segunda-feira, 20 de julho de 2020


Direito Civil Comentado - Art. 1.105, 1.106, 1.107 - continua
Da Liquidação da Sociedade - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IX –
(Art. 1.102 a 1.112) Da Liquidação da Sociedade -
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Art. 1.105. Compete ao liquidante representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação.

Parágrafo único. Sem estar expressamente autorizado pelo contrato social, ou pelo voto da maioria dos sócios, não pode o liquidante gravar de ônus reais os móveis e imóveis, contrair empréstimos, salvo quando indispensáveis ao pagamento de obrigações inadiáveis, nem prosseguir, embora para facilitar a liquidação, na atividade social.

Seguindo com Marcelo Fortes Barbosa Filho, o presente artigo discrimina os poderes do liquidante, expondo, no caput, seus poderes ordinários ou gerais e, no parágrafo único, os poderes extraordinários ou especiais que, eventualmente, podem lhe ser atribuídos. Uma vez investido, ao liquidante cabe realizar a presentação da sociedade, concentrando em si, no curso de todo o procedimento enfocado, a exteriorização da vontade da pessoa jurídica em extinção. Essa atuação tem a finalidade precípua de solucionar, com o menor dispêndio possível e no prazo mais exíguo as operações sociais pendentes, razão pela qual o liquidante, necessariamente, deverá, antes demais nada, ser investido nos poderes suficientes para promover a alienação dos bens do ativo, independentemente de sua natureza móvel ou imóvel, receber o pagamento dos créditos mantidos com terceiros, fornecendo, evidentemente, quitação, celebrar transações e efetuar o pagamento dos débitos, atribuição esta tratada pormenorizadamente no próximo artigo. Tais poderes apresentam caráter geral ou ordinário e permanecem conjugados aos deveres funcionais essenciais, explicitados pelos incisos II, III, IV, V, VI e VIII, do CC 1.103. Além desses poderes, os sócios podem, mediante autorização específica constante de cláusula inserida previamente no instrumento do contrato social ou deliberação aprovada pela maioria absoluta de votos dos sócios, conferir poderes especiais ou extraordinários ao liquidante, sem os quais ele não poderá, validamente, praticar os atos enumerados no parágrafo único. O liquidante dotado apenas de poderes gerais ou ordinários está proibido de instituir hipoteca, penhor ou anticrese sobre bens do ativo, celebrar contratos de mútuo (exceção feita às situações de urgência extrema) ou prosseguir na atividade social, mesmo que pretenda, com isso, facilitar a liquidação. 

A liquidação paralisa, naturalmente, as atividades derivadas do objeto social escolhido pelos sócios quando da celebração do contrato extinto pela dissolução já ocorrida, não se justificando, na generalidade dos casos, atos que possam criar novas pendências ou estender as existentes por um período de tempo suplementar. Resulta, daí, a distinção constante do texto legal, que, em síntese, reproduz as diretrizes já fixadas pelo art. 351 do Código Comercial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1084. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o liquidante exercerá os poderes próprios e inerentes aos de competência dos administradores da sociedade, podendo praticar todos os atos de gestão e disposição sobre os bens sociais, inclusive alienar bens móveis e imóveis, transigir, receber pagamentos e dar quitação. Esses poderes, todavia, não são ilimitados, na medida em que o parágrafo único deste artigo fixa limites aos poderes de gestão de decisão do liquidante, ficando a este vedado, sem autorização de norma do contrato social ou de consentimento da maioria dos sócios, contrair empréstimos, salvo quando indispensáveis, gravar os bens da sociedade de ônus reais ou prosseguir na execução do objeto ou de negócios sociais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 575, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona José Carlos Fortes, em seu artigo “Liquidação de sociedade no novo código civil”, as obrigações e a responsabilidade do liquidante regem-se pelos preceitos peculiares às dos administradores da sociedade liquidanda. Portanto, a exemplo do administrador da sociedade, o liquidante deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

A representação da sociedade na fase de liquidação não mais pertence aos antigos administradores, mas ao liquidante nomeado, que a representará, praticando todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação (artigo 1.105). Ressalta-se, porém, que o liquidante não dispõe de liberdade absoluta para a prática de seus atos porquanto de acordo com o parágrafo único do artigo 1.105, sem estar expressamente autorizado pelo contrato social, ou pelo voto da maioria dos sócios, não pode o liquidante gravar de ônus reais os móveis e imóveis, contrair empréstimos, salvo quando indispensáveis ao pagamento de obrigações inadiáveis, nem prosseguir, embora para facilitar a liquidação, na atividade social. (José Carlos Fortes, Advogado, Contador e Matemático. Mestre em Administração de Empresas (UECE). Pós-Graduação em Direito Empresarial PUC (SP), em Administração Financeira e em Matemática Aplicada (UNIFOR). Professor dos Cursos de Direito e de Ciências Contábeis. Presidente do Grupo Fortes de Serviços. Publicado no Portal da Casa Contábil, há 17 anos, acessado em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.106. Respeitados os direitos dos credores preferenciais, pagará o liquidante as dívidas sociais proporcionalmente, sem distinção entre vencidas e vincendas, mas, em relação a estas, com desconto.
Parágrafo único.  Se o ativo for superior ao passivo, pode o liquidante sob sua responsabilidade pessoal, pagar integralmente as dívidas vencidas.

Usando os conhecimentos de Marcelo Fortes Barbosa Filho, entre as incumbências naturalmente atribuídas ao liquidante está o pagamento das dívidas sociais ou seja, o adimplemento dos débitos mantidos diante de terceiros e a extinção de todo passivo acumulado, como prescrito pelo inciso IV do CC 1.103. Duas diferentes situações, perante o cumprimento de tal incumbência, são identificadas e regradas. Enquanto o caput do presente artigo disciplina a hipótese de patrimônio negativo, o parágrafo único prevê a apuração de remanescente positivo.

Caso o ativo seja superior ao passivo, será efetivado, por meio de apuração contábil específica, por ato do liquidante e sob sua responsabilidade pessoal, o exato adimplemento de todas as dívidas acumuladas pela sociedade em liquidação, possibilitada a posterior partilha do remanescente positivo apurado. Aguarda-se, então, respeitado o já pactuado, o vencimento de cada dívida e efetiva-se seu pagamento e, caso aceita antecipação, procede-se ao pagamento mediante desconto ajustado. A situação oferece maior simplicidade e deixa pouca margem para o surgimento de litígios.

