segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.239, 1.240, 1.240-A - continua Da Usucapião - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.239, 1.240, 1.240-A -  continua

Da Usucapião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I – Da Usucapião digitadorvargas@outlook.com

vargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

 

Abrindo o disposto no art. 191 da Constituição Federal, no parecer de Francisco Eduardo Loureiro, na verdade, a Constituição Federal reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na década de 1970. A usucapião especial rural, conhecida também como pro labore, está inserida no capítulo da política agrícola e fundiária da Constituição Federal e tem nítido escopo de fixar o homem ao campo, conferindo a possibilidade de, em curto espaço de tempo, atribuir propriedade ao possuidor que pessoalmente deu função social à gleba rural, tornando-a produtiva e nela fixando moradia. De um lado, o prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro lado, limita-se a categoria destinatária do benefício, mediante a criação de uma série de requisitos objetivos e subjetivos.

 

A Lei n. 6.969/81 já tratava da usucapião especial rural, embora com alguns requisitos distintos do art. 191 da CF. Assim, a área máxima usucapível, que era de 25, passou a 50 ha. Admitia-se usucapião de terras públicas devolutas, o que hoje é vedado por força de regra expressa no parágrafo único do art. 191 da Constituição. Tal quadro permite concluir que, no tocante à usucapião rural, o quinquídio não se inaugura no ano de 1988, por não se tratar de instituto novo. Somente pode se cogitar de surpresa ao proprietário no que se refere a áreas superiores a 25 e inferiores a 50 ha, medida não contemplada na legislação de 1981. Como dito, o artigo em exame cria uma série de requisitos especiais subjetivos e objetivos. Tais requisitos somam-se àqueles básicos da usucapião extraordinária, quais sejam: posse contínua, pacífica e com animus domini. Quanto aos requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta modalidade de usucapião, porque não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo moradia própria ou com sua família na gleba rural.

 

O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Tal vedação diz respeito somente ao período do quinquídio aquisitivo. É irrelevante que o usucapiente tenha sido dono antes, ou que passe a ser dono depois de consumar o prazo necessário à usucapião, ainda que antes do ajuizamento da ação, pois a sentença é declaratória e apenas reconhece aquisição originária preexistente. Fala a lei em propriedade, de modo que nada impede o usucapiente ser possuidor, ou titular de direito real de gozo, fruição ou de garantia sobre coisa alheia. A vedação diz respeito à propriedade plena, de modo que não alcança a propriedade fiduciária, que constitui patrimônio de afetação com escopo de garantia, e nem o direito de superfície, que tem por objeto apenas a construção ou plantação temporariamente separada do solo. Em determinadas situações, o condomínio não constitui óbice subjetivo à usucapião rural, quando ficar evidenciado que a fração ideal e a ausência de posse impedem que o usucapiente estabeleça no imóvel comum sua moradia, ou o torne produtivo com seu trabalho. Já se julgou que condômino com posse localizada pode requerer usucapião especial rural da gleba que ocupa com exclusividade (RJTJSP 96/249).

 

O que deseja evitar o legislador é a especulação, mediante extensão indevida da usucapião social a destinatários que tenham condições econômicas de adquirir a gleba a título oneroso. Em tal hipótese, encaixa-se o titular de direito real ou pessoal de compromissário comprador de gleba distinta, já imitido na posse. Trata-se de direito de aquisição, no qual a propriedade remanesce vazia de conteúdo nas mãos do promissário vendedor, apenas com o fim de garantia do recebimento do preço. Não teria sentido admitir que o compromissário comprador, já titular dos direitos de usar, fruir e mesmo ceder direitos sobre uma gleba, gozasse do favor da usucapião especial sobre gleba distinta. Não cabe ao usucapiente provar fato negativo, o de não ser proprietário de imóvel distinto. Quando muito, podem-se exigir certidões negativas imobiliárias da comarca na qual se situa o imóvel usucapiendo. O contestante é que prova o fato positivo da propriedade sobre outro imóvel durante o lapso temporal aquisitivo.

 

No que se refere ao objeto, a gleba usucapiente deve situar-se em zona rural, fora, portanto, do perímetro urbano, não bastando sua destinação rústica. O limite máximo usucapível é de 50 ha. Não cabe ao usucapiente decotar posse sobre gleba maior para obter a usucapião especial, pois tal conduta colheria de surpresa o proprietário registrário. Durante todo o quinquênio deve a posse estar limitada ao teto previsto pelo legislador. Pode ocorrer da gleba ser inferior ao módulo rural. Há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, mas, se a finalidade de tornar a gleba produtiva for preenchida pelo possuidor, o melhor entendimento é admitir a usucapião, em razão da natureza originária de aquisição (a favor, RJTJSP 209/266 e 247/75; RT 681/602 e 693/133; contra, RT 652/65 e RJTJSP 133/148). Ressalva-se a ocorrência de fraude à lei, em especial nos casos nos quais há negócio jurídico de alienação da gleba, pretendendo o adquirente contornar a vedação cogente com o instituto cia usucapião, o que se mostra inadmissível.

 

Exige a lei, ainda, dois outros requisitos objetivos cumulativos, o usucapiente ter tornado a gleba produtiva, com trabalho próprio e de sua família, e nela ter estabelecido sua moradia. Destaca-se o caráter de pessoalidade da posse, exigindo o legislador que a gleba seja produtiva pelo trabalho do possuidor, sem necessidade de demonstrar que antes era a gleba inculta. É preciso que o usucapiente demonstre o desenvolvimento de atividade agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial no imóvel, que deve já estar produzindo ou, ao menos, apto a produzir. Nada impede a utilização de prepostos ou empregados, desde que somem esforços ao trabalho pessoal do possuidor e de seus familiares. Não basta o trabalho, devendo, também, o possuidor estabelecer na gleba sua moradia.

