segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.239, 1.240, 1.240-A - continua Da Usucapião - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.239, 1.240, 1.240-A -  continua

Da Usucapião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I – Da Usucapião digitadorvargas@outlook.com

vargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

 

Abrindo o disposto no art. 191 da Constituição Federal, no parecer de Francisco Eduardo Loureiro, na verdade, a Constituição Federal reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na década de 1970. A usucapião especial rural, conhecida também como pro labore, está inserida no capítulo da política agrícola e fundiária da Constituição Federal e tem nítido escopo de fixar o homem ao campo, conferindo a possibilidade de, em curto espaço de tempo, atribuir propriedade ao possuidor que pessoalmente deu função social à gleba rural, tornando-a produtiva e nela fixando moradia. De um lado, o prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro lado, limita-se a categoria destinatária do benefício, mediante a criação de uma série de requisitos objetivos e subjetivos.

 

A Lei n. 6.969/81 já tratava da usucapião especial rural, embora com alguns requisitos distintos do art. 191 da CF. Assim, a área máxima usucapível, que era de 25, passou a 50 ha. Admitia-se usucapião de terras públicas devolutas, o que hoje é vedado por força de regra expressa no parágrafo único do art. 191 da Constituição. Tal quadro permite concluir que, no tocante à usucapião rural, o quinquídio não se inaugura no ano de 1988, por não se tratar de instituto novo. Somente pode se cogitar de surpresa ao proprietário no que se refere a áreas superiores a 25 e inferiores a 50 ha, medida não contemplada na legislação de 1981. Como dito, o artigo em exame cria uma série de requisitos especiais subjetivos e objetivos. Tais requisitos somam-se àqueles básicos da usucapião extraordinária, quais sejam: posse contínua, pacífica e com animus domini. Quanto aos requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta modalidade de usucapião, porque não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo moradia própria ou com sua família na gleba rural.

 

O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Tal vedação diz respeito somente ao período do quinquídio aquisitivo. É irrelevante que o usucapiente tenha sido dono antes, ou que passe a ser dono depois de consumar o prazo necessário à usucapião, ainda que antes do ajuizamento da ação, pois a sentença é declaratória e apenas reconhece aquisição originária preexistente. Fala a lei em propriedade, de modo que nada impede o usucapiente ser possuidor, ou titular de direito real de gozo, fruição ou de garantia sobre coisa alheia. A vedação diz respeito à propriedade plena, de modo que não alcança a propriedade fiduciária, que constitui patrimônio de afetação com escopo de garantia, e nem o direito de superfície, que tem por objeto apenas a construção ou plantação temporariamente separada do solo. Em determinadas situações, o condomínio não constitui óbice subjetivo à usucapião rural, quando ficar evidenciado que a fração ideal e a ausência de posse impedem que o usucapiente estabeleça no imóvel comum sua moradia, ou o torne produtivo com seu trabalho. Já se julgou que condômino com posse localizada pode requerer usucapião especial rural da gleba que ocupa com exclusividade (RJTJSP 96/249).

 

O que deseja evitar o legislador é a especulação, mediante extensão indevida da usucapião social a destinatários que tenham condições econômicas de adquirir a gleba a título oneroso. Em tal hipótese, encaixa-se o titular de direito real ou pessoal de compromissário comprador de gleba distinta, já imitido na posse. Trata-se de direito de aquisição, no qual a propriedade remanesce vazia de conteúdo nas mãos do promissário vendedor, apenas com o fim de garantia do recebimento do preço. Não teria sentido admitir que o compromissário comprador, já titular dos direitos de usar, fruir e mesmo ceder direitos sobre uma gleba, gozasse do favor da usucapião especial sobre gleba distinta. Não cabe ao usucapiente provar fato negativo, o de não ser proprietário de imóvel distinto. Quando muito, podem-se exigir certidões negativas imobiliárias da comarca na qual se situa o imóvel usucapiendo. O contestante é que prova o fato positivo da propriedade sobre outro imóvel durante o lapso temporal aquisitivo.

 

No que se refere ao objeto, a gleba usucapiente deve situar-se em zona rural, fora, portanto, do perímetro urbano, não bastando sua destinação rústica. O limite máximo usucapível é de 50 ha. Não cabe ao usucapiente decotar posse sobre gleba maior para obter a usucapião especial, pois tal conduta colheria de surpresa o proprietário registrário. Durante todo o quinquênio deve a posse estar limitada ao teto previsto pelo legislador. Pode ocorrer da gleba ser inferior ao módulo rural. Há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, mas, se a finalidade de tornar a gleba produtiva for preenchida pelo possuidor, o melhor entendimento é admitir a usucapião, em razão da natureza originária de aquisição (a favor, RJTJSP 209/266 e 247/75; RT 681/602 e 693/133; contra, RT 652/65 e RJTJSP 133/148). Ressalva-se a ocorrência de fraude à lei, em especial nos casos nos quais há negócio jurídico de alienação da gleba, pretendendo o adquirente contornar a vedação cogente com o instituto cia usucapião, o que se mostra inadmissível.

 

Exige a lei, ainda, dois outros requisitos objetivos cumulativos, o usucapiente ter tornado a gleba produtiva, com trabalho próprio e de sua família, e nela ter estabelecido sua moradia. Destaca-se o caráter de pessoalidade da posse, exigindo o legislador que a gleba seja produtiva pelo trabalho do possuidor, sem necessidade de demonstrar que antes era a gleba inculta. É preciso que o usucapiente demonstre o desenvolvimento de atividade agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial no imóvel, que deve já estar produzindo ou, ao menos, apto a produzir. Nada impede a utilização de prepostos ou empregados, desde que somem esforços ao trabalho pessoal do possuidor e de seus familiares. Não basta o trabalho, devendo, também, o possuidor estabelecer na gleba sua moradia.

 

Note-se, finalmente, que o legislador deliberadamente não estendeu à usucapião especial rural uma das limitações aplicadas somente à usucapião especial urbana, qual seja, a de que o direito não pode ser reconhecido ao possuidor mais de uma vez. Pode, portanto, o possuidor que já se beneficiou anteriormente do instituto e alienou a gleba usucapida, inaugurar um novo período de posse quinquenal sobre outra gleba rural. A regra tem razão de ser, porque há interesse social não somente em proporcionar a aquisição de gleba rural à população carente, mas também tornar novas glebas produtivas. A questão da possibilidade da soma das posses para fins de usucapião especial rural será examinada nos comentários ao art. 1.243. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.222-23. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Não se estende muito Ricardo Fiuza, fazendo constar em seu histórico a relação atual deste dispositivo quando teve origem na emenda de n. 129, de responsabilidade do Senador Gabriel Hermes, substituindo o texto anterior pela redação do art. 191 da Constituição Federal. Excluiu-se da reprodução o parágrafo único por haver regra geral no Código estipulando que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). A emenda apenas adaptou a redação do artigo ao disposto no art. 191 da CFI8S.

 

Na  Doutrina de Fiuza, este dispositivo, além de adequar-se ao art. 191 da CF de 1988, também trouxe para o bojo do Código Civil a usucapião especial de imóveis rurais, anteriormente prevista na Lei n. 6.969, de 10- 12-1981, tendo sido adotada a dimensão da gleba de cinquenta hectares, prevista na Constituição de 1988. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a ótica dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo trata da usucapião especial rural, exigindo para a aquisição da propriedade o lapso temporal de cinco anos de posse ininterrupta e sem oposição, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel, determinando como limite a área de cinquenta hectares, com a demonstração efetiva de atividade produtiva da terra somada à prova da moradia, cumulativamente. A Constituição Federal trata desta espécie no art. 191.

 

O artigo 3º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião especial rural ocorra em áreas indispensáveis à segurança nacional, terras habitadas por silvícolas e em áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos demais ocupantes a preferencia para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.

 

Três Enunciados do Conselho da Justiça Federal garantidores da ordem são:

Enunciado 312: “Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”.

 

Enunciado 313: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.

 

Enunciado 317: “A accessio possessionis, de que trata o CC 1.243 – primeira parte, não encontra aplicabilidade relativamente aos CC 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, artigos 183 e 191, respectivamente”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

 

§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

 

§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

Sob a perspectiva de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz integralmente o disposto no art. 183 da Constituição. Na verdade, a Constituição Federal é que reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na década de 1970. A usucapião especial urbana, conhecida por usucapião pro moradia, está inserida na Carta Magna no capítulo da política urbana e se volta à regularização fundiária e garantia do direito fundamental à moradia para a população de baixa renda.

 

O art. 9º do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) também disciplina a usucapião individual especial urbana, em preceito aparentemente semelhante ao ora em comento, mas que guarda algumas diferenças quanto aos requisitos objetivos, com menção à limitação das áreas de terreno e de construção, bem como quanto às regras de transmissão da posse por ato causa mortis. Tal artigo, por disciplinar exatamente a mesma situação jurídica, voltada aos mesmos destinatários, encontra-se revogado pelo CC 1.240, ora em exame, lei posterior que trata da mesma matéria. Em outras palavras, as alterações introduzidas pelo art. 9° do Estatuto da Cidade tiveram vida curta, não sobrevivendo à vigência do Código Civil de 2002. A usucapião coletiva do art. 10 da Lei n. 10.257/2001, porém, que trata de situação diversa, encontra-se em plena vigência e não foi alterada pelo Código Civil de 2002.

 

O prazo da usucapião especial urbana é de cinco anos e o quinquênio somente se inaugura no ano de 1988, não se computando prazo anterior à Constituição Federal, por se tratar de instituto novo (RTJ 166/237, 165/371,175/352 e 165/348). De um lado, o prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro lado, a categoria destinatária do benefício é limitada mediante uma série de requisitos objetivos e subjetivos. Note-se que os requisitos básicos de todo usucapião estão implícitos no CC 1.240, ou seja, a posse deve ser contínua, pacífica e com animus domini.