Caso, ao contrário, o passivo seja superior ao ativo, além de se viabilizar, dependendo do tipo social adotado, sejam exigidos valores suplementares a sócios, esse pagamento, ao menos sem o aporte de novas quantias externas, não poderá ser integral. Os credores deverão perceber os valores correspondentes mediante rateio, calculada a participação proporcional de cada dívida no total do passivo acumulado e respeitada a prioridade dos titulares de direitos reais de garantia dos credores fiscais, previdenciários e trabalhistas, tidos como preferenciais. Ressalte-se que não apenas as dívidas vencidas, de exigibilidade atual, serão pagas em tal rateio, mas, também, as vincendas, de exigibilidade futura, deverão, na medida do possível ser adimplidas imediatamente, se bem que estas últimas sempre sofrerão abatimento no valor, de acordo com o tempo faltante para cada vencimento (pro rata), considerando-se a disponibilidade antecipada da quantia devida como um benefício inesperado para o credor.

O liquidante preparará, então, os cálculos relativos ao rateio e, com base na apuração contábil realizada, efetuará os pagamentos. A discordância de qualquer dos credores conduzirá, contudo, a uma solução judicial das pendências. Ademais, a insolvência da sociedade em liquidação implica, diante de sua natureza empresária, o dever do liquidante de requerer a autofalência (CC 1.103, VII), ao mesmo tempo em que a pequena disponibilidade de caixa pode gerar a necessidade de ser postulada, se for o caso, a recuperação judicial da empresa. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.085. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, uma das principais obrigações do liquidante é realizar o pagamento dos credores da sociedade. Os credores preferenciais, i. e, aqueles titulares de créditos com garantia real ou preferência resultante de lei ou do contrato, como no caso dos créditos trabalhistas, previdenciários e tributários, deverão receber esse crédito de modo geral, ou seja, pelo valor total.

Com relação aos credores sem preferencia, os pagamentos realizados pelo liquidante serão proporcionais às disponibilidade de caixa apuradas com o levantamento do ativo, i. é, devem ser feitos parcialmente, seja das dívidas vencidas ou ainda das vincendas. No caso das dívidas vincendas, o liquidante deverá exigir as concessão de desconto correspondente ao prazo que decorreria até o respectivo vencimento da obrigação. Se apurado um ativo superior ao passivo da sociedade havendo, assim disponibilidade de caixa, poderá o liquidante realizar o pagamento das dívidas vencidas pelo seu valor integral. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 575, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Através do conhecimento de José Carlos Fortes, quanto à quitação dos débitos da sociedade, respeitados os direitos dos credores preferenciais, pagará o liquidante as dívidas sociais proporcionalmente, sem distinção entre vencidas e vincendas, mas, em relação a estas, com desconto. Esta regra está posta no CC 1.106, que trás, entretanto no seu parágrafo único, a faculdade do liquidante, sob sua responsabilidade pessoal, para integralmente as dívidas vencidas, desde que o ativo seja superior ao passivo. (José Carlos Fortes, Advogado, Contador e Matemático. Mestre em Administração de Empresas (UECE). Pós-Graduação em Direito Empresarial PUC(SP), em Administração Financeira e em Matemática Aplicada (UNIFOR). Professor dos Cursos de Direito e de Ciências Contábeis. Presidente do Grupo Fortes de Serviços. Publicado no Portal da Casa Contábil, há 17 anos, acessado em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.107. Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida que se apurem os haveres sociais.

No entender de Marcelo Fortes Barbosa Filho, verificada a superioridade do ativo sobre o passivo da sociedade em liquidação, ou seja, caracterizada a hipótese prevista no parágrafo único do artigo anterior, restará, ao final, uma vez pagas as dívidas sociais e alienados os bens componentes do ativo, um remanescente a ser partilhado entre os sócios. A partilha do remanescente é organizada pelo liquidante, com a rigorosa observância de proporcionalidade para com a participação de cada sócio no capital social, sendo, em regra, realizada mediante a atribuição de dinheiro correspondente às quotas ou ações, nada impedindo seja convencionada a conferência dos bens em espécie. É possível efetivar, porém, a partilha antecipada de parcelas do remanescente apurado, destinando-as, de pronto, aos sócios, a título de devolução ou retorno do montante antes destinado à integralização do capital social e, portanto, ao fornecimento de uma base patrimonial para a pessoa jurídica em via de extinção.

Mediante deliberação tomada pela maioria dos sócios e desde que satisfeitos, integralmente, todos os credores, evita-se seja aguardada, sem necessidade alguma, a alienação completa do ativo e, desde logo, é efetuada a partilha e a atribuição dos quinhões. A antecipação só será lícita se preenchidos os dois requisitos expostos. Sem deliberação específica ou sem o prévio pagamento de todos os credores, é preciso esperar seja feita a conversão de todo o ativo em valores pecuniários e só então efetuar a partilha, sob pena de responsabilidade pessoal do liquidante e dos sócios. Persiste, aqui, o desdobramento de regra já constante do artigo 349 do Código Comercial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.085. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente o texto formal da norma é o mesmo do projeto original, não tendo sido objeto de qualquer emenda. O art. 671 do Código Civil de 1916 estabelecia a regra geral de que, na liquidação, “A divisão e a partilha dos bens sociais serão feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança” (arts. 1.772 a 1.779). De modo semelhante, o art. 349 do Código Comercial de 1860 estipulava que, com relação às sociedades comerciais, “Nenhum sócio pode exigir que se lhe entregue o seu dividendo enquanto passivo da sociedade se não achar todo pago”.

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, no processo de liquidação da sociedade, sempre prevalecerá o princípio de que os sócios somente terão direito ao recebimento de valores a título de partilha dos bens sociais ou de dividendos de lucros após pagos e satisfeitos todos os credores da sociedade. Enquanto as obrigações da sociedade não forem integralmente pagas e liquidadas, os sócios não têm direito a qualquer antecipação de haveres. Na hipótese, todavia, de satisfação de todos os créditos e obrigações da sociedade, antes de ultimada a liquidação, os sócios podem decidir, por maioria de todos, que o liquidante promova o pagamento antecipado, mediante rateios proporcionais, de importâncias que lhes tocariam na partilha final, na medida em que se apurem os haveres sociais, i. é, na medida em que haja disponibilidade de caixa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 576, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de José Carlos Fortes, estando pagos todos os credores, os sócios passam a ter mais liberdade na partilha do acervo patrimonial, mesmo porque, estaria satisfeita a segurança dos credores. Neste sentido expressa o CC 1.107 que os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais.