 

Note-se, finalmente, que o legislador deliberadamente não estendeu à usucapião especial rural uma das limitações aplicadas somente à usucapião especial urbana, qual seja, a de que o direito não pode ser reconhecido ao possuidor mais de uma vez. Pode, portanto, o possuidor que já se beneficiou anteriormente do instituto e alienou a gleba usucapida, inaugurar um novo período de posse quinquenal sobre outra gleba rural. A regra tem razão de ser, porque há interesse social não somente em proporcionar a aquisição de gleba rural à população carente, mas também tornar novas glebas produtivas. A questão da possibilidade da soma das posses para fins de usucapião especial rural será examinada nos comentários ao art. 1.243. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.222-23. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Não se estende muito Ricardo Fiuza, fazendo constar em seu histórico a relação atual deste dispositivo quando teve origem na emenda de n. 129, de responsabilidade do Senador Gabriel Hermes, substituindo o texto anterior pela redação do art. 191 da Constituição Federal. Excluiu-se da reprodução o parágrafo único por haver regra geral no Código estipulando que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). A emenda apenas adaptou a redação do artigo ao disposto no art. 191 da CFI8S.

 

Na  Doutrina de Fiuza, este dispositivo, além de adequar-se ao art. 191 da CF de 1988, também trouxe para o bojo do Código Civil a usucapião especial de imóveis rurais, anteriormente prevista na Lei n. 6.969, de 10- 12-1981, tendo sido adotada a dimensão da gleba de cinquenta hectares, prevista na Constituição de 1988. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a ótica dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo trata da usucapião especial rural, exigindo para a aquisição da propriedade o lapso temporal de cinco anos de posse ininterrupta e sem oposição, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel, determinando como limite a área de cinquenta hectares, com a demonstração efetiva de atividade produtiva da terra somada à prova da moradia, cumulativamente. A Constituição Federal trata desta espécie no art. 191.

 

O artigo 3º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião especial rural ocorra em áreas indispensáveis à segurança nacional, terras habitadas por silvícolas e em áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos demais ocupantes a preferencia para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.

 

Três Enunciados do Conselho da Justiça Federal garantidores da ordem são:

Enunciado 312: “Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”.

 

Enunciado 313: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.

 

Enunciado 317: “A accessio possessionis, de que trata o CC 1.243 – primeira parte, não encontra aplicabilidade relativamente aos CC 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, artigos 183 e 191, respectivamente”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

 

§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

 

§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

Sob a perspectiva de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz integralmente o disposto no art. 183 da Constituição. Na verdade, a Constituição Federal é que reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na década de 1970. A usucapião especial urbana, conhecida por usucapião pro moradia, está inserida na Carta Magna no capítulo da política urbana e se volta à regularização fundiária e garantia do direito fundamental à moradia para a população de baixa renda.

 

O art. 9º do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) também disciplina a usucapião individual especial urbana, em preceito aparentemente semelhante ao ora em comento, mas que guarda algumas diferenças quanto aos requisitos objetivos, com menção à limitação das áreas de terreno e de construção, bem como quanto às regras de transmissão da posse por ato causa mortis. Tal artigo, por disciplinar exatamente a mesma situação jurídica, voltada aos mesmos destinatários, encontra-se revogado pelo CC 1.240, ora em exame, lei posterior que trata da mesma matéria. Em outras palavras, as alterações introduzidas pelo art. 9° do Estatuto da Cidade tiveram vida curta, não sobrevivendo à vigência do Código Civil de 2002. A usucapião coletiva do art. 10 da Lei n. 10.257/2001, porém, que trata de situação diversa, encontra-se em plena vigência e não foi alterada pelo Código Civil de 2002.

 

O prazo da usucapião especial urbana é de cinco anos e o quinquênio somente se inaugura no ano de 1988, não se computando prazo anterior à Constituição Federal, por se tratar de instituto novo (RTJ 166/237, 165/371,175/352 e 165/348). De um lado, o prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro lado, a categoria destinatária do benefício é limitada mediante uma série de requisitos objetivos e subjetivos. Note-se que os requisitos básicos de todo usucapião estão implícitos no CC 1.240, ou seja, a posse deve ser contínua, pacífica e com animus domini.

 

Quanto aos requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta modalidade de usucapião, pois não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo moradia própria ou com sua família no lote urbano. Nada impede que diversos compossuidores, familiares ou não, desde que preencham os demais requisitos previstos no CC 1.240, figurem todos no polo ativo. Não pode o usucapiente ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. A respeito de tal requisito, remete-se o leitor aos comentários ao artigo anterior, aqui se aplicando, em tal ponto, tudo o que lá foi dito. No que se refere aos requisitos especiais objetivos, deve a área usucapida situar-se em zona urbana. O critério é por localização e não por destinação da área, descabendo usucapião sobre imóvel situado na zona rural, mas com finalidade urbana. A área de superfície máxima do terreno é de 250 m². Pouco importa que a construção tenha área superior à do terreno, edificada em mais de um pavimento (RT 675/89). Cabe inclusive a modalidade especial para usucapir unidade autônoma em condomínio edilício, consoante dispõe o Enunciado n. 85 do CEJ: “ Para efeitos do CC 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”. Em tal caso, é razoável que a área de superfície a ser levada em conta seja a total, a área privativa da unidade autônoma somada à fração ideal do terreno (RDI12/201). Como referido nos comentários ao artigo anterior, não pode o usucapiente manter posse de gleba maior, mas dela decotar a área de superfície de 250 m² apenas para obter usucapião especial. A conduta significaria inegável surpresa ao titular do registro, pois suprimiria o prazo suplementar para as demais modalidades de usucapião. Durante todo o quinquênio, deve a posse obedecer ao limite de área fixado no artigo em exame. Como já visto, nada impede, por outro lado, que a gleba usucapienda seja de dimensões inferiores ao tamanho mínimo de lotes, previsto no art. 4º da Lei n. 6.766/79, ou em legislação municipal.

