segunda-feira, 4 de maio de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 950, 951, 952 - continua - Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 950, 951, 952 - continua
Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 944 a 954) Capítulo II – Da Indenização
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Na visão de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o caput do artigo em comento reproduz a regra do anterior art. 1.539 e trata da reparação de danos consistentes na inabilitação ou redução da capacidade laborativa da vítima, portanto com diversa pertinência em relação ao preceito do CC 949, que versa sobre lesão corporal que não seja causa de incapacidade ao trabalho. De qualquer forma, em grande medida está superada a discussão que havia sobre a inacumulabilidade dos arts. 1.538 e 1.539 do CC/1916, porquanto não reproduzidos os §§ 1º e 2º daquele primeiro dispositivo e porque, afinal, sempre é cumulável o dano moral ao material, consoante exsurge da CF/1988 (art. 5º, V e X), e, mais, como se pretende explicitar em nova redação de parágrafos acrescidos ao CC950, por força do Projeto de Lei n. 276/2007, de reforma da legislação presente. Por essa modificação, a denotar, mesmo superada, uma tendência, tenciona-se assentar reparável o dano moral resultante da ofensa que acarreta defeito físico permanente ou durável, inclusive, frise-se, mesmo que sem incapacitação ou depreciação laborativa, da mesma forma que se queria determinar o agravamento das suas consequências se, havendo defeito físico, além de permanente e durável, ele fosse aparente. Serve, ademais, aí sim, a ressalva final do CC 949 à indenização de “qualquer outro prejuízo” que a vítima de lesão corporal demonstre haver experimentado.

Mas, prevê-se, no caso do CC 950, indenização que, além das despesas de tratamento e do que o ofendido houver deixado de auferir até o final da convalescença, compreende uma pensão atinente à importância do trabalho ao qual está inabilitada a vítima ou em razão do qual teve sua capacidade depreciada. Ou seja, é a incapacidade laborativa total ou parcial resultante da ofensa sofrida, que será apurada de acordo com perícia, também mercê da qual se identificará, conforme a hipótese, o grau da redução da aptidão para o trabalho. E como a reparação é de dano consubstanciado na inabilitação laboral, nada se paga, sob o título presente, destarte sem prejuízo de outros danos materiais, se a vítima ao tempo do evento já estava incapacitada ao trabalho.

O cálculo da pensão deve tomar por base a remuneração auferida pelo ofendido. Se não houver renda determinada, ou se se exercia atividade doméstica, o cálculo se faz de acordo com o salário-mínimo. Mesmo aos menores se vem reconhecendo a indenização presente, ainda que não trabalhem, se a lesão prejudica o exercício de qualquer profissão. A perda da capacidade de produzir renda é, de fato, um dano certo. E, aqui, de novo, utilizando-se o salário-mínimo como critério.

Alguma discussão se coloca quando a vítima, apesar de inabilitada completamente à profissão ou ocupação remunerada a que se dedicava, não fica impedida de exercer outra atividade. O princípio, ao que se entende, é que, nessas hipóteses, a indenização deverá ser integral, salvo caso específico em que se demonstre que o ofendido acabou encontrando outro trabalho, que exerce normalmente sem maior esforço ou sacrifício de qualquer ordem, portanto sem que seja suficiente, à redução da pensão, a mera conjectura sobre a possibilidade de desempenho de outra ocupação.

A pensão paga no caso do preceito em comento é vitalícia e traz ínsita a cláusula rebus, a propósito remetendo-se o leitor ao comentário do CC 948, de toda maneira aqui se acrescendo a hipótese de eventual agravamento das lesões sofridas, o que deve ensejar revisão da indenização.