As contas finais deverão ser encerradas e submetidas aos sócios, providência esta a ser tomada pelo liquidante após concluído o pagamento do passivo e respectiva partilha do haveres. Os sócios examinarão a prestação final das contas relativas à liquidação em assembleia convocada pelo liquidante.

Finalizada a assembleia com aprovação das contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da respectiva assembleia. Não concordando o sócio dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber, de modo a reverter eventuais irregularidades ou prejuízos que tenha sofrido na liquidação e partilha dos haveres.

Quanto à insatisfação do credor, uma vez encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor contra o liquidante, ação de perdas e danos. Sendo a liquidação procedida na esfera judicial, esta deverá observar as disposições da lei processual. (José Carlos Fortes, Advogado, Contador e Matemático. Mestre em Administração de Empresas (UECE). Pós-Graduação em Direito Empresarial PUC(SP), em Administração Financeira e em Matemática Aplicada (UNIFOR). Professor dos Cursos de Direito e de Ciências Contábeis. Presidente do Grupo Fortes de Serviços. Publicado no Portal da Casa Contábil, há 17 anos, acessado em 20/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.102, 1.103, 1.104 - continua Da Liquidação da Sociedade - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.102, 1.103, 1.104 - continua
Da Liquidação da Sociedade - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IX –
(Art. 1.102 a 1.112) Da Liquidação da Sociedade -

Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução.

Parágrafo único.  O liquidante, que não seja administrador da sociedade, investir-se-á nas funções, averbada a sua nomeação no registro próprio.

Esmiuçando o artigo Marcelo Fortes Barbosa Filho define que a liquidação constitui o procedimento utilizado para a solução de todos os negócios sociais e partilha do capital social acumulado, dando fim definitivo à pessoa jurídica criada com a vontade formal já externada pelos sócios. O presente capítulo traz um regramento específico para o procedimento de liquidação, circunscrito entre os CC 1.102 e 1.112, frisando-se, aqui, que as normas enfocadas ostentam caráter eminentemente dispositivo e se referem, de forma quase exclusiva, à dissolução amigável e extrajudicial. Os sócios podem, concretamente, estabelecer regras aplicáveis à liquidação da sociedade de que participam, seja previamente, no próprio instrumento contratual, seja no momento inicial do procedimento, quando, por meio de um ajuste amigável, for elaborado um instrumento de dissolução. Tais regras concretas apresentam superioridade com relação às legais, podendo até contrariá-las.

Dois requisitos são essenciais à liquidação. Só é possível iniciá-la, em primeiro lugar, diante do advento de uma das causas previstas na lei ou em cláusula inserida no instrumento inscrito (CC 1.033, 1034, 1.035, 1.044, 1.051 e 1.087) e da prévia extinção do próprio contrato de sociedade, concretizando a dissolução. Não há prazo para seu término, pois débitos e créditos não se vencem antecipadamente, sendo necessário aguardar o amadurecimento de todas as operações em andamento ou, pelo menos, celebrar cessões das posições contratuais e a cessão ou assunção das obrigações. Todo esse procedimento é dirigido, em segundo lugar, por uma pessoa escolhida antecipada e livremente pelos sócios (CC 1.038), que ganha o nome de liquidante, concentrando os poderes suficientes e necessários à solução total das pendências e à realização do rateio patrimonial.

O liquidante, dadas as facilidades geradas pelo conhecimento pessoal e prévio do teor dos negócios sociais, é, geralmente, um administrador, mas nada impede seja designada pessoa estranha, o que exige apenas sejam tomadas providências atinentes à plena publicidade do fato, pois a presentação da sociedade em liquidação, com todas suas restrições peculiares, sofrerá uma ruptura e uma alteração, passando a ser mantido contato com terceiros por meio de individuo até então destituído de poderes.

Nesse sentido, o parágrafo único prevê, como requisito de validade da investidura do liquidando não administrador, i. é, ao regular o início de sua atuação, o registro de sua nomeação, promovido, de acordo com a natureza da sociedade, mediante a exibição de documento escrito expositivo da vontade coletiva dos sócios, para arquivamento em Junta Comercial ou para averbação perante oficial de registro civil de pessoa jurídica. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1081-82. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza aponta para as regras relativas ao processo de liquidação constantes deste capítulo, aplicando-se tanto às sociedades simples como às sociedades empresárias. A liquidação representa a fase que precede a extinção da sociedade. No processo de liquidação de sociedade, seja esta voluntária ou judicial serão apurados os haveres de seu ativo remanescente, assim como as obrigações pendentes em face de seus credores, somente podendo ser extinta a sociedade após o pagamento de todas as suas dívidas. O contrato ou estatuto social pode dispor de regras especiais destinadas à regulação do processo de dissolução e liquidação da sociedade.

Caso inexistam regras próprias, devem ser aplicadas as disposições deste capítulo (CC 1.102 a 1.112). Em princípio, o liquidante deve ser nomeado entre os administradores da sociedade, conforme previsto no instrumento constitutivo. Se assim não ocorrer, será nomeado liquidante estranho ao quadro social, cabendo a averbação do ato de designação no registro competente, ou seja, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples, e no Registro Público de empresas Mercantis, no caso de sociedade empresária. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 573, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Com a cooperação de Celso Marcelo de Oliveira sobre “Liquidação da sociedade”. O Capítulo IX vem em tratar nos artigos 1102 á 1112 da Liquidação da Sociedade. O procedimento de liquidação das sociedades deve ser simplificado e instaura-se após a ocorrência de uma das causas dissolutórias previstas na lei ou no contrato. O supra artigo 1102 define que " Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante, procede-se à sua liquidação, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução".