 

O § 2º do CC 1.240 do atual Código Civil reza que a usucapião urbana e a concessão especial de uso não serão reconhecidas ao possuidor mais de uma vez. A restrição se limita à usucapião especial urbana, não se estendendo, portanto, à usucapião especial rural, que, como visto, pode ser postulada mais de uma vez pelo usucapiente. Impede o legislador, assim, que o usucapiente se beneficie mais de uma vez da figura protetiva da usucapião especial urbana. Nada impede, portanto, já ter requerido anteriormente outra modalidade de usucapião, desde que não seja proprietário ao tempo no qual corre o prazo quinquenal; ou, ao contrário, que, após usar a prerrogativa do CC 1.240, requeira, em relação a imóvel diverso, usucapião rural, ordinária ou extraordinária.

 

O § 1º do artigo diz que o título de domínio e a concessão de uso serão concedidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. O que permite o preceito é a pessoa solteira, casada, ou vivendo em regime de união estável, poder ajuizar individualmente a ação de usucapião, sem consentimento do outro cônjuge ou necessidade de que este figure como litisconsorte ativo necessário. A situação tem especial utilidade nos casos de casais separados de fato, permitindo ao possuidor usucapir em nome individual o imóvel e, desde que todo o prazo quinquenal tenha corrido após a separação de fato, o bem se tornará próprio, sem comunicação ao consorte. Caso, porém, o prazo quinquenal para a usucapião tenha corrido na constância de união estável ou do casamento, pode qualquer um dos cônjuges figurar sozinho no polo ativo da demanda, mas a procedência da ação a ambos beneficiará, tornando o imóvel comum. A alusão da incidência de algumas das regras da usucapião à concessão de uso especial para fins de moradia não deveria constar do Código Civil, que dela não trata no caput do preceito, nem em outros dispositivos. A figura da concessão estava prevista nos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade, os quais, porém, receberam veto do Presidente da República e atualmente é disciplinada pela Medida Provisória n. 2.220/2001. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.225-26. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como não deixou passar a observação na Doutrina do relator Ricardo Fiuza, a usucapião prevista no art. 183 da CF, agora adotada pelo Código Civil, é a chamada usucapião especial urbana. Tem características próprias que fazem ressaltar o caráter social do instituto. Começando pela legitimidade, somente poderá beneficiar-se com a usucapião especial urbana a pessoa física que não tenha título de propriedade de outro imóvel urbano ou rural. A pessoa jurídica, portanto, não poderá valer-se dessa modalidade de usucapião. Cumpre não perder de vista que o imóvel deverá estar localizado em área urbana e ter dimensões máximas de duzentos e cinquenta metros quadrados, não podendo ser de domínio público. A posse deve prolongar-se pelo prazo mínimo de cinco anos ininterruptos, e o bem deverá destinar-se à moradia do usucapiente ou de sua família. O direito à usucapião não será reconhecido mais de uma vez ao mesmo possuidor. Entendemos que o possuidor só teria legitimidade para propor a usucapião especial urbana a partir de 5-10-1993 (RT, 727/169), data em que se completaram os cinco anos de vigência da CF de 1988, e isso em função do direito intertemporal, respeitando-se, por conseguinte, o princípio da irretroatividade da lei. Não importando o estado civil dos possuidores, homem ou mulher, o título de domínio e a concessão de uso serão dados aos dois, sendo que esse direito não será dado ao mesmo possuidor mais de uma vez. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na linha de raciocínio dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião urbana especial (pro misero) requer o mesmo prazo quinquenal de posse, com a prova efetiva da moradia do possuidor, em área urbana não superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, desde que não seja proprietário de outro bem imóvel. Esta modalidade de prescrição aquisitiva urbana encontra-se regulada tanto no art. 183 da Carta Magna quanto no art. 9º do Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, que acaba complementando o regramento do Código Civil. O Estatuto da cidade dispõe que o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da sucessão (§ 3º do art. 9º). Trata-se de regra especial em relação ao disposto no CC 1.243, a soma das posses, no caso da usucapião especial urbana, somente pode ser mortis causa.

 

De acordo com os Enunciados do Conselho da Justiça Federal de números 85 “Para efeitos do CC 1.240, caput, do atual Código civil, entende-se por “área urbana” o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”; e 314 “Para os efeitos do CC 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

 

§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

§ 2º No registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor da ação judicialmente considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do registrador não incidirão e nem serão acrescidos a quaisquer títulos taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos, fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação.

 

Em artigo publicado por Douglas Phillips Freitas, em 09/2011, intitulado Usucapião e Direito de Família - Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, o advento da Lei n. 12.424 exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso da ex companheira ou ex cônjuge e as custas desta, promova ato a fim de regularizar a situação jurídica do bem em face ao casal.