Por fim, o parágrafo único instituiu a possibilidade de o pagamento da indenização arbitrada se dar de uma só vez, de resto na esteira, veja-se, de jurisprudência formada inclusive na hipótese de pensão devida por homicídio, já daí porque não se entende que se deva limitar a previsão aos casos de pensão por inabilitação por trabalho. Ao revés, será nessa hipótese inclusive que mais sobressaltará a dificuldade de se arbitrar a indenização e de se fazer a execução de uma só se, afinal, e ao contrário da previsão do CC 948, a pensão é vitalícia, sugerindo Carlos Roberto Gonçalves que o cálculo se faça pelo tempo de vida provável da vítima (Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2003, v XXI, p. 547), mas restando então o problema da sobrevida do ofendido e da eventual possibilidade de suplementação do valor ressarcitório. Melhor é considerar que a opção pelo pagamento de uma só vez exclua a possibilidade de postular complementação pelo tempo que a vítima vier a viver a mais do que a idade provável tomada para cálculo da indenização, como também se exclui qualquer crédito do ofensor pelo tempo que o ofendido viva a menos que o período tomado para cálculo da reparação paga de uma só vez. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 960-961 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na interpretação de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata de ofensa à integridade física que acarreta defeito que impossibilite ou diminua a capacidade de trabalho da vítima, estabelecendo indenização pelos danos materiais: despesas de tratamento, lucros cessantes até o fim da convalescença e pensão correspondente à importância do trabalho pra que se inabilitou ou da depreciação sofrida.

Desse modo, este artigo não faz referencia aos danos morais e estéticos, sendo que, com a eliminação da norma constante do § 1º do art. 1.538 do Código Civil de 1916, no CC 949 deste Código, que se referia ao aleijão ou deformidade permanente, essa omissão é de suma gravidade e precisa ser suprida.

A ofensa à integridade física da pessoa pode ou não gerar deformidade permanente. Para que a deformidade seja permanente, deve ser irreparável ou de difícil ou longínqua reparabilidade (v. Yussef Said Cahali, Dano moral, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 208 e 209). A deformidade permanente pode ou não ser aparente. Se não houver deformidade permanente poderá acarretar dano material – despesas de tratamento e lucros cessantes – e moral – ofensa à honra, resultante do motivo ou da natureza injuriosa da agressão. Se houver deformidade permanente poderá acarretar dano material – despesas de tratamento, lucros cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa – e moral – ofensa à honra e à integridade física. Se a deformidade permanente for aparente poderá acarretar dano material – despesas de tratamento, lucros cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa – e moral pelo comprometimento estético.

Dano estético é definido por Teresa Ancona Lopez como a “modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral” (O dano estético: responsabilidade civil, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 38).

No entanto, o dano estético não se constitui em categoria de dano diferenciada do dano moral (v. Teresa Ancona Lopez, O dano estético: responsabilidade civil, cit., p. 16 e 17; e Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, 3ª ed. São Paulo Revista dos Tribunais, 1998, p. 93-5.

Dano moral é aquele que atinge um direito da personalidade do lesado. A origem do dano estético reside na ofensa à integridade física. Assim, por esse critério não há como distingui-lo do dano moral, que é aquele que atinge um direito da personalidade. Quanto à caracterização do dano moral por seus efeitos, refere-se aos aspectos sentimental ou afetivo, intelectual ou social da personalidade do lesado. Recordando a utilíssima distinção feita pelos irmãos Mazeaud: os danos morais podem ser divididos em duas categorias: 1º) os que afetam a “parte social do patrimônio moral” (ofensa à consideração social, que podem sofrer as pessoas naturais e jurídicas); e 2º) os que atingem a “parte afetiva do patrimônio moral”, alcançando o indivíduo em suas afeições (dor sentimental, que somente as pessoas naturais podem sofrer) (Henri e Leon Mazeaud. Traité théorique et pratique de la responsabilité civil delictueile encontractuelle, 4ª ed. Paris, Sirey, 1947, t. I, p. 319).

Quanto à constatação dos efeitos do dano estético, atinge ao mesmo tempo duas esferas da personalidade do lesado: esfera sentimental ou afetiva e esfera social da personalidade do lesado. Desse modo, também por esse critério trata-se de dano moral. No entanto, é aí que reside o agravamento das consequências do dano estético: atinge, concomitantemente, dois aspectos da personalidade do lesado, já que causa dor moral, sentimento negativo, de caráter interno, e também atinge o indivíduo socialmente, já que sua aparência física é alterada, é o aspecto exterior da personalidade do lesado que é atingido. O dano estético, pela transformação física, geral, ao mesmo tempo, sofrimento interior e dano à consideração social do indivíduo.

