Direito Civil
Comentado - Art. 950, 951, 952 - continua
Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art.
233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art.
944 a 954) Capítulo II – Da Indenização
–
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Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido
não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de
trabalho, a indenização além das despesas do tratamento e lucros cessantes até
ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do
trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a
indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Na visão de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o caput
do artigo em comento reproduz a regra do anterior art. 1.539 e trata da
reparação de danos consistentes na inabilitação ou redução da capacidade
laborativa da vítima, portanto com diversa pertinência em relação ao preceito
do CC 949, que versa sobre lesão corporal que não seja causa de incapacidade ao
trabalho. De qualquer forma, em grande medida está superada a discussão que
havia sobre a inacumulabilidade dos arts. 1.538 e 1.539 do CC/1916, porquanto
não reproduzidos os §§ 1º e 2º daquele primeiro dispositivo e porque, afinal,
sempre é cumulável o dano moral ao material, consoante exsurge da CF/1988 (art.
5º, V e X), e, mais, como se pretende explicitar em nova redação de parágrafos
acrescidos ao CC950, por força do Projeto de Lei n. 276/2007, de reforma da
legislação presente. Por essa modificação, a denotar, mesmo superada, uma
tendência, tenciona-se assentar reparável o dano moral resultante da ofensa que
acarreta defeito físico permanente ou durável, inclusive, frise-se, mesmo que
sem incapacitação ou depreciação laborativa, da mesma forma que se queria
determinar o agravamento das suas consequências se, havendo defeito físico,
além de permanente e durável, ele fosse aparente. Serve, ademais, aí sim, a ressalva
final do CC 949 à indenização de “qualquer outro prejuízo” que a vítima de
lesão corporal demonstre haver experimentado.
Mas, prevê-se, no caso do CC 950,
indenização que, além das despesas de tratamento e do que o ofendido houver
deixado de auferir até o final da convalescença, compreende uma pensão atinente
à importância do trabalho ao qual está inabilitada a vítima ou em razão do qual
teve sua capacidade depreciada. Ou seja, é a incapacidade laborativa total ou
parcial resultante da ofensa sofrida, que será apurada de acordo com perícia,
também mercê da qual se identificará, conforme a hipótese, o grau da redução da
aptidão para o trabalho. E como a reparação é de dano consubstanciado na
inabilitação laboral, nada se paga, sob o título presente, destarte sem
prejuízo de outros danos materiais, se a vítima ao tempo do evento já estava
incapacitada ao trabalho.
O cálculo da pensão deve tomar
por base a remuneração auferida pelo ofendido. Se não houver renda determinada,
ou se se exercia atividade doméstica, o cálculo se faz de acordo com o
salário-mínimo. Mesmo aos menores se vem reconhecendo a indenização presente,
ainda que não trabalhem, se a lesão prejudica o exercício de qualquer
profissão. A perda da capacidade de produzir renda é, de fato, um dano certo.
E, aqui, de novo, utilizando-se o salário-mínimo como critério.
Alguma discussão se coloca quando
a vítima, apesar de inabilitada completamente à profissão ou ocupação
remunerada a que se dedicava, não fica impedida de exercer outra atividade. O
princípio, ao que se entende, é que, nessas hipóteses, a indenização deverá ser
integral, salvo caso específico em que se demonstre que o ofendido acabou
encontrando outro trabalho, que exerce normalmente sem maior esforço ou
sacrifício de qualquer ordem, portanto sem que seja suficiente, à redução da
pensão, a mera conjectura sobre a possibilidade de desempenho de outra
ocupação.
A pensão paga no caso do preceito
em comento é vitalícia e traz ínsita a cláusula rebus, a propósito remetendo-se o leitor ao comentário do CC 948,
de toda maneira aqui se acrescendo a hipótese de eventual agravamento das
lesões sofridas, o que deve ensejar revisão da indenização.