 

A comunidade jurídica foi surpreendida com a publicação da Lei 12.424 de 16 de junho de 2011, que, ao tutelar questões relativas ao plano Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, alterou a redação do Código civil de 2002, incluindo o CC 1.240-A em sua redação. A intervenção e colisão dos interesses público e privado é situação estruturada e consolidada em nosso ordenamento jurídico, que, tem se avolumado nos últimos anos, em especial com a efetivação dos princípios e escopos constitucionais, tais como dignidade da pessoa humana, função da propriedade, entre outros. A referida inovação normativa, ocorreu pela ordem trazida no art. 9º da lei n. 12.424/11 (In verbis: "Art. 9º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.240-A") , sendo, que tal artigo não fora incluso na explicação da ementa da norma, pois, como pode se vislumbrar no Projeto de Conversão de Lei n. 10/2011, a exposição de motivos (ver:senado.gov.br/atividade/materia) constante, é a transcrição literal da mesma exposição de motivos da MP 514/2010, (senado.gov.br/atividade/materia) tanto que a expressão "medida provisória" sequer foi alterada na teor da explicação da ementa da nova lei, tampouco, houve comentário aos artigos não existentes na dita Medida Provisória, como o art. 9º, que inclui o CC 1.240-A no Código Civil. Porém, a polêmica não se deu apenas pelas gravíssimas falhas técnicas da referida norma, até por uma possível inconstitucionalidade ante o princípio da vedação de retrocesso, (que, como se argumentará, é superável, já que não há retrocesso por uma análise sistemática da norma), mas, sobretudo, pelo reflexo nas questões familiares, no tocante ao patrimônio comum dos cônjuges e companheiros e seu destino após a separação de fato do casal. A redação do referido instituto controverso, que, a princípio criou uma nova modalidade de usucapião urbana especial, é a redação do artigo em comento com seus parágrafos. Antes de adentrar nos reflexos da referida norma e as primeiras impressões sobre o instituto, há que se falar na substancial inconstitucionalidade referida, como bem identificou o jurista e pesquisador gaúcho, Ricardo Arrone na palestra Usucapião por abandono familiar: possível retrocesso jurisprudencial por miopia legislativa, realizada no dia 2 de setembro de 2011, no curso "Usucapião por abandono familiar – aspectos constitucionais, materiais e processuais" realizado sob a coordenação de meu amigo Marcos Catalan, na OAB do Rio Grande do Sul, em promoção da ESA-RS, em 01 e 02 de setembro de 2011.

 

Da possível inconstitucionalidade - No entendimento de muitos juristas, o art. 1.240-A do Código Civil impõe o retorno da discussão do elemento da culpa no fim da relação, a fim de configurar o abandono de lar decorrente da menção legislativa "abandonou o lar" trazido no caput da norma, quando, a jurisprudência, doutrina, e, de certa forma, a lei, com o advento da EC 66 do divórcio, rechaçam tal discussão, que, sobretudo atenta contra a dignidade da pessoa humana, senão, impossível de ser travada ante a inexistência de culpados pelo desamor. 

 

O STJ, neste sentido, também se manifesta, referenciando em seus julgados a decisão: “Separação Judicial. Pedido Intentado Com Base Na Culpa Exclusiva Do Cônjuge Mulher. Decisão Que Acolhe A Pretensão Em Face Da Insuportabilidade Da Vida Em Comum, Independentemente Da Verificação Da Culpa Em Relação A Ambos Os Litigantes. Admissibilidade. - A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal. – Hipótese em que da decretação da separação judicial não surtem consequências jurídicas relevantes. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados (STJ. EREsp 466329 (2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ 01/12/2006).

 

Ante tal contexto, o CC 1.240-A, estaria, à luz do entendimento daqueles que veem a norma como forma de voltar a discutir o elemento culpa no fim do relacionamento, promovendo um verdadeiro retrocesso jurídico, afrontando o princípio constitucional de vedação a retrocesso.

 

Da Contextualização Da Norma: Desnecessidade De Discussão Da Culpa Pelo Fim Da União - Desde o advento da Constituição Cidadão, o princípio de vedação a retrocesso, guinado à carta máxima, com reforço decorrente da EC 45, há imposição de regras à produção e interpretação da legislação a fim de não recepcionar e tornar inconstitucional as incompatibilidades com o texto expresso, bem como, determinar ao legislador a produção de normas consoante aos valores fundamentais, proibindo retrocessos. Com máxima vênia ao entendimento diverso, o fato é que o processo hermenêutico exige, à luz do próprio princípio de vedação a retrocesso, que a aplicação prática da norma se dê de forma atual, contextualizada e, sobretudo, sistematizada.

 

[...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência [...] a ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos. A necessidade de voltar a discutir a culpa pela separação de fato, seria, sem dúvidas, um retrocesso jurídico, já que encontra-se superada esta questão pela jurisprudência e, consequente atentado à direitos constitucionais como a dignidade da pessoa humana e o direito a proteção ao patrimônio. Mas, entende-se que houve atecnia na dicção da legislação na expressão "abandonou o lar", que, sem dúvidas, remete o leitor ao instituto do "abandono familiar". Porém, para efeitos de aplicação eficaz da norma dever ser lida como "separação de fato" e "abandono patrimonial" e os efeitos decorrentes destes institutos, onde, no primeiro, impõem-se o fim da comunicação patrimonial, e, no segundo, da perda do patrimonial, ambas situações previstas na lei. A interpretação sistemática da legislação, regra de hermenêutica jurídica, dita que, na análise desta situação, se houver interpretação diversa, haverá a necessidade de discussão de culpados, fato que se colide com o princípio constitucional de dignidade da pessoa humana, e, coadunando, no caso do entendimento da separação de fato como instituto aplicável, há perfeita vinculação do principio da dignidade da pessoa humana com o da função social da propriedade, que, no entendimento contrário, tal amalgama, não se torna possível, fazendo tais princípios colidirem entre si.