É evidente que a pensão equivalente à inabilitação ao trabalho ou diminuição da capacidade laborativa, prevista neste artigo, tem caráter indenizatório do dano material. Não prevê o dispositivo a reparação dos danos morais oriundos de ofensa que acarrete defeito físico permanente e durável. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 492-93, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em comunhão com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o valor da pensão deverá ser apurado conforme perícia técnica a ser realizada no curso do processo. Se, antes do acidente, a vítima já era inabilitada ao trabalho, nenhuma indenização a esse título será devida, sem prejuízo da concessão de eventual dano moral. Para as pessoas que não trabalhavam, não tinham renda fixa ou mesmo a menores, tem-se tomado com base para a pensão o valor do salário mínimo. A pensão, a despeito de vitalícia, poderá ter seu valor alterado, caso se alterem as condições da vítima.

O pagamento da indenização integral em só uma parcela é feita com base na expectativa de vida da vítima (vide comentários ao CC 948), o que traz consigo o problema de eventual sobrevida daquela para além do período que foi estimado. Como mostrado acima, na primeira parte do artigo em comento, Godoy defende que, em casos tais, exclua-se esse valor adicional da indenização, tal qual não se considera a hipótese de que a vítima tenha de devolver quaisquer valores em decorrência de falecimento anterior à idade estimada (Godoy, Cláudio Luiz Bueno de. Comentário ao artigo 950 do Código Civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código Civil Comentado, Barueri: Manole, 2015.).

Enunciado CEJ n. 381. O lesado pode exigir que a indenização, sob a forma de pensionamento, seja arbitrada e paga de uma só vez, salvo impossibilidade econômica do devedor, caso em que o juiz poderá fixar outra forma de pagamento, atendendo à condição financeira do ofensor e aos benefícios resultantes do pagamento antecipado”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.05.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Conforme aponta Godoy, trata o artigo presente da responsabilidade por homicídio ou lesão corporal, só que afeta a quem desempenhe atividade profissional, segundo o CC/1916 médica, farmacêutica ou ortodôntica (art. 1.545), redação agora ampliada para abarcar qualquer profissional de saúde que, com sua conduta, provoque dano ao paciente, como está na lei. A bem dizer, o dispositivo mais se ocupa de explicitar que as mesmas verbas indenizatórias contempladas pelos CC 948 a 950 são também aplicáveis aos casos de homicídio ou lesão causados no desempenho de atividade de atendimento à saúde. Nem precisaria afirma-lo. E, mais, quando alude à imprudência, negligencia ou imperícia, pode criar alguma perplexidade diante da responsabilidade objetiva de empresas prestadoras de serviços ligados à área da saúde, nos termos da legislação do consumidor.

Destarte, o CC 951 deve ser interpretado em consonância com a Lei n. 8.078/90, com sua previsão de responsabilidade subjetiva, é certo, para os profissionais liberais (art. 14, § 4º), mas por atuação pessoal, ressalvando-se a responsabilidade sem culpa para os fornecedores pessoas jurídicas, nos termos da mesma normatização.

No mais, vale remissão, ainda, no que toca a esses profissionais liberais que exercem atividade indutiva de especial risco, à ressalva que já se fez no comentário ao CC 927, parágrafo único, no mesmo sentido, para esses casos específicos da regra no preceito em tela disposta. É ao que se remete o leitor. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 961-962 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na analogia de Ricardo Fiuza, enquanto o art. 1.545 do CC/1916 referia a responsabilidade civil dos médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas que, por imprudência, negligência ou imperícia, causem a morte, inabilitação de servir ou ferimento ao paciente, o artigo em análise torna mais amplo o dispositivo, de modo a abranger todas as pessoas que em sua atividade profissional, com culpa em sentido estrito, causem dano ao paciente.

