quinta-feira, 3 de setembro de 2020


 Direito Civil Comentado - Art. 1.197, 1.198, 1.199 - continua
Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)
Capítulo I – Da Posse e Sua Classificação
(Art. 1.196 a 1.203)digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

No entender de Francisco Eduardo Loureiro, h ouve nítida melhoria da redação do dispositivo, com a definição clara e técnica das figuras dos possuidores direto e indireto. Abandonou o legislador o sistema do antigo Código Civil que exemplificava quem eram possuidores diretos, mencionando o credor pignoratício, o locatário e o usufrutuário. É evidente que tais figuras caracterizam, mas não esgotam as possibilidades de posse direta, que pode perfeitamente vir amparada em relações jurídicas diversas, como o comodato, a alienação fiduciária, o depósito e o leasing, entre tantas outras. Como foi visto acima, o possuidor é aquele que se comporta como proprietário, de modo consciente, mantendo de fato o exercício de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Para obter seu aproveitamento econômico, é possível tanto a utilização direta como a cessão a terceiros da coisa, vale dizer, mediante utilização indireta. Se assim age o proprietário, que usa e frui o que é seu, assim pode agir o possuidor, que tem a aparência de proprietário. Se o proprietário desdobra as condutas possíveis de aproveitamento da coisa, assim também o faz o possuidor. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, de tal desdobramento resulta a duplicidade excepcional da posse sobre a mesma coisa. Há dois possuidores. Um que cede o uso da coisa, chamado de possuidor indireto ou mediato. Outro que recebe o uso da coisa, por força de relação jurídica de direito real ou obrigacional, chamado de possuidor direto ou imediato (Instituições de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 32-3). O possuidor indireto, embora não tenha poder físico imediato sobre a coisa, sem dominação direta, é também possuidor, porque se comporta como proprietário. As duas posses coexistem em planos diferentes, sem contradição entre si. Tomem-se como exemplos as figuras do locatário e do locador, do comodatário e do comodante, do credor e do devedor pignoratício, entre outras. Os primeiros (locatário, comodatário, credor pignoratício) têm posse direta, porque a receberam temporariamente em virtude de relação jurídica real ou pessoal. Os segundos têm posse indireta, porque a cederam. Não colidem nem se excluem as duas posses, porque se referem a poderes distintos sobre a mesma coisa. A figura da posse direta somente tem sentido na teoria objetiva de Ihering, uma vez que para Savigny e para os defensores da teoria subjetiva, a ausência de animus domini a converte em mera detenção. Se o possuidor direto tem relação jurídica com o possuidor indireto e, portanto, sabe que não pode ser dono da coisa, a relação é de mera detenção, segundo a teoria subjetiva. Os desdobramentos da posse podem ser sucessivos. Feito um primeiro desdobramento, poderá o possuidor direto reproduzi-lo, criando novas e repetidas situações de posse direta e indireta. Basta lembrar a hipótese da locação. Se o locatário, que é possuidor direto, subloca o imóvel a terceiro, teremos então dois possuidores indiretos - locador e sublocador - e um possuidor direto - sublocatário. O mesmo acontece com o usufrutuário que loca ou empresta a coisa a terceiros. Note-se que somente terá a posse direta aquele que tiver a coisa consigo, ou seja, o último integrante da cadeia. Todos os demais terão posse indireta, em gradações sucessivas (Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Dos vícios da posse. São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p. 35). Como acentua Moreira Alves, o possuidor indireto em grau mais elevado tem posição peculiar em relação aos demais, porque não reconhece e existência de posse superior à sua. Isso lhe confere o animus domini necessário ao usucapião, requisito que falta aos demais integrantes da cadeia, em grau inferior, ou ao possuidor direto, que reconhecem a supremacia de direito de terceiro quanto à coisa. Tanto o possuidor direto como o indireto podem afastar os ataques injustos de terceiros à posse, utilizando a tutela possessória e o desforço próprio. A parte final do artigo diz que pode o possuidor direto defender a sua posse contra o possuidor indireto, o que se mostra exato. Basta lembrar a hipótese, comum na periferia das grandes cidades, do locador que pretende retomar a coisa locada para uso próprio, ou por ter se escoado o prazo, ou mesmo por falta de pagamento, sem usar a ação de despejo, retirando o locatário à força, ou praticando atos turbativos, como o corte da energia elétrica ou da água corrente. Tem o locatário ação possessória contra o locador, em razão da conduta ilícita deste, que molesta a sua posse. Embora a parte final deste artigo não diga, o inverso também é possível, ou seja, pode o possuidor indireto usar a tutela possessória contra o possuidor direto. Isso porque tem o possuidor indireto o direito à restituição futura da coisa, o que, no presente, se reflete nas prerrogativas de fiscalizar e vigiar, para preservá-la e conservá-la. Se a substância da coisa for ameaçada ou estiver sendo destruída, pode o possuidor indireto usar os remédios possessórios contra o possuidor direto. Tomem-se como exemplos os casos do comodatário que está destruindo o imóvel emprestado e vendendo os materiais a terceiros, ou, então, do locatário que impede a entrada do locador no imóvel locado para vistoriar o prédio, como previsto em contrato. Diga-se que, dos enunciados aprovados na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, tirou-se a seguinte conclusão a respeito do tema: “o possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto e este contra aquele (CC 1.197, in fine, do novo Código Civil)”. Da lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento extrai-se, ainda, que a pretensão à restituição da coisa cujo uso foi cedido ao possuidor direto integra a esfera jurídica do possuidor indireto, de modo que pode ser cedida a terceiro, para que este a obtenha no momento devido (Posse e propriedade, 3. ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 25). Disso decorre que o adquirente da coisa, que recebe a titularidade da posse indireta e se sub-roga na sua posição, pode ajuizar contra o possuidor direto ação possessória, se não houver a restituição no tempo devido. De outro lado, como alerta Ernane Fidélis dos Santos, “não há posse onde o fato não existe. Daí, a inocuidade da pretensão possessória do adquirente que recebe do proprietário, por contrato, direito e posse, quando, na verdade, não tinha este o poder fático sobre a coisa” (Comentários ao Novo Código Civil, v. XV, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro, Forense, 2007). Não se confundem o possuidor direto e o detentor. O possuidor direto tem posse própria, enquanto o detentor (servidor da posse) não possui para si, mas em nome alheio e atendendo a ordens e instruções de terceiro. A diferença entre o possuidor direto e o detentor está na relação de subordinação. O detentor é obediente, é subordinado a terceiro, sem independência. O possuidor direto, embora receba a coisa com dever de restituir, tem relativa liberdade na sua utilização e o faz em proveito econômico próprio. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.137-38. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, O presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto.  Encontra disposição similar no CC de 1916 no art. 486.

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, sem maiores dificuldades, percebe-se que o legislador deixou de acolher, nesse dispositivo, a orientação da doutrina dominante das últimas décadas, diferentemente do que fez em tantas outras passagens do NCC. Na verdade, a redação desse artigo apresenta-se bastante truncada, o que dificulta sensivelmente a sua aplicabilidade e compreensão, valendo ressaltar que problemas de ordem prática, sobretudo por se tratar de artigo de larga aplicabilidade, certamente surgirão. Por isso, apresentou-se proposta de alteração ao ilustre Relator, Deputado Ricardo Fiuza, para modificação do dispositivo, durante a vacatio legis.

