Direito Civil Comentado - Art. 1.239, 1.240, 1.240-A
- continua
Da Usucapião - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro III – Título III –
Da Propriedade
(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da
Propriedade Imóvel
Seção I – Da
Usucapião –
digitadorvargas@outlook.com
– vargasdigitador.blogspot.com
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como sua por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de
terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Abrindo o disposto no art. 191 da Constituição Federal, no parecer de Francisco Eduardo Loureiro, na verdade, a Constituição
Federal reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na
década de 1970. A
usucapião especial rural, conhecida também como pro labore, está
inserida no capítulo da política agrícola e fundiária da Constituição Federal e
tem nítido escopo de fixar o homem ao campo, conferindo a possibilidade de, em
curto espaço de tempo, atribuir propriedade ao possuidor que pessoalmente deu
função social à gleba rural, tornando-a produtiva e nela fixando moradia. De um
lado, o prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De
outro lado, limita-se a categoria destinatária do benefício, mediante a criação
de uma série de requisitos objetivos e subjetivos.
A Lei n. 6.969/81 já
tratava da usucapião especial rural, embora com alguns requisitos distintos do
art. 191 da CF. Assim, a área máxima usucapível, que era de 25, passou a 50 ha.
Admitia-se usucapião de terras públicas devolutas, o que hoje é vedado por
força de regra expressa no parágrafo único do art. 191 da Constituição. Tal
quadro permite concluir que, no tocante à usucapião rural, o quinquídio não se
inaugura no ano de 1988, por não se tratar de instituto novo. Somente pode se
cogitar de surpresa ao proprietário no que se refere a áreas superiores a 25 e
inferiores a 50 ha, medida não contemplada na legislação de 1981. Como dito, o
artigo em exame cria uma série de requisitos especiais subjetivos e objetivos.
Tais requisitos somam-se àqueles básicos da usucapião extraordinária, quais
sejam: posse contínua, pacífica e com animus domini. Quanto aos
requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta
modalidade de usucapião, porque não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo
moradia própria ou com sua família na gleba rural.
O usucapiente não pode
ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Tal vedação diz respeito
somente ao período do quinquídio aquisitivo. É irrelevante que o usucapiente
tenha sido dono antes, ou que passe a ser dono depois de consumar o prazo
necessário à usucapião, ainda que antes do ajuizamento da ação, pois a sentença
é declaratória e apenas reconhece aquisição originária preexistente. Fala a lei
em propriedade, de modo que nada impede o usucapiente ser possuidor, ou titular
de direito real de gozo, fruição ou de garantia sobre coisa alheia. A vedação
diz respeito à propriedade plena, de modo que não alcança a propriedade
fiduciária, que constitui patrimônio de afetação com escopo de garantia, e nem o
direito de superfície, que tem por objeto apenas a construção ou plantação
temporariamente separada do solo. Em determinadas situações, o condomínio não
constitui óbice subjetivo à usucapião rural, quando ficar evidenciado que a
fração ideal e a ausência de posse impedem que o usucapiente estabeleça no
imóvel comum sua moradia, ou o torne produtivo com seu trabalho. Já se julgou
que condômino com posse localizada pode requerer usucapião especial rural da
gleba que ocupa com exclusividade (RJTJSP 96/249).
O que deseja evitar o
legislador é a especulação, mediante extensão indevida da usucapião social a
destinatários que tenham condições econômicas de adquirir a gleba a título
oneroso. Em tal hipótese, encaixa-se o titular de direito real ou pessoal de
compromissário comprador de gleba distinta, já imitido na posse. Trata-se de
direito de aquisição, no qual a propriedade remanesce vazia de conteúdo nas
mãos do promissário vendedor, apenas com o fim de garantia do recebimento do
preço. Não teria sentido admitir que o compromissário comprador, já titular dos
direitos de usar, fruir e mesmo ceder direitos sobre uma gleba, gozasse do
favor da usucapião especial sobre gleba distinta. Não cabe ao usucapiente
provar fato negativo, o de não ser proprietário de imóvel distinto. Quando
muito, podem-se exigir certidões negativas imobiliárias da comarca na qual se
situa o imóvel usucapiendo. O contestante é que prova o fato positivo da
propriedade sobre outro imóvel durante o lapso temporal aquisitivo.
No que se refere ao objeto,
a gleba usucapiente deve situar-se em zona rural, fora, portanto, do perímetro
urbano, não bastando sua destinação rústica. O limite máximo usucapível é de 50
ha. Não cabe ao usucapiente decotar posse sobre gleba maior para obter a
usucapião especial, pois tal conduta colheria de surpresa o proprietário
registrário. Durante todo o quinquênio deve a posse estar limitada ao teto
previsto pelo legislador. Pode ocorrer da gleba ser inferior ao módulo rural.
Há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, mas, se a finalidade
de tornar a gleba produtiva for preenchida pelo possuidor, o melhor
entendimento é admitir a usucapião, em razão da natureza originária de
aquisição (a favor, RJTJSP 209/266 e 247/75; RT 681/602 e 693/133; contra,
RT 652/65 e RJTJSP 133/148). Ressalva-se a ocorrência de fraude à lei, em
especial nos casos nos quais há negócio jurídico de alienação da gleba,
pretendendo o adquirente contornar a vedação cogente com o instituto cia
usucapião, o que se mostra inadmissível.
