individuais de trabalho, mas fixa cláusulas gerais de contratação, cuja estipulação é imprescindível entre empregador e empregado. Diversamente, o contrato preliminar dá ensejo à obrigatória realização do contrato principal e perde a sua razão de ser quando este é firmado. Já o contrato normativo não desaparece, pois continuará regulando uma série indefinida de futuros contratos.

O Código Civil de 1916 não cuidou dos contratos preliminares. Tal fato é justificável se percebermos que o trato da matéria se acentua com a própria aceleração do tráfego jurídico dos últimos cinquenta anos. O nosso legislador cuidou da matéria especificamente no campo da promessa de compra e venda, por meio da edição do Decreto-Lei n. 58/37 e da Lei n. 6.766/79. Todavia, a abordagem autônoma da temática no título destinado aos contratos em geral demonstra que os contratos preliminares podem ter em vista a realização de qualquer tipo de contrato definitivo, até mesmo em sede de doação.

Na linha consensualista, o Código Civil é enfático na defesa do princípio da liberdade de forma para os contratos preliminares. Em outras palavras, dotado dos requisitos de validade a que alude o CC. 104 (agente capaz, objeto lícito e possível), é negócio jurídico perfeito e independente da relação principal que procura garantir. Essa diversidade de fundamentos e efeitos justifica a liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, independentemente do valor das obrigações ajustadas para o futuro, mesmo em sede de compra e venda (CC. 108).

No particular, o CC. 1.417 explícito  ao oportunizar a concretização de promessa de compra e venda por meio das vias alternativas do instrumento público ou particular (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 530 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, se expande em que, contrato preliminar ou pacto de contraendo é aquele, segundo a teoria mais aceita, que como convenção provisória, contendo os requisitos do CC.104, e os elementos essências ao contrato (res, pretium e consensttm), tem por objeto concretizar um contrato futuro e definitivo, assegurando pelo começo de ajuste a possibilidade de ultimá-lo no tempo oportuno. Os requisitos para a sua eficácia são os mesmos exigidos ao contrato definitivo, excetuada a forma. Nesse sentido: Súmula 413 do STF: “O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais” (STF, STJ, 117/384 e 114/844). Ele se distingue da simples oferta ou proposta ou das negociações preliminares em preparo de contrato.

A lei o admite como contrato inicial ou incompleto, a exigir a celebração do definitivo, desde que dele não conste cláusula de arrependimento e tenha sido levado ao registro competente (CC. 463), a tanto que tal exigibilidade permite o suprimento judicial da vontade da parte inadimplente, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação (CC. 464)

O CC de 1916 não observou o contrato preliminar embora tratado na doutrina. O art. 227 do Código português o abrange, ao tratar da culpa na formação dos contratos: “1. Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nas preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Por sua vez, o CPC de 1939 já dispunha: “Nas promessas de contratar, o juiz assinará prazo ao devedor para executar a obrigação, desde que o contrato preliminar preencha as condições de validade do definitivo” (art. 1.006. § 2~). A sua regulamentação em seção própria vem suprir, portanto, séria lacuna.

Direito Comparado: O Código Civil italiano, no art. 1.351, exige a forma quando por sua função constitutiva for essencial ao definitivo: “O contrato preliminar é nulo se não for estipulado na forma prescrita pela lei para o contrato definitivo”.