A responsabilidade civil de que trata este artigo é contratual. No campo contratual a classificação das obrigações de meio e de resultado direciona a prova da culpa: nas obrigações de meio cabe ao credor provar ao devedor (obrigou-se a empregar todos os meios e esforços para a consecução de um objetivo e não a alcançar certa finalidade), e nas obrigações de resultado presume-se a culpa do devedor (não alcançou a finalidade a que se obrigou) (v. Teresa Ancona Lopez. O dano estético, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 53-5).

As pessoas que atuam profissionalmente na área da saúde assumem obrigações, via de regra, de meio. Desse modo, a responsabilidade é subjetiva, porque, se a obrigação é de meio e não de resultado, deve a vítima ou lesado provar que o profissional não se utilizou de todos os meios a seu alcance para obter o direito à indenização. É preciso provar a culpa, ou seja, a atitude negligente, imprudente ou imperita do lesante, na utilização dos meios adequados para a cura ou o tratamento do paciente (v. Teresa Ancona Lopez, Responsabilidade civil dos médicos, in Responsabilidade civil, coord. Yussef Said Cahali, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 319-21).

No entanto, há obrigações assumidas na área da saúde que são de resultado: na cirurgia plástica de caráter estético e eletiva (embelezadora e não coactiva), nos exames laboratoriais, nos cuidados necessários a que o paciente não contraia infecção (infecção hospitalar). Nesses casos, a obrigação assumida é de alcançar a finalidade almejada. Aqui, basta a prova de que não foi alcançado o resultado. Somente nestes casos, de obrigação de resultado, tem aplicação a presunção da culpa, cabendo ao profissional provar a inexistência de culpa ou que o dano decorreu de caso fortuito ou força maior (v. na doutrina: Teresa Ancona Lopez, Responsabilidade civil dos médicos, in Responsabilidade civil, cit.; e Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 287-303; na jurisprudência: RT, 554/234. 556/191, 566/192, 638/89, 713/125. 718/270; RJTJSP, 157/105; RSTJ, 33/555). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 494, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo em questão, ontologicamente, relaciona-se, principalmente, mas não exclusivamente, a profissionais da área da saúde – seu artigo correspondente no Diploma anterior (CC 1916, art. 1.545) fazia referência a médicos, farmacêuticos e ortodontistas. A responsabilidade aquiliana prevista no dispositivo em questão aplica-se apenas a profissionais liberais, contratados pela vítima em função de vínculo pessoal e de confiança com o profissional. Nos casos em que a contratação dos serviços se dá por meio de sociedade de profissionais liberais, em que inexiste a relação de pessoalidade, aplica-se a responsabilidade objetiva pela prestação de serviços prevista no Código de Defesa do Consumidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.05.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado.

Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele.

No instituto de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, a norma em comento procurou concentrar em seus termos as disposições relativas às consequências indenizatórias da prática de ato de apropriação de coisa alheia, móvel ou imóvel, o que, antes, no CC/1916, se fazia em três artigos (arts. 1.541 a 1.543) e, de resto, conforme já se contém no CPC 555 atual.

No caput, primeira parte, reproduz-se a regra do anterior art. 1.541, prevendo-se que, havida usurpação ou esbulho, se deve procurar a restituição in natura, sem prejuízo da indenização por eventual deterioração da coisa (danos emergentes), e, agora, o que constitui inovação que supera discussão que a respeito se travava, também por lucros cessantes, como, no exemplo de Sílvio Rodrigues (Direito civil, 19 ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. IV, p. 246), quando alguém fica privado de imóvel destinado à renda.