 

Quanto aos requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta modalidade de usucapião, pois não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo moradia própria ou com sua família no lote urbano. Nada impede que diversos compossuidores, familiares ou não, desde que preencham os demais requisitos previstos no CC 1.240, figurem todos no polo ativo. Não pode o usucapiente ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. A respeito de tal requisito, remete-se o leitor aos comentários ao artigo anterior, aqui se aplicando, em tal ponto, tudo o que lá foi dito. No que se refere aos requisitos especiais objetivos, deve a área usucapida situar-se em zona urbana. O critério é por localização e não por destinação da área, descabendo usucapião sobre imóvel situado na zona rural, mas com finalidade urbana. A área de superfície máxima do terreno é de 250 m². Pouco importa que a construção tenha área superior à do terreno, edificada em mais de um pavimento (RT 675/89). Cabe inclusive a modalidade especial para usucapir unidade autônoma em condomínio edilício, consoante dispõe o Enunciado n. 85 do CEJ: “ Para efeitos do CC 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”. Em tal caso, é razoável que a área de superfície a ser levada em conta seja a total, a área privativa da unidade autônoma somada à fração ideal do terreno (RDI12/201). Como referido nos comentários ao artigo anterior, não pode o usucapiente manter posse de gleba maior, mas dela decotar a área de superfície de 250 m² apenas para obter usucapião especial. A conduta significaria inegável surpresa ao titular do registro, pois suprimiria o prazo suplementar para as demais modalidades de usucapião. Durante todo o quinquênio, deve a posse obedecer ao limite de área fixado no artigo em exame. Como já visto, nada impede, por outro lado, que a gleba usucapienda seja de dimensões inferiores ao tamanho mínimo de lotes, previsto no art. 4º da Lei n. 6.766/79, ou em legislação municipal.

 

O § 2º do CC 1.240 do atual Código Civil reza que a usucapião urbana e a concessão especial de uso não serão reconhecidas ao possuidor mais de uma vez. A restrição se limita à usucapião especial urbana, não se estendendo, portanto, à usucapião especial rural, que, como visto, pode ser postulada mais de uma vez pelo usucapiente. Impede o legislador, assim, que o usucapiente se beneficie mais de uma vez da figura protetiva da usucapião especial urbana. Nada impede, portanto, já ter requerido anteriormente outra modalidade de usucapião, desde que não seja proprietário ao tempo no qual corre o prazo quinquenal; ou, ao contrário, que, após usar a prerrogativa do CC 1.240, requeira, em relação a imóvel diverso, usucapião rural, ordinária ou extraordinária.

 

O § 1º do artigo diz que o título de domínio e a concessão de uso serão concedidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. O que permite o preceito é a pessoa solteira, casada, ou vivendo em regime de união estável, poder ajuizar individualmente a ação de usucapião, sem consentimento do outro cônjuge ou necessidade de que este figure como litisconsorte ativo necessário. A situação tem especial utilidade nos casos de casais separados de fato, permitindo ao possuidor usucapir em nome individual o imóvel e, desde que todo o prazo quinquenal tenha corrido após a separação de fato, o bem se tornará próprio, sem comunicação ao consorte. Caso, porém, o prazo quinquenal para a usucapião tenha corrido na constância de união estável ou do casamento, pode qualquer um dos cônjuges figurar sozinho no polo ativo da demanda, mas a procedência da ação a ambos beneficiará, tornando o imóvel comum. A alusão da incidência de algumas das regras da usucapião à concessão de uso especial para fins de moradia não deveria constar do Código Civil, que dela não trata no caput do preceito, nem em outros dispositivos. A figura da concessão estava prevista nos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade, os quais, porém, receberam veto do Presidente da República e atualmente é disciplinada pela Medida Provisória n. 2.220/2001. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.225-26. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como não deixou passar a observação na Doutrina do relator Ricardo Fiuza, a usucapião prevista no art. 183 da CF, agora adotada pelo Código Civil, é a chamada usucapião especial urbana. Tem características próprias que fazem ressaltar o caráter social do instituto. Começando pela legitimidade, somente poderá beneficiar-se com a usucapião especial urbana a pessoa física que não tenha título de propriedade de outro imóvel urbano ou rural. A pessoa jurídica, portanto, não poderá valer-se dessa modalidade de usucapião. Cumpre não perder de vista que o imóvel deverá estar localizado em área urbana e ter dimensões máximas de duzentos e cinquenta metros quadrados, não podendo ser de domínio público. A posse deve prolongar-se pelo prazo mínimo de cinco anos ininterruptos, e o bem deverá destinar-se à moradia do usucapiente ou de sua família. O direito à usucapião não será reconhecido mais de uma vez ao mesmo possuidor. Entendemos que o possuidor só teria legitimidade para propor a usucapião especial urbana a partir de 5-10-1993 (RT, 727/169), data em que se completaram os cinco anos de vigência da CF de 1988, e isso em função do direito intertemporal, respeitando-se, por conseguinte, o princípio da irretroatividade da lei. Não importando o estado civil dos possuidores, homem ou mulher, o título de domínio e a concessão de uso serão dados aos dois, sendo que esse direito não será dado ao mesmo possuidor mais de uma vez. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na linha de raciocínio dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião urbana especial (pro misero) requer o mesmo prazo quinquenal de posse, com a prova efetiva da moradia do possuidor, em área urbana não superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, desde que não seja proprietário de outro bem imóvel. Esta modalidade de prescrição aquisitiva urbana encontra-se regulada tanto no art. 183 da Carta Magna quanto no art. 9º do Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, que acaba complementando o regramento do Código Civil. O Estatuto da cidade dispõe que o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da sucessão (§ 3º do art. 9º). Trata-se de regra especial em relação ao disposto no CC 1.243, a soma das posses, no caso da usucapião especial urbana, somente pode ser mortis causa.

 

De acordo com os Enunciados do Conselho da Justiça Federal de números 85 “Para efeitos do CC 1.240, caput, do atual Código civil, entende-se por “área urbana” o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”; e 314 “Para os efeitos do CC 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

 

§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

§ 2º No registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor da ação judicialmente considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do registrador não incidirão e nem serão acrescidos a quaisquer títulos taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos, fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação.

 

Em artigo publicado por Douglas Phillips Freitas, em 09/2011, intitulado Usucapião e Direito de Família - Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, o advento da Lei n. 12.424 exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso da ex companheira ou ex cônjuge e as custas desta, promova ato a fim de regularizar a situação jurídica do bem em face ao casal.

 

A comunidade jurídica foi surpreendida com a publicação da Lei 12.424 de 16 de junho de 2011, que, ao tutelar questões relativas ao plano Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, alterou a redação do Código civil de 2002, incluindo o CC 1.240-A em sua redação. A intervenção e colisão dos interesses público e privado é situação estruturada e consolidada em nosso ordenamento jurídico, que, tem se avolumado nos últimos anos, em especial com a efetivação dos princípios e escopos constitucionais, tais como dignidade da pessoa humana, função da propriedade, entre outros. A referida inovação normativa, ocorreu pela ordem trazida no art. 9º da lei n. 12.424/11 (In verbis: "Art. 9º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.240-A") , sendo, que tal artigo não fora incluso na explicação da ementa da norma, pois, como pode se vislumbrar no Projeto de Conversão de Lei n. 10/2011, a exposição de motivos (ver:senado.gov.br/atividade/materia) constante, é a transcrição literal da mesma exposição de motivos da MP 514/2010, (senado.gov.br/atividade/materia) tanto que a expressão "medida provisória" sequer foi alterada na teor da explicação da ementa da nova lei, tampouco, houve comentário aos artigos não existentes na dita Medida Provisória, como o art. 9º, que inclui o CC 1.240-A no Código Civil. Porém, a polêmica não se deu apenas pelas gravíssimas falhas técnicas da referida norma, até por uma possível inconstitucionalidade ante o princípio da vedação de retrocesso, (que, como se argumentará, é superável, já que não há retrocesso por uma análise sistemática da norma), mas, sobretudo, pelo reflexo nas questões familiares, no tocante ao patrimônio comum dos cônjuges e companheiros e seu destino após a separação de fato do casal. A redação do referido instituto controverso, que, a princípio criou uma nova modalidade de usucapião urbana especial, é a redação do artigo em comento com seus parágrafos. Antes de adentrar nos reflexos da referida norma e as primeiras impressões sobre o instituto, há que se falar na substancial inconstitucionalidade referida, como bem identificou o jurista e pesquisador gaúcho, Ricardo Arrone na palestra Usucapião por abandono familiar: possível retrocesso jurisprudencial por miopia legislativa, realizada no dia 2 de setembro de 2011, no curso "Usucapião por abandono familiar – aspectos constitucionais, materiais e processuais" realizado sob a coordenação de meu amigo Marcos Catalan, na OAB do Rio Grande do Sul, em promoção da ESA-RS, em 01 e 02 de setembro de 2011.

 

Da possível inconstitucionalidade - No entendimento de muitos juristas, o art. 1.240-A do Código Civil impõe o retorno da discussão do elemento da culpa no fim da relação, a fim de configurar o abandono de lar decorrente da menção legislativa "abandonou o lar" trazido no caput da norma, quando, a jurisprudência, doutrina, e, de certa forma, a lei, com o advento da EC 66 do divórcio, rechaçam tal discussão, que, sobretudo atenta contra a dignidade da pessoa humana, senão, impossível de ser travada ante a inexistência de culpados pelo desamor. 

 

O STJ, neste sentido, também se manifesta, referenciando em seus julgados a decisão: “Separação Judicial. Pedido Intentado Com Base Na Culpa Exclusiva Do Cônjuge Mulher. Decisão Que Acolhe A Pretensão Em Face Da Insuportabilidade Da Vida Em Comum, Independentemente Da Verificação Da Culpa Em Relação A Ambos Os Litigantes. Admissibilidade. - A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal. – Hipótese em que da decretação da separação judicial não surtem consequências jurídicas relevantes. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados (STJ. EREsp 466329 (2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ 01/12/2006).

 

Ante tal contexto, o CC 1.240-A, estaria, à luz do entendimento daqueles que veem a norma como forma de voltar a discutir o elemento culpa no fim do relacionamento, promovendo um verdadeiro retrocesso jurídico, afrontando o princípio constitucional de vedação a retrocesso.

 

Da Contextualização Da Norma: Desnecessidade De Discussão Da Culpa Pelo Fim Da União - Desde o advento da Constituição Cidadão, o princípio de vedação a retrocesso, guinado à carta máxima, com reforço decorrente da EC 45, há imposição de regras à produção e interpretação da legislação a fim de não recepcionar e tornar inconstitucional as incompatibilidades com o texto expresso, bem como, determinar ao legislador a produção de normas consoante aos valores fundamentais, proibindo retrocessos. Com máxima vênia ao entendimento diverso, o fato é que o processo hermenêutico exige, à luz do próprio princípio de vedação a retrocesso, que a aplicação prática da norma se dê de forma atual, contextualizada e, sobretudo, sistematizada.