A promessa de compra e venda é exemplo do contrato preliminar mais frequente. A jurisprudência o reconhece, citando-se: 1. “Não incidência do ITBI em promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim, ensejador da cobrança do aludido tributo – Precedentes do STF” (STJ – 2~ 1., REsp 57.641-PE, rel. MM. Eliana Calmon, DJU de 22-5-2000); 2. “(...) Manifestada expressamente por ambas as partes a intenção de formalizar contrato de locação de posto de serviços, a depender de condição suspensiva a cargo do proponente-locatário, sem termo, formalizou-se o contrato preliminar, não sendo lícito à preponente locadora contratar locação de posto com terceiro sem constituir em mora aquele, quanto ao implemento da condição avençada. 1i – A contratação, nesses termos, constitui retirada arbitrária, hábil a ensejar a indenização por perdas e danos a ela concernentes” (STJ, 4~ 1., REsp 32.942-RS, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo, DJ de 13-12-1992); 3. “A despeito de instrumentalizado mediante um simples recibo, as partes celebraram um contrato preliminar, cuja execução se consumou com a entrega do imóvel ao compromissário-comprador e com o pagamento do preço por este último, na forma convencionada. Improcedência da alegação segundo a qual as negociações não passaram de simples tratativas preliminares” (STJ, 4’ 1., REsp 145.204-BA, rel. Mm Barros Monteiro, DJ de 14-12-1998); 4. “(...) Segundo a moderna doutrina, a que se referem José Osório Azevedo Jr. e Orlando Gomes, dentre outros, há duas modalidades de contratos preliminares de compra e venda: o ‘próprio’, que representa mera promessa, preparatório de um segundo, e o ‘improprio’, contrato em formação que vale por si mesmo. II – não é nulo o contrato preliminar de compra e venda que tem por objeto bem gravado com cláusula de inalienabilidade, por se tratar de compromisso próprio, a prever desfazimento do negócio em caso de impossibilidade de sub-rogação do ônus” (STJ, 4~1., REsp 35.840-SP, rel. Mm Sálvio de Figueiredo, DJ de 11-11-1996) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 249, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No conceito de Marco Túlio de Carvalho Rocha, contrato preliminar é o que tem como objeto a estipulação de outro contrato. O objeto do contrato preliminar é, portanto, uma obrigação de fazer.

No histórico dos fundamentos legais do contrato preliminar temos:

CC/1916, art. 1.088 (revogado) – O descumprimento do contato pelo vendedor não possibilitava ao comprador a execução específica, porque entendia-se que ninguém poderia ser constrangido ao cumprimento de uma obrigação de fazer: nemo cogi potest ad factum.

Decreto-lei n. 58/1937 – dispôs sobre a venda de imóveis loteados para pagamento em prestações; possibilitou a averbação (registro, segundo a Lei n. 6.015/73) do compromisso de compra e venda no registro de imóveis; criou a adjudicação compulsória com rito sumário, cuja sentença vale como título para o registro (art. 16); o art. 22 deste Decreto-lei, com ao redação que lhe foi dada pela Lei n. 6.014/73 resume os efeitos do compromisso de compra e venda de imóveis não loteados.

Lei n. 649/1949 – estendeu as disposições do Decreto-lei n. 58/37 aos imóveis não-loteados e às vendas à vista; configurou como compromisso de compra e venda, irrevogável e irretratável, toda promessa sem cláusula de arrependimento.

Decreto-lei n. 745/1969 – exige a interpelação prévia do comprador para a resolução do compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, mesmo que nele conste cláusula resolutiva expressa.

Lei n. 6.766/1979 – Instituiu o pré-contrato de promessa de compra e venda (art. 27; qualquer instrumento que demonstre a vontade das partes de virem a realizar o contrato de compra e venda, art. 27, § 1º), que possibilita sejam aplicáveis às partes as cláusulas estabelecidas no contrato-padrão (art. 18, VI), se o vendedor se recusar a firmar o compromisso de compra e

Partes. As partes devem preencher as mesmas exigências relativas ao contrato definitivo.

Forma. Na ausência de determinação legal, o contato preliminar pode se realizar por qualquer forma. Deve ser escrito, no entanto: a) para efeito de prova, se de valor superior a 10 salários mínimos CC.227); b) para efeito de registro CC. 463, parágrafo único e 1.417).

Deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato definitivo (indeferimento de adjudicação compulsória por ausência de elementos essenciais: STF, RE n. 88.716-RJ, Rel. Mm Moreira Alves).