Na sua segunda parte, o artigo consagra a reparação substitutiva em pecúnia, para quando não mais haja a possibilidade de restituição, o que não deve excluir suplemento indenizatório, da mesma forma provados não só outros danos emergentes como, também, lucros cessantes. O cálculo do equivalente da coisa em dinheiro se faz na forma do parágrafo único do CC 952, que, de seu turno, repete a regra do art. 1.543 do CC/1916. E, a propósito, estabelece-se, como no Código anterior, que, à estimativa do preço ordinário da coisa, se venha a avaliar e se acresça o chamado preço de afeição, conforme o caso. Trata-se de evidente hipótese de dano moral, em tese devido, segundo se crê, não só no caso de se inviabilizar a restituição da coisa, como também quando seu titular fique dela privado, posto que por certo tempo e ainda que outro seja o importe compensatório. Nem se considera que a fixação necessariamente precise ser feita, como sempre se defendeu, com um plus percentual ao preço de restituição, assim sem possibilidade de que o dano moral supere a importância da indenização material a ressarcir, a respeito estabelecendo a parte final do parágrafo em comento uma ressalva à reparação do prejuízo moral que a Constituição garantiu integral, sem nenhuma limitação, tanto mais quando se constata cuidar-se de agravo a direito da personalidade, fundado na dignidade humana, princípio fundamental da República, destarte cuja preservação se exige, sempre de forma completa, conforme se tornará a examinar no comentário ao artigo seguinte.

Por fim, o CC/2002 não reiterou a regra do art. 1.542 do diploma anterior, que impunha a restituição mesmo que por terceiro que detivesse a coisa, mas mediante indenização devida por quem tivesse desapossado o ofendido. Em primeiro lugar, tinha-se mesmo dispositivo mal alocado, eis que concernente à controvertida questão da possibilidade de ação possessória diante de terceiro que eventualmente esteja de boa-fé, perante quem, para alguns, somente é cabível reivindicação, de toda sorte a propósito remetendo-se o leitor ao comentário do CC 1.212 atual. Em segundo, a previsão de indenização pelo desapossador e não por terceiro de boa-fé – mesmo que sujeito à restituição, alhures discutindo-se, como se disse, se só na via reivindicatória ou também possessória -, como se o defende, por exemplo, Carlos roberto Gonçalves, conclusão a seu ver, inclusive inferível do preceito dos CC 1.220 e 1.221 (Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2002, v. XXI, p. 551), não exige dispositivo próprio e deve seguir as regras gerais sobre a responsabilidade civil. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 962-963 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, há duas formas de reparação de danos: reparação natural ou específica, com a entrega do próprio objeto, e reparação pecuniária ou indenizatória, em que é paga uma importância em dinheiro.

Em princípio, a reparação deve ocorrer in natura, ou seja, deve haver a restauração da situação alterada pelo dano, de modo que a indenização pecuniária é subsidiária. No entanto, em face das dificuldades inerentes à reparação natural, a reparação pecuniária ou indenizatória é a mais comum.

Na avaliação do dano material, o prejuízo é quantificado por meio de comparação entre o estado atual do patrimônio e sua situação se o dano não tivesse ocorrido. Aplica-se a chamada “teoria da diferença”, na qual há a apuração da diferença entre a situação real do patrimônio do lesado e a situação hipotética desse patrimônio se o dano não tivesse ocorrido, e a compensação das vantagens perdidas, devida sempre que o evento danoso tenha produzido ao lesado não apenas danos efetivos, mas, também, perda de lucros (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 7ª ed. Coimbra, Almedina, 1998, p. 687-9).

Em suma, na indenização do dano material busca-se a reposição do patrimônio do ofendido, de modo a recompor-se a situação ideal em que se encontraria se tivesse inexistido o ilícito.

O parágrafo único deste dispositivo estabelece a indenizabilidade do dano moral por ofensa a um bem material, quando este não mais existe. O dano pode ser identificado como moral ou material de acordo com dois critérios básicos: 1) a verificação da origem do dano, relacionada ao bem violado e respectiva natureza; e 2) a constatação dos efeitos do dano, referente à natureza das consequências ou dos reflexos produzidos na esfera Jurídica violada. De acordo com o segundo critério, o dano material tem como efeito um prejuízo econômico ou pecuniário, mensurável por cálculos e o dano moral refere-se aos aspectos sentimental ou afetivo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 495, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo está em linha com o disposto no artigo 955 do CPC.

A indenização pela afeição refere-se, em realidade, à hipótese de dano moral e que, por se fundar em direito da personalidade, não deverá, conforme defende Godoy, ter o valor de indenização limitado pelo valor do dano material. (Godoy, Cláudio Luiz Bueno de. Comentário ao artigo 952 do Código Civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código Civil Comentado, Barueri, Manole, 2015. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.05.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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