Por fim, o parágrafo único instituiu a possibilidade de o
pagamento da indenização arbitrada se dar de uma só vez, de resto na esteira,
veja-se, de jurisprudência formada inclusive na hipótese de pensão devida por
homicídio, já daí porque não se entende que se deva limitar a previsão aos
casos de pensão por inabilitação por trabalho. Ao revés, será nessa hipótese
inclusive que mais sobressaltará a dificuldade de se arbitrar a indenização e
de se fazer a execução de uma só se, afinal, e ao contrário da previsão do CC
948, a pensão é vitalícia, sugerindo Carlos Roberto Gonçalves que o cálculo se
faça pelo tempo de vida provável da vítima (Comentários
ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva,
2003, v XXI, p. 547), mas restando então o problema da sobrevida do ofendido e
da eventual possibilidade de suplementação do valor ressarcitório. Melhor é
considerar que a opção pelo pagamento de uma só vez exclua a possibilidade de
postular complementação pelo tempo que a vítima vier a viver a mais do que a
idade provável tomada para cálculo da indenização, como também se exclui qualquer
crédito do ofensor pelo tempo que o ofendido viva a menos que o período tomado
para cálculo da reparação paga de uma só vez. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 960-961 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na interpretação de Ricardo
Fiuza, este dispositivo trata de ofensa à integridade física que acarreta
defeito que impossibilite ou diminua a capacidade de trabalho da vítima,
estabelecendo indenização pelos danos materiais: despesas de tratamento, lucros
cessantes até o fim da convalescença e pensão correspondente à importância do
trabalho pra que se inabilitou ou da depreciação sofrida.
Desse modo, este artigo não faz
referencia aos danos morais e estéticos, sendo que, com a eliminação da norma
constante do § 1º do art. 1.538 do Código Civil de 1916, no CC 949 deste Código,
que se referia ao aleijão ou deformidade permanente, essa omissão é de suma
gravidade e precisa ser suprida.
A ofensa à integridade física da
pessoa pode ou não gerar deformidade permanente. Para que a deformidade seja
permanente, deve ser irreparável ou de difícil ou longínqua reparabilidade (v. Yussef Said Cahali, Dano moral, 2ª ed. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1999, p. 208 e 209). A deformidade permanente pode ou não ser
aparente. Se não houver deformidade permanente poderá acarretar dano material –
despesas de tratamento e lucros cessantes – e moral – ofensa à honra,
resultante do motivo ou da natureza injuriosa da agressão. Se houver
deformidade permanente poderá acarretar dano material – despesas de tratamento,
lucros cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa – e moral
– ofensa à honra e à integridade física. Se a deformidade permanente for
aparente poderá acarretar dano material – despesas de tratamento, lucros
cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa – e moral pelo
comprometimento estético.
Dano estético é definido por
Teresa Ancona Lopez como a “modificação duradoura ou permanente na aparência
externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe
causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral” (O dano estético: responsabilidade civil,
2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 38).
No entanto, o dano estético não
se constitui em categoria de dano diferenciada do dano moral (v. Teresa Ancona Lopez, O dano estético: responsabilidade civil,
cit., p. 16 e 17; e Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade
civil do médico, 3ª ed. São Paulo Revista dos Tribunais, 1998, p. 93-5.
Dano moral é aquele que atinge um
direito da personalidade do lesado. A origem do dano estético reside na ofensa
à integridade física. Assim, por esse critério não há como distingui-lo do dano
moral, que é aquele que atinge um direito da personalidade. Quanto à
caracterização do dano moral por seus efeitos, refere-se aos aspectos
sentimental ou afetivo, intelectual ou social da personalidade do lesado.
Recordando a utilíssima distinção feita pelos irmãos Mazeaud: os danos morais
podem ser divididos em duas categorias: 1º) os que afetam a “parte social do
patrimônio moral” (ofensa à consideração social, que podem sofrer as pessoas
naturais e jurídicas); e 2º) os que atingem a “parte afetiva do patrimônio
moral”, alcançando o indivíduo em suas afeições (dor sentimental, que somente
as pessoas naturais podem sofrer) (Henri e Leon Mazeaud. Traité théorique et pratique de la responsabilité civil delictueile
encontractuelle, 4ª ed. Paris, Sirey, 1947, t. I, p. 319).
Quanto à constatação dos efeitos
do dano estético, atinge ao mesmo tempo duas esferas da personalidade do lesado:
esfera sentimental ou afetiva e esfera social da personalidade do lesado. Desse
modo, também por esse critério trata-se de dano moral. No entanto, é aí que
reside o agravamento das consequências do dano estético: atinge,
concomitantemente, dois aspectos da personalidade do lesado, já que causa dor
moral, sentimento negativo, de caráter interno, e também atinge o indivíduo
socialmente, já que sua aparência física é alterada, é o aspecto exterior da
personalidade do lesado que é atingido. O dano estético, pela transformação
física, geral, ao mesmo tempo, sofrimento interior e dano à consideração social
do indivíduo.