Súmulas:

66/STF – É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-lei n. 58 (nas vendas de imóveis loteados a cláusula de arrependimento é nula).

167/STF – Não se aplica o regime do Decreto-lei n. 58 ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro (súmula superada pela jurisprudência do STJ, segundo a qual o registro não é imprescindível nas relações entre os próprios contratantes: RSTJ 25/465, 29/356, 32/309, 42/407, 43/458).

168/STF – Para efeito do disposto no Decreto-lei n. 58 admite-se a inscrição do compromisso no registro no curso da ação.

412/STF – No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem a recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

413/STF – O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.

76/STJ – A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor.

84/STJ – É admissível a oposição de embargos de terceiro fundada em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

239/STJ – O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra parar que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

No entendimento de Nelson Rosenvald, o dispositivo em exame assume relevo. Sendo o negócio jurídico preliminar válido, produzirá eficácia obrigacional consistente na possibilidade de execução específica da obrigação de fazer consubstanciada no contrato preliminar. A efetivação – voluntária ou coativa – do contato principal enfatiza a presença dos elementos da responsabilidade do declarante e da confiança do declaratário no sentido da seriedade do contrato preliminar.

Portanto, sendo lícito o objeto do contrato preliminar, no sentido de ausência de qualquer ofensa à boa-fé objetiva do contrato (CC. 187), além de praticado por pessoas dotadas de capacidade negocial e legitimação para disposição de bens, qualquer dos parceiros poderá perseguir a execução específica. Exemplificando: por mais que o contratante seja titular do bem e no gozo de sua capacidade de fato, a ausência da outorga do cônjuge priva o negócio jurídico de elemento de integração, tornando-o anulável (CC. 176, c/c 1.649), excetuando-se o matrimônio pelo regime da separação absoluta (CC. 1647). Assim, a falta de legitimação obsta a obtenção coercitiva da execução da obrigação de fazer.

A existência da cláusula de arrependimento é fator impeditivo à persecução da tutela específica judicial. Cuida-se de um direito potestativo de retratação deferido aos contratantes, concedendo-lhes o poder de, a qualquer tempo, resilir unilateralmente o contrato preliminar pela forma de denúncia notificada à outra parte (CC. 473). Certamente, o prazo decadencial para o exercício do poder de desconstituição da relação será o momento anterior ao cumprimento de todas as obrigações constantes do pacto (v. g., pagamento da última prestação pelo promissário comprador na promessa de compra e venda).

Aliás, nas promessas de compra e venda o CC. 1.427 é explícito ao permitir a inserção de cláusula de arrependimento. Porém, o Código Civil somente regula essa espécie de negócio jurídico para os imóveis não loteados. Nos loteamentos urbanos (art. 25 da Lei n. 6.766/79) e rurais (art. 16 do Decreto-lei n. 58/37 e Súmula n. 166 do STF), os contratos são irretratáveis, pois normas de ordem pública objetivam acautelar a população de baixa renda diante de especuladores imobiliários que alienam lotes e, posteriormente, exercitam o direito de arrependimento mediante restituição das quantias pagas, com a finalidade de novamente alienar os imóveis, agora com valores majorados em razão da valorização do empreendimento. Não é por outra razão que, em se tratando de contratos preliminares alusivos à alienação de loteamentos, a denominação emprestada pelo legislador seja compromisso de compra e venda, diversamente à promessa, que indica um negócio mais frágil e, portanto, passível de retratação.