Ainda, o dispositivo versa sobre os desmembramentos voluntários e classificação das posses com base nos poderes de ingerência dos titulares sobre o mesmo bem da vida, sem que sobre eles as posses se sobreponham ou se anulem (v. g. arrendante e arrendatário, locador e locatário). Em outras palavras, como a posse pressupõe a existência de poder fático, e não necessariamente o seu exercício, que é uma forma de exteriorização deste poder, classifica-se em dois grupos distintos: a) posse absoluta (própria); e b) posse relativa ‘(imprópria) fático que tem origem no desmembramento de um direito (posse non domino), não gerando efeitos à prescrição aquisitiva (posse ad usucapionem). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 616, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No site de Direito.com, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, instrui (1) Quando o titular de um direito real (proprietário) usa e goza da coisa de forma direta e pessoal, pode-se dizer que ele exerce posse de maneira plena, ocorrendo verdadeira conjunção entre a posse direta e a indireta. (2) Entretanto, o titular deste direito real poderá transferir ou ceder o uso da coisa a terceiro, por meio de negócio jurídico, como se dá no usufruto, onde o beneficiário (usufrutuário) passará a ter direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos sobre o bem. Com o proprietário restará a nua-propriedade, despida do uso e gozo. Ocorreu, aqui, o desdobramento da posse, passando o titular do domínio a ter a posse indireta e o usufrutuário a direta. (3) O CC 1.197 procura distinguir – embora com uma redação nada digerível, mas bem melhor que a do Código revogado – a posse direta da indireta, sendo a primeira (direta) caracterizada pela apreensão da coisa, de forma temporária, ou seja, trata-se do poder físico do titular sobre o bem (como se verifica no direito do locatário ou do usufrutuário), referindo-se, pois, tanto aos direitos pessoais como aos reais. Já a indireta surge com a cessão do uso a terceiros. (4) Como já mencionado, verifica-se o desdobramento da posse plena sobre o mesmo bem: de um lado, a posse direta (ou imediata), daquele que a recebe por força de uma relação jurídica estabelecida (contrato); e de outro lado, a posse indireta, daquele que cede o uso da coisa, também chamado de possuidor mediato. (5) Cabe aqui observar que o possuidor indireto não é, necessariamente, o proprietário do bem, cuja posse direta foi cedida. Destarte, poderá ser possuidor indireto o sublocador de um imóvel ou mesmo o usufrutuário. Nestes casos, nenhum deles é proprietário. (6) As posses direta e indireta não sofrem colisão. Ao contrário, coexistem harmonicamente, em relação ao mesmo bem. Ambas são igualmente tuteladas pelo direito, e tanto o possuidor direto, como o indireto, pode defender sua posse autonomamente, independentemente do outro, caso sejam molestados por terceiros. (7) De igual maneira, caso o possuidor indireto venha a molestar a posse do possuidor direto, este último poderá se valer dos interditos de defesa a seu favor. Assim, na hipótese de o locador ocupar, indevidamente, o bem cedido para locação, o possuidor direto (inquilino) poderá se utilizar dos interditos possessórios previstos no ordenamento contra o primeiro, restabelecendo-se a normalidade jurídica, o que vem previsto na parte final do CC 1.947. (8) Convém ressaltar que não tem a posse direta aquele que exerce atos possessórios em nome de terceiros, como se dá com o detentor, eis que não possui para si próprio (CC 1.198). Da mesma forma o possuidor direto, vinculado a um determinado título jurídico, não poderá exercer a posse para fins de usucapião, já que sua posse é derivada de um ato negocial (posse derivada ou imediata), não se cogitando de animus domini, essencial para todas as espécies de usucapião. É como sucede com o locatário ou o comodatário. (9) Enunciado 76 do Conselho da Justiça Federal: “O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este, contra aquele (CC 1.197, in fine, do novo Código Civil)”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

Para Francisco Eduardo Loureiro, O conceito de detenção varia de acordo com a teoria adotada, de Savigny (subjetiva) ou Ihering (objetiva). Para Savigny, sempre que houvesse corpus, mas não animus (affectio tenendi + animus domini), estaríamos diante da figura da detenção e não da posse. Para Ihering, a posse e a detenção não se distinguem por um animus específico. Ao contrário. Têm os mesmos elementos (corpus e animus), são ontologicamente iguais. O que as distingue é um obstáculo legal que, com respeito a certas relações que aparentemente preenchem a princípio os requisitos da posse, retira delas os efeitos possessórios. Para Ihering, é uma posse degradada, que, em virtude da lei, se avilta em detenção (Alves, José Carlos Moreira. “A detenção no direito brasileiro”. In: Posse e propriedade, coord. Yussef Said Cahali, 3. ed. São Paulo, Saraiva, 1987, p. 4). O possuidor também tem animus, vale dizer que exerce poderes de fato típicos de modo consciente e proposital. O seu elemento subjetivo, porém, está circunscrito à affectio tenendi, dispensada a vontade de ser dono (animus domini). Claro que, se aquele que tem poder fático sobre a coisa desconhece a existência desse poder, vale dizer, não tem sequer consciência de sua conduta, haverá simples relação de justaposição entre pessoa e coisa, não chegando a configurar detenção. Nosso Código Civil, como foi visto acima, adotou a teoria de Ihering. Não distinguiu estruturalmente a posse da detenção. Apenas criou obstáculos objetivos para diferenciar ambos os institutos. A teoria subjetiva parte da detenção para chegar à posse. A teoria objetiva, adotada em nosso ordenamento, faz o trajeto inverso. A princípio, quem reúne poderes fáticos sobre a coisa semelhantes aos poderes do proprietário é possuidor. Somente não o será se uma barreira legal, criada pelo legislador, retirar os efeitos possessórios de tal comportamento.

O art. 1.198 do Código Civil, em comento, trata do primeiro obstáculo posto pelo legislador, que retira de uma situação tipicamente possessória os seus efeitos naturais, rebaixando-a para detenção. O segundo grupo de obstáculos legais se encontra no CC 1.208, adiante examinado. Seria recomendável que os artigos que tratam das barreiras que degradam a posse em detenção estivessem agrupados, deixando mais clara a sua natureza, o que eliminaria dúvidas que se instalaram na doutrina e confundem o intérprete. O primeiro e mais conhecido impedimento que degrada a posse é o deste artigo, que trata do caso do fâmulo ou servo da posse, ou seja, aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste, em cumprimento de ordens e instruções suas. É o detentor de posse alheia. Como lembra Clóvis Beviláqua, são os casos, por exemplo, do operário em relação às ferramentas e aos utensílios do patrão que ele usa em seu mister, ou do empregado que zela pelos objetos do patrão e os conserva, ou do mandatário que recebe coisa do mandante para entregá-la a outrem {Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1930, v. III, p. 23). O detentor age como mero instrumento, para o verdadeiro possuidor exercer a sua posse. Há relação de autoridade e de subordinação do possuidor sobre o detentor. Por isso é que essa figura recebe os nomes de servidão da posse, detenção dependente e detenção subordinada. O detentor não tem independência, porque exerce o poder de fato sobre a coisa por conta, ordem e em razão do interesse alheio. Tanto é assim que, se o esbulhador invade um terreno que é guardado por um preposto, este pode exercer a autotutela, mas em nome do possuidor. Caso seja vencido em sua resistência, a legitimidade para ajuizamento das ações possessórias é do possuidor e não do detentor. Como salienta Moreira Alves, essa obediência - a subordinação que marca a conduta do detentor - pode decorrer de relação jurídica de direito privado, como a de mandato, ou de direito público, como a arma e utensílios entregues ao poder imediato do soldado. Pode derivar também de relação social, desde que envolva ordem e obediência (op. cit., p. 11). Note-se que a detenção, ou servidão da posse, é inconfundível com a posse direta. Geram as duas figuras efeitos radicalmente distintos. Apenas o possuidor pode invocar a tutela possessória, não o detentor. As semelhanças entre ambas são que tanto o possuidor direto como e detentor têm poder imediato sobre a coisa, assim como podem ambas as figuras derivar de uma relação jurídica preexistente (posse direta, locação; detenção, contrato de trabalho ou mandato). Haverá mera detenção - servidão da posse - quando a submissão a ordens e decisões for estreita, vale dizer, não goza o detentor de independência nem autonomia; age ele em proveito, por conta do possuidor; dá à coisa o destino e a utilização que lhe determina o possuidor. Já o possuidor direto, embora tenha a obrigação de devolver a coisa para o possuidor indireto após certo tempo, enquanto permanece com ela, tem certo grau de autonomia e exerce os poderes imediatos em proveito próprio.