Exige a lei, ainda, dois
outros requisitos objetivos cumulativos, o usucapiente ter tornado a gleba
produtiva, com trabalho próprio e de sua família, e nela ter estabelecido sua
moradia. Destaca-se o caráter de pessoalidade da posse, exigindo o legislador que
a gleba seja produtiva pelo trabalho do possuidor, sem necessidade de
demonstrar que antes era a gleba inculta. É preciso que o usucapiente demonstre
o desenvolvimento de atividade agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial
no imóvel, que deve já estar produzindo ou, ao menos, apto a produzir. Nada
impede a utilização de prepostos ou empregados, desde que somem esforços ao
trabalho pessoal do possuidor e de seus familiares. Não basta o trabalho,
devendo, também, o possuidor estabelecer na gleba sua moradia.
Note-se,
finalmente, que o legislador deliberadamente não estendeu à usucapião especial
rural uma das limitações aplicadas somente à usucapião especial urbana, qual
seja, a de que o direito não pode ser reconhecido ao possuidor mais de uma vez.
Pode, portanto, o possuidor que já se beneficiou anteriormente do instituto e
alienou a gleba usucapida, inaugurar um novo período de posse quinquenal sobre
outra gleba rural. A regra tem razão de ser, porque há interesse social não
somente em proporcionar a aquisição de gleba rural à população carente, mas
também tornar novas glebas produtivas. A questão da possibilidade da soma das
posses para fins de usucapião especial rural será examinada nos comentários ao
art. 1.243.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.222-23.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Não se estende muito Ricardo Fiuza, fazendo constar
em seu histórico a relação atual deste dispositivo quando teve origem na emenda
de n. 129, de
responsabilidade do Senador Gabriel Hermes, substituindo o texto anterior pela
redação do art. 191 da Constituição Federal. Excluiu-se da reprodução o
parágrafo único por haver regra geral no Código estipulando que “os bens
públicos não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). A emenda apenas adaptou a
redação do artigo ao disposto no art. 191 da CFI8S.
Na
Doutrina de Fiuza, este dispositivo,
além de adequar-se ao art. 191 da CF de 1988, também trouxe para o bojo do
Código Civil a usucapião especial de imóveis rurais, anteriormente prevista na
Lei n. 6.969, de 10- 12-1981, tendo sido adotada a dimensão da gleba de
cinquenta hectares, prevista na Constituição de 1988. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob a ótica dos autores Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo trata da usucapião especial
rural, exigindo para a aquisição da propriedade o lapso temporal de cinco anos
de posse ininterrupta e sem oposição, desde que o possuidor não seja
proprietário de outro imóvel, determinando como limite a área de cinquenta
hectares, com a demonstração efetiva de atividade produtiva da terra somada à
prova da moradia, cumulativamente. A Constituição Federal trata desta
espécie no art. 191.
O artigo 3º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião
especial rural ocorra em áreas indispensáveis à segurança nacional, terras
habitadas por silvícolas e em áreas de interesse ecológico, consideradas como
tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou
municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos demais
ocupantes a preferencia para assentamento em outras regiões, pelo órgão
competente.
Três Enunciados do Conselho da Justiça Federal
garantidores da ordem são:
Enunciado 312: “Observado o teto constitucional,
a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em
consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”.
Enunciado 313: “Quando a posse ocorre sobre área
superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião
especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.
Enunciado 317: “A accessio
possessionis, de que trata o CC 1.243 – primeira parte, não encontra
aplicabilidade relativamente aos CC 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em
face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, artigos 183 e
191, respectivamente”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e
cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem
ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido
ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Sob a perspectiva de Francisco Eduardo
Loureiro, o artigo em exame reproduz
integralmente o disposto no art. 183 da Constituição. Na verdade, a
Constituição Federal é que reproduziu o texto do então projeto do Código Civil,
elaborado na década de 1970. A usucapião especial urbana, conhecida por
usucapião pro moradia, está inserida na Carta Magna no capítulo da
política urbana e se volta à regularização fundiária e garantia do direito
fundamental à moradia para a população de baixa renda.
O art. 9º do Estatuto da
Cidade (Lei n. 10.257/2001) também disciplina a usucapião individual especial
urbana, em preceito aparentemente semelhante ao ora em comento, mas que guarda
algumas diferenças quanto aos requisitos objetivos, com menção à limitação das
áreas de terreno e de construção, bem como quanto às regras de transmissão da posse
por ato causa mortis. Tal artigo, por disciplinar exatamente a mesma
situação jurídica, voltada aos mesmos destinatários, encontra-se revogado pelo
CC 1.240, ora em exame, lei posterior que trata da mesma matéria. Em outras
palavras, as alterações introduzidas pelo art. 9° do Estatuto da Cidade tiveram
vida curta, não sobrevivendo à vigência do Código Civil de 2002. A usucapião
coletiva do art. 10 da Lei n. 10.257/2001, porém, que trata de situação
diversa, encontra-se em plena vigência e não foi alterada pelo Código Civil de
2002.
O prazo da usucapião
especial urbana é de cinco anos e o quinquênio somente se inaugura no ano de
1988, não se computando prazo anterior à Constituição Federal, por se tratar de
instituto novo (RTJ 166/237, 165/371,175/352 e 165/348). De um lado, o
prazo é exíguo, com o fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro
lado, a categoria destinatária do benefício é limitada mediante uma série de
requisitos objetivos e subjetivos. Note-se que os requisitos básicos de todo
usucapião estão implícitos no CC 1.240, ou seja, a posse deve ser contínua,
pacífica e com animus domini.
Quanto
aos requisitos subjetivos, somente a pessoa natural pode ser autora desta
modalidade de usucapião, pois não se