Para a celebração do contrato definitivo, deverá o contratante que cumpriu as suas obrigações interpelar o outro contraente, com a concessão de prazo razoável, a fim de que efetive a obrigação de fazer. Se houver resistência, a pretensão resultante da violação do direito subjetivo poderá ser concretizada por distintos modelos judiciais: tratando-se de contrato de promessa de compra e venda, adota-se a via da adjudicação compulsória, observando-se ainda a eleição da ação de outorga de escritura, nos termos do art. 466-C – introduzido pela Lei n. 11.232/2005 – do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015. Já para os contratos preliminares em geral, a parte prejudicada poderá manejar a ação cominatória (CPC/1973, art. 287, com a nova redação da Lei n. 10.444/2002, sem correspondência no CPC/2015), sem se olvidar da tutela específica da obrigação de fazer, alvitrada no art. 461 do CPC. 1973, com correspondência no CPC/2015, nos arts. 139, 536 e 537. Por fim, nas relações de consumo, dispõe o consumidor da execução específica pela regra constante do art. 84 da Lei n. 8.078/90.

O parágrafo único do art. 463 dispõe acerca da necessidade de os contratantes registrarem o contrato preliminar. A norma pode ser compreendida de duas maneiras. Se entendermos que o legislador condiciona a validade do negócio jurídico preliminar ao registro (RGI para imóveis e cartório de títulos e documentos para bens móveis), poderíamos concluir que o legislador não agiu com acerto. Com efeito, não devemos confundir a eficácia obrigacional do contrato preliminar com a sua eficácia real. Aquela é restrita às partes e independe do registro, posto que é suficiente à satisfação das obrigações inseridas no contrato preliminar para que se pretenda a execução específica a que remete o caput do dispositivo. Já a eficácia real, concedida pelo registro, objetiva apenas tutelar os contratantes perante terceiros, dotando as partes de sequela e oponibilidade do instrumento em caráter erga omnes, caso o objeto da prestação seja transmitido a terceiros no curso da execução do contrato preliminar. Enfim, exigir o registro do instrumento para fins de exercício de pretensão ao contrato definitivo é confundir a eficácia real com a obrigacional, restrita aos celebrantes do negócio prévio.

Portanto, parece-nos que a melhor hermenêutica da norma consiste em considerar que o legislador pretendeu afirmar a exigência do registro como forma de concessão de eficácia perante terceiros (coletividade), e não como requisito de validade do negócio. A própria técnica normativa induz a tal conclusão, ou seja, se o codificador pretendesse erigir o registro ao plano da validade, teria inserido observação no próprio caput, ou mesmo no art. 462, ao aludir aos requisitos essenciais. Em síntese, para os contratantes, a vantagem do registro é a tranquilidade de saber que, quando do cumprimento das obrigações referidas no contrato preliminar, a execução da obrigação de fazer poderá ser dirigida não apenas contra o devedor, mas em caráter absoluto.

Nos contratos de promessa de compra e venda a celeuma assume maior proporção, na medida em que o CC. 1.418 encetou grave inquietação ao condicionar a titularidade do direito real à aquisição (obtida por meio do registro), para fins de exercício de ação de outorga de escritura definitiva de compra e venda contra o vendedor ou terceiros. Em outras palavras, ao exigir o registro da promessa até mesmo para se adjudicar perante o promitente vendedor, o Código Civil fere a autoexecutoriedade do pré-contrato, pois inadvertidamente mistura a relação jurídica obrigacional inter partes com a relação real que envolve o titular da promessa registrada com o sujeito passivo universal, cujo objeto é o dever geral de abstenção. Pior, culmina na supressão da Súmula 239 do STJ nos seguintes termos: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Pronunciando-se adequadamente sobre a matéria, o Conselho da Justiça Federal emitiu o Enunciado n. 95: “O direito à adjudicação compulsória (CC. 1.418), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 531-532 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, tem-se que os figurantes do contrato preliminar obrigam-se ao cumprimento do definitivo e, por isso, respondem à execução específica da obrigação, como prescreve o artigo seguinte. A inclusão, todavia, de cláusula de arrependimento constitui direito assegurado às partes (jus poenitente) de não o celebrarem (RT 672/176).

Para a exigibilidade do contrato definitivo é imperativo que o preliminar tenha sido levado ao registro competente. O legislador preferiu tornar necessário o registro pré-contrato. A eficácia real, decorrente do registro, gera efeito erga omnes para prevenir direitos contra terceiros.