É evidente que a pensão
equivalente à inabilitação ao trabalho ou diminuição da capacidade laborativa,
prevista neste artigo, tem caráter indenizatório do dano material. Não prevê o
dispositivo a reparação dos danos morais oriundos de ofensa que acarrete defeito
físico permanente e durável. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 492-93, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em comunhão com Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, o valor da pensão deverá ser apurado conforme
perícia técnica a ser realizada no curso do processo. Se, antes do acidente, a
vítima já era inabilitada ao trabalho, nenhuma indenização a esse título será
devida, sem prejuízo da concessão de eventual dano moral. Para as pessoas que
não trabalhavam, não tinham renda fixa ou mesmo a menores, tem-se tomado com
base para a pensão o valor do salário mínimo. A pensão, a despeito de
vitalícia, poderá ter seu valor alterado, caso se alterem as condições da
vítima.
O pagamento da indenização integral em só uma parcela é feita com
base na expectativa de vida da vítima (vide comentários ao CC 948), o que traz
consigo o problema de eventual sobrevida daquela para além do período que foi
estimado. Como mostrado acima, na primeira parte do artigo em comento, Godoy
defende que, em casos tais, exclua-se esse valor adicional da indenização, tal
qual não se considera a hipótese de que a vítima tenha de devolver quaisquer
valores em decorrência de falecimento anterior à idade estimada (Godoy, Cláudio
Luiz Bueno de. Comentário ao artigo 950
do Código Civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código Civil Comentado, Barueri: Manole, 2015.).
“Enunciado CEJ n. 381. O lesado pode exigir que a indenização, sob a
forma de pensionamento, seja arbitrada e paga de uma só vez, salvo
impossibilidade econômica do devedor, caso em que o juiz poderá fixar outra
forma de pagamento, atendendo à condição financeira do ofensor e aos benefícios
resultantes do pagamento antecipado”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.05.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda
no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade
profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do
paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Conforme aponta Godoy,
trata o artigo presente da responsabilidade por homicídio ou lesão corporal, só
que afeta a quem desempenhe atividade profissional, segundo o CC/1916 médica,
farmacêutica ou ortodôntica (art. 1.545), redação agora ampliada para abarcar
qualquer profissional de saúde que, com sua conduta, provoque dano ao paciente,
como está na lei. A bem dizer, o dispositivo mais se ocupa de explicitar que as
mesmas verbas indenizatórias contempladas pelos CC 948 a 950 são também
aplicáveis aos casos de homicídio ou lesão causados no desempenho de atividade
de atendimento à saúde. Nem precisaria afirma-lo. E, mais, quando alude à
imprudência, negligencia ou imperícia, pode criar alguma perplexidade diante da
responsabilidade objetiva de empresas prestadoras de serviços ligados à área da
saúde, nos termos da legislação do consumidor.
Destarte, o CC 951 deve
ser interpretado em consonância com a Lei n. 8.078/90, com sua previsão de
responsabilidade subjetiva, é certo, para os profissionais liberais (art. 14, §
4º), mas por atuação pessoal, ressalvando-se a responsabilidade sem culpa para
os fornecedores pessoas jurídicas, nos termos da mesma normatização.
No mais, vale remissão, ainda, no que toca a esses
profissionais liberais que exercem atividade indutiva de especial risco, à
ressalva que já se fez no comentário ao CC 927, parágrafo único, no mesmo
sentido, para esses casos específicos da regra no preceito em tela disposta. É
ao que se remete o leitor. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 961-962 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na analogia de Ricardo
Fiuza, enquanto o art. 1.545 do CC/1916 referia a responsabilidade civil dos
médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas que, por imprudência,
negligência ou imperícia, causem a morte, inabilitação de servir ou ferimento
ao paciente, o artigo em análise torna mais amplo o dispositivo, de modo a
abranger todas as pessoas que em sua atividade profissional, com culpa em
sentido estrito, causem dano ao paciente.
A responsabilidade civil
de que trata este artigo é contratual. No campo contratual a classificação das
obrigações de meio e de resultado direciona a prova da culpa: nas obrigações de
meio cabe ao credor provar ao devedor (obrigou-se a empregar todos os meios e
esforços para a consecução de um objetivo e não a alcançar certa finalidade), e
nas obrigações de resultado presume-se a culpa do devedor (não alcançou a
finalidade a que se obrigou) (v.