A dissolução e a extinção, esta resultante de liquidação regular, devem ser traduzidas no distrato, cujo arquivamento na Junta Comercial importa na eficácia das operações, perante terceiros. J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, critica o sistema legal porque declara dissolvida a sociedade antes da liquidação, apontando que a verdadeira dissolução só ocorre depois daquela (liquidação), mas se vê nesta crítica que o citado autor considerou a dissolução como a "extinção" da sociedade e não como causa que a leva ao fim, ou ainda como procedimento (Mendonça, J. X. Carvalho de, in ob. cit., 222).
Como bem descreve o Código, consiste a liquidação na apuração do ativo da sociedade e no pagamento de seu passivo, podendo ser extrajudicial ou judicial, sem relação direta com a forma em que se deu a dissolução da sociedade; ou seja, os sócios podem ter chegado à conclusão da causa dissolutória mas terem divergido quanto ao procedimento liquidatório, ou, ainda, a sociedade pode ter sido alcançada por dissolução judicial, não obstante seus integrantes chegam a adotar a liquidação amigável.
Deve-se expor que a regra é a seguinte: Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais. É de se retratar que " no caso de liquidação judicial, será observado o disposto na lei processual " e " no curso de liquidação judicial, o juiz convocará, se necessário, reunião ou assembleia para deliberar sobre os interesses da liquidação, e as presidirá, resolvendo sumariamente as questões suscitadas." (Celso Marcelo de Oliveira, em sem artigo Direito empresarial à luz do Código Civil brasileiro, Modificação de contrato, incorporação, fusão ou dissolução da sociedade, publicado em 03/2003, no Jus.com.br, acessado em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante:

I – averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade;

II – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam;

III – proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo;

IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas;

V – exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente;

VI – convocar assembleia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário;

VII – confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda;

VIII – finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais;

IX – averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.

Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade.

Trocando em miúdos com Marcelo Fortes Barbosa Filho, o liquidante assume funções de administração, ostentando todos os deveres de probidade, de retidão e de eficiência próprios a um administrador, o que, no entanto, não impede sejam identificados e atribuídos deveres peculiares ou específicos, próprios a sua função. Foram arrolados, no presente artigo, os deveres específicos do liquidante, distribuídos em nove incisos e no parágrafo unido, podendo ser reunidos em três categorias: (a) há os deveres de publicidade ou divulgação da marcha do procedimento de liquidação, dada a necessidade de alertar terceiros acerca da transitoriedade ou da provisoriedade das situações mantidas pela pessoa jurídica em vias de extinção. O liquidante deve, portanto, levar os documentos atinentes à dissolução e ao início e ao final do procedimento em apreço a registro, perante Junta Comercial ou Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica, conforme a natureza empresária ou não empresária da sociedade, utilizando sempre, em cada ato praticado, a expressão “em liquidação” ao lado do nome da sociedade, denunciando sua qualidade (incisos I e IX e parágrafo único). (b) Há deveres funcionais essenciais, atinentes ao exercício das atribuições internas à sociedade em liquidação, ou seja, relativos à solução dos negócios sociais e à adequada conferência dos direitos patrimoniais aos sócios. Deve ser promovida a arrecadação dos livros contábeis e dos bens do ativo, o que possibilita a elaboração de um inventário e de um balanço patrimonial especial, aferindo-se as pendências restantes, para que, sequencialmente, a alienação dos direitos de titularidade da sociedade seja conjugada ao pagamento do passivo. (c) Há um dever funcional acidental, consistente na dedução da confissão de falência ou na apresentação de requerimento de recuperação judicial da empresa, diante da constatação de uma situação de crise financeira da sociedade empresarial e ressalvada a necessidade de interpretação do texto legal em consonância com a Lei n. 11.101/2005, dispensando-se, no caso, a aquiescência dos sócios (inciso VII).

Durante o transcurso da liquidação, o liquidante assume o posto de figura central do procedimento, dando-lhe vida e coordenando-o, sempre vinculado aos deveres aqui assinados, até que sejam aprovados o relatório e as contas finais oferecidos aos sócios, o que faz cessar suas atribuições. Os deveres funcionais essenciais apresentam certa similitude com a atuação do síndico na falência, em razão da presentação de uma única finalidade, a de solver dado patrimônio, cabendo frisar, também, feita uma comparação com o texto dos arts. 345 e 346 do Código Comercial, que o Código Civil de 2002 apenas fez uma enumeração mais detalhada e suprimiu ou tornou mais elásticos os prazos concedidos pela legislação revogada para a elaboração de inventário dos bens e prestação de contas, sem trazer inovações de monta. No âmbito da liquidação judicial, o art. 660 do CPC/1939 (atente-se ao CPC/1973, correspondendo ao art. 1.218), continua vigente, apresentando apenas as diferenças derivadas da supervisão realizada pelo Poder Judiciário. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1082-83. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, apenas o inciso IX deste artigo foi alterado por emenda apresentada no Senado Federal, para inserir a referência à realização de reunião de sócios, e não apenas de assembleia, como constava do projeto original, para a formalização da decisão de encerramento do processo de liquidação. Os deveres do liquidante da sociedade comercial encontravam-se previstos no art. 345 do Código Comercial de 1850. Na liquidação judicial, o art. 660 do Código de Processo Civil de 1939 elenca as obrigações que devem ser cumpridas pelo liquidante. (Atente-se ao comentário anterior que diz: No âmbito da liquidação judicial, o art. 660 do CPC/1939 (atente-se ao CPC/1973, correspondendo ao art. 1.218), continua vigente, apresentando apenas as diferenças derivadas da supervisão realizada pelo Poder Judiciário. Nota de VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o enunciado por este dispositivo contém as regras básicas que devem ser obedecidas pelo liquidante no processo voluntário ou extrajudicial de liquidação da sociedade. O liquidante é responsável por formalizar o processo de dissolução da sociedade, iniciando a liquidação promovendo, a partir de então, a arrecadação dos livros, documentos e arquivos contábeis, financeiros e negociais que se encontravam em poder dos administradores. A função do liquidante é semelhante à do síndico na falência, cabendo-lhe como função principal, levantar o balanço especial na data da dissolução, apurar e arrecadar os bens do ativo e realizar o pagamento das obrigações e dívidas sociais. Caso o liquidante constate situação de insolvência, deverá requerer a autofalência da sociedade ou mesmo ingressar com pedido de concordata preventiva, quando poderá obter prazo mais dilatado para o pagamento do passivo. Ao final do processo de liquidação, o liquidante deverá prestar contas detalhadas a todos os sócios da sociedade, providenciando a baixa de sua inscrição no registro competente. Durante todo o processo de liquidação a sociedade deverá ser identificada, após sua firma social ou denominação, pela expressão “em liquidação”, seguida da identificação do liquidante. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 574, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Ricardo de Lima Cattani em seu artigo – Problema Valorativo – Linha entre fraude civil e estelionato é tênue -, a grande maioria dos doutrinadores e julgadores entendem que não há distinção entre a fraude civil e o estelionato. Há aqueles que entendem que a distinção esta apenas na intensidade ou no grau da lesividade do ato para que se possa ou não estabelecer diferença entre os dois institutos. Entende-se ser difícil estabelecer uma distinção entre a fraude Civil e o estelionato, ousando dizer, inclusive, que a distinção entre ambos é mais cultural do que técnica, até porque, a fraude pressupõe a má-fé, e ainda esta prevista como um dos meios de configuração do estelionato. Todavia, nem toda fraude esta revestida do elemento subjetivo do tipo necessário para caracterizar o estelionato, o dolo específico.