A jurisprudência vem admitindo a promessa de compra e venda imobiliária, geratriz de efeitos obrigacionais, não requerer, para sua plena eficácia e validade, a sua inscrição no Registro Imóveis (Súmula 239 do STJ, de 28-6-2000: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”), reconhecendo, destarte, que “a pretensão de adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrita assim aos contraentes, não podendo prejudicar os direitos de terceiros que entrementes hajam adquirido o imóvel e obtido o devido registro, em seu nome, no ofício imobiliário” (STJ, 4’ 1., REsp 27.246-8-RJ, rel. Mm. Athos Carneiro).

Sobre isso, de há muito resultou assentado: “Compromisso de compra e venda de imóvel. Execução específica da obrigação. Admissibilidade. E admissível a execução específica do art. 639 do CPC/1973, (sem correspondência no CPC/2015), ainda que se trate de contrato preliminar não inscrito no registro de imóveis” (REsp 6.370, rel. Mm Nilton Naves, DJ de 9-9-1991). Com a nova regra, afigura-se prejudicada a Súmula 239 do STJ. Por outro lado, a regulamentação se torna completa, desestimulando, na prática, expedientes de vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante a venda sucessiva do mesmo bem. Quando se tratar de bem móvel, o registro competente será o Registro de Títulos e Documentos, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 127 da Lei n. 6.015/73.

A assinação do prazo para que o outro contratante efetive o contrato definitivo é feita pelos meios regulares do comunicado de conhecimento (notificação judicial ou extrajudicial). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 249, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato preliminar irrevogável não permite o arrependimento das partes; levado a registro, vale contra terceiros. A irrevogabilidade é a regra; a revogabilidade tem de ser expressa.

A cláusula de arrependimento perde a eficácia após o cumprimento de todas as obrigações pela parte contra a qual possa ser exercida (Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Direito dos Contratos... p. 110).

A promessa de compra e venda irrevogável confere ao promissário comprador direito real de aquisição do bem (CC. 1.417; art. 22 do Decreto-lei n. 58, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 6.014/73) passível de ser exercitado mediante ação de adjudicação compulsória (CC. 464). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 15.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 458, 459, 460, 461 - Dos Contratos Aleatórios – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 458, 459, 460, 461
- Dos Contratos Aleatórios – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção VII – Dos Contratos Aleatórios
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Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

Ensina Nelson Rosenvald que contratos comutativos ou pré-estimados são aqueles em que a prestação de ambas as partes é determinada de início, sendo os resultados econômicos previstos desde a formação, mantendo-se uma relação de equivalência imediata.

Em contrapartida, nos contratos aleatórios ao menos uma das prestações é incerta quanto à exigibilidade da coisa ou do fato, ou mesmo de seu valor, demandando um evento futuro e incerto que dependerá do acaso. É o que ocorre nos contratos de jogo e aposta não proibidos, pela incerteza do prêmio (CC. 814) e também no seguro (CC. 757), em que a indenização a cargo do segurador depende da verificação de uma condição conhecida como sinistro. Mesmo que o risco não se verifique, o segurado pagará o prêmio (CC. 764). O segurador também corre o risco de assumir uma indenização de valor significativamente superior aos prêmios despendidos pelo segurado.

Aliás, os contratos aleatórios são onerosos – assim como os comutativos -, pois o pagamento do valor do seguro ou da aposta não é mera liberalidade, mas garantia de adimplemento de uma contraprestação eventual.

O art. 458 versa sobre a emptio spei, a “venda da esperança” (sale of a hope), pois há incerteza acerca de uma das prestações. O risco assumido pelo contratante consiste em ter de garantir a sua prestação mesmo que a contraprestação não se concretize. A sua vantagem depende da sorte.