Teresa Ancona Lopez. O dano estético, 2ª
ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 53-5).
As pessoas que atuam
profissionalmente na área da saúde assumem obrigações, via de regra, de meio.
Desse modo, a responsabilidade é subjetiva, porque, se a obrigação é de meio e
não de resultado, deve a vítima ou lesado provar que o profissional não se utilizou
de todos os meios a seu alcance para obter o direito à indenização. É preciso
provar a culpa, ou seja, a atitude negligente, imprudente ou imperita do
lesante, na utilização dos meios adequados para a cura ou o tratamento do
paciente (v. Teresa Ancona Lopez,
Responsabilidade civil dos médicos, in Responsabilidade
civil, coord. Yussef Said Cahali, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1988, p.
319-21).
No entanto, há obrigações assumidas na área da saúde que
são de resultado: na cirurgia plástica de caráter estético e eletiva
(embelezadora e não coactiva), nos exames laboratoriais, nos cuidados
necessários a que o paciente não contraia infecção (infecção hospitalar).
Nesses casos, a obrigação assumida é de alcançar a finalidade almejada. Aqui,
basta a prova de que não foi alcançado o resultado. Somente nestes casos, de
obrigação de resultado, tem aplicação a presunção da culpa, cabendo ao
profissional provar a inexistência de culpa ou que o dano decorreu de caso
fortuito ou força maior (v. na
doutrina: Teresa Ancona Lopez, Responsabilidade civil dos médicos, in Responsabilidade civil, cit.; e Rui
Stoco, Responsabilidade civil e sua
interpretação jurisprudencial, 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais,
1999, p. 287-303; na jurisprudência: RT,
554/234. 556/191, 566/192, 638/89, 713/125. 718/270; RJTJSP, 157/105; RSTJ,
33/555). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 494, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo em questão,
ontologicamente, relaciona-se, principalmente, mas não exclusivamente, a
profissionais da área da saúde – seu artigo correspondente no Diploma anterior
(CC 1916, art. 1.545) fazia referência a médicos, farmacêuticos e
ortodontistas. A responsabilidade aquiliana prevista no dispositivo em questão
aplica-se apenas a profissionais liberais, contratados pela vítima em função de
vínculo pessoal e de confiança com o profissional. Nos casos em que a
contratação dos serviços se dá por meio de sociedade de profissionais liberais,
em que inexiste a relação de pessoalidade, aplica-se a responsabilidade
objetiva pela prestação de serviços prevista no Código de Defesa do Consumidor.
(Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 04.05.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 952. Havendo
usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização
consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de
lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao
prejudicado.
Parágrafo único. Para se
restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela
pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje
àquele.
No instituto de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, a norma em comento procurou
concentrar em seus termos as disposições relativas às consequências
indenizatórias da prática de ato de apropriação de coisa alheia, móvel ou
imóvel, o que, antes, no CC/1916, se fazia em três artigos (arts. 1.541 a
1.543) e, de resto, conforme já se contém no CPC 555 atual.
No caput, primeira parte, reproduz-se a regra do anterior art. 1.541,
prevendo-se que, havida usurpação ou esbulho, se deve procurar a restituição in natura, sem prejuízo da indenização
por eventual deterioração da coisa (danos emergentes), e, agora, o que
constitui inovação que supera discussão que a respeito se travava, também por
lucros cessantes, como, no exemplo de Sílvio Rodrigues (Direito civil, 19 ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. IV, p. 246),
quando alguém fica privado de imóvel destinado à renda.