Note-se, por exemplo, que “é comum nas transações civis ou comerciais certa malicia entre as partes, que procuram, através da ocultação de defeitos ou inconveniência da coisa, ou através de uma depreciação, justa ou não, efetuar operação mais vantajosa. Mesmo em tais hipóteses, o que se tem é o dolo civil, que poderá dar lugar à anulação do negócio, por vicio de consentimento, com as consequentes perdas e danos (artigos 147, inciso II, e CC 1103), não, porém, do dolo configurador do estelionato (RT 547/342.

Não há crime na ausência de fraude e o mero descumprimento do contrato, mesmo doloso, é mero ilícito civil (JTACrSP 49/173, 50/79, 54/403; RT 423; RTJ 93/978). Também não se reconheceu o ilícito na venda de coisa adquirida a prazo quando não garantida pela reserva de domínio ou alienação fiduciária, por correr o risco natural da transação por conta do vendedor (RT 516/336, 445/414); no ato do advogado que obteve vantagem excessiva na execução do mandato em que se convencionou determinada indenização para o cliente, ficando com o que excedesse esse quantum o mandatário” (RT 442/434).

Segundo Maria Helena Diniz, fraude à lei é o "Ato de burlar o comando legal usando de procedimento aparentemente lícito. Caracteriza-se pela prática de ato não proibido, em que uma situação fática é alterada para escapar à incidência normativa, livrando-se, assim, de seus efeitos. Por exemplo, venda de bens a descendentes, sem anuência dos demais descendentes, levado a efeito por meio de interposta pessoa, que, depois, passa o bem àquele descendente. Atinge-se, assim, por via oblíqua o objetivo pretendido, mediante violação disfarçada da lei" (DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, Editora Saraiva, pag. 596, edição 1998).

O caso acima mencionado também não tipifica o crime previsto no artigo 171 do nosso Código Penal, mas configura a denominada fraude à lei, podendo ser anulável, por tratar-se de nulidade relativa, a teor do disposto no artigo 496 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, através de sua 7ª Câmara Criminal, em reiteradas situações tratou com igualdade a questão da Fraude Civil e do Estelionato como se observa (Apelação Crime nº70013151618, Relator Sylvio Baptista Neto, julgado em 22/12/2005. 7ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), por meio da ementa: “ESTELIONATO. FRAUDE CIVIL E PENAL. INDIFERENÇA. DELITO CARACTERIZADO. Não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas que determinaram, se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente. Na hipótese em julgamento, a ação do apelante, fingindo intermediar a venda de um imóvel, recebeu grande quantia da vítima. Mais tarde, descoberta a impossibilidade do negócio, fraudou aquela mais uma vez, restituindo-lhe o valor pago com um cheque falso. Situações, sem sombra de dúvida, que mostram a existência do delito do art. 171, caput, do Código Penal, na ação do recorrente. DECISÃO: Apelo defensivo desprovido. Unânime.

No capítulo VI do Código Penal, "Do Estelionato e outras fraudes", se verifica que o artigo 171 menciona: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Ou seja, a fraude é um dos elementos capazes de fazer incidir o tipo previsto no artigo 171 do Código Penal, mas, na prática, por questões culturais, ou de costumes, existe esta distinção entre a fraude civil, e a fraude capaz de tipificar o estelionato. “O problema é antes valorativo. A sanção penal destina-se, em regra, às ofensas de maior vulto, que mais seriamente atentam contra os interesses sociais. Diferença de essências não apresentam, assim, os dois ilícitos. A distinção reside na gravidade da violação à ordem jurídica. A realidade mostra serem numerosos os casos fraudulentos que não provocam, entretanto, a aplicação da sanção penal, como nos são testemunho os processos cíveis que versam sobre a moléstia da posse, abuso de direito, inadimplemento contratual etc.” (FILHO, Sólon Fernandes. Do Crime Falimentar – Fraude Civil e Fraude Penal Necessidade de Determinação do Sujeito Passivo – Anotações. São Paulo, janeiro/março 1983).

É importante que se tenha em mente, que o mero inadimplemento contratual, por si só, não configura o Estelionato, e nem a Fraude Civil, na medida em que retrata situação onde o agente não tinha a menor intenção de deixar de honrar seu compromisso, e este apenas esta ocorrendo no mundo fático, quer por circunstâncias de mercado, quer por circunstâncias alheias à sua vontade, ou mesmo por má gestão dos seus negócios, de sorte que esta ultima situação, distancia-se quilometricamente das outras duas, onde em qualquer das hipóteses, a má-fé estará presente em maior ou menor escala. (Ricardo de Lima Cattani é advogado, membro da comissão sobre estudos sobre monitoramento eletrônico de detentos da OAB-SP. Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2011, Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.104. As obrigações e a responsabilidade do liquidante regem-se pelos preceitos peculiares às dos administradores da sociedade liquidanda.