 

A usucapião, como já visto acima, é forma de aquisição originária de propriedade prevista no Código Civil. E "tudo começa pela existência de uma posse", como assevera Almir Martins. Para cada espécie de Usucapião há exigências específicas relativa à posse, forma de aquisição, tempo e até área. Dentre as várias formas de aquisição de propriedade, a usucapião é uma das mais interessantes a ser estudada. O CC 1.241, que será vista a seguir, informa que "poderá o possuidor requerer ao Juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião a propriedade imóvel".

 

Dentre as espécies de Usucapião, destacam-se a Usucapião Extraordinária; Usucapião Ordinária; Usucapião Especial Rural; Usucapião Especial Urbana; Usucapião Indígena e, agora, a Usucapião Especial Urbana por abandono de lar.

 

A primeira espécie de Usucapião e mais comum, prevista no art. 1.238, do Código Civil, a Usucapião Extraordinária, possui como critérios configuradores deste direito, ampla possibilidade, onde: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe a propriedade, independente de título e boa-fé, podendo requererão ao Juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O prazo previsto para esta modalidade de usucapião, diminui com a forma do uso (para 10 anos se for destinada a moradia, por exemplo), e, para as demais modalidade, o prazo já inicia reduzido, sendo, que cada qual, de acordo com as peculiaridade, como o tipo do título de aquisição e área de abrangência da propriedade, o prazo reduz-se ainda mais. Além da usucapião extraordinária e a ordinária, que são as mais usuais, o Código Civil institui a usucapião constitucional ou especial, com o fito de regularizar àqueles que detém a moradia do bem usucapido, tanto na seara rural, como urbana. Embora haja outras modalidades e muito o que se discorrer sobre o assunto, faz mister analisar a usucapião urbana especial. Esta modalidade originalmente prevista na Carta Magna, é a efetivação da função social da propriedade, prevista no mesmo diploma, entre outros fundamentos. O fundamento desse instituto é a sanção ao proprietário por dar cumprimento à função social da propriedade e benefício ao possuidor que a atendeu. A referida modalidade de usucapião é prevista no CC 1.240, sendo, antes disto, já descrita no Estatuto da Cidade, ora lei n.º 10.257 de 10/07/2001, mantendo consonância com o regramento constitucional.

 

A dita, nova modalidade de usucapião especial, prevista no CC 1.240-A, segue a mesma linha, porém, trazendo outros elementos configuradores em sua instituição, como se verá mais a frente. Antes, porém, há que se discutir a possibilidade de usucapião em face de coproprietário, antes de passar a discutir a modalidade prevista do CC 1.240-A, que, em linhas gerais, permite a usucapião da meação do outro cônjuge ou companheiro.

 

Da Usucapião De Bem Condominial - A jurisprudência há algum tempo já têm se manifestado sobre a possibilidade de usucapir imóveis condominiais. Com a separação de fato, ocorre o fim da comunicação patrimonial, situação jurídica prevista desde a lei do divórcio e reconhecida pela doutrina e jurisprudência, independentemente de cautelar de separação de corpos. Cabe, pois, à doutrina e à jurisprudência interpretar que a regra constante do CC 1683, na realidade, é uma disposição geral, aplicável, portanto, a todos os regimes de bens, e não apenas ao regime de participação final nos aquestos, sob pena de violação aos princípios e postulados constitucionais, além de ser clara hipótese de descumprimento do princípio que veda o enriquecimento sem causa. A regra deve, pois, ser aplicada aos regimes de comunhão (parcial e universal), não se podendo mais cogitar do ingresso dos bens adquiridos, no período de separação de fato, à massa dos bens comuns do casal.

Com a morte, ocorre, a transmissão imediata do patrimônio, regra trazida no Código Civil em seu CC 1.784, em decorrência do efeito da saisine. Aplica-se o chamado droit de saisine, originário do direito Francês. Segundo ele, o morto transmite seus bens ao vivo, por consequência automática e imediata, independentemente da abertura do inventário. Esta se dá depois, para mera formalização do ato transmissivo. A lei prevê que o abandono de coisa impõe perda do patrimônio, como dita o CC 1.275 do Código Civil. Podendo, inclusive, ir ao Estado, se tal bem não tiver na posse de outra pessoa, pois, para os fins da lei civil, a não conservação do patrimônio e o inadimplemento das obrigações decorrentes do bem causa a configuração do abandono. Condomínio é utilização do bem indivisível por mais de uma pessoa, presente nos bens de meação e herança. Estas conjugações têm sido analisadas e interpretadas sistematicamente, promovendo julgados interessantes sobre o uso exclusivo de bem comum e, pelo lapso temporal, sua aquisição por usucapião. Não se refere o autor, embora haja julgados reconhecendo tal direito na usucapião de área comum em condomínio edilício, por exemplo, mas, da usucapião da cota parte de herdeiros e meeiros. Neste sentido, são julgados que coadunam com tal posição:

 

Apelação Cível. Ação De Usucapião. Área Pertencente A Espólio Do Pai Do Autor. Possibilidade, Desde Que Provada A Posse Exclusiva (Pro Suo), A Elidir Por Completo A Dos Demais Herdeiros. Controvérsia Quanto À Situação Da Área E O Caráter Da Posse. Sentença Cassada. Remessa Dos Autos À Origem Para Instrução. Recurso Conhecido E Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, de Turvo. Relator: Des. Victor Ferreira. Dj 18/08/2010).