 

[...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência [...] a ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos. A necessidade de voltar a discutir a culpa pela separação de fato, seria, sem dúvidas, um retrocesso jurídico, já que encontra-se superada esta questão pela jurisprudência e, consequente atentado à direitos constitucionais como a dignidade da pessoa humana e o direito a proteção ao patrimônio. Mas, entende-se que houve atecnia na dicção da legislação na expressão "abandonou o lar", que, sem dúvidas, remete o leitor ao instituto do "abandono familiar". Porém, para efeitos de aplicação eficaz da norma dever ser lida como "separação de fato" e "abandono patrimonial" e os efeitos decorrentes destes institutos, onde, no primeiro, impõem-se o fim da comunicação patrimonial, e, no segundo, da perda do patrimonial, ambas situações previstas na lei. A interpretação sistemática da legislação, regra de hermenêutica jurídica, dita que, na análise desta situação, se houver interpretação diversa, haverá a necessidade de discussão de culpados, fato que se colide com o princípio constitucional de dignidade da pessoa humana, e, coadunando, no caso do entendimento da separação de fato como instituto aplicável, há perfeita vinculação do principio da dignidade da pessoa humana com o da função social da propriedade, que, no entendimento contrário, tal amalgama, não se torna possível, fazendo tais princípios colidirem entre si.

 

A usucapião, como já visto acima, é forma de aquisição originária de propriedade prevista no Código Civil. E "tudo começa pela existência de uma posse", como assevera Almir Martins. Para cada espécie de Usucapião há exigências específicas relativa à posse, forma de aquisição, tempo e até área. Dentre as várias formas de aquisição de propriedade, a usucapião é uma das mais interessantes a ser estudada. O CC 1.241, que será vista a seguir, informa que "poderá o possuidor requerer ao Juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião a propriedade imóvel".

 

Dentre as espécies de Usucapião, destacam-se a Usucapião Extraordinária; Usucapião Ordinária; Usucapião Especial Rural; Usucapião Especial Urbana; Usucapião Indígena e, agora, a Usucapião Especial Urbana por abandono de lar.

 

A primeira espécie de Usucapião e mais comum, prevista no art. 1.238, do Código Civil, a Usucapião Extraordinária, possui como critérios configuradores deste direito, ampla possibilidade, onde: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe a propriedade, independente de título e boa-fé, podendo requererão ao Juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O prazo previsto para esta modalidade de usucapião, diminui com a forma do uso (para 10 anos se for destinada a moradia, por exemplo), e, para as demais modalidade, o prazo já inicia reduzido, sendo, que cada qual, de acordo com as peculiaridade, como o tipo do título de aquisição e área de abrangência da propriedade, o prazo reduz-se ainda mais. Além da usucapião extraordinária e a ordinária, que são as mais usuais, o Código Civil institui a usucapião constitucional ou especial, com o fito de regularizar àqueles que detém a moradia do bem usucapido, tanto na seara rural, como urbana. Embora haja outras modalidades e muito o que se discorrer sobre o assunto, faz mister analisar a usucapião urbana especial. Esta modalidade originalmente prevista na Carta Magna, é a efetivação da função social da propriedade, prevista no mesmo diploma, entre outros fundamentos. O fundamento desse instituto é a sanção ao proprietário por dar cumprimento à função social da propriedade e benefício ao possuidor que a atendeu. A referida modalidade de usucapião é prevista no CC 1.240, sendo, antes disto, já descrita no Estatuto da Cidade, ora lei n.º 10.257 de 10/07/2001, mantendo consonância com o regramento constitucional.

 

A dita, nova modalidade de usucapião especial, prevista no CC 1.240-A, segue a mesma linha, porém, trazendo outros elementos configuradores em sua instituição, como se verá mais a frente. Antes, porém, há que se discutir a possibilidade de usucapião em face de coproprietário, antes de passar a discutir a modalidade prevista do CC 1.240-A, que, em linhas gerais, permite a usucapião da meação do outro cônjuge ou companheiro.

 

Da Usucapião De Bem Condominial - A jurisprudência há algum tempo já têm se manifestado sobre a possibilidade de usucapir imóveis condominiais. Com a separação de fato, ocorre o fim da comunicação patrimonial, situação jurídica prevista desde a lei do divórcio e reconhecida pela doutrina e jurisprudência, independentemente de cautelar de separação de corpos. Cabe, pois, à doutrina e à jurisprudência interpretar que a regra constante do CC 1683, na realidade, é uma disposição geral, aplicável, portanto, a todos os regimes de bens, e não apenas ao regime de participação final nos aquestos, sob pena de violação aos princípios e postulados constitucionais, além de ser clara hipótese de descumprimento do princípio que veda o enriquecimento sem causa. A regra deve, pois, ser aplicada aos regimes de comunhão (parcial e universal), não se podendo mais cogitar do ingresso dos bens adquiridos, no período de separação de fato, à massa dos bens comuns do casal.

Com a morte, ocorre, a transmissão imediata do patrimônio, regra trazida no Código Civil em seu CC 1.784, em decorrência do efeito da saisine. Aplica-se o chamado droit de saisine, originário do direito Francês. Segundo ele, o morto transmite seus bens ao vivo, por consequência automática e imediata, independentemente da abertura do inventário. Esta se dá depois, para mera formalização do ato transmissivo. A lei prevê que o abandono de coisa impõe perda do patrimônio, como dita o CC 1.275 do Código Civil. Podendo, inclusive, ir ao Estado, se tal bem não tiver na posse de outra pessoa, pois, para os fins da lei civil, a não conservação do patrimônio e o inadimplemento das obrigações decorrentes do bem causa a configuração do abandono. Condomínio é utilização do bem indivisível por mais de uma pessoa, presente nos bens de meação e herança. Estas conjugações têm sido analisadas e interpretadas sistematicamente, promovendo julgados interessantes sobre o uso exclusivo de bem comum e, pelo lapso temporal, sua aquisição por usucapião. Não se refere o autor, embora haja julgados reconhecendo tal direito na usucapião de área comum em condomínio edilício, por exemplo, mas, da usucapião da cota parte de herdeiros e meeiros. Neste sentido, são julgados que coadunam com tal posição:

 

Apelação Cível. Ação De Usucapião. Área Pertencente A Espólio Do Pai Do Autor. Possibilidade, Desde Que Provada A Posse Exclusiva (Pro Suo), A Elidir Por Completo A Dos Demais Herdeiros. Controvérsia Quanto À Situação Da Área E O Caráter Da Posse. Sentença Cassada. Remessa Dos Autos À Origem Para Instrução. Recurso Conhecido E Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, de Turvo. Relator: Des. Victor Ferreira. Dj 18/08/2010).

 

Apelação Cível.  Usucapião Extraordinária. Sucessão. Posse Exclusiva De Herdeiro. Comprovação. Transmutação Do Caráter Originário Da Posse. Sentença De Procedência Mantida. Aquisição da propriedade do imóvel por meio de herança. Exercício de posse exclusiva por um dos herdeiros, durante mais de vinte anos, sem intervenção dos demais. Transmutação do caráter da posse, oriunda de transmissão causa mortis, em conjunto com os demais herdeiros, mas cuja utilização, individual, com ânimo de dono, desde longa data, possibilitou a usucapião. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME (Apelação Cível n. 70021247291, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. 06-8-09).


Usucapião Extraordinária. Herdeiro. Afirmação Do Exercício De Posse Exclusiva Com Animus Domini. Viabilidade. Anulação Do Decisum Para Prosseguimento Da Actio. Recurso Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, Rel. Des. Cesar Abreu, j. 25-6-02).

Usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva" (STJ, REsp n. 101009/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 13-10-98).

Em todos julgados, nota-se que, o coproprietário, decorrente de aquisição de sua cota por herança, por exemplo, que utiliza o bem em sua totalidade, como se seu fosse, adquire o elemento animus domini exigido para aquisição por usucapião e, pode, após, o lapso temporal de lei, pleitear o reconhecimento desta propriedade, pois, há anos, fora tratada como se sua fosse, logo, sua será.


Porém, a jurisprudência, também reconhece que certas situações elidem a figuração do animus domini, em situações correlatas ao tema, como, por exemplo, a existência de um comodato:

Usucapião extraordinário Ação procedente Recurso da contestante objetivando o reconhecimento de posse em condomínio Impossibilidade Existência de comodato verbal, reconhecido em outra demanda judicial Ausência de animus domini Recurso improvido. “Os comodatários, os depositários e os locatários, justamente por não serem portadores de animus domini, não têm posse ad usucapionem” (TJSP. AC 0279862-27.2009.8.26.00. Rel.: Des. Jesus Lofrano. Dj 13/09/2011).

 Ou, quando há o uso por um dos herdeiro, ou meeiro, mas, com o pagamento das despesas em concorrência com os demais coproprietários, desconfigurando, portanto, o abandono.

 Usucapião extraordinária. Ausência de comprovação do exercício de posse mansa e pacífica, com animus domini. Imóvel, na realidade, havido por herança da titular do domínio, malgrado nunca aberto o devido inventário. Outra herdeira, contestante, incumbida de pagamento de impostos. Prova oral dividida. Improcedência. Sentença mantida. Recurso desprovido (TJSP. AC 9192302-35.2002.8.6.00. Rel.: Des. Claudio Godoy. Dj 06/09/2011).

 A usucapião relacionado à questões de família, portanto, embora não seja prática jurídica usual é juridicamente possível, como visto nos julgados acima, desde que presentes – e comprovados - os elementos exigidos por lei, em especial, o animus domini sobre a integralidade do bem condominial, que desnatura-se com a existência de ações de inventário, fixação de alugueres, comodato, participação no pagamento das despesas, alimentos in natura, divórcio, dissolução de união estável, enfim, medidas que colocam o imóvel á disposição ou em benefício de todos condôminos e, não na exclusividade de apenas um coproprietário, em relação a todos seus bônus e ônus.