Portanto, mesmo se a coisa ou o fato futuro não vierem a existir, quem assumiu a álea terá de desembolsar integralmente o valor ajustado previamente, desde que o beneficiado não tenha praticado ato ilícito que inviabilize a contraprestação.

Nesse sentido, mesmo um contrato tipicamente comutativo (v. g., compra e venda) pode se converter em aleatório pela autonomia privada dos contraentes, como alude o CC. 483, parágrafo único, no tocante à venda de coisa futura.

Há que observar que, em princípio, é inviável a resolução contratual por onerosidade excessiva nos contratos aleatórios, pois é ínsito a eles o caráter especulativo e o elevado risco. Por isso, a extrema vantagem de uma das partes faz parte da própria natureza do contrato e do fato de os contratantes remeterem a sua situação econômica ao acaso. Todavia, o CC. 770 é inovador ao permitir a redução (revisão) do prêmio pago pelo segurado – ou a resolução contratual – caso se apure considerável redução do risco para o segurador no curso do contrato (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 525-526 Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, contrato aleatório é o contrato oneroso sujeito a evento futuro e incerto, pelo qual ambos os contratantes submetem-se a uma álea (sorte ou incerteza de fortuna), onde as probabilidades de perda ou de lucro são concomitantes e dependentes de casualidade ou de fatores contingentes.

O dispositivo trata do risco sobre a existência da coisa, retratando a emptio spei (venda da esperança, a probabilidade de a coisa existir), caso em que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a não existir, coo sucede no exemplo clássico da venda de colheita futura, independente de a safra existir ou não, assumindo o comprador o risco da completa frustração da safra (inexistência), salvo se o risco cumprir-se por dolo ou culpa do vendedor (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 247, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão compartilhada por Marco Túlio de Carvalho Rocha, Álea é o mesmo que sorte. Negócio jurídico aleatório é aquele cujos efeitos dependam de circunstâncias variáveis e independentes da vontade das partes. Exemplos de contratos aleatórios: compra e venda de safra, seguro, prestação de serviço com salário proporcional aos ganhos, jogo, aposta.

A aleatoriedade pode ser maior ou menor conforme a vontade manifestada pelas partes. O artigo em comento cuida dos contratos em que a parte assume o risco de a coisa não vir a existir, ficando obrigada mesmo nesse caso (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.

Na visão de Nelson Rosenvald, aqui há outra forma de contrato aleatório. O dispositivo anterior tratava da emptio spei, consubstanciada no risco assumido pelo contratante quanto à própria exigibilidade da prestação. Porém, o artigo em exame se refere à emptio rei speratae, em que a incerteza não recai sobre a prestação propriamente dita, mas sobre a sua quantidade.

Segundo a doutrina, o contratante terá de suportar a prestação mesmo que a coisa adquirida venha em quantidade mínima. Assim, em um contrato de compra de safra futura, mesmo que a colheita seja ínfima – em razão de eventos da natureza -, deverá o adquirente arcar com a importância ajustada no contrato. Certamente, o alienante só fará jus ao crédito se não atuou no sentido de obstaculizar a vantagem da contraparte, concorrendo culposamente para o prejuízo do adquirente.

Ademais, mesmo não havendo culpa do alienante, caso a quantidade por ele obtida seja equivalente a zero, haverá a restituição dos valores eventualmente adiantados pelo adquirente. Trata-se de hipótese de inexistência do negócio jurídico, na media em que o objeto (bem) é pressuposto para a formação da compra e venda, eis que não há transferência de domínio sem uma coisa sobre a qual incidirá o preço (CC. 481).