 

Apelação Cível.  Usucapião Extraordinária. Sucessão. Posse Exclusiva De Herdeiro. Comprovação. Transmutação Do Caráter Originário Da Posse. Sentença De Procedência Mantida. Aquisição da propriedade do imóvel por meio de herança. Exercício de posse exclusiva por um dos herdeiros, durante mais de vinte anos, sem intervenção dos demais. Transmutação do caráter da posse, oriunda de transmissão causa mortis, em conjunto com os demais herdeiros, mas cuja utilização, individual, com ânimo de dono, desde longa data, possibilitou a usucapião. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME (Apelação Cível n. 70021247291, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. 06-8-09).


Usucapião Extraordinária. Herdeiro. Afirmação Do Exercício De Posse Exclusiva Com Animus Domini. Viabilidade. Anulação Do Decisum Para Prosseguimento Da Actio. Recurso Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, Rel. Des. Cesar Abreu, j. 25-6-02).

Usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva" (STJ, REsp n. 101009/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 13-10-98).

Em todos julgados, nota-se que, o coproprietário, decorrente de aquisição de sua cota por herança, por exemplo, que utiliza o bem em sua totalidade, como se seu fosse, adquire o elemento animus domini exigido para aquisição por usucapião e, pode, após, o lapso temporal de lei, pleitear o reconhecimento desta propriedade, pois, há anos, fora tratada como se sua fosse, logo, sua será.


Porém, a jurisprudência, também reconhece que certas situações elidem a figuração do animus domini, em situações correlatas ao tema, como, por exemplo, a existência de um comodato:

Usucapião extraordinário Ação procedente Recurso da contestante objetivando o reconhecimento de posse em condomínio Impossibilidade Existência de comodato verbal, reconhecido em outra demanda judicial Ausência de animus domini Recurso improvido. “Os comodatários, os depositários e os locatários, justamente por não serem portadores de animus domini, não têm posse ad usucapionem” (TJSP. AC 0279862-27.2009.8.26.00. Rel.: Des. Jesus Lofrano. Dj 13/09/2011).

 Ou, quando há o uso por um dos herdeiro, ou meeiro, mas, com o pagamento das despesas em concorrência com os demais coproprietários, desconfigurando, portanto, o abandono.

 Usucapião extraordinária. Ausência de comprovação do exercício de posse mansa e pacífica, com animus domini. Imóvel, na realidade, havido por herança da titular do domínio, malgrado nunca aberto o devido inventário. Outra herdeira, contestante, incumbida de pagamento de impostos. Prova oral dividida. Improcedência. Sentença mantida. Recurso desprovido (TJSP. AC 9192302-35.2002.8.6.00. Rel.: Des. Claudio Godoy. Dj 06/09/2011).

 A usucapião relacionado à questões de família, portanto, embora não seja prática jurídica usual é juridicamente possível, como visto nos julgados acima, desde que presentes – e comprovados - os elementos exigidos por lei, em especial, o animus domini sobre a integralidade do bem condominial, que desnatura-se com a existência de ações de inventário, fixação de alugueres, comodato, participação no pagamento das despesas, alimentos in natura, divórcio, dissolução de união estável, enfim, medidas que colocam o imóvel á disposição ou em benefício de todos condôminos e, não na exclusividade de apenas um coproprietário, em relação a todos seus bônus e ônus.

 Da Usucapião Prevista No Art. 1.240-A E Seus Requisitos - O art. 1.240-A traz como requisitos para utilização desta modalidade de usucapião: Tempo: 2 anos. Continuidade: ininterrupta e sem oposição. Modalidade de posse: direta, com exclusividade e para sua moradia ou de sua família. Área limite: imóvel urbano – terreno ou apartamento - de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados). Condição dos cônjuges ou companheiros: separado de fato. Condição do cotitular que perderá sua meação: ter saído do lar, não contribuir com a manutenção do bem, tampouco buscar exercer direito sobre o mesmo no prazo de 2 anos a contar da separação de fato. Condição do cotitular que pretende usucapir o bem: possuir copropriedade (existência de meação), não possuir outro bem imóvel, não ter requerido o mesmo direito anteriormente.

Nota-se que os requisitos acima, elencados no CC 1.240-A tem importantes reflexos nas lides familistas, pois, assim como nas outras modalidades de usucapião pode-se invocar a usucapião como matéria de defesa, esta modalidade, em divórcio ou ação de dissolução de união estável, em que, houver o pleito de partilha do bem comum, poderá o cônjuge ou companheiro que integrar os elementos previsto na referida norma, como matéria de defesa, arguir a oposição por usucapião, a fim de excluir o referido bem da partilha do casal, ante a nova forma de aquisição da propriedade prevista na lei civil.

 

Outrossim, há que se informar que para desnaturar a posse ininterrupta e sem oposição, não adianta o cônjuge temeroso em perder sua meação, promover notificações ou realizar boletins de ocorrência, tem que se buscar medida efetiva para assegurar seu direito, ou seja, é por meio de ação reivindicatória de direito sobre o referido bem, através de propositura de ação de divórcio, dissolução de união estável, arbitramento de aluguel, concessão de usufruto, fixação de comodato, utilização do bem como pagamento de alimentos in natura ou parte da pensão alimentícia em ação de alimentos ou pelo menos o custeio das despesas e manutenção do bem (não, necessariamente de seu uso).


Na verdade, o advento desta lei exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso da ex-companheira ou ex-cônjuge, e as custas desta, promova ato a fim de regularizar a situação jurídica do bem em face ao casal, não necessariamente impondo litígio entre as partes, mas tornando o bem objeto de composição, consensual ou mesmo litigiosa, para que desapareça a situação recorrente nas lides familistas, onde o cônjuge após 5 ou 10 anos, busca, uma das partes, a partilha de um bem, sem nada ter contribuído ao longo dos anos, tampouco reembolsando o que contribuíra aquele cônjuge ou companheiro, persistente, que ficara no imóvel de forma pessoal ou com sua família.