 Da Usucapião Prevista No Art. 1.240-A E Seus Requisitos - O art. 1.240-A traz como requisitos para utilização desta modalidade de usucapião: Tempo: 2 anos. Continuidade: ininterrupta e sem oposição. Modalidade de posse: direta, com exclusividade e para sua moradia ou de sua família. Área limite: imóvel urbano – terreno ou apartamento - de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados). Condição dos cônjuges ou companheiros: separado de fato. Condição do cotitular que perderá sua meação: ter saído do lar, não contribuir com a manutenção do bem, tampouco buscar exercer direito sobre o mesmo no prazo de 2 anos a contar da separação de fato. Condição do cotitular que pretende usucapir o bem: possuir copropriedade (existência de meação), não possuir outro bem imóvel, não ter requerido o mesmo direito anteriormente.

Nota-se que os requisitos acima, elencados no CC 1.240-A tem importantes reflexos nas lides familistas, pois, assim como nas outras modalidades de usucapião pode-se invocar a usucapião como matéria de defesa, esta modalidade, em divórcio ou ação de dissolução de união estável, em que, houver o pleito de partilha do bem comum, poderá o cônjuge ou companheiro que integrar os elementos previsto na referida norma, como matéria de defesa, arguir a oposição por usucapião, a fim de excluir o referido bem da partilha do casal, ante a nova forma de aquisição da propriedade prevista na lei civil.

 

Outrossim, há que se informar que para desnaturar a posse ininterrupta e sem oposição, não adianta o cônjuge temeroso em perder sua meação, promover notificações ou realizar boletins de ocorrência, tem que se buscar medida efetiva para assegurar seu direito, ou seja, é por meio de ação reivindicatória de direito sobre o referido bem, através de propositura de ação de divórcio, dissolução de união estável, arbitramento de aluguel, concessão de usufruto, fixação de comodato, utilização do bem como pagamento de alimentos in natura ou parte da pensão alimentícia em ação de alimentos ou pelo menos o custeio das despesas e manutenção do bem (não, necessariamente de seu uso).


Na verdade, o advento desta lei exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso da ex-companheira ou ex-cônjuge, e as custas desta, promova ato a fim de regularizar a situação jurídica do bem em face ao casal, não necessariamente impondo litígio entre as partes, mas tornando o bem objeto de composição, consensual ou mesmo litigiosa, para que desapareça a situação recorrente nas lides familistas, onde o cônjuge após 5 ou 10 anos, busca, uma das partes, a partilha de um bem, sem nada ter contribuído ao longo dos anos, tampouco reembolsando o que contribuíra aquele cônjuge ou companheiro, persistente, que ficara no imóvel de forma pessoal ou com sua família.

 

É claro, que a vigência da norma não será a partir de sua publicação, mas a contar da mesma, ou seja, a partir de 2013 as pessoas que se adequarem a situação trazida no CC 1.240-A, poderão usucapir a meação do ex-companheiro ou ex-cônjuge, não impondo, porém, que desde hoje, possa se usucapir copropriedade de coerdeiro ou ex-cônjuge / ex-companheiro, quando a situação adequar-se às outras modalidades de usucapião (extraordinária, ordinária ou especial).

 

O que parece um situação nova no direito de família não o é no direito das coisas, pois, se um detentor de um bem por anos nada reivindicar sobre seu bem à disposição de outro, que exerce o animus domini ao invés daquele, perderá sua propriedade pela usucapião. O CC 1.240-A, apenas traz nova situação para caso específico, não inova em substância, apenas em casuística.

 

O tempo trará novas perguntas, a imaturidade do tema, causará muitos erros, mas, como tudo no direito, a discussão, o tempo e a boa vontade de seus profissionais, por certo, promoverá a adequação do instituto ao mais próximo da justiça, ato e fato que se espera do direito. (Douglas Phillips Freitas, publicado em 09/2011, no site da Jus.com.br, intitulado Usucapião e Direito de Família - Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião especial urbana por abandono do lar foi instituída pela Lei 12.424/2011 e possui semelhanças com a prevista no artigo 1.240, denominada regular por parte da doutrina. Uma das principais diferenças em relação à usucapião especial urbana regular é a exiguidade do prazo, uma vez bastar a posse pelo período de dois anos, sendo o abandono do lar elemento essencial para a sua configuração. Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal a seguir dizem:

 

Enunciado n. 498: “A fluência do prazo de 2 anos, previsto pelo CC 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada, tem início a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011”;

 

Enunciado n. 499: “A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no CC 1.240-A só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao objeto de usucapião”;

 

Enunciado n. 500: “A modalidade de usucapião prevista no CC 1.240-A pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas”;

 

Enunciado n. 501: “As expressões ‘ex-cônjuge’ e ‘ex-companheiro’, contidas no CC 1.240-A, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio”;

 

Enunciado n. 502: “O conceito de posse direta do CC 1.240-A não coincide com a acepção empregada no CC 1.197 do mesmo Código”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Este artigo publicado no site Âmbito Jurídico por Silvano Vieira Rodrigues, “A incoerência sistêmica do Artigo 1.240-A do Código Civil brasileiro”, traz uma análise crítica da nova modalidade de usucapião estabelecida pela Lei 12.424, de 16 de junho de 20122, a qual inseriu o CC 1.240-A no Código Civil brasileiro, considerando, sobretudo, as normas já existentes no que tange ao Instituto da Usucapião e bem ainda as implicações da nova previsão legal nas normas atinentes às relações de família. Segundo ele, ao legislador cumpre a produção de normas que atendam às demandas sociais, sem, todavia, provocar incoerências no sistema legal já existente, uma vez que o ordenamento jurídico é compreendido como um godo, um sistema harmonioso de regras e princípios que disciplinam a convivência de determinado povo submetido a uma determinada jurisdição. Nesse diapasão, qualquer norma criada sem a devida observância da harmonia sistêmica e tida como desconexa, devendo, portanto, ser extirpada do referido sistema.

 

A recente alteração havida no Código Civil brasileiro, introduzida pela Lei 12.424, a qual inseriu o artigo em comento, parece se ressentir de falta de coerência com o sistema normativo no qual foi inserida. A análise da sua conveniência ou inconveniência deve ser feita de modo detido, pondo-a em confronto com as regras e princípios informadores da área específica onde a sua força normativa irá atuar. Assim, considerando que as alterações advindas da referida Lei, criam uma nova espécie de Usucapião e bem ainda, espraiam sua força normativa sobre as relações de família, é sob esse binômio que ela deve ser posta em análise.

 

A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, nas palavras de Carlos Alberto Gonçalves (2010, p. 256) “é o modo originário da aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei” e continua o jurista citado, “é uma instituição multissecular, que nos foi transmitida pelos romanos” (Gonçalves, 2010, p. 257). Conforme se observa, a usucapião foi concebida com o fito de possibilitar a aquisição da propriedade àquele que, tendo a posse, e sendo esta somada a determinados requisitos legalmente previstos, faltasse-lhe o título de domínio.

 

A nova modalidade de usucapião, prevista no CC 1.240-A, a exemplo das demais modalidades já existentes, encontra-se inserida no livro III, título III, especificamente no capítulo II do Código, intitulado: Da aquisição da propriedade imóvel, todavia, parece não ter observado o legislador que, em regra, o bem a ser usucapido já pertence ao usucapiente, que o possui em condomínio com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, conforme se observa da leitura do referido artigo:

 

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (grifo nosso).

 

Ora, sendo o usucapiente dono de fração ideal do bem a ser usucapido, não se pode dizer que este teria exercido meramente a posse sobre uma determinada parte do imóvel, posto que, sendo condômino, possui o todo em conjunto com o seu ex-cônjuge ou ex-companheiro. Assim, não se encontrando o bem já devidamente partilhado, em todos os cômodos do imóvel onde o possuidor exerceu a sua posse, exerceu também a propriedade, não podendo, por isso, usucapi-lo, uma vez que, em última análise, estaria usucapindo bem de sua propriedade.

 

Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 258), com sua habitual precisão e maestria, “o fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio”. Consoante se pode observar, constitui fundamento comum a todas as modalidades de usucapião, o objetivo de impor ao proprietário o uso racional da propriedade, e bem ainda a necessidade de conferir à posse, que é mera situação de fato, a qual a lei não negue efeitos possessórios, uma transmutação em situação de direito, outorgando ao possuidor o título de propriedade.

 

Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 1262), referindo-se à usucapião promoradia, prevista na Constituição Federal de 1988, enfatiza que: “A criação do novo instituto justifica-se diante do quadro caótico por que passa a problemática da moradia em nosso país. Seu objetivo é cumprir a função social da propriedade urbana, atendendo ao apelo proveniente de vários movimentos e pressões de favelados quando da feitura do Texto de 1988.” Nesse caso, justifica-se a preocupação do legislador, uma vez que a falta de um instrumento legal capaz de atender aos clamores advindos da sociedade, referentes à regularização da propriedade, é causa de outros vários problemas de ordem urbanística, sendo, inclusive, obstáculo ao cumprimento da função social da cidade.

 

Diferentemente é o que ocorre com o novo instituto de usucapião, criado pelo CC 1.240-A, pois se pretendeu o legislador fazer com que aquela propriedade, passível de ser usucapida, seja utilizada de acordo com a sua função social, andou mal, uma vez que o imóvel jamais esteve em abandono, sendo utilizado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, no mais das vezes, em conjunto com os próprios filhos do casal. O mesmo se diga se o argumento justificador da criação do novo instituto foi o de criar uma forma de regularização da propriedade, posto que o cônjuge que permanece no imóvel já dispõe de instrumento legal para regularizar a situação do bem cuja propriedade divide com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, que é promoção da partilha dos bens do casal.

 

Consoante se depreende da leitura do CC 1.208, há situações que, a despeito de existir de fato o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, não resta caracterizada a posse, mas mera detenção, conforme se observa: “Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Como se observa, para que fique caracterizada a posse, necessário se faz sobre a situação de fato onde se exerce algum dos poderes inerentes à propriedade, não recaia norma legal proibindo expressamente a sua caracterização.

 

Dessa forma, ainda que se pudesse desconsiderar que, em regra, o usucapiente já se faz proprietário do bem a ser usucapido, esbarraríamos em outro inconveniente, que seria a inexistência de posse, mas mera detenção sobre a fração ideal do imóvel do ex-cônjuge ou ex-companheiro que, ao ver frustrado seu enlace matrimonial, sai do imóvel para que nele possa continuar residindo seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, restando patente a caracterização de mera permissão ou tolerância, o que fulmina qualquer pretensão de ver reconhecida a existência de posse.