Nada obstante, em sede de direito civil constitucional, é cediço que as normas de direito privado não fogem da aplicação do princípio da proporcionalidade. Ou seja, deve haver uma adequação entre os fins pressupostos pela norma, com os próprios objetivos do negócio jurídico aleatório. Portanto, não seria razoável a prevalência do contrato na hipótese da quantidade obtida ser mínima, insignificante. Nesse caso, equivaleria a se nada fosse auferido em proveito de quem contratou. Defendemos, portanto, a extensão do parágrafo único a essas situações, recusando interpretação meramente literal ao dispositivo, pois o termo “nada” significa, em verdade, algo que não seja passível de apreciação econômica, mesmo que em tese exista quantitativamente (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 527 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, o dispositivo trata do risco sobre a quantidade exata da coisa, retratando a emptio rei speratae (venda da coisa esperada, a probabilidade de a coisa existir na quantidade desejada ou prometida), caso em que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a existir quantitativamente diferenciada, como sucede ainda no exemplo clássico da venda de colheita futura, quando a safra alcança quantidade inferior ou mínima. No caso, a álea vincula-se à quantidade e não à existência da coisa, referida pelo artigo anterior. O alienante não terá direito ao preço contratado, se houver agido com dolo ou culpa.

Sobre o risco concernente à quantidade, Darcy Arruda Miranda apresenta o exemplo típico do adquirente de safra de algodão animado pela espera de colheita farta, sucedendo, entretanto, quantidade irrisória resultante de o algodão se achar praguejado. O alienante omitira essa circunstância ao adquirente, agindo com dolo. Em tal situação, o contrato será nulo. Assim, desde que o alienante atuou dolosamente, com causação de prejuízo ao adquirente, nenhum direito terá ao preço ajustado, obrigando-se à restituição. A exclusão do dolo, no preceito, por se referir o dispositivo somente à culpa, constitui omissão do legislador, reparável pela jurisprudência.

Desde que o risco foi assumido sobre a quantidade, a não-existência da coisa traz como consequência a nulidade do contrato, obrigando-se o alienante à restituição do valor recebido, cero que nada existindo, alienação não haverá. A referência ao “adquirente”, como obrigado a restituir, contida por equívoco no parágrafo único do art. 1.119 do CC de 1916 foi oportunamente modificada pelo termo “alienante” no parágrafo único do presente artigo (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 247, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A participação de Marco Túlio de Carvalho Rocha pouco acrescenta, afirmando o art. 459 regular as situações em que a parte não assume o risco de a coisa não existir, embora assuma o risco de que venha a existir em quantidade variável. Nesse caso, a inexistência da coisa configura descumprimento contratual e torna a contraprestação indevida (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.

Sob a batuta de Nelson Rosenvald, aqui há uma variação em relação ao dispositivo pregresso. O contrato aleatório consistirá no risco assumido pelo adquirente de ter de pagar o preço, mesmo que a coisa na exista no dia em que houve a contratação. Pelo fato de o adquirente saber que a coisa se encontrava exposta a risco, terá de arcar com o prejuízo consequente à sua perda total ou parcial.

Parece-nos que o adquirente realiza tal tipo de contrato justamente por pagar pela coisa um valor inferior ao praticado no mercado, na esperança de o risco não se concretizar. Essa vantagem justifica a celebração do negócio.

Note-se que não apenas o adquirente mas também o alienante estão se sujeitando à sorte. Ambos remetem o resultado ao acaso. Por isso, o conhecimento antecipado da perda total pelo alienante implicará inexistência do negócio jurídico pela ausência de objeto. Ou seja, não se cuida de invalidade por nulidade, que só se produziria se existisse o objeto, porém fica qualificado como ilícito, impossível ou indeterminado (CC. 166, II) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 528 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza, trata-se do contrato aleatório tendo por objeto coisas existentes mas expostas a risco. O adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebe-la parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, entretanto, ao alienante todo o valor. Acentua João Luiz Aves representar o dispositivo a generalização dos princípios aceitos pelo direito comercial quanto ao seguro marítimo (CC. 666 e 677, IX), valendo, aqui, o exemplo da mercadoria embarcada, tomando sobre si o adquirente a sorte (álea) de vir ou não recebê-la, devido a acidente ou naufrágio. Mesmo que a coisa no dia do contrato já não existisse no todo ou em parte, o risco assumido obriga o adquirente ao pagamento do preço. Excetua-se a hipótese do artigo seguinte (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 248, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, este dispositivo, em sua literalidade, representa quebra do sistema. A regra geral determina que a coisa se perde para seu proprietário: res perito domino, devendo o alienante arcar com o prejuízo pela perda ou deterioração da coisa antes do momento da tradição, conforme os arts. CC. 234 e 235.