Na comparação segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho, diante da similitude de suas posições jurídicas, assumindo ambos gestão de bens alheios, as regras atinentes à conduta e à responsabilidade do liquidante são exatamente as mesmas já estabelecidas para o administrador. Nesse sentido, dos liquidantes é exigida, de acordo com o CC 1.011, a manutenção de um padrão de conduta idêntico ao dos administradores, ou seja, pautado pela retidão e pelo cuidado próprios ao “homem ativo e probo” (bom homem de negócios) e, com base em tal paradigma jurídica, cabe avaliar, quando resultante prejuízo de uma operação realizada, se as perdas podem ser imputadas, concretamente, ao liquidante. Aplica-se o disposto no CC 1.016. Persistente uma conduta negligente, imprudente ou imperita (CC 181) ou, com mais razão, a intenção de prejudicar, materializando a culpa em sentido amplo, surge, conjugado o dano emergente ou o lucro cessante, responsabilidade civil do liquidante. Nasce, então o dever de indenizar a pessoa jurídica e, eventualmente, terceiros, o qual é atribuído não apenas ao liquidante faltoso, mas ao conjunto de todos os encarregados da solução dos negócios sociais. Forma-se, assim, em face da pluralidade de liquidantes, entre todos eles, uma relação de solidariedade, protegendo mais firmemente a própria sociedade e os terceiros, descabida, mesmo inserida cláusula contratual expressa e contrária, a isenção da responsabilidade de quaisquer dos liquidantes. Todos eles colocarão seu patrimônio pessoal à disposição do adimplemento da obrigação gerada pelo ilícito consumado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1083. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, de acordo com o enunciado por este artigo, o liquidante assumirá as mesmas obrigações e responsabilidades que competiriam aos administradores da sociedade em liquidação. Este preceito diz respeito aos atos praticados pelo liquidante durante o processo de liquidação, e somente por eles assim responderá nessa condição. Se a responsabilidade dos administradores da sociedade liquidanda for subsidiária e ilimitada, o liquidante responderá da mesma forma pelos atos que praticar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 574, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

As leis que vigem o CC 1.104, estão consagradas entre os artigos 1.010 a 1.021 do CC/2002 e o art. 217 da Lei 6.404/1976 (Sociedade por ações), já transcritas nos comentários pertinentes, recentemente, neste Blog: vargasdigitador.blogspot.com entre as datas  02/06/2020 a 05/06/2020, (Direito Civil Comentado - Art. 1.010, 1.011, 1.012 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R. Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II – Da Sociedade Personificada (Art. 1.010 ao 1.021) Capítulo I – Da Sociedade Simples – Seção III –  Da Administração  vargasdigitador.blogspot.com 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.100, 1.101 Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.100, 1.101
Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo VIII –
(Art. 1.097 a 1.101) Das Sociedades Coligadas
vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.100. É de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto.

Como justifica Marcelo Fortes Barbosa Filho, a simples participação constitui a terceira espécie de coligação em sentido amplo, caracterizando uma ligação de menor relevância e de resultados escassos para ambas as sociedades envolvidas. De acordo como texto legal, a simples participação surgirá quando uma sociedade for titular de uma participação do capital votante de outra em montante inferior a dez por cento e, ao mesmo tempo, não seja exercido poder de controle, caracterizado pela detenção de votos suficientes para a aprovação das deliberações comuns e para a eleição da maior parte dos administradores da sociedade qualificada como controlada. Trata-se de um novo conceito, sem correspondência na legislação societária anterior ao Código Civil de 2002, para o qual não há, ainda, previsão de qualquer disciplina específica. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1080. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Ricardo Fiuza em sua doutrina, quando houver pequena participação de uma sociedade no capital de outra, sendo essa participação inferior a dez por cento do capital com direito a voto, define-se se tal relação como de simples participação. Não existirá, assim, coligação em sentido estrito, ainda que as sociedades integrem um mesmo grupo econômico e estejam vinculadas, indiretamente, a uma mesma sociedade holding. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 572, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Mauricio Moreira Menezes – Do grupo de fato e grupo de direito, o vínculo existente entre as sociedades coligadas, controladoras e controladas (ou seja, sociedades coligadas em sentido amplo) é pautado exclusivamente na titularidade de participação societária e, portanto, prescinde de formalização por meio de instrumento contratual. Por essa razão, os usos e a doutrina a ele se referem como “grupo de fato”. Regime amplamente distinto é o do chamado “grupo de direito”, regulado pelo art. 265 e seguintes da Lei 6.404/1976. 

O grupo de direito, a que a Lei 6.404/1976 se refere, no Capítulo XXI, como “grupo de sociedades”, consiste em uma forma bem mais complexa de relacionamento entre sociedades, devidamente disciplinada no instrumento contratual denominado convenção de grupo, cujo conteúdo mínimo está previsto na lei (art. 269 da Lei 6.404/1976) e sujeito à formalidade de publicidade e registro (art. 271 da Lei 6.404/1976). Nessa espécie de concentração empresarial, as sociedades podem contratar a coordenação e a subordinação de interesses, razão pela qual a adesão ao grupo deve ser formalizada pelos órgãos deliberativos de cada uma das sociedades (art. 270 da Lei 6.404/1976).

Justamente tendo em vista a possibilidade de subordinação de interesses, a Lei 6.404/1976 prevê tanto a possibilidade de o acionista dissidente da adesão ao grupo retirar-se da sociedade, mediante o reembolso do valor de suas ações (art. 136 c/c art. 137 e art. 45, todos da Lei 6.404/1976), quanto a obrigatoriedade da nacionalidade brasileira da sociedade controladora do grupo (art. 265, § 1º, da Lei 6.404/1976). De toda forma, deve-se ponderar que os “grupos de direito” são, atualmente, exceção na prática empresarial, cujos conglomerados estão organizados muito menos por instrumentos formais e muito mais pela orientação imposta pela sociedade dominadora, observados os limites legais e os princípios da coligação societária, tendentes, como se disse, à proteção de sócios minoritários e de credores das sociedades coligadas. 