 

Oportuno lembrar, ainda, que o nosso direito civil atual, pautado na solidariedade e eticidade, jamais poderia premiar o cônjuge remanescente que já sabe, desde o início quem, juntamente consigo, detém a propriedade do imóvel, dispondo, inclusive, de instrumentos legais para a regularização da sua fração ideal na propriedade, o que pode fazer através da partilha dos bens do casal. Diferentemente, tem-se a situação em que alguém ocupa um bem ocioso, de propriedade desconhecida, onde se observa a utilidade do instituto da usucapião, uma vez que o único instrumento legal para a regularização da propriedade seria lançar mão do referido instituto. Legitimar a conduta de alguém que, sabendo ser proprietário de apenas uma fração ideal do imóvel, e bem ainda que já dispõe de meios para efetivar a partilha do bem, não o faz, preferindo aguardo o decurso dos dois anos para intentar ação d usucapião, seria abandonar a boa-fé e premiar comportamentos espúrios, conspurcando todo um sistema normativo protetor da dignidade da pessoa humana, da eticidade das condutas e da solidariedade entre os povos. Dessa forma, se o novo instituto se faz inadequado para a regularização da propriedade, mostrando-se também inócuo à imposição de cumprimento da sua função social, resta analisar se o mesmo se faz útil às relações de família, onde inevitavelmente, provoca reflexos.

 

A nova modalidade de usucapião traz reflexos diretos nas relações de família, trazendo uma penalidade injustificada ao cônjuge que, ao ver fracassado o seu projeto de família, busca minimizar os reflexos negativos da situação deixando o ex-cônjuge ou ex-companheiro, por vezes na companhia dos filhos do casal, na residência pertencente a ambos. Dessa forma, onde hodiernamente não se discutia mais culpa pelo insucesso do casamento, com a instituição da nova modalidade de usucapião, vê-se novamente punir aquele que deixa o lar após o termino do casamento, o que não se coaduna com o atual estágio do direito de família.

 

Conforme observa Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 24/25), com amparo na Doutrina de Caio Mario da Silva Pereira, assevera: “Os novos rumos conduzem à família socioafetiva, onde prevalecem os laços de afetividade sobre os elementos meramente formais. Nessa linha, a dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial e pelo divórcio tende a ser uma consequência da extinção da affectio e não da culpa de qualquer dos cônjuges.”

 

O novo direito de família, com uma visão constitucional e ampla proteção à dignidade da pessoa humana, não busca perquirir culpa nas relações conjugais, estando o novo dispositivo em contramão com as normas já existentes. A nova modalidade de usucapião contraria, ainda, o princípio da livre aquisição e administração do patrimônio familiar, previsto no inciso II do CC 1.642, não se justificando a ingerência do Estado na forma como devem os ex-cônjuges ou ex-conviventes lidar com o patrimônio que adquiriram durante a existência da relação familiar. (Silvano Vieira Rodrigues, Acadêmico de Direito na UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso/BA “A incoerência sistêmica do Artigo 1.240-A do Código Civil brasileiro”, publicado em 01/03/2012 no site ambitojuridico.com.br, acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.238 - continua Da Usucapião - Da Propriedade - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.238 - continua

Da Usucapião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I – Da Usucapião digitadorvargas@outlook.com

vargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

 

Acabando com quaisquer dúvidas, Francisco Eduardo Loureiro define a Usucapião (termo que o atual Código Civil utiliza no feminino), como modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada por requisitos estabelecidos em lei. É modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do importo de transmissão quando do registro de sentença, com a ressalva, porém, que a negativa fiscal do IPTU dos últimos cinco anos deve ser apresentada; o título judicial ingressar no registro independentemente de registro anterior, ou seja, constituir exceção ao princípio da continuidade e mitigação ao princípio da especialidade registrárias; os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; e, caso resolúvel a propriedade, o implemento da condição não resolver a propriedade plena adquirida pelo usucapiente, constituir esplêndido instrumento jurídico; sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado.

 

A usucapião tem por objeto tanto a propriedade plena como outros direitos reais limitados que implicam em posse dos objetos sobre os quais recaem, especialmente os direitos reais de gozo e fruição sobre coisa alheia, como o domínio útil na enfiteuse, a superfície, o usufruto, o uso, a habitação e a servidão aparente. Com exceção da servidão aparente, os demais direitos reais sobre coisa alheia, normalmente, serão adquiridos por usucapião ordinária, com justo título, constituído por quem não é o verdadeiro proprietário, no caso clássico de aquisição a non domino. Já as servidões aparentes, contínuas ou descontínuas, podem ser usucapidas com ou sem justo título, bastando a posse prolongada do titular do prédio dominante, com os demais requisitos estabelecidos em lei. A usucapião é modo não só de adquirir a propriedade, mas também de sanar os vícios de propriedade ou outros direitos reais adquiridos com vícios a título derivado.

 

Somente são usucapidas as coisas in commercio. Os bens públicos, qualquer que seja sua natureza, não são passíveis de usucapião, como expressam os CC 102, e 183 e 191 da Constituição da República. Ainda na vigência do Código Civil de 1916, a Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal já consagrava igual entendimento, apenas positivado no Código Civil de 2002. Exceção a tal regra é a possibilidade de se usucapir terras devolutas rurais, desde que o lapso quinquenal tenha transcorrido anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988, pois desde a Constituição de 1934, passando pela Lei n. 6.969/81, havia previsão para usucapião especial rural de terras devolutas. Os arts. 183 e 191 da atual Carta Política passara a vedar tal possibilidade, mas não retroagem para alcançar períodos aquisitivos anteriores com prazo já consumado. A restrição à usucapião, porém, não alcança os bens pertencentes a empresas públicas e de sociedade de economia mista, pois se regem pelas normas das pessoas jurídicas de direito privado, consoante entendimento reiterado do STJ, salvo se tiverem destinação pública. Isso porque “tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente politico e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis” (STJ, REsp n. 242.073/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

 

Os imóveis sem registro, ou com titular não localizado no registro imobiliário, podem ser usucapidos, devendo o poder público provar a propriedade sobre eles. A falta de localização do registro não significa, por si só, que o imóvel seja público. No que se refere à herança jacente, os CC 1.829 e 1.844 deixam claro que o Estado não é herdeiro, por não se encontrar na ordem de vocação hereditária, mas recebe a herança, na falta ou renúncia dos herdeiros. Não se aplica ao Estado o direito de saisine, ou seja, não se torna proprietário e possuidor no momento da morte, havendo necessidade da sentença de vacância dos bens. É esse o entendimento majoritário da jurisprudência (RSTJ 94/215, 133/101 e 142/216; RT 721/285, 727/131, 755/201, 773/194, 728/236 e 787/207), embora haja precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a sentença de vacância é declaratória e retroage à data na qual o óbito completa cinco anos, sem habilitação de herdeiros (RTJ 101/267, RT 709/56).

 

Podem ser usucapidos bens de família, ou gravados, com cláusula de inalienabilidade, pois a usucapião é modo originário de aquisição, não ocorrendo transmissão por parte do titular registrário da propriedade. Não se confundem inalienabilidade e a imprescritibilidade, salvo demonstração de fraude à lei, ou seja, de a usucapião ser modo oblíquo de contornar a cláusula restritiva de alienação, na hipótese de usucapião ordinária.

 

Ainda no que se refere ao objeto, o entendimento dos tribunais é do cabimento da usucapião entre condôminos no condomínio tradicional, desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum. Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobe a coisa comum.

 

No que tange a possibilidade de usucapião sobre área comum de condomínio edilício, o entendimento é outro, embora persista divergência nos tribunais. As áreas comuns, por norma cogente, são inalienáveis separadamente da unidade autônoma e não podem se usadas com exclusividade por um dos condôminos, razão pela qual não podem ser usucapidas por um contra os demais (RTJ 80/851; RJTJSP 129/266, 180/43 E 207/15; RT 734/343 e 753/236). Em casos excepcionais, admite-se usucapião sobre áreas comuns específicas, especialmente se não houver oposição da parte dos demais condôminos (RSTJ 130/367). O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, entendeu que o prolongado uso de área comum de condomínio edilício não gera usucapião, mas a posse deve continuar em poder do condômino, em razão da prolongada inércia do condomínio, gerador de supressio (ver jurisprudência a seguir). Nada impede, porém, que tenha a usucapião por objeto a própria unidade autônoma, inclusive garagem, caso em que a propriedade será declarada também sobre a correspondente fração ideal de terreno, determinada na constituição do condomínio edilício. Em tal caso, não há necessidade da citação de todos os demais condôminos, mas apenas do condomínio na pessoa do síndico. A razão da desnecessidade da citação de todos os demais condôminos é simples: recairá a usucapião sobre propriedade plena da unidade autônoma, com a indissociável fração ideal constante da instituição do condomínio edilício. Perderá a propriedade apenas o titular registrário da unidade autônoma, sendo a usucapião indiferente aos demais condôminos, que não verão afetadas as respectivas frações ideais. Não se cogita também da possibilidade de invasão dos imóveis confinantes, levando em conta a natureza peculiar e delimitada da unidade autônoma.

 

Quanto ao objeto, finalmente, controvertem doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade da usucapião incidir sobre imóveis rurais de área de superfície inferior ao módulo rural, ou sobre imóveis urbanos de área inferior à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79) ou leis municipais. O melhor entendimento é admitir a usucapião, salvo prova de marcada fraude à lei, levando em conta o modo originário de aquisição c a consolidação de situação jurídica já sedimentada de fato. De igual modo, a ausência da menção à existência de acessões não impede o registro da sentença, pois a aquisição originária do solo inclui a das construções acessórias. Controverte a doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo clandestinos, ocupação de áreas de mananciais e de proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que eventuais ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo, e não à declaração de propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza. A usucapião não gera a ocupação irregular do solo, mas apenas é o primeiro passo para futura rurbanização.