Há, portanto, antinomia entre o art. 460 e o art. 235 do Código Civil que se deve resolver em favor do artigo 460 por se tratar de regra específica para contratos aleatórios: lex specialis derrogat lex generalis.

Desse modo, se, num contrato aleatório, ocorrer a deterioração ou perda do bem “no dia do contrato”, o risco será do adquirente que tiver assumido o risco relativamente à deterioração ou à perda da coisa, desde que o alienante não tivesse conhecimento da deterioração ou perda da coisa no momento da realização do contrato conforme o CC. 461 (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.

De acordo com Nelson Rosenvald, se no momento da celebração do contrato o alienante possuía conhecimento acerca da consumação do risco a que estava exposto o adquirente, o contrato aleatório será passível de anulação pelo dolo.

O dolo é o vício de consentimento que se revela quando há uma desconformidade entre a vontade real e a declaração do agente, por ter sido induzido a erro pela contraparte (CC.145). aqui, o alienante levou o adquirente a efetuar um negócio jurídico aparentemente aleatório, pois aquele já tinha ciência do resultado. Em verdade, surte a omissão dolosa pelo silencio intencional do vendedor a respeito do fato essencial desconhecido pelo comprador, eis que ele não celebraria o negócio se soubesse do ocorrido.

Todavia, para não incidirmos em colisão com a hipótese do art. 460, há que ser feita uma distinção. Quando desde o início o alienante sabe que a coisa contratada como aleatória não existe, tratar-se-á de inexistência do objeto. Mas, se o seu conhecimento prévio concerne à ciência da consumação do risco pela existência da coisa em quantidade inferior à esperada, estamos no plano da invalidade pela anulabilidade da conduta dolosa. Aqui caberá ao adquirente o ajuizamento de ação desconstitutiva do negócio jurídico no prazo decadencial de quatro anos (CC. 178).

Como o art. 461 se refere à anulação do negócio aleatório caso o dolo seja meramente acidental (CC. 146) – a ponto de o adquirente manter o contrato mesmo se soubesse da sua condição real -. A solução será o ajuizamento de ação indenizatória e não a invalidação do negócio jurídico.

Não obstante a redação do art. 461, referindo-se à possibilidade de ser anulada a alienação aleatória quanto o outro contratante tiver conhecimento da consumação do risco no momento de realização do negócio jurídico, entendemos não se tratar de anulação, mas de nulidade. Na verdade, verificado o risco, sendo tal fato de conhecimento de um dos contratantes, não estaremos diante de um negócio jurídico aleatório, uma vez que risco não existe. Conferindo ao termo “objeto”, presente no CC. 166, a acepção de causa do negócio jurídico, este será nulo, ante a impossibilidade de se firmar um contrato aleatório sem risco. Exemplificando, podemos citar os contratos de seguro de saúde. O risco é ínsito a todo contrato de seguro. O segurador, em contrapartida ao recebimento do valor avançado, assume o risco de o segurado vir a ficar doente, tendo de arcar com o custeio de um tratamento médico. Caso o segurado, ciente da existência de uma doença preexistente, omita tal fato ao segurador, estaremos diante de um contrato com roupagem de aleatoriedade, haja vista que risco não existirá, ou seja, o contrato será nulo, ante a impossibilidade do objeto (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 528 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, este dispositivo torna clara a possibilidade de anulação do contrato por dolo se o alienante contratou com conhecimento da prévia perda ou deterioração da coisa e não a informou ao adquirente. Configura-se o dolo (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 14.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).