Já as Sociedades controladas, define o art. 243, § 2º, da Lei 6.404/1976, que se considera controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por intermédio de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 

Registra José Luiz Bulhões Pedreira que a relação de controle entre sociedades é constituída, em sua forma mais simples, por dois grupos hierárquicos: controladora e controlada. A depender do grau de sofisticação e da função desempenhada por cada sociedade, podem surgir três ou mais níveis de relação de controle, daí surgindo o controle indireto, exercido por meio de um ou mais veículos societários e seus respectivos órgãos de administração, que ficam sob influência de pessoas que não participam de seu capital social. Forma-se, assim, uma verdadeira cadeia societária, que pode ensejar uma complexa rede de transferência de informações, a envolver diferentes grupos de sócios e de administradores das diversas entidades. (PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coord.). Direito das companhias, v. 2, p. 1925-1933).

Nesse sentido, se por um lado o legislador empregou no § 2º do art. 243 da Lei 6.404/1976 o conceito de controle equivalente ao previsto no art. 116 da mesma lei, por outro incluiu o termo “preponderância”, legitimando a titularidade do controle indireto (igualmente referida no dispositivo) pela sociedade controladora, atribuindo, assim, deveres e responsabilidades a quem, de fato, toma as decisões da vida social, ainda que por interposta pessoa. A preponderância funciona, aqui, como uma “influência significativa qualificada” (vez que se trata do próprio poder dominante), de modo que dispensa os rigores do formalismo, a exigir, em tese, o efetivo comparecimento e exercício do direito de voto da controladora na assembleia geral da controlada.

O desenvolvimento dos “grupos de fato” fez surgir ainda as “sociedades sobre controle comum”, expressão que não constava do texto originário da Lei 6.404/1976 e que veio a ser introduzida pela Lei 10.303/2001, que atribuiu nova redação ao art. 264, § 4º. As sociedades sob controle comum compreendem aquelas que não têm necessariamente entre si uma relação de participação direta e sim são controladas, direta ou indiretamente, pelo mesmo acionista ou sociedade controladora, de sorte a se sujeitarem ao regime da coligação, em função da influência única a que estão sujeitas. Sobre a pessoa do acionista controlador final recaem os mesmos deveres e responsabilidades que resultam do exercício do poder de controle (arts. 116 e 177 da Lei 6.404/1976).

O exercício compartilhado do poder de controle indireto, por meio de acordo de acionistas, é uma realidade presente há anos na vida das companhias brasileiras. Para que seja possível a unidade de direção das sociedades controladas, acionistas da sociedade controladora devem fazer com que sejam eleitos administradores nas diversas sociedades sob controle comum, supervisionando seu desempenho e exigindo que a orientação política seja observada nas respectivas controladas, uma vez que o direito de voto será exercido nestas sociedades pelos administradores da sociedade que detenha participação direta em seu capital social. Em poucas palavras, produz-se e reproduz-se a decisão empresarial tomada pelo controlador final, alcançando as administrações das sociedades controladas “em cascata”.

Nessa ordem de ideias, o caput do art. 118 da Lei 6.404/1976, foi alterado pela Lei 10.303/2001, com o objetivo de afastar controvérsias sobre a amplitude do acordo de acionistas cuja finalidade era estabelecer a orientação de governança de diferentes sociedades sob controle comum. Introduziu-se naquele dispositivo a possibilidade de o acordo de acionistas versar sobre “o poder de controle”, sem qualquer ressalva ou restrição, de modo a acolher os chamados “acordos de comando”, que visam produzir efeitos tanto perante a companhia controladora, quanto às suas controladas.

A vinculação das controladas aos termos do acordo de acionistas de comando é objeto de discussão específica. Entende-se que o referido acordo deve ser arquivado na sede da sociedade controladora e das sociedades controladas que se pretende sejam alcançadas por seus efeitos. A medida se impõe para que os órgãos de administração das sociedades controladas tenham pleno acesso ao documento, de sorte a estarem cientes de seu conteúdo. Caso se trate de companhia aberta, deverá ser divulgado comunicado de fato relevante, nos termos do art. 2º, parágrafo único, III, da Instrução CVM nº 358/2002 (com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM 369/02, 449/07, 547/14, 552/14, 568/15 e 590/17).

Em controvérsia entre sociedades controladoras e controladas, o Superior Tribunal de Justiça corroborou a obrigatoriedade de arquivamento do acordo de acionistas na sede das sociedades controladas para fins de se estabelecer sua vinculação. Leia-se adiante trecho do voto do relator, Ministro Massami Uyeda: “Assentadas as premissas acima mencionadas, bem de ver que o art. 118 da LSA trata dos acordos de acionistas que versam sobre objetos específicos (compra e venda de ações, preferência par adquiri-las, exercício do direto a voto ou do poder de controle), que, por sua importância e natureza, encontram-se revestidos de formalidades próprias, necessitando de arquivamento na sede da empresa para a obrigatoriedade de sua observância pelos demais sócios e por terceiros. Ressalte-se, pois, que a troca de correspondência informal (e-mails) versando sobre assunto essencial e estrutural da FERTIFÓS não pode ser considerada como vinculativa de qualquer manifestação de vontade, nos termos da lei societária.

Dar-se, assim, prevalência à existência de correspondência informal sobre assunto de relevância societária em detrimento do que dispõe a própria lei específica é, data venia, dar respaldo a que acordos informais de parte de acionistas posam até mesmo conflitar com os interesses maiores da sociedade. Esta é a razão pela qual o art. 118 da LSA, repise-se, é enfático ao exigir que os acordos envolvendo compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direto a voto, ou do poder de controle, porque são de relevância societária, devem ser arquivados na sede da empresa”. (STJ. REsp 1.102.424/SP, 3ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.08.2009).
 
Há quem diga que, entre a sociedade controladora e a sociedade controlada, forma-se um vínculo societário vertical ou de subordinação, tendo em conta as prerrogativas de direção tituladas pela primeira. (PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coord.). Direito das companhias, v. 2). Ainda que se possa admitir esse raciocínio, deve-se registrar que essa hierarquia não corresponde à submissão dos interesses de uma sociedade à outra, o que é vedado pela lei e pelos princípios de coligação, notadamente o princípio da autonomia jurídica, anteriormente comentado. (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br, Acessado em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não pode participar de outra, que seja sua sócia, por montante superior, segundo o balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal.

Parágrafo único. Aprovado o balanço em que se verifique ter sido excedido esse limite, a sociedade não poderá exercer o direito de voto correspondente às ações ou quotas em excesso, as quais devem ser alienadas nos cento e oitenta dias seguintes àquela aprovação.