 

Requisitos da posse: Dois elementos estão sempre presentes, em qualquer modalidade de usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual, além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais, previstas no CC 1.238: prazo de quinze anos, sem interrupção (posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini). O prazo é de quinze anos, contando-se pelo calendário gregoriano e observando-se a regra de contagem de prazos do art. 132 do Código Civil. Por exemplo, posse iniciada em 11.02.2003 consuma usucapião em 11.02.2018, à meia-noite. A posse deve ser contínua, sem interrupção, que, caso ocorra, faz voltar o prazo ao termo inicial. Exige-se regular sucessão de atos de posse, sem falhas ou com intervalos curtos que não configurem lacunas. Se houver esbulho por parte do titular do registro ou de terceiros, mas o possuidor usar a autodefesa ou mesmo a reintegração de posse, com sucesso, não se considera a posse interrompida. Não se exige contato físico do usucapiente com a coisa, mas somente comportamento similar ao do proprietário, que não só usa como frui e extrai o proveito do que é seu. A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião. Os atos de oposição praticados por terceiros não favorecem o titular do domínio, se ele permaneceu inerte. Não basta qualquer ato de inconformismo por parte de interessados ou do titular do domínio. Estes atos não podem ser ilegais, como, por exemplo, a retomada violenta, repelida pelo usucapiente por meio da tutela possessória. Mesmo as oposições judiciais devem ser sérias e procedentes. Assim, eventuais ações possessórias ou reivindicatórias somente atingem a pacificidade da posse caso sejam julgadas procedentes. A oposição deve ser feita antes da consumação do lapso prescricional da usucapião. Eventuais atos de defesa da posse, por parte do usucapiente, não retiram o requisito da pacificidade. Recente precedente do ST] assentou que “a posse mansa e pacífica não se interrompe quando o possuidor direto propõe medidas judiciais contra o suposto turbador, especialmente se tais medidas de proteção são declaradas improcedentes” (STJ, AR n. 3.449/GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13.02.2008). Deve o usucapiente possuir animus domini, ou, na dicção da lei, “como seu” o imóvel. Controverte a doutrina sobre o exato sentido do animus domini, consistente na vontade de tornar-se dono, de ter a coisa como sua, de ter a coisa para si - animus rem sibi habendi. Existem autores que entendem que o elemento animus domini da usucapião estaria ligado à teoria subjetiva de Savigny. Predomina a corrente, porém, que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito alheio. Ainda que saiba que a coisa pertence a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou a superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

 

A parte final do CC 1.238 diz que o usucapiente adquire a propriedade, “ independentemente de título e boa-fé”. Dispensa o legislador a existência de uma causa jurídica que justifique a posse ad usucapionem, por se fundar a usucapião na posse e não no direito à posse. Mais ainda, admite-se que o possuidor usucapiente conheça os vícios que acometem sua posse. Disso decorre a posse injusta poder gerar usucapião, ao contrário do que afirma parte da doutrina. Remete-se o leitor aos comentários do CC 1.200 do Código Civil. As posses violenta e clandestina somente nascem quando cessam a violência e a clandestinidade, nos exatos termos do CC 1.208, parte final, do Código Civil. Antes, são elas meras detenções, pois impedem a reação do esbulhado, por este desconhecer o ato ilícito ou o conhecer, mas se ver acuado pelo comportamento violento do detentor. Cessadas a violência e a clandestinidade, nasce, então, posse, mas viciada, porque sua origem é ilícita. Pode o esbulhado reagir contra o ato ilícito, usando da tutela possessória. Caso não o faça, a inércia faz fluir contra si o prazo da usucapião.

 

No que se refere à posse precária, é ela imprestável para usucapião não por ser injusta, mas por faltar ao possuidor animus domini, já que reconhece a supremacia do direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, o precarista inverta a qualidade de sua posse, quer alterando a causa (exemplo, o locatário ou comodatário que adquirem a posse indireta sobre a coisa locada ou emprestada), quer por atos de oposição, que demonstrem ao titular do domínio de modo inequívoco o não reconhecimento do direito alheio, deixando clara a vontade do possuidor de alterar a natureza da posse, inverte-se sua qualidade. Continua injusta, mas o esbulho faz nascer ao esbulhado o direito de retomar a coisa, usando a tutela possessória. Caso permaneça inerte em face do esbulho, passa a fluir daí o prazo da usucapião. A existência somente da vontade não altera o caráter da posse, segundo o CC 1.203. Ninguém pode, apenas mudando de vontade, transformar uma relação possessória existente. A transformação decorre da inversão do título da posse, que decorre de ato negociai ou de conduta inequívoca do possuidor frente ao esbulhado. São casos comuns o de locatários, ou de comodatários, ou de promitentes compradores inadimplentes, que almejam usucapir os imóveis ocupados. A princípio, não se admite tal prática, pois aludidos possuidores diretos admitem a supremacia da situação dos possuidores indiretos, salvo se inverterem a qualidade da posse por atos ostensivos e inequívocos, deixando claro aos titulares do domínio que não mais os reconhecem como tais, ou que não se curvam à sua posição jurídica.

 

Usucapião de posse-trabalho: Finalmente, o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil dispõe que o prazo se reduz a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele tenha realizado obras ou serviços de caráter produtivo. É o que o prof. Miguel Reale denomina posse-trabalho, uma “posse socialmente qualificada, isto é, a posse além do exercício de fato de uma das faculdades inerentes à propriedade” (“Visão geral do projeto de Código Civil”. In: Revista dos Tribunais. São Paulo, Revista dos Tribunais, junho/l 998, v. 752, p. 24). O legislador, em tal caso, encurta o prazo da usucapião, como estímulo à conduta socialmente relevante do possuidor. Os requisitos adicionais da posse-trabalho, consistentes na moradia ou realização de investimentos e serviços de caráter produtivo, são alternativos e não cumulativos. Um ou outro atendem à função social da posse. Note-se que tal modalidade não exige a pessoalidade da posse, de tal modo que se aplicam as figuras da accessio e da successio possessionis.

 

Direito intertemporal e a redução dos prazos de usucapião: Os CC 2.028 e 2.029 das disposições finais do Código Civil de 2002 contêm regras de direito intertemporal sobre prazos prescricionais. O CC 2.028 alude apenas aos prazos prescricionais, mas se aplica também aos prazos alterados das modalidades de usucapião, em atenção ao que contém o CC 1.244 do Código Civil. Se as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição se aplicam à usucapião, parece razoável que igual extensão incida também sobre as normas de direito intertemporal que disciplinam a redução dos prazos prescricionais. A defeituosa redação do CC 2.028 merece interpretação criativa, seguindo as seguintes regras: no caso de prazo ampliado, aplica-se a lei nova, computando o prazo já decorrido na vigência da lei antiga; no caso de prazo reduzido, já consumado cm mais da metade na vigência da antiga lei, aplica-se o antigo Código Civil; no caso de prazo reduzido com porção igual ou inferior à metade consumado na antiga lei, aplica-se por inteiro o prazo da lei nova a partir de sua vigência. Em tal hipótese, o prazo menor será aplicado, mas se antes de seu vencimento completar-se o prazo antigo, este prevalecerá. Além disso, o prazo da usucapião por posse-trabalho, reduzido para dez anos, teve um acréscimo de mais dois anos (portanto, doze anos), nos primeiros dois anos de vigência do Código Civil de 2002, a fim de não surpreender os titulares registrários do domínio em seu poder de reação e retomada da coisa. Parte da doutrina e da jurisprudência entendeu que a usucapião com posse-trabalho constitui nova modalidade de usucapião, razão pela qual todo o prazo decenal (ou de doze anos, nos primeiros dois anos de vigência do atual CC/2002) somente poderia ser computado a contar de janeiro de 2003. Por essa razão o Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de afirmar que o prazo de usucapião regido pelo parágrafo único do mencionado CC 1.238 só pode ser computado a partir da vigência do Código Civil (TJSP, Ap. cl revisão n. 449.809-4/1, rel. Des. Testa Marchi, j. 23.09.2008).

 