 

É claro, que a vigência da norma não será a partir de sua publicação, mas a contar da mesma, ou seja, a partir de 2013 as pessoas que se adequarem a situação trazida no CC 1.240-A, poderão usucapir a meação do ex-companheiro ou ex-cônjuge, não impondo, porém, que desde hoje, possa se usucapir copropriedade de coerdeiro ou ex-cônjuge / ex-companheiro, quando a situação adequar-se às outras modalidades de usucapião (extraordinária, ordinária ou especial).

 

O que parece um situação nova no direito de família não o é no direito das coisas, pois, se um detentor de um bem por anos nada reivindicar sobre seu bem à disposição de outro, que exerce o animus domini ao invés daquele, perderá sua propriedade pela usucapião. O CC 1.240-A, apenas traz nova situação para caso específico, não inova em substância, apenas em casuística.

 

O tempo trará novas perguntas, a imaturidade do tema, causará muitos erros, mas, como tudo no direito, a discussão, o tempo e a boa vontade de seus profissionais, por certo, promoverá a adequação do instituto ao mais próximo da justiça, ato e fato que se espera do direito. (Douglas Phillips Freitas, publicado em 09/2011, no site da Jus.com.br, intitulado Usucapião e Direito de Família - Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião especial urbana por abandono do lar foi instituída pela Lei 12.424/2011 e possui semelhanças com a prevista no artigo 1.240, denominada regular por parte da doutrina. Uma das principais diferenças em relação à usucapião especial urbana regular é a exiguidade do prazo, uma vez bastar a posse pelo período de dois anos, sendo o abandono do lar elemento essencial para a sua configuração. Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal a seguir dizem:

 

Enunciado n. 498: “A fluência do prazo de 2 anos, previsto pelo CC 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada, tem início a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011”;

 

Enunciado n. 499: “A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no CC 1.240-A só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao objeto de usucapião”;

 

Enunciado n. 500: “A modalidade de usucapião prevista no CC 1.240-A pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas”;

 

Enunciado n. 501: “As expressões ‘ex-cônjuge’ e ‘ex-companheiro’, contidas no CC 1.240-A, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio”;

 

Enunciado n. 502: “O conceito de posse direta do CC 1.240-A não coincide com a acepção empregada no CC 1.197 do mesmo Código”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Este artigo publicado no site Âmbito Jurídico por Silvano Vieira Rodrigues, “A incoerência sistêmica do Artigo 1.240-A do Código Civil brasileiro”, traz uma análise crítica da nova modalidade de usucapião estabelecida pela Lei 12.424, de 16 de junho de 20122, a qual inseriu o CC 1.240-A no Código Civil brasileiro, considerando, sobretudo, as normas já existentes no que tange ao Instituto da Usucapião e bem ainda as implicações da nova previsão legal nas normas atinentes às relações de família. Segundo ele, ao legislador cumpre a produção de normas que atendam às demandas sociais, sem, todavia, provocar incoerências no sistema legal já existente, uma vez que o ordenamento jurídico é compreendido como um godo, um sistema harmonioso de regras e princípios que disciplinam a convivência de determinado povo submetido a uma determinada jurisdição. Nesse diapasão, qualquer norma criada sem a devida observância da harmonia sistêmica e tida como desconexa, devendo, portanto, ser extirpada do referido sistema.

 

A recente alteração havida no Código Civil brasileiro, introduzida pela Lei 12.424, a qual inseriu o artigo em comento, parece se ressentir de falta de coerência com o sistema normativo no qual foi inserida. A análise da sua conveniência ou inconveniência deve ser feita de modo detido, pondo-a em confronto com as regras e princípios informadores da área específica onde a sua força normativa irá atuar. Assim, considerando que as alterações advindas da referida Lei, criam uma nova espécie de Usucapião e bem ainda, espraiam sua força normativa sobre as relações de família, é sob esse binômio que ela deve ser posta em análise.

 

A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, nas palavras de Carlos Alberto Gonçalves (2010, p. 256) “é o modo originário da aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei” e continua o jurista citado, “é uma instituição multissecular, que nos foi transmitida pelos romanos” (Gonçalves, 2010, p. 257). Conforme se observa, a usucapião foi concebida com o fito de possibilitar a aquisição da propriedade àquele que, tendo a posse, e sendo esta somada a determinados requisitos legalmente previstos, faltasse-lhe o título de domínio.

 

A nova modalidade de usucapião, prevista no CC 1.240-A, a exemplo das demais modalidades já existentes, encontra-se inserida no livro III, título III, especificamente no capítulo II do Código, intitulado: Da aquisição da propriedade imóvel, todavia, parece não ter observado o legislador que, em regra, o bem a ser usucapido já pertence ao usucapiente, que o possui em condomínio com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, conforme se observa da leitura do referido artigo:

 

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (grifo nosso).

 

Ora, sendo o usucapiente dono de fração ideal do bem a ser usucapido, não se pode dizer que este teria exercido meramente a posse sobre uma determinada parte do imóvel, posto que, sendo condômino, possui o todo em conjunto com o seu ex-cônjuge ou ex-companheiro. Assim, não se encontrando o bem já devidamente partilhado, em todos os cômodos do imóvel onde o possuidor exerceu a sua posse, exerceu também a propriedade, não podendo, por isso, usucapi-lo, uma vez que, em última análise, estaria usucapindo bem de sua propriedade.