As considerações acima permitem distinguir com alguma nitidez o possuidor direto do detentor. Algumas situações, porém, se mostram duvidosas. Marcus Vinicius Rios Gonçalves ressalva a figura do depositário judicial, que não se confunde com o seu homônimo, que recebe a coisa em decorrência do contrato de depósito. O depositário judicial tem relação de fato com a coisa em decorrência de um vínculo processual, vale dizer que não há desdobramento da posse, mas múnus público de zelar pela guarda dos bens. Por isso, eventual ataque injusto à coisa não pode ser defendido por ação possessória ajuizada pelo depositário, mas sim por pedido ao próprio juízo que determinou o depósito. Assim, não é o depositário possuidor, mas servidor da posse para o Estado (Dos vícios cia posse. São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p. 28).

Finalmente, o parágrafo único deste artigo contém a inovação do Código vigente em relação ao Código Civil de 1916, ao preceituar que o comportamento de detentor, agindo em relação de dependência para com outro, faz presumir a detenção, até prova cm contrário. Trata-se de regra parelha à do CC 1.203, que dispõe sobre a posse. Note-se que, como dito acima, o que marca a conduta do detentor é a sua obediência, i. é, a falta de autonomia em relação à utilização da coisa. Quem assim age presume-se detentor, cabendo-lhe o ônus da prova - porque é relativa a presunção - de demonstrar o contrário. Podem ocorrer situações duvidosas, como saber se alguém que ocupa um imóvel é comodatário (possuidor direto) ou preposto (detentor). Em situações tais, valiosa será a prova da autonomia da conduta, do grau de independência, para definir qual é a situação jurídica do ocupante. Frise-se, ainda, que em determinados casos um possuidor pode transformar-se em detentor. Basta imaginar a hipótese de um comodatário que passa a receber salário para conservar a coisa. O inverso também pode ocorrer, por exemplo o empregado que não mais reconhece a relação de trabalho e deixa de restituir a coisa ao patrão, ou, então, do representante que arroga direito próprio sobre a coisa, afastando a figura do mandato. Claro que não basta a inversão do estado anímico do detentor, que deve ser acompanhado de conduta objetiva, clara e inequívoca perante o possuidor, para que fique este ciente de que o outro não mais lhe obedece, não mais reconhece a supremacia de sua posição, devendo, se quiser retomar a coisa, usar do remédio possessório. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.140-41. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente o dispositivo em tela não sofreu alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é, basicamente, a mesma do anteprojeto. Durante a fase final de revisão do texto do projeto, foi apresentado ao Relator-Geral, Deputado Ricardo Fiuza, proposta (acolhida) para substituição, no parágrafo único, da expressão a coisa por “ao bem”. Em síntese, observou-se como justificativa que a palavra coisa denota uma espécie mais restrita de bem da vida, enquanto os bens são o genem e, desta feita, referem-se aos móveis, imóveis, bem como os materiais, semimateriais, e imateriais, em toda a sua amplitude. O dispositivo praticamente repete o Art. 487 do CC de 1916.

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o detentor (fâmulo da posse) não exerce poderes sobre o bem da vida, mas os atos que pratica assim os faz em nome de outrem, isto é, do possuidor Por isso, em relação ao detentor, presume a lei (presunção juris tantum) que a situação se mantenha indefinidamente. Caso contrário, o ônus da prova compete ao detentor, que por inversão da situação precedente deu origem (causa possessionis) a atos potestativos de ingerência socioeconômica sobre determinado bem da vida, excluindo terceiros e o legítimo possuidor. Em outras palavras, quem era mero detentor pratica esbulho, nada obstante passe a exercer poderes (posse) sobre o bem da vida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 617, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na participação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, (1) O CC 1.198 prevê a figura do detentor, explicitando tratar-se daquele que se encontra numa relação de dependência para com outro, conservando a posse em nome deste e em cumprimento de ordens suas. (2) É também conhecido como fâmulo da posse, sendo aquele que, em razão de sua dependência em relação a uma outra pessoa, exerce sobre a coisa não um poder próprio, mas o poder de fato desta última, dependência esta que deve ser averiguada do ponto de vista econômico (Fulgêncio, 1994, p. 13). (3) tal relação de dependência, por si só, descaracteriza a posse natural, uma vez que, em se tratando de detecção, o titular do bem poderá, a qualquer momento, extinguir a relação de fato, tornando inexistentes, assim, os atos possessórios. (4) Como se viu, são elementos integrantes de detenção: a) existência de um titular da posse (possuidor indireto); b) aquele que exerce a posse (detentor); c) relação de dependência econômica de um para com o outro. (5) Nos termos da definição legal, o detentor exerce atos possessórios em nome do titular da posse, melhor dizendo, em estrito cumprimento e observância das determinações deste, eis que a posse exercida não deriva de um poder próprio, mas derivado; esse é, aliás, o traço primordial que diferencia a detenção da posse. (6) São detentores os empregados, que têm sob sua guarda objetos do patrão; o operário a quem o dono da obra entrega instrumentos para realizar certo serviço; o mandatário, que recebe do mandante algum objeto para entregar a outrem. Em suma, a detenção é o poder material exercido sobre a coisa, sem a intenção de a ter como sua, ou seja, sem o animus sibi habendi (Beviláqua, p. 36). Também são detentores os hóspedes em relação aos cômodos da casa em que ocorre hospedagem. (7) Embora o detentor não possa invocar as tradicionais medidas protetivas da posse, em nome próprio, poderá utilizar-se da autodefesa da posse, também chamada de desforço pessoal, ou defesa privada, assim tratada no § 1º, do CC 1.210, que é a resistência ao esbulho ou à turbação mediante sua própria força, uma vez que tem o dever de zelar pelo bem que lhe foi confiado, protegendo-o integralmente. (8) Enunciado 301 do Conselho da Justiça Federal: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios”. (9) Enunciado 493 do Conselho da Justiça federal: “O detentor (CC 1.198) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.

Com a remissão de Francisco Eduardo Loureiro, a posse, como visto no comentário ao CC 1.196, nada mais é do que o exercício de fato de alguns dos poderes proprietários. Tal como a propriedade, uma das características da posse é a exclusividade, vale dizer que a posse de uma pessoa anula a de outra, ou é antinômica à dela. Porém, em determinadas situações, pode instituir-se condomínio e, portanto, também a composse, que é a aparência da propriedade. Tal como no condomínio, exige-se nesta segunda hipótese pluralidade objetiva de titulares. Cada compossuidor tem direito à parte ideal do bem, uma vez que a composse não se fraciona em partes certas. Note-se que o artigo em questão fala em posse sobre coisa indivisa, de modo que não há composse se três condôminos, por exemplo, ocupam, individualmente, partes certas e determinadas de um imóvel. Nada impede, porém, que os compossuidores acordem que cada um utilizará a coisa comum em determinadas datas, ou por certo tempo. Incompatível com a composse é a transformação da posse pro indiviso em posse pro diviso, localizando a parte ocupada por cada um dos possuidores. Ressalte-se, ainda, que o Código Civil de 2002 aboliu a expressão “ou estiverem no gozo do mesmo direito”, que constava do art. 488 do Código Civil de 1916. Na lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, isso é a consolidação do entendimento segundo o qual, tal como na posse, não há composse de direitos. O direito vale como causa possessionis e não como seu objeto (Posse e propriedade, coord. Yussef Said Cahali, 3. ed. São Paulo, Saraiva, 1987, p. 52). Perante terceiros (relações externas), os compossuidores procedem como se fossem um único sujeito. Cada um pode defender a posse do todo, ainda que individualmente. Entre si (relações internas), a cada um é assegurada a utilização da coisa, contanto que não exclua o direito dos demais. Disso decorre que cada um dos compossuidores tem legitimidade para ajuizar ação possessória contra atos ilícitos de terceiros, assim como contra os demais compossuidores. Claro que nesta última hipótese o pressuposto é que um dos compossuidores tenha invadido o exercício de fato dos poderes dos demais compossuidores, por exemplo com o uso ou fruição exclusiva da coisa. A situação de composse decorre de diversas relações jurídicas rotineiras, como o casamento, a união estável - ainda que sobre bens próprios do outro cônjuge ou companheiro -, a herança e áreas comuns de condomínio edilício. Cessa a composse pela divisão em partes certas do todo (posse pro diviso) ou pela posse exclusiva de um dos possuidores sem oposição ou com exclusão dos demais. Não se confundem a composse e as posses direta e indireta. O ponto comum é que em ambas as figuras não há exclusividade da posse. A distinção é que na composse há repartição quantitativa da posse. Nas posses direta e indireta, há repartição qualitativa da posse. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.143. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina explícita de Ricardo Fiuza, a posse exclusiva não se confunde com a posse absoluta (própria e plena); enquanto a primeira tem pertinência à titularidade do poder de fato — exclusivo de um único possuidor — a segunda diz respeito à manifestação do conteúdo deste poder. Assim, fica mais fácil compreender que composse é a posse comum sobre o mesmo bem (divisível ou indivisível), exercida concomitantemente por dois ou mais sujeitos (pessoas físicas e/ou jurídicas). Está a composse para o mundo fático, assim como o condomínio está para o mundo jurídico. Pode verificar-se dentro da organização vertical da posse, no tocante ao bem, a composse como se os cotitulares fossem condôminos (posse de coisa indivisa), ou a posse de um bem através do gozo do mesmo direito real limitado, i. é, composses absolutas ou próprias e plenas.  Diz-se que a composse pode ser pra diviso ou pra indiviso. Na compossessio pro divisa, o poder fático comum manifesta-se de maneira que cada possuidor, individualmente, externa poderes sobre uma quota ou parte especifica do bem. Na compossessio pra indiviso, não existe uma parte ou quinhão determinado para atuação do poder fático, sendo que todos os sujeitos da comunhão têm poderes sobre a coisa em sua inteireza. Tem posse tanto o sujeito que direciona o poder fálico sobre parte determinada da coisa como aquele outro que possui parte ideal inespecifica. Não obstante, “... só a compossessio pro indiviso é verdadeiramente composse (José Carlos Moreira Alves, Posse. Estudo dogmático, Rio de Janeiro, Forense, 1991, v. LI, t. 1, n. 31, p. 498-519).