Tal visão se mostra equivocada. Em texto recente, ainda não publicado e gentilmente cedido por Hamid Charaf Bdine Júnior, “o fato de se tratar de nova modalidade de usucapião não impedia o legislador de determinar que o prazo que antecedeu o novo diploma legal fosse computado na contagem, como o fez expressamente no referido art. 2.029 do CC, do qual consta que até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do CC 1.238 e no parágrafo único do CC 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’. Desse modo, é possível concluir que o tempo decorrido na vigência do Código revogado deverá ser computado para os fins dessas novas modalidades de usucapião. Essa contagem, porém, poderia surpreender o proprietário que, no dia seguinte ao da entrada em vigor do Código Civil, em janeiro de 2003, perderia a propriedade, para alguém que exercesse posse originalmente injusta - já que na usucapião em exame o justo título e a boa-fé são dispensados. De fato, se o possuidor tivesse posse do imóvel há doze anos, independentemente de justo título e boa-fé no primeiro dia de vigência do Código Civil, e nele houvesse estabelecido sua moradia habitual ou realizado obras e serviços de natureza produtiva, a propriedade lhe seria conferida por intermédio da usucapião disciplinada no parágrafo único do CC 1.238, sem mais delongas. Nessa hipótese, note-se, o proprietário perderia o imóvel sem tempo para agir em defesa de seu direito, surpreendido pelo abrupto encurtamento do prazo, o que não se pode admitir, nem era intenção do legislador, que procurou afastar essa possibilidade com a regra do art. 2.029 do Código Civil. Como, porém, o parágrafo único do CC 1.238 contempla uma nova modalidade de usucapião, o encurtamento de prazo permitiria, cm uma primeira análise, que a aquisição do domínio pelo possuidor pudesse ocorrer nos primeiros dias de vigência do Código. Assim seria, porque os dois anos acrescidos singelamente ao prazo do CC 1.238, parágrafo único, autorizaria a usucapião com prazo de doze anos, em qualquer hipótese. Para evitar tal conclusão e impedir que o proprietário seja abruptamente surpreendido, a interpretação do CC 2.029 deve ser feita de modo sistemático, com especial destaque para sua parte final, que prevê o acréscimo de dois anos ‘qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’. Tal compreensão do texto remete à afirmação de que a usucapião por posse-trabalho só será possível após os dois primeiros anos de vigência do Código Civil, o que assegura proteção ao antigo proprietário, sem desprezar o prazo antigo. Destarte, ainda que a posse tenha sido exercida por doze anos antes do novo Código, para a aplicação adequada do mencionado CC 2.029, o prazo para usucapir só se completaria em 2015. Assim, ‘qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’ (doze anos no exemplo dado), haverá acréscimo de dois anos, o que impede, em absoluto, que a usucapião surpreenda o proprietário. A favor dessa interpretação, pesa o fato de que a frase do parágrafo anterior seria dispensável, assim como todo o dispositivo seria dispensável, se o prazo de posse anterior à vigência do Código não pudesse ser computado para fins dc incidência do disposto no parágrafo único dos arts. 1.238 e 1.242 do CC. E, como é sabido, não é regra adequada de interpretação concluir pela inaplicabilidade ou pela inutilidade do dispositivo. Acrescente-se que a situação ora em exame não se confunde com as dos arts. 183 e 191 da CF, cuja incidência só foi admitida pela jurisprudência para período posterior à da edição do texto constitucional (STF, AI no Ag. Reg. n. 290.022, rel. Min. Nelson Jobim, j. 20.02.2001), pois, para essas situações não havia regra de transição expressa e o risco de prejuízo aos proprietários acabou sendo a razão determinante para a imediata incidência da regra”. Em suma, o CC 2.029 contém regra explícita de direito intertemporal que preserva o direito de defesa do proprietário registrário, o qual perderá o imóvel por usucapião. Admite-se a utilização do prazo já decorrido no regime do Código Civil de 1916, desde que o biênio adicional a que alude o CC 2.029 decorra na vigência do Código Civil de 2002, permitindo ao dono evitar a consumação da prescrição aquisitiva. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.212-17. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, O dispositivo foi objeto de duas emendas, ambas da parte da Câmara dos Deputados. A primeira, no período inicial de tramitação do projeto, para redução dos prazos da usucapião extraordinária. O relatório Ernani Satyro registra ser aqui mais “um dos casos em que se pretendeu diminuir o ‘tempus possessionis’, para efeito de aquisição da propriedade. Nessa matéria defrontam-se os conservantistas, que pretendiam manter os longos prazos estabelecidos pelo Código Civil vigente e, do outro, os progressistas, que consideram tais prazos excessivos, exigindo reduções que chegam até o limite de dois anos... No Projeto, ditos prazos já sofreram diminuição, mas, de maneira geral, tem-se reconhecido que seus autores ainda se houveram com excessiva prudência. Mas, também, não se justifica o exagero oposto, sobretudo num País como o nosso de áreas sono-econômicas tão diversas, com índices demográficos gigantescamente diferentes. A alegação de que os atuais meios de comunicação ensejam ao proprietário modos de mais fácil e pronta vigilância de sua propriedade, além de ser procedente só em parte, não corresponde ao valor que se deve, em princípio, atribuir à propriedade, por mais que se diga que ‘quem detém a posse está em posição social mais respeitável do que aquele que se desinteressou ou a perdeu’. Embora fazendo essa observação, andou bem o douto Relator especial colocando-se numa posição intermediária: no caso de usucapião extraordinário, não acolhe nem os 20 anos, pretendidos no Projeto, nem os 10 anos exiguamente reclamados nas Emendas”. A segunda emenda deu-se no período de tramitação final do projeto, substituindo-se as expressões “transcrição” e “Registro de Imóveis” pela palavra “registro” e por “Cartório de Registro de Imóveis”, respectivamente, visando adequar o texto do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.01 5/73).

 

Mostra a doutrina de Ricardo Fiuza que Usucapião é a aquisição da propriedade pela posse prolongada; que, o Código Civil/2002 adotou a palavra “usucapião no gênero feminino, que não é usual, mas também correta, já que são admitidas as duas formas no vernáculo; que, semelhante ao art. 550 do Código Civil de 1916, trata o dispositivo em comento da usucapião extraordinária, tendo seu prazo sido reduzido de vinte anos para quinze anos, prazo este que pode ser a soma da posse de seus antecessores, desde que seja contínua (RT, 691193). Na hipótese de o possuidor residir no imóvel ou nele desenvolver atividades produtivas, o prazo de que fala o caput do artigo será reduzido para dez anos. A propriedade tem de cumprir sua função social, e o possuidor não pode esperar, por longo tempo, para adquirir o domínio ‘pela prescrição aquisitiva; do contrário, seria beneficiado o proprietário negligente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 640, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 25/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo o lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião é uma das formas de aquisição da propriedade imóvel, também denominada prescrição aquisitiva, que se realiza pelo exercício contínuo da posse, de forma ininterrupta, em relação ao bem imóvel. Difere-se da prescrição extintiva, que é aquela em que a pretensão não é exercida por um determinado lapso de tempo, como na hipótese de o credor deixar de cobrar uma certa dívida, nascendo para o devedor um direito de não ser cobrado judicialmente pela obrigação (Coelho, 2006, p. 88)

 

De fato, exercendo o possuidor a posse mansa e pacífica sobre o bem, com o animus domini, pelo lapso de tempo legal, passa aquele a ter direito de propriedade, pelo transcurso temporal, enquanto o antigo proprietário o perde. O direito à propriedade nasce, assim, em favor do possuidor, em razão da posse contínua e sem oposição. A prescrição, aqui, é geradora de direitos e não extintiva.

 

É modo originário de aquisição da propriedade, pela posse contínua no tempo, uma vez que não há vínculo jurídico ou relação negocial entre o atual possuidor e o anterior proprietário. O art. 191 da Constituição Federal dispõe que os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

 

O CC 1.238 trata da usucapião extraordinária, de forma mais tradicional de prescrição aquisitiva, determinado que adquire a propriedade aquele que exercer a posse sobre o bem imóvel por quinze anos, como se fosse seu (animus domini), de forma ininterrupta e sem oposição, independentemente da prova de justo título ou boa-fé, que estão presumidos. É desnecessária a comprovação de qualquer título hábil à transferência do domínio (justo título) ou da boa-fé no momento da aquisição da posse, posto que estes são elementos que a lei considera, muito embora essenciais, como absorvidos pela modalidade de usucapião extraordinária, em face do longo lapso temporal exigido (praescrptio longi temporis).

 

O parágrafo único do CC 1.238 trata de uma situação particular, que gera o encurtamento do lapso temporal para a usucapião extraordinária. Assim, o atual Código passou a tratar da posse-trabalho (ou posse social), exigindo o prazo de dez anos de posse contínua em caso de moradia habitual do possuidor ou da realização de obras ou serviços de natureza produtiva em relação ao bem. De observar-se que basta, para esta modalidade de prescrição aquisitiva, a prova da moradia efetiva ou da realização de obras de caráter produtivo, de maneira alternativa e não-cumulativa. Impende destacar, também, que são consideradas obras ou serviços aquelas atividades que representam uma fixação do possuidor ao bem, valorizando-o e exteriorizando a nítida intenção de mantê-lo sob seu domínio. O pagamento de tributos é apenas um início de prova em relação a tal aspecto.

 

Enunciado 497 do Conselho da Justiça Federal: “O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”.

 

Enunciado 564 do Conselho da Justiça Federal: “As normas relativas à usucapião extraordinária (CC 1.238, caput) e a usucapião ordinária (CC 1.242, caput), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no CC 2.028)”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.233, 1.234, 1.235, 1.236, 1.237 - Da Descoberta - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.233, 1.234, 1.235, 1.236, 1.237

- Da Descoberta - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.233 ao 1.237) Capítulo I – Da Propriedade em Geral

Seção II – Da Descoberta digitadorvargas@outlook.com

vargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor.

 

Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

 

No saber de Francisco Eduardo Loureiro, o Código Civil de 2002 deslocou corretamente o instituto da descoberta - antes denominado invenção - dos modos de aquisição da propriedade de coisas móveis para o capítulo inicial da propriedade em geral, em seção própria. Isso porque, ao contrário do que ocorre nos ordenamentos jurídicos alemão e português, a descoberta, ou achado, não é modo de aquisição da propriedade. A descoberta nada mais é do que o achado de coisas perdidas. Ao contrário das coisas abandonadas (res derelicta), ou sem dono (res nullius), a coisa perdida tem dono, que apenas está privado de sua posse. Impõe a lei ao descobridor o dever de restituir a coisa recolhida ao proprietário, ou ao legítimo possuidor.

 

Ninguém é obrigado a recolher coisa perdida, mas, se o faz, o comportamento gera para o descobridor determinados deveres explicitados no artigo em exame. A descoberta é ato jurídico em sentido estrito, pois, embora o descobridor não o deseje, a produção de certos efeitos decorrem automaticamente da conduta voluntária de recolher coisa perdida por outrem. O primeiro dever, já referido, é o de restituir a coisa recolhida ao dono sem posse. O segundo dever é de diligência, pois, desconhecido o dono, deve o descobridor envidar esforços para encontrá-lo. O terceiro dever - frustradas as tentativas de localização do dono, ou havendo fundada dúvida sobre a titularidade de quem se apresenta como tal - e o de entregar a coisa perdida à autoridade competente. Os arts. 1.170 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973 (Correspondência na Seção VIII – Das Coisas Vagas – Art. 746 e ss., no CPC/2015), definem a autoridade competente para receber a coisa perdida. A autoridade pode ser a judiciária ou a policial. Quando a arrecadação for feita por autoridade policial, esta, desde logo, encaminhará a coisa à autoridade judiciária, acompanhada do respectivo auto de apreensão. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.209. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, descoberta, o mesmo que invenção, que quer dizer achar, encontrar, descobrir, em princípio não gera direito à coisa; apenas uma recompensa por devolvê-la. Na hipótese de o descobridor não conhecer nem conseguir achar o dono da coisa descoberta, deve entregar o bem à autoridade competente, que, por via de regra, é a autoridade policial. O artigo é idêntico ao art. de n. 603 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Há, apenas, mudança terminológica no título, que usa o vocábulo “descoberta” em vez de “invenção”, constante do Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 638, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Não tendo mais como expandirem, para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código Civil estabelece àquele que achar coisa alheia perdida (res perdita) o dever de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor e, quando desconhecidos, o dever de procura-los. Caso não obtenha êxito, o descobridor deverá entregar a coisa achada à autoridade competente. (Ver Seção VIII – Das Coisas Vagas – Art. 746 e ss., no CPC/2015 -Grifo Nosso/VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

 

Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, como visto nos comentários ao artigo anterior, o recolhimento da coisa achada cria para o descobridor certos deveres jurídicos. Em contrapartida, confere-lhe o direito de obter do dono ou do legítimo possuidor da coisa uma recompensa, além do reembolso das despesas de conservação e transporte. A novidade do Código Civil está no estabelecimento de parâmetros para a fixação da recompensa. Ao contrário do Código Civil de 1916, o atual impõe um patamar mínimo de 5% para a recompensa, sem prejuízo do reembolso das despesas de conservação e transporte, desde que comprovadas. Além disso, o parágrafo único do artigo em exame cria balizas para a fixação da recompensa acima do patamar mínimo: o esforço desenvolvido pelo descobridor, a possibilidade que o dono teria de encontrar a coisa perdida sem concurso do descobridor e a situação econômica de ambos.