 

Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 258), com sua habitual precisão e maestria, “o fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio”. Consoante se pode observar, constitui fundamento comum a todas as modalidades de usucapião, o objetivo de impor ao proprietário o uso racional da propriedade, e bem ainda a necessidade de conferir à posse, que é mera situação de fato, a qual a lei não negue efeitos possessórios, uma transmutação em situação de direito, outorgando ao possuidor o título de propriedade.

 

Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 1262), referindo-se à usucapião promoradia, prevista na Constituição Federal de 1988, enfatiza que: “A criação do novo instituto justifica-se diante do quadro caótico por que passa a problemática da moradia em nosso país. Seu objetivo é cumprir a função social da propriedade urbana, atendendo ao apelo proveniente de vários movimentos e pressões de favelados quando da feitura do Texto de 1988.” Nesse caso, justifica-se a preocupação do legislador, uma vez que a falta de um instrumento legal capaz de atender aos clamores advindos da sociedade, referentes à regularização da propriedade, é causa de outros vários problemas de ordem urbanística, sendo, inclusive, obstáculo ao cumprimento da função social da cidade.

 

Diferentemente é o que ocorre com o novo instituto de usucapião, criado pelo CC 1.240-A, pois se pretendeu o legislador fazer com que aquela propriedade, passível de ser usucapida, seja utilizada de acordo com a sua função social, andou mal, uma vez que o imóvel jamais esteve em abandono, sendo utilizado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, no mais das vezes, em conjunto com os próprios filhos do casal. O mesmo se diga se o argumento justificador da criação do novo instituto foi o de criar uma forma de regularização da propriedade, posto que o cônjuge que permanece no imóvel já dispõe de instrumento legal para regularizar a situação do bem cuja propriedade divide com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, que é promoção da partilha dos bens do casal.

 

Consoante se depreende da leitura do CC 1.208, há situações que, a despeito de existir de fato o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, não resta caracterizada a posse, mas mera detenção, conforme se observa: “Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Como se observa, para que fique caracterizada a posse, necessário se faz sobre a situação de fato onde se exerce algum dos poderes inerentes à propriedade, não recaia norma legal proibindo expressamente a sua caracterização.

 

Dessa forma, ainda que se pudesse desconsiderar que, em regra, o usucapiente já se faz proprietário do bem a ser usucapido, esbarraríamos em outro inconveniente, que seria a inexistência de posse, mas mera detenção sobre a fração ideal do imóvel do ex-cônjuge ou ex-companheiro que, ao ver frustrado seu enlace matrimonial, sai do imóvel para que nele possa continuar residindo seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, restando patente a caracterização de mera permissão ou tolerância, o que fulmina qualquer pretensão de ver reconhecida a existência de posse.

 

Oportuno lembrar, ainda, que o nosso direito civil atual, pautado na solidariedade e eticidade, jamais poderia premiar o cônjuge remanescente que já sabe, desde o início quem, juntamente consigo, detém a propriedade do imóvel, dispondo, inclusive, de instrumentos legais para a regularização da sua fração ideal na propriedade, o que pode fazer através da partilha dos bens do casal. Diferentemente, tem-se a situação em que alguém ocupa um bem ocioso, de propriedade desconhecida, onde se observa a utilidade do instituto da usucapião, uma vez que o único instrumento legal para a regularização da propriedade seria lançar mão do referido instituto. Legitimar a conduta de alguém que, sabendo ser proprietário de apenas uma fração ideal do imóvel, e bem ainda que já dispõe de meios para efetivar a partilha do bem, não o faz, preferindo aguardo o decurso dos dois anos para intentar ação d usucapião, seria abandonar a boa-fé e premiar comportamentos espúrios, conspurcando todo um sistema normativo protetor da dignidade da pessoa humana, da eticidade das condutas e da solidariedade entre os povos. Dessa forma, se o novo instituto se faz inadequado para a regularização da propriedade, mostrando-se também inócuo à imposição de cumprimento da sua função social, resta analisar se o mesmo se faz útil às relações de família, onde inevitavelmente, provoca reflexos.

 

A nova modalidade de usucapião traz reflexos diretos nas relações de família, trazendo uma penalidade injustificada ao cônjuge que, ao ver fracassado o seu projeto de família, busca minimizar os reflexos negativos da situação deixando o ex-cônjuge ou ex-companheiro, por vezes na companhia dos filhos do casal, na residência pertencente a ambos. Dessa forma, onde hodiernamente não se discutia mais culpa pelo insucesso do casamento, com a instituição da nova modalidade de usucapião, vê-se novamente punir aquele que deixa o lar após o termino do casamento, o que não se coaduna com o atual estágio do direito de família.

 

Conforme observa Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 24/25), com amparo na Doutrina de Caio Mario da Silva Pereira, assevera: “Os novos rumos conduzem à família socioafetiva, onde prevalecem os laços de afetividade sobre os elementos meramente formais. Nessa linha, a dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial e pelo divórcio tende a ser uma consequência da extinção da affectio e não da culpa de qualquer dos cônjuges.”

 

O novo direito de família, com uma visão constitucional e ampla proteção à dignidade da pessoa humana, não busca perquirir culpa nas relações conjugais, estando o novo dispositivo em contramão com as normas já existentes. A nova modalidade de usucapião contraria, ainda, o princípio da livre aquisição e administração do patrimônio familiar, previsto no inciso II do CC 1.642, não se justificando a ingerência do Estado na forma como devem os ex-cônjuges ou ex-conviventes lidar com o patrimônio que adquiriram durante a existência da relação familiar. (Silvano Vieira Rodrigues, Acadêmico de Direito na UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso/BA “A incoerência sistêmica do Artigo 1.240-A do Código Civil brasileiro”, publicado em 01/03/2012 no site ambitojuridico.com.br, acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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