 A composse não é apenas um paralelo da compropriedade no mundo fático, podendo apresentar-se da mesma forma com relação aos outros direitos reais (excluída a hipoteca). Denomina-se posse periódica a relação do mundo fático desmembrada da multipropriedade ou propriedade periódica. Essa nova variação pretende adaptar-se juridicamente ao instituto da propriedade comum, possibilitando a utilização de imóveis, em unidades autônomas (v. g. casas, chalés, apartamentos), em determinados períodos ou temporadas, por pessoas que não desejam pagar o preço total do respectivo empreendimento referente à aquisição efetiva do bem em questão, tampouco alugar o imóvel a cada ano. Nessa modalidade de “uso” do imóvel em períodos compartidos sucessivos, vende-se regularmente a propriedade a diversos adquirentes de um mesmo bem com prévia definição de utilização durante determinado mês (ou dias) do ano, variando o preço de compra conforme o tempo de uso e temporada (alta, média ou baixa). Essa situação fática e jurídica não foi regulamentada pelo NCC; assemelha-se ao instituto do direito civil americano conhecido por leasehold, que significa, em síntese, o direito de usar a propriedade alheia sob condições previamente estipuladas num contrato, tendo por objeto, via de regra, um bem tangível. Conforme a relação fática que se venha a formar, o sistema organizacional da manifestação do poder de ingerência dos compossuidores sobre um bem pode criar situações diversas apresentadas num paralelismo entre o mundo fático e o jurídico. Assim, nada obsta a que se verifiquem: propriedade e composse; compropriedade (condomínio) e posse singular (exclusiva ou múltipla); compropriedade e composse; ou compropriedade sem posse ou sem composse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 618, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu padrão doutrinário, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira defendem que (1) Para a caracterização da composse exige-se o exercício dos atos possessórios por duas ou mais pessoas, configurando-se, em verdade, uma situação excepcional de posse, pois, regra geral, o exercício possessório é exclusivo, ou seja, o ato do titular anula por completo o de outros. (2) No entanto, o que caracteriza a composse, traduzida pela posse de coisa indivisa por duas ou mais pessoas, é a existência de um contrato entre os compossuidores, ou uma relação jurídica com base na lei, como se dá na sucessão universal, quando os herdeiros do de cujus recebem a posse do seu antecessor ou então quando os nubentes, casados pelo regime da comunhão universal, passam a exercer atos possessórios conjuntamente. (3) Aqui, por força da situação jurídica condominial, verifica-se a posse sobre coisa indivisa, i.é, sobre bens que não podem ser partidos ou fragmentados sem que comprometam sua própria estrutura ou natureza, como se dá com uma casa residencial. Nessa hipótese, em se tratando de direito real de propriedade, cada condômino será titular de uma fração ideal do todo, ocorrendo situação similar em relação a cada compossuidor, que exercerá atos de posse – e não de propriedade – sobre o todo, sendo tal direto extensivo aos demais compossuidores, que não podem, assim, criar obstáculos ou empecilhos ao exercício possessório de cada um deles. (4) Como se observa, a composse é uma situação jurídica particular e temporária da posse como um todo, pouco importa que o titular da ação tenha, apenas, uma fração ideal da posse: ele defende o todo como se fosse possuidor único (Mário, 2004, p. 35). (5) Ocorre a composse pro diviso – que é uma outra espécie da posse em comum, já que a característica principal da composse é ser indivisa – quando não há uma divisão de direito sobre a posse, mas meramente de fato, onde cada compossuidor ocupa uma parte certa do bem, como se já estivesse dividido. O exercício da composse permite essa divisão de fato para proporcionar uma utilização pacífica do direito de posse de cada um dos compossuidores (TJ-SP, Ap. Cível 185.521-1). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.196 Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.196
Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)
Capítulo I – Da Posse e Sua Classificação
(Art. 1.196 a 1.203)digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.196. Antes, necessariamente, segue amplo texto introdutório que contém as noções preliminares necessárias à compreensão do livro. São as noções ou princípios básicos para o estudo de um assunto qualquer; seus princípios, elementos. São os PROLEGÔMENOS ou – Coisas nunca antes explicadas (Grifo nosso VARGAS, Paulo S. R.) A menção e início do Capítulo propriamente dito, logo a seguir:

Do Livro das coisas - Nas palavras de José de Oliveira Ascensão, considera-se que o direito das coisas esteja em crise, em razão do declínio de um sistema de normas que se assentava na preponderância da propriedade imóvel (A tipicidade dos direitos reais. Lisboa, Petrony, 1968, p. 13). O deslocamento dos novos mecanismos e das estratégias proprietárias do direito das coisas para o direito das obrigações e para o direito comercial (ações, cotas, participações em fundos de investimentos) teve profundas consequências. Estratificou o direito das coisas numa “época histórica passacia, sem que a crítica e a elaboração doutrinária tornassem possível a descoberta de novos caminhos”. O espírito que orienta o direito das coisas encontrava-se ainda ancorado em princípios oitocentistas, como a tipicidade, a propriedade como direito subjetivo absoluto e instituição monolítica. Esses duzentos anos de mentalidade liberal que se seguiram fincaram profundas raízes, das quais se procura libertar, com dificuldade, o pensamento jurídico contemporâneo. Figuras como a igualdade substancial, a equidade e a boa-fé objetiva e, por tabela, o tratamento desigual aos contratantes e novas limitações cogentes à autonomia privada já são moeda corrente no direito obrigacional. No direito de família, o pátrio poder converteu-se em pátrio dever, hoje poder familiar. No campo do direito das coisas, porém, embora a função social da propriedade já conste como princípio positivado de nossas Constituições há mais de meio século, a mentalidade de encarar o domínio como feixe de meros direitos subjetivos continua inalterada. A função social permaneceu assim como um título de nobreza, de que se orgulha o ordenamento, mas sem operabilidade. O Código Civil de 2002, na seara do direito das coisas, tem a difícil tarefa de fazer valer normas operativas, que deem concretude à função social da propriedade e dos demais direitos reais. A efetiva mudança não é de regras pontuais, como a criação do novo direito real de superfície ou a eliminação do antigo direito real de enfiteuse, mas de mentalidade, sobretudo a de encarar o principal direito real - o de propriedade - como um mero centro de interesses, ao qual podem ser opostos outros centros de interesses não proprietários, sem que haja necessariamente a supremacia do primeiro. O atual Código Civil manteve a denominação de “direito das coisas” e regulou a matéria no Livro III da Parte Especial. No Código de 1916, o tema era tratado no Livro II da Parte Especial. Diversos autores consideram o termo “direito das coisas” como equivalente ao termo “direitos reais”. Na verdade, o primeiro é mais amplo, porque abrange a posse, que integra o direito das coisas, mas nem todos os autores a consideram direito real. O direito das coisas regula o poder dos homens sobre as coisas materiais suscetíveis de apropriação e os modos de sua utilização econômica. Em caráter excepcional, o Código Civil admite, em determinadas situações, que direitos reais incidam sobre bens imateriais, como a caução de créditos ou o usufruto sobre ações ou cotas de uma sociedade. A regra, porém, é que incidam os direitos reais sobre coisas, vale dizer sobre bens corpóreos. Embora seja matéria afeita à Parte Geral do Código Civil, é bom lembrar que o termo “bem” é gênero, abrangendo tudo o que satisfaz a necessidade humana. Bens jurídicos são aqueles amparados pela ordem jurídica. São bens tudo o que pode ser objeto da relação jurídica, ou seja, tudo o que pode se submeter ao poder dos sujeitos de direito, como instrumento de realização de sua finalidade jurídica. O termo “coisa” é uma espécie de bem, de natureza corpórea e suscetível de medida de valor. Assim, a honra é um bem, mas não é uma coisa. Um imóvel é um bem e é também uma coisa, porque corpóreo. Doutrina minoritária afirma, por outro lado, que há coisas, como as águas do mar, que não são bens, pois inapropriáveis. A corrente majoritária, porém, entende que não são coisas os bens não apropriáveis. O critério não é só físico, material, mas também de possibilidade de ocupação, dominação por alguém.

Os direitos reais, chamados também de iura in re, traduzem uma dominação sobre a coisa e constituem importante categoria jurídica, que se diferencia do direito das obrigações (iura ad rem) pelo fato de este se traduzir na faculdade de exigir do sujeito passivo determinado uma prestação. Regem-se os direitos reais pelos seguintes princípios, que os distinguem dos direitos de crédito, ou obrigacionais, ou pessoais: (1) Princípio do absolutismo - O direito real é oponível erga omnes, enquanto o direito de crédito é oponível somente a um sujeito passivo determinado ou determinável, em razão da sua relatividade. Decorre o princípio da própria natureza dos direitos reais, que se traduzem numa dominação direta sobre a coisa (iura in re), sem a intermediação de terceiros pela prestação. Constitui o principal traço distintivo entre os direitos reais e os pessoais, lembrando, porém, a existência de exceções à relatividade no direito obrigacional, como as chamadas obrigações reais e as propte- rem, que irradiam efeitos em relação a terceiros. Note-se que o absolutismo não constitui característica exclusiva dos direitos reais, porque há também outros direitos dotados do mesmo atributo, como os de personalidade, oponíveis contra todos. (2) Princípio da publicidade - Decorrência do absolutismo é o princípio da publicidade. Para que todos possam respeitar os direitos reais, há necessidade de dotá-los de visibilidade, a fim de que sejam conhecidos por terceiros. O mecanismo da publicidade, nas aquisições derivadas e por atos intervivos, dá-se pelo registro do título no Registro Imobiliário, tratando-se de coisas imóveis (CC 1.227) e pela tradição, se coisas móveis (CC 1.226). A regra comporta exceções, pois há alguns casos em que o registro não é constitutivo dos direitos reais sobre bens imóveis, por exemplo na aquisição de bens pelo casamento cujo regime é o da comunhão universal de bens, ou no usufruto legal dos pais sobre os bens dos filhos, ou, ainda, nas aquisições originárias, como no caso de usucapião. Já os contratos seguem a regra geral do consensualismo, ou seja, reputam-se perfeitos só com a vontade das partes, porque não necessitam de publicidade para produzir efeitos entre os contratantes. (3) Princípios da taxatividade e da tipicidade - Os direitos reais são numerus clausus, somente podem ser criados por lei, ao contrário dos direitos de crédito, em que prevalece a autonomia privada em sua criação, constituindo numerus apertus. Os direitos reais estão previstos no CC 1.225, que, porém, não esgota todas as hipóteses, já que há outros criados por leis especiais diversas, como a alienação fiduciária sobre bens imóveis, regulada pela Lei n. 9.514/97, ou o compromisso de compra e venda de imóveis loteados, disciplinado pela Lei n. 6.766/79. Note-se que não há por parte do legislador necessidade da utilização de expressões sacramentais para a designação dos direitos reais, bastando a previsão legal e que se deduza claramente do instituto a sua natureza. Distingue-se a taxatividade - que trata do catálogo, do número dos direitos reais - da figura da tipicidade - que define o conteúdo de cada um dos tipos dos direitos reais. São conceitos complementares, mas distintos entre si. A doutrina tradicional afirma que os direitos reais são numerus clausus e típicos. A doutrina contemporânea questiona o princípio da tipicidade. Na lição de Gustavo Tepedino, se de um lado é certo que a criação de novos direitos reais depende de lei, de outro lado também “certo é que no âmbito do conteúdo de cada tipo real há um vasto território por onde atua a autonomia privada e que carece de controle quanto aos limites (de ordem pública) permitidos para esta atuação” (Multipropriedade imobiliária. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 83). Essa interpretação mais aberta permite dar maior alcance a cada um dos direitos reais, como abranger a multipropriedade, o leasing imobiliário, o direito real de superfície por cisão e a hipoteca do direito real de superfície, figuras não expressamente disciplinadas pela lei, mas compatíveis com o sistema do direito das coisas. Em termos diversos, mantém-se íntegro o princípio positivado da taxatividade, mas se admite certa elasticidade no princípio da tipicidade, para que cada um dos direitos reais, individualmente considerados, possa abrigar situações jurídicas que, embora não expressamente previstas, sejam compatíveis com seus princípios e mecanismos. (4) Princípio de sequela - Os direitos reais são providos do direito de sequela, ou seja, da prerrogativa de obter ou de perseguir a coisa que estiver em poder de quem quer que seja. É desdobramento direto da oponibilidade do direito real e pode ser usado por um titular de direito real contra outro, por exemplo o usufrutuário contra o nu-proprietário que se recusa a entregar o bem. (5) Princípio da especialidade - O objeto do direito real é sempre determinado, enquanto o do direito pessoal pode ser determinável. (6) Princípio da atualidade - O direito real exige a existência atual da coisa, enquanto o direito pessoal é compatível com sua futuridade. Essa é a regra geral, que comporta algumas exceções, como a incorporação e promessa de unidade autônoma a ser construída, levada a registro. (7) Princípio da exclusividade - O direito real é exclusivo, porque não podem existir dois direitos reais contraditórios sobre a mesma coisa, ou seja, não existe mais de um sujeito com igual direito sobre a mesma coisa. A exclusividade não conflita com o condomínio, no qual cada comunheiro tem fração ideal da coisa. (8) Usucapião - O direito real adquire-se por usucapião, ao contrário do direito pessoal. Os direitos de crédito extinguem-se pela prescrição extintiva, enquanto os reais, especialmente em relação à propriedade, somente pela prescrição aquisitiva. A propriedade como regra geral não se perde pelo “não uso”, enquanto não se consumar usucapião a favor de terceiro. (9) Princípio da preferência ou privilégio - Os direitos reais, em especial os de garantia, gozam de preferência, também chamada de privilégio, que consiste na prerrogativa de o credor assim garantido receber preferencialmente o seu crédito, em comparação com os demais credores. Em outras palavras, havendo concurso de credores, o credor com garantia real, se alienado o bem garantido, tem preferência na satisfação de seu crédito. Essa preferência, porém, não é absoluta, havendo gradação legal na ordem de credores que gozam de privilégios legais. Alguns autores veem a preferência por outro ângulo, de ordem temporal, ou seja, terá melhor direito aquele que conseguir primeiro converter o direito pessoal em direito real. Tome-se como exemplo o caso de uma coisa vendida a duas pessoas diversas. Será proprietário o adquirente que primeiro registrar seu título, ou obtiver a tradição. (10) Abandono - O titular de direito real pode abandonar a coisa, por exemplo as servidões. Não se admite o abandono no direito de crédito, que é incorpóreo e se consubstancia numa conduta do devedor. (11) Posse - Os direitos reais são passíveis de posse, ao contrário dos direitos pessoais. Essa matéria foi muito controvertida no passado, quando diversos autores admitiam a posse de direitos pessoais. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.131-34. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há muito o Título do Livro II do Código Civil, “Direito das Coisas”, sofre severas críticas da doutrina contemporânea ao procurar demonstrar que a expressão utilizada afigura-se restritiva e incompatível com a amplitude do próprio Livro, à medida que trata da posse (considerada como um fato socioeconômico potestativo e não como um direito real), assim como regula todos os direitos reais. Por outro lado, a palavra “coisas” denota apenas uma das espécies de “bens” (gênero) da vida, razão pela qual seria manifesta a técnica jurídica continuar conferindo a um dos Livros do Código Civil o Título de Direito das coisas, uma vez que regula as relações fáticas e jurídicas entre sujeitos e os bens da vida suscetíveis de posse e direitos reais. Em face dessas ponderações e considerando-se que o novo Código primou por conferir a melhor terminologia aos institutos jurídicos, títulos, capítulos e seções, seria de boa índole que se corrigisse este lapso, conferindo ao Livro III a denominação adequada: “Da Posse e dos Direitos Reais”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 614, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

TÍTULO I - DA POSSE - CAPITULO I - DA POSSE E SUA CLASSIFICAÇÃO

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

No discernimento de Francisco Eduardo Loureiro, não houve profunda alteração no capítulo da posse em relação ao Código anterior, mas sim aprimoramento da redação de diversos dispositivos, eliminando imperfeições técnicas ou consolidando, no texto da lei, o entendimento já sedimentado na doutrina e nos tribunais. Vê-se, na disciplina da posse, a incidência do princípio da operabilidade, que exclui dúvidas teóricas que atrapalham a aplicação da lei. Isso porque o nosso sistema possessório foi durante quase um século sedimentado por sólida construção doutrinária e jurisprudencial. A base dominial no Brasil padecia de sérios problemas de origem, especialidade e continuidade, o que deslocou imenso volume de discussões do juízo petitório para o juízo possessório. Com isso, testou-se o sistema e criaram-se boas soluções para as questões possessórias mais controvertidas. Tal fato se constata nas reformas do Código português e do italiano nas décadas de 1970 e 1980, oportunidades em que diversas soluções foram inspiradas no direito brasileiro, num processo de reenvio ao direito continental.

Definição: Na posse há sempre um senhorio de fato sobre a coisa, um poder efetivo sobre ela. Segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira, há “uma situação de fato, em que uma pessoa, que pode ou não ser a proprietária, exerce sobre uma coisa atos e poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a” (Instituições de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 14) e dando-lhe a sua natural função socioeconômica.

Diz o artigo ora comentado que o possuidor tem, de fato, o exercício, pleno ou não, de alguns ou de todos os poderes inerentes à propriedade. Age o possuidor como agiria o proprietário em relação ao que é seu. Não se confunde a posse, que é senhorio de fato, com a propriedade, que é senhorio jurídico. A posse “é ação, conduta dirigida à coisa, exercício” (Nascimento, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade, 3. ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 16). Já a propriedade é o “vínculo jurídico que conduz ao senhorio da coisa”, mas não necessita estar acompanhado de efetivo exercício cie poderes fáticos.

Tem o possuidor os poderes de fato inerentes à propriedade. Age como proprietário. Como o proprietário dispõe daquilo que lhe pertence, usa, frui, conserva e defende o que é seu, assim também age o possuidor. Tal como o proprietário, tira o proveito da coisa, dando-lhe a natural destinação econômica e social. Pode o possuidor ser pessoa natural ou jurídica, inclusive a coletividade desprovida de personalidade, como a massa falida, o espólio e o condomínio edilício. Confira-se a respeito o Enunciado n. 236 da III Jornada de Direito Civil 2004: “CC 1.196, 1.205 e 1.212: Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”.

Lembre-se, porém, como adiante será visto, que a propriedade está impregnada por função social, que não mais é vista como um limite, mas como o próprio conteúdo do instituto. De igual modo, não basta ao possuidor agir como proprietário, mas sim como bom proprietário, dando à coisa função social. O Código Civil de 2002 prestigia o bom possuidor, abreviando, por exemplo, o prazo de usucapião daquele que houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (CC. 1.238, parágrafo único, e 1.242, parágrafo único). Também os §§ 4º e 5º do CC 1.228 permitem apenas a determinados possuidores, com perfil e atuação social específicos, adquirir compulsoriamente do proprietário o imóvel reivindicado. É o que Miguel Reale denomina de “posse trabalho”, situação socialmente desejável e estimulada pelo legislador mediante incentivos, cumprindo a função promocional cio direito.

Elementos da posse: Em toda posse há dois elementos, consistentes numa conduta e numa vontade, que traduzem a relação de uso e de fruição. São eles o objetivo, denominado corpus, e o subjetivo, denominado animus. O corpus é o elemento exterior da posse, é o comportamento ostensivo do possuidor imitando o proprietário. É o aspecto visível da posse, que se traduz não só pelo contato material com a coisa, como também pela conduta de dar a ela a sua destinação econômica e social. O animus é o elemento subjetivo da posse. Nada mais é do que manter a conduta exterior semelhante à do proprietário (corpus) de modo proposital, intencional. Em outras palavras, trata-se da consciência e do desejo de agir como agiria o proprietário, da dominação intencional e consciente da coisa.

Os dois elementos são cumulativos e indissociáveis. Na lição de Ihering, o corpus e o animus estão ligados entre si como a palavra e o pensamento. Na palavra incorpora-se o pensamento, até então puramente interno. No corpus incorpora-se a vontade, até então puramente interna (Serpa Lopes, Miguel Maria de. Curso de direito civil, 4. ed., atualizada pela Biblioteca Jurídica Freitas Bastos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, v. V I, p. 124). A existência de corpus sem animus, ou seja, sem a consciência de agir como dono, configura mera justaposição da pessoa à coisa, um simples contato físico, que não caracteriza posse, nem sequer detenção.

Teorias sobre a posse: Há duas teorias tradicionais sobre a posse, denominadas teoria subjetiva e teoria objetiva. Savigny criou a teoria subjetiva. Afirmou que os elementos da posse são o animus e o corpus. Definiu o corpus como o poder físico da pessoa sobre a coisa, o fato exterior da posse. Para ele, é a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa. Em obra posterior retificou sua posição, admitindo posse sem contato físico. Definiu o animus como a intenção de ter a coisa como sua (animus domini). Não é a convicção (opinio domini), mas a intenção de ser dono. Para haver posse, portanto, para Savigny, devem existir elemento físico (corpus) mais a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi) mais a intenção de tê-la como sua (animus domini) (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 14). Caso falte o terceiro elemento, qual seja, a vontade de ter a coisa como dono, não haverá posse, mas mera detenção. Assim, para Savigny, quem tem a coisa em seu poder, mas em nome de outrem, por razão jurídica, não tem posse, mas detenção, sem proteção jurídica. Enquadrar-se-iam nessa categoria o locatário, o comodatário e o credor pignoratício, entre outros.