Sob o magistério de Marcelo Fortes Barbosa Filho, aprendemos que a participação reciproca apresenta-se como uma situação francamente repudiada pela legislação societária, dadas a sobreposição de ativos e a anulação dos capitais investidos, e foi restringida, de maneira genérica e grave, pelo presente artigo. Caracterizada qualquer das três espécies de coligação em sentido amplo, previstas nos artigos antecedentes, uma sociedade personalizada que já tem como sócia outra sociedade personificada só poderá ser titular de direitos de sócio desta outra até o limite do valor igual ao das reservas de capital, constituídas a partir dos resultados acumulados em exercícios pretéritos. Tal limite é, evidentemente, flexível, pois será apurado ao final de cada exercício, quando elaborado o balanço patrimonial, como demonstração contábil obrigatória e destinada à apuração da composição detalhada e completa do ativo e do passivo da pessoa jurídica (CC 1.020, 1.065, 1.179 e 1.188), excluídas sempre as chamadas reservas legais, impostas por lei e utilizadas exclusivamente para aumentar o capital ou compensar prejuízos apurados.

Enquanto mantida a participação recíproca, se superado o referido limite, fica excluído o direito de voto decorrente do excesso caracterizado. Reduz-se, provisoriamente, o chamado capital votante de uma das sociedades e, ao mesmo tempo, impõe-se, com caráter de obrigatoriedade absoluta, a alienação das quotas ou ações correspondentes, em um prazo de cento e oitenta dias, contado de aprovação do balanço caracterizador do excesso enfocado. Se violados os comandos inseridos no parágrafo único, a responsabilidade civil dos administradores da sociedade respectiva estará configurada, desde que produzidos danos emergentes ou lucros cessantes efetivos, envolvendo-os solidariamente, aplicando-se, por analogia, o disposto no § 6º do art. 244 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76). Ressalte-se, aliás, que o referido art. 244, por conter disciplina especial, resguardando condições específicas para que as companhias, em caráter excepcional e provisório, mantenham participações recíprocas, continua vigente. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1080-81. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ricardo Fiuza leciona que, de acordo com o enunciado pelo art. 244 da Lei n. 6.404/76, “É vedada a participação reciproca entre a companhia e suas coligadas ou controladas”. A aplicabilidade e a eficácia dessa disposição constante do CC 1.101, todavia, esbarram na vedação contida no acima citado art. 244 da Lei das Sociedades Anônimas, que é a disposição especial ressalvada pela primeira parte deste artigo do Código Civil. Seria até válido admitir, em raciocínio mais elástico, que a lei especial a que se refere o caput do CC 1.101 poderia autorizar a participação recíproca em montante superior ao das reservas disponíveis do patrimônio líquido, desde que não computada a reserva legal (Lei n. 6.404/76, art. 193). Não pode ser esse, contudo, o sentido da norma, já que a participação recíproca de uma sociedade em outra constitui procedimento repudiado, expressamente pela legislação societária. Da mesma maneira como previsto no parágrafo único do CC 1.101, o art. 244, em seus §§ 49 e 52, estabelece o prazo, respectivamente, de seis meses e de um ano para a sociedade desfazer-se das ações que importem em participação recíproca, ficando suspenso, inclusive, o direito de voto das “ações do capital da controladora, de propriedade da controlada” (art. 244, § 22). Bibliografia • Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., Rio de Janeiro, Renovar, 1992; Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 2 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 572-73, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme leciona MENEZES, Mauricio MoreiraDa Participação recíproca entre sociedades”, a anterior e revogada lei de sociedades anônimas – Decreto-lei 2.627/1940 – não disciplinou sistematicamente o fenômeno da concentração econômica. No entanto, fez referência expressa à participação de uma sociedade em outra, determinando que o valor dessa participação estivesse discriminadamente escriturado em balanço patrimonial (art. 135, § 2º). Ainda nessa fase histórica, constatou-se a preocupação do legislador em conferir transparência às relações entre sociedades, o que veio a ser substancialmente aprimorado pela Lei 6.404/1976.

Com efeito, tanto o art. 244, da Lei 6.404/1976, quanto o CC 1.101 do Código Civil, vedam a participação recíproca entre tais sociedades. A norma visa assegurar a integridade do capital social, equiparando a situação (de participação recíproca) à compra de ações emitidas pela própria companhia (o que é proibido, em regra, pelo art. 30 da Lei 6.404/1976).

Há uma presunção legal, no sentido de considerar que a controlada, ao adquirir ações emitidas por sua controladora, está devolvendo à última aquilo que teria recebido a título de integralização do capital (assim como ocorreria com a companhia que compra suas próprias ações, devolvendo ao acionista o numerário que antes recebera em sua capitalização). Essa presunção do legislador não é absoluta e encontra única exceção prevista na própria lei, de modo taxativo. Logo, tal exceção – dispõe o § 1° do art. 244 da Lei 6.404/1976 – coincide com a situação cujas condições autorizam a aquisição pela companhia de suas próprias ações (art. 30, § 1°, “b”).

Essas condições são: (a) que tal aquisição seja realizada com base em lucros ou reservas, exceto a legal (fórmula seguida pelo Código Civil); (b) que o escopo da aquisição seja a manutenção das ações em tesouraria ou seu cancelamento, sem diminuição do capital social.

A vinculação dessa aquisição à existência de lucros ou reservas, exceto a legal, justifica-se em virtude de tais fundos corresponderem, a princípio, aos frutos gerados pela atividade social e, assim, constituírem, em tese, valores distintos daqueles percebidos pela companhia quando da integralização do capital. A exclusão da reserva legal é motivada pela sua especial destinação, que é a manutenção da integridade do capital social, só podendo ser utilizada em casos de aumento do capital ou reposição de perdas (art. 193, § 2°, da Lei 6.404/1976). 

Já a referência à manutenção das ações em tesouraria ou seu cancelamento visa impedir a manipulação do exercício do direito de voto, vez que as ações em tesouraria têm desde logo tal direito suspenso (art. 30, § 4°, da Lei 6.404/1976). Aliás, o legislador, em clara redundância, reafirmou a suspensão do direito de voto das ações abrangidas pela participação recíproca entre controladas e controladoras (art. 244, § 2°, da Lei 6.404/1976). (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br Acessado em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).