Na sua segunda parte, o
artigo consagra a reparação substitutiva em pecúnia, para quando não mais haja
a possibilidade de restituição, o que não deve excluir suplemento
indenizatório, da mesma forma provados não só outros danos emergentes como,
também, lucros cessantes. O cálculo do equivalente da coisa em dinheiro se faz
na forma do parágrafo único do CC 952, que, de seu turno, repete a regra do
art. 1.543 do CC/1916. E, a propósito, estabelece-se, como no Código anterior,
que, à estimativa do preço ordinário da coisa, se venha a avaliar e se acresça
o chamado preço de afeição, conforme o caso. Trata-se de evidente hipótese de
dano moral, em tese devido, segundo se crê, não só no caso de se inviabilizar a
restituição da coisa, como também quando seu titular fique dela privado, posto
que por certo tempo e ainda que outro seja o importe compensatório. Nem se
considera que a fixação necessariamente precise ser feita, como sempre se
defendeu, com um plus percentual ao
preço de restituição, assim sem possibilidade de que o dano moral supere a
importância da indenização material a ressarcir, a respeito estabelecendo a
parte final do parágrafo em comento uma ressalva à reparação do prejuízo moral
que a Constituição garantiu integral, sem nenhuma limitação, tanto mais quando
se constata cuidar-se de agravo a direito da personalidade, fundado na dignidade
humana, princípio fundamental da República, destarte cuja preservação se exige,
sempre de forma completa, conforme se tornará a examinar no comentário ao
artigo seguinte.
Por fim, o CC/2002 não reiterou a regra do art. 1.542 do diploma
anterior, que impunha a restituição mesmo que por terceiro que detivesse a
coisa, mas mediante indenização devida por quem tivesse desapossado o ofendido.
Em primeiro lugar, tinha-se mesmo dispositivo mal alocado, eis que concernente
à controvertida questão da possibilidade de ação possessória diante de terceiro
que eventualmente esteja de boa-fé, perante quem, para alguns, somente é
cabível reivindicação, de toda sorte a propósito remetendo-se o leitor ao
comentário do CC 1.212 atual. Em segundo, a previsão de indenização pelo
desapossador e não por terceiro de boa-fé – mesmo que sujeito à restituição,
alhures discutindo-se, como se disse, se só na via reivindicatória ou também
possessória -, como se o defende, por exemplo, Carlos roberto Gonçalves,
conclusão a seu ver, inclusive inferível do preceito dos CC 1.220 e 1.221 (Comentários ao Código Civil, coord.
Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2002, v. XXI, p. 551), não
exige dispositivo próprio e deve seguir as regras gerais sobre a
responsabilidade civil. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 962-963 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na visão de Ricardo Fiuza,
há duas formas de reparação de danos: reparação natural ou específica, com a
entrega do próprio objeto, e reparação pecuniária ou indenizatória, em que é
paga uma importância em dinheiro.
Em princípio, a reparação
deve ocorrer in natura, ou seja, deve
haver a restauração da situação alterada pelo dano, de modo que a indenização
pecuniária é subsidiária. No entanto, em face das dificuldades inerentes à
reparação natural, a reparação pecuniária ou indenizatória é a mais comum.
Na avaliação do dano
material, o prejuízo é quantificado por meio de comparação entre o estado atual
do patrimônio e sua situação se o dano não tivesse ocorrido. Aplica-se a
chamada “teoria da diferença”, na qual há a apuração da diferença entre a
situação real do patrimônio do lesado e a situação hipotética desse patrimônio
se o dano não tivesse ocorrido, e a compensação das vantagens perdidas, devida
sempre que o evento danoso tenha produzido ao lesado não apenas danos efetivos,
mas, também, perda de lucros (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 7ª ed. Coimbra,
Almedina, 1998, p. 687-9).
Em suma, na indenização do
dano material busca-se a reposição do patrimônio do ofendido, de modo a
recompor-se a situação ideal em que se encontraria se tivesse inexistido o
ilícito.
O
parágrafo único deste dispositivo estabelece a indenizabilidade do dano moral
por ofensa a um bem material, quando este não mais existe. O dano pode ser
identificado como moral ou material de acordo com dois critérios básicos: 1) a
verificação da origem do dano, relacionada ao bem violado e respectiva
natureza; e 2) a constatação dos efeitos do dano, referente à natureza das
consequências ou dos reflexos produzidos na esfera Jurídica violada. De acordo
com o segundo critério, o dano material tem como efeito um prejuízo econômico
ou pecuniário, mensurável por cálculos e o dano moral refere-se aos aspectos
sentimental ou afetivo. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 495, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo está em linha com o disposto no artigo
955 do CPC.
A indenização pela
afeição refere-se, em realidade, à hipótese de dano moral e que, por se fundar
em direito da personalidade, não deverá, conforme defende Godoy, ter o valor de
indenização limitado pelo valor do dano material. (Godoy, Cláudio Luiz Bueno
de. Comentário ao artigo 952 do Código
Civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código
Civil Comentado, Barueri, Manole, 2015. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.05.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).