Rudolf Von Ihering elaborou a teoria objetiva da posse, em oposição e crítica à teoria subjetiva. Corpus, para ele, é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa, é a conduta cie quem se apresenta com relação semelhante à do proprietário (imago domini), com ou sem apreensão da coisa. Pode, portanto, haver posse sem contato ou poder físico entre a pessoa e a coisa. Lembre-se de que o proprietário exerce as prerrogativas do domínio, muitas vezes sem o contato físico ou material com a coisa, como por exemplo a locação ou o empréstimo da coisa a terceiros. O mesmo, portanto, ocorre com o possuidor, porque ele age como o proprietário (Ihering, Rudolf Von. A teoria simplificada da posse. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 106-15).

Para Ihering, animus não é a intenção de ser dono, mas simplesmente de proceder como procede habitualmente o proprietário (affectio tenendi). A teoria chama-se objetiva porque dispensa a intenção de ser dono. O animus está intimamente ligado ao corpus, porque é extraído da conduta visível do possuidor. É o que aparece perante terceiros (aparência de dono), pouco importando o simples desejo não ostensivo do possuidor. Para caracterizar a posse, basta examinar o comportamento do agente, independentemente de uma pesquisa de intenção. Normalmente, o proprietário é o possuidor. Logo, possuidor é aquele que tem a aparência de proprietário. Posse, segundo Ihering, é a visibilidade do domínio. Pela teoria objetiva, o locatário, o comodatário etc., são possuidores, o que acarreta profundos efeitos concretos, visto que tais pessoas podem defender a posse pelos chamados interditos possessórios. Segundo o autor, o poder de fato sobre a coisa indica posse, embora nem sempre isso ocorra. O que importa, para efeito de posse, é a destinação econômica da coisa, é a utilização da coisa por atos adequados à sua natureza. Para Ihering, corpus + affectio tenendi = posse. O animus domini não é elemento da posse.

Outra importante distinção entre as duas teorias é o modo como abordam a figura da detenção. Para Savigny, sempre que houver corpus, mas não animus (affectio tenendi + animus domini), estar-se-á diante da figura da detenção e não da posse. A posse, assim, é a detenção acrescida de animus domini. Para Ihering, a posse e a detenção não se distinguem por um animus específico. Ao contrário. Têm os mesmos elementos (corpus e animus). O que as distingue é um elemento objetivo, que se traduz num dispositivo legal que, com relação a certas relações que preenchem a princípio os requisitos da posse, retira delas os efeitos possessórios. A detenção, para Ihering, é uma posse degradada, que, em virtude da lei, se avilta. A teoria subjetiva parte da detenção para chegar à posse. A objetiva faz o trajeto inverso, partindo da posse para chegar à detenção.

Nosso Código inclinou-se pela teoria objetiva, embora em alguns artigos pontuais faça concessões à teoria subjetiva. O CC 1.196 define o possuidor adotando nitidamente a teoria objetiva. Para nós, portanto, posse é a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da conduta de quem normalmente age como proprietário. É a visibilidade do domínio. A questão relativa ao objeto da posse, em especial sobre bens incorpóreos e bens públicos, será examinada nos comentários aos CC 1.210 e 1.223. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.135-36. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. Assinala-se que o teor do dispositivo é, praticamente, o mesmo contido no art. 485 do CC de 1916, apenas com a acertada supressão da palavra “domínio”, tomando-se assim a redação mais técnica e correta, tendo-se em conta que a expressão rechaçada é limitada aos bens corpóreos, enquanto a posse, como situação potestativa socioeconômica de projeção no plano fatual do mundo jurídico nele, pode refletir-se, tendo por objetos bens semimateriais ou semi-incorpóreos (energias elétrica, térmica, nuclear, gasosa e solar, ondas de transmissão de frequência radiotelevisiva, linhas telefônicas (infovias). Por isso, a expressão poderes inerentes à propriedade” designa de maneira muito mais adequada o instituto em questão.

Na Doutrina apresentada, a posse é uma situação fática com carga potestativa que, em decorrência da relação socioeconômica formada entre um bem e o sujeito, produz efeitos que se refletem no mundo jurídico. O seu primeiro e fundamental elemento é, portanto, o poder de fato, que importa na sujeição do bem à pessoa e no vínculo de senhoria estabelecido entre o titular e o bem respectivo. A posição de senhoria exterioriza-se através do exercício ou da possibilidade de exercício do poder, como desmembramento da propriedade ou outro direito real, no mundo fático. Por sua vez, o poder exteriorizado ou a possibilidade do seu exercício estará, via de regra, em consonância com o direito real que ele representa na órbita do mundo de fato. Em outras palavras, a situação potestativa do mundo fático corresponderá àquela pertinente ao mundo jurídico, dentro de suas limitações. Assim, por exemplo, todo aquele que possui, como se fosse dono, tem o poder de fato pertinente ao respectivo direito real de propriedade. A posse do exercício do poder mas sim o poder propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre um determinado bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é a disponibilidade e não a disposição; é a relação potestativa e não, necessariamente, o efetivo exercício. O Titular da posse tem o interesse potencial em conservá-la e protegê-la de qualquer tipo de modéstia que porventura venha a ser praticada por outrem, mantendo consigo o bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua efetiva função socioeconômica. Os atos de exercício dos poderes do possuidor são meramente facultativos — com eles não se adquire nem se perde a senhoria de fato, que nasce e subsiste independentemente do exercício desses atos. Assim, a adequada concepção sobre o poder fático não pode restringir-se às hipóteses do exercício deste mesmo poder. O possuidor dispõe do bem, criando, em relação a ele, um interesse em conservá-lo. Por tudo isso, perdeu-se o momento histórico para corrigir um importantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como decorrência de sua aplicação incorreta, inúmeras demandas. Ademais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas, tendo-se em conta que foram elas, em sede possessória, que deram origem à função social da propriedade. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do início do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França, com Raymond Saleilles e, na Espanha, com Antonio Hemandez Gil, que não só colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de Ihering e Savigny como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira “função social”).

Isto posto, o conceito traz em seu bojo o principal elemento e característica da posse, assim considerado pela doutrina e jurisprudência o poder fático sobre um bem da vida, com admissibilidade de desmembramento em graus, refletindo o exercício ou possibilidade de exercício de um dos direitos reais suscetíveis de posse. Assim, evolui-se no conceito legislativo de possuidor, colocando-o em sintonia com o conceito de posse, em paralelismo harmonizado com o direito de propriedade, como sua projeção no mundo fatual. Por isso, afigura-se de bom alvitre uma nova redação para este dispositivo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 614, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na salutar opinião dos mestres Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, (1) Do ponto de vista histórico, a posse, como situação de fato, antecede a propriedade – situação de direito – e era tida como a mera apreensão e utilização das coisas do mundo externo, para satisfação das necessidades do homem (Beviláqua, s.d., p. 17). (2) Tal como a codificação anterior, o novo texto não define exatamente o que seja posse, que é explicada tradicionalmente por duas principais teorias: a subjetiva e a objetiva. (3) a teoria subjetiva, de autoria de Savigny, propala a ideia de que a vontade de possuir para si, aliado ao corpus, é que origina a posse jurídica, sendo que quem possui por outro modo é tido como simples detentor. Assim, todo aquele que não tem animus possidentis não é tido como possuidor, como se dá com o locatário, o comodatário e outros. (4) Já de conformidade com a teoria objetiva de Rudolf Von Ihering, o corpus se traduz pela simples aparência de propriedade, ou seja, pela forma como a propriedade se apresenta aos olhos de terceiros. Não se exige a intenção de dono (animus domini) na caracterização da posse. (5) Assim, por esta teoria, basta que o possuidor intervenha sobre a coisa, tal como faria normalmente seu proprietário, zelando por ela, independentemente de ter que externar sua intenção de tê-la como sua, pois que seus atos assim já o demonstram por si mesmo. (6) Com efeito, possuidor é todo aquele que aparenta ser proprietário. Como se vê, o possuidor poderá ser, ou não, o verdadeiro proprietário, uma vez que, para Ihering, posse é mera visibilidade do domínio. (7) O Código Civil brasileiro adota a teoria objetiva de Ihering, sendo esta, destarte, a mais conveniente para o estudo da posse, vez que não se encontra na relação possessória o animus domini previsto por Savigny, até pela extrema dificuldade de se demonstrar, criteriosamente, este tipo de intenção. Assim, o simples proceder como se fosse o dono é suficiente para a caracterização da posse, distinguindo-se da mera detenção. (8) Enunciado 236 do Conselho da Justiça Federal: “Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”. (9) Enunciado 492 do Conselho da Justiça federal: “A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.194, 1.195 Da Escrituração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.194, 1.195
Da Escrituração - VARGAS, Paulo S. R. Parte Especial
- Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IV – Da Escrituração
(Art. 1.179 a 1.195)digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Sob a perspectiva de Marcelo Fortes Barbosa Filho, no presente artigo, restou estratificado o dever geral, atribuído a todo empresário individual ou coletivo, de manutenção de sua escrituração em boa ordem formal, conservando, simultaneamente, os documentos atestadores de sua regularidade material. De um lado, é obrigatória a promoção de cuidadoso arquivamento, evitando a deterioração, o extravio ou a perda dos livros e possibilitando sua consulta, sempre que ela se fizer necessária ou conveniente. De outro lado, exige-se sejam mantidos e, portanto, arquivados em conjunto os papéis e as correspondências capazes de fornecer suporte à verificação do conteúdo dos lançamentos feitos. Tal dever não vigora, porém, por tempo ilimitado. Os livros e a documentação agregada devem ser guardados apenas enquanto não se operar prescrição ou decadência dos atos e das operações escriturados, o que apresentará correspondência com sua natureza formal e com o ramo dc atividade empresarial escolhido. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.138. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza alerta para o fato de os livros contábeis, documentos, contratos, correspondências e todos os demais papéis que instrumentalizaram os lançamentos na escrituração mercantil das empresas deverem ser mantidos em boa ordem e conservados pelo prazo correspondente à prescrição ou decadência das respectivas obrigações ou dos efeitos dos atos respectivos. Os CC 205 a 211 estabelecem os prazos de prescrição e decadência que são aplicáveis às obrigações, contratos e negócios mercantis. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 614, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Do Dever de guarda dos livros – como Matheus Campolina Moreira aponta, o empresário deve guardar seus livros, e os documentos neles referidos, até que os atos descritos sejam alcançados pela prescrição ou pela decadência (CC 1.194). O prazo prescricional depende da natureza de cada ato ou operação. O prazo prescricional máximo estabelecido no Código Civil é de dez anos (CC 205). As obrigações previdenciárias do FGTS prescrevem em trinta anos (Lei nº 8.036/90, art. 23, § 5º). As tributárias sujeitam-se ao prazo prescricional de cinco anos (Código Tributário Nacional, art. 174). As obrigações cambiárias sujeitam-se ao prazo prescricional de três anos, de um ano no caso de direito de egresso do tomador contra devedores indiretos, de seis meses no caso de cobranças entre devedores indiretos (Lei Uniforme de Genebra, art. 72). Como o contador ou técnico de contabilidade pode não ter formação jurídica sólida, o empresário e a sociedade empresária não deverão se precipitar em se livrar da documentação contábil, assumindo uma postura conservadora e guardando-a pelo maior tempo possível. (Matheus Campolina Moreira Bacharel em Direito pela FD-UFMG, Especialista em Gestão Estratégica pela FACE-UFMG, Advogado em Belo Horizonte. Publicação no site https://aplicacao.mpmg.mp.br/, acessado em 01/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.195. As disposições deste Capítulo aplicam-se às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro.

No fechamento do capítulo, a observação de Marcelo Fortes Barbosa Filho, apontam para as regras relativas à elaboração, manutenção e exibição da escrituração contábil apresentando aplicação ampla e incidindo sobre toda atividade empresarial, tal como se encontram explicitadas no presente capítulo do Código Civil. O legislador, aqui, simplesmente enfatizou essa subordinação ampla, referindo-se, de maneira expressa, às sucursais, filiais e agências, bem como às sociedades estrangeiras, as quais, mediante autorização governamental, atuam diretamente no Brasil (CC 1.134). No primeiro caso, diante da organização de um estabelecimento complexo, persiste um desdobramento da escrituração, separada de acordo com o local em que forem concluídas as operações contabilizadas, efetuando-se posterior totalização. No segundo caso, os atos e as operações feitos no Brasil suportam, da mesma forma, escrituração separada, acrescida a obrigatoriedade de publicações especiais (CC 1.140). (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.138. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo o fechamento de Ricardo Fiuza a mesma direção, acrescentando que as regras e disposições relativas à escrituração contábil da empresa contidas neste capítulo aplica-se também para os estabelecimentos sucursais, filiais ou agências da sociedade estrangeira que funcione no Brasil mediante autorização, nos termos dos CC 1.134 ao CC 1.141 deste novo Código Civil, para as operações e negócios realizados em território nacional. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 614, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Valdivino Sousa, em seu artigo “A Responsabilidade do Contabilista conforme Novo Código Civil” em 07/05/2007, citando todo o capítulo referente à escrituração e da responsabilidade da pessoa do contador, cita a  Lei n° 10.406/02 onde foram introduzidas algumas alterações nos procedimentos contábeis das empresas, bem como em relação à responsabilidade do contabilista. As normas apresentadas abaixo se aplicam não só às sociedades, como também às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro (CC 1195 do Novo Código Civil), em um valoroso trabalho, dos quais supra citadas no decorrer do capítulo, ao todo são 18 artigos do Código Civil definindo as responsabilidades do contabilista. Com o CC 1.177 em seu parágrafo único estabelece que "No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis perante os preponentes pelos atos culposos; e perante terceiros, solidariamente com os preponentes, pelos atos dolosos." no entanto, quem é o preposto (contabilista), o que pode acarretar diferentes interpretações da lei visto não ser obrigatória à contratação de profissional para a execução de serviços contábeis, mas conclui-se, desde o princípio tratar-se de contabilista. Desse modo identifica-se no referido artigo à responsabilidade do contabilista perante seus atos, sejam eles culposos ou dolosos, praticados no exercício de sua função sendo responsável, inclusive perante terceiros quando há intenção de cometer ato que cause danos àqueles. No caso de ato culposo, não há a intenção de cometer ato prejudicial a outrem e doloso quando há a intenção de cometê-lo. No entanto, cabe ressaltar que o exercício da profissão contábil também está sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078 de 11 de setembro de 1990) que entre outras regras estabelece em seu artigo 14 parágrafo quarto que "A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."


Está claro, portanto, que a responsabilização do profissional contábil em suas atribuições está sujeita a teoria subjetiva, o que pode levar o fato consumado ficar sujeito a opiniões pessoais que podem variar de acordo com o conhecimento técnico daquele que o fizer. Ressalte-se, em todo caso, que o estabelecimento de responsabilidades mediante a confecção de contrato de prestação de serviços é imperativa no sentido de dar clareza às responsabilidades de prepostos e preponentes, visando estabelecer limites na prestação do serviço e sua consequente responsabilidade. Cabe ao contabilista, como sempre fez, e agora ainda mais, preocupar-se em prestar melhores serviços junto a seus clientes, devendo ainda, ocupar-se de renovar seus conhecimentos técnicos e de todos aqueles que com ele trabalham no caso de empresas de serviços contábeis, visando à melhoria contínua na orientação e solução de questões inerentes à profissão contábil. Valdivino Sousa é Professor, Contador, Bacharel em Direito, Matemático, Pedagogo, Mestrado em Ciências da Educação Matemática e Escritor. Possui mais de 20 anos de experiência na área Contábil, desde 2005 é Contador responsável da Alves Contabilidade e Consultoria Tributária. Programador Web, Estrategista de Conteúdo e mídias digitais. Alves Contabilidadewww.alvescontabilidade.com.br
E-mail: alvescontabilidade@uol.com.br Fones: 11-3229-9277 Whatsap: 11–9.9608-3728. Acessado no site contábeis.com.br em 01-09-2020, Revista e atualizada nesta data por VD).