Bons os critérios estabelecidos pelo legislador que, sem prioridade de um sobre outro, servem como vetores para a fixação da recompensa. O primeiro critério premia o esforço, sendo a recompensa proporcional ao grau de diligência do achador, que pode despender maior ou menor tempo, envidar mais ou menos energia e vigor na busca do dono da coisa recolhida. O segundo critério leva em conta o benefício que aufere o dono da coisa, com a devolução do que havia perdido. Quanto menor a probabilidade de recuperação da coisa sem o auxílio do descobridor, mais elevada será a recompensa. Relevantes, em tal critério, a natureza da coisa perdida, as circunstâncias e local onde foi achada. Finalmente, o derradeiro critério considera a situação econômica do dono da coisa e do achador. Razoável que pessoa abonada pague recompensa mais elevada do que aquele cujo dispêndio desfalcará necessidades básicas. No mais, indiferente é a eventual negligência do dono ao perder a coisa, desprezada pelo legislador como critério de fixação da recompensa.

A parte final do CC 1.234 diz que o dono da coisa tem a seu favor a opção de abandoná-la, em vez de pagar as despesas e a recompensa do descobridor. A regra comporta temperamento. É razoável que opte o dono entre a coisa e a recompensa, mas não entre a coisa e as despesas, que de boa-fé fez o achador para restituí-la ao dono. Caso se aceite o abandono, a res delericta pode ser apropriada pelo descobridor. Aqueles que por dever de ofício ou convenção devem procurar ou restituir coisas achadas não fazem jus à recompensa. São os casos de empregados a que se incumbe procurar objetos perdidos do patrão, ou de departamentos de achados e perdidos de lojas ou repartições públicas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.209-10. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No mesmo sentido a doutrina de Ricardo Fiuza, onde a recompensa deve ser entendida como a indenização paga pela conservação e transporte da coisa, não tendo o dono abandonado o bem descoberto. Para se fixar o valor da recompensa devem ser adotados os seguintes parâmetros: a) o esforço despendido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor da coisa; b) a possibilidade de o dono ou legítimo possuidor do bem acha-lo; e c) a situação econômica do descobridor e do dono. Sobreleva notar que o teto é de cinco por cento. A redação do artigo é idêntica à do art. 604 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 638, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estendendo-se um tanto mais Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 1.234 em comento, dispõe que aquele que restituir a coisa achada terá direito a uma recompensa, que não pode ser inferior a 5% (cinco por cento) do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la. A recompensa também é denominada achádego, uma vez que decorre do ato de achar coisa alheia. O esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor da coisa, as possibilidades que estes teriam de encontra-la e a situação econômica de ambos, são elementos que devem orientar o juiz da causa ao fixar o valor da recompensa, tratando-se de típica hipótese de julgamento por equidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.235.  O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.

 

Esclarecendo o artigo em comento na visão de Francisco Eduardo Loureiro, manteve o legislador conteúdo idêntico ao contido no Código Civil revogado em seu art. 605, com o nítido propósito de descolar e tornar inconfundíveis as figuras do descobridor e do depositário. Os riscos pela perda e deterioração da coisa achada, com ou sem culpa do descobridor, são do proprietário ou legítimo possuidor. Não se atribui ao descobridor o dever de custodiar e zelar pela incolumidade da coisa, como se sua fosse, tal como ocorre no contrato de depósito e se consagra em outros sistemas jurídicos. Explicita o artigo em comento que o descobridor só responde pelos prejuízos causados ao dono da coisa por conduta dolosa. A regra, porém, somente beneficia o descobridor que não se apossou indevidamente da coisa alheia. Se assim procedeu, deixando de entregar a coisa perdida ao dono ou à autoridade competente, age como esbulhador, deslocando-se, então, os riscos pela perda ou deterioração da coisa para o ex descobridor, na forma do CC 1.218 do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.210. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No site modeloinicial.com.br, encontra-se Jurisprudências atuais que citam CC.1.235 – Apelação – indenização por Dano Moral – Outros / Indenização por Dano Moral / Responsabilidade Civil / Direito Civil: Ementa: apelação civil. Ação de obrigação de fazer c/c Indenização por Danos Morais. Cachorro que fugiu da residência do autor. Acolhimento pelo réu. Suposta recusa de devolução do animal. Sentença de procedência. Inconformismo do réu. Recurso provido parcialmente. Cinge-se a controvérsia recursal quanto à condenação ao pagamento de danos morais em razão de demora na devolução do cão que havia fugida da residência do aturo esposa do autor admitiu que deixou o portão da residência destrancado e que, por tal motivo, o cachorro teria fugido. Após encontrar o animal, o demandado tratou de procurar os donos. Réu só teve ciência da identidade dos donos em sede policial. Proposta de acordo amigável para devolução do animal recusada pela esposa do autor, uma vez que não contemplava indenização por danos morais. Eventual demora na devolução do cão, que não pode ser imputada ao réu. Não incidência do CC 1.235. a ausência de dolo. Transação penal aceita pelo réu I JECRIM da Comarca de Niterói não implica em reconhecimento de culpabilidade a ensejar a pleiteada indenização por danos morais, conforme entendimento pacificado no C. STJ. Dessa forma, não se encontram razões bastantes de convencimento para manutenção da condenação por danos morais, eis que não se verificou má-fé na conduta do réu, deixando o autor de comprovar o fato constitutivo de seu direito, ônus que lhe incumbia, na forma do art. 373, I, do CPC/2015. Configurada a litigância de má-fé, razão pela qual fica o ônus sucumbenciais. Provimento Parcial do Recurso. Conclusões: Por unanimidade, deu-se parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Des. Relator. (TJ-RJ. APELAÇÃO 0002710-75.2016.8.19.02.12. Relator: Des. André Emílio Ribeiro Von Melentovytch, Publicado em: 12/08/2019). (Site modeloinicial.com.br, Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o descobridor responderá pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido com dolo, hipótese em que o ônus da prova caberá a estes, uma vez que se presume a boa-fé do descobridor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.

 

Como leciona Francisco Eduardo Loureiro, constitui o artigo inovação tanto em relação ao CC/1916 quanto ao Código de Processo Civil de 1973, que disciplinam o procedimento a ser seguido pela autoridade que receber a coisa perdida, na busca e entrega ao respectivo dono (arts. 746 e ss., no CPC/2015). A novidade está na utilização, pela autoridade competente, de mecanismos diversos de divulgação, através da imprensa e outros meios de informação, como medidas primárias de localização do dono da coisa perdida. A publicação de editais, medida de duvidosa eficácia, somente será feita caso frustrados os mecanismos referidos e subordinada, ainda, à proporcionalidade de seu custo, em relação ao valor da coisa. As demais providências previstas nos arts. 1.170 (auto de arrecadação) e 1.172 (oitiva do Ministério Público e Fazenda Pública antes da entrega da coisa a quem se apresente como dono) do Código de Processo Civil, arts. 746 e ss., no CPC/2015 continuam vigentes, derrogada apenas a publicação pronta de editais, sem prévia utilização de outros meios de divulgação do achado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.211. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo parecer de Ricardo Fiuza e levando em consideração o histórico e a doutrina editada, este artigo não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Doutrina. O artigo é uma inovação introduzida pelo Código Civil de 2002, restringindo a expedição do edita, se o valor da descoberta o comportar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 639, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido. [VD1] 

 

Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou.

 

Concluindo o Capítulo, para Francisco Eduardo Loureiro, As principais alterações do artigo em exame referem-se ao prazo pelo qual se aguarda o comparecimento do dono e quem será o destinatário, caso ninguém procure a coisa perdida. O prazo foi reduzido de seis meses para sessenta dias. Também o termo inicial de sua fluência foi alterado. Antes, corria o prazo a contar do aviso à autoridade, enquanto agora corre a contar da divulgação do achado pela imprensa ou por editais. No que tange ao destinatário do achado, pertence agora o saldo do preço apurado em hasta pública, abatidas despesas e a recompensa, ao Município onde foi encontrada a coisa, alterando-se a regra do art. 1.173 do Código de Processo Civil, que a destinava à União, ao Estado ou ao Distrito Federal. O parágrafo único diz que sendo a coisa de diminuto valor, poderá o Município abandoná-la em favor do descobridor. Embora mencione o termo abandono, a figura melhor se enquadra como cessão de direitos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.211. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Fiuza, historicamente o dispositivo em comentário não se submeteu a nenhuma modificação pelo Senado Federal ou pela Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Na Doutrina este dispositivo se assemelha ao art. 606 do Código Civil de 1916, com duas importantes alterações: a) reduz o prazo de seis meses para sessenta dias; b) faculta ao Município. agora o único ente público que pode beneficiar-se da descoberta, abandoná-la se o seu valor for ínfimo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 639, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas anotações de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CPC/1973 em seus artigos 1.170 a 1.176, (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 do CPC/2015, já comentado acima, Grifo VD), trata do procedimento para a arrecadação e entrega da coisa, regramento este que deve ser complementado com o disposto nos CC 1.236 e 1.237. Aquele que achar a coisa perdida, não lhe conhecendo o dono ou legítimo possuidor, a entregará à autoridade judiciária ou policial, que a arrecadará, mandando lavrar o respectivo auto, dele constando a sua descrição e as declarações do inventor (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015).

 

Depositada a coisa, o juiz mandará publicar edital (se o valor comportar – CC 1.236), por duas vezes, no órgão oficial, com intervalo de 10 (dez dias), para que o dono ou legítimo possuidor a reclame (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015). Comparecendo o dono ou o legítimo possuidor dentro do prazo e provando o seu direito, o juiz, ouvindo o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública, mandará entregar-lhe a coisa (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015 – Grifo VD). Caso não seja reclamada, a coisa será avaliada e alienada em hasta pública, deduzindo-se do preço as despesas e recompensa do inventor, pertencendo o saldo ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido (CC 1.237). Se o dono preferir abandonar a coisa, poderá o descobridor requerer que lhe seja adjudicada (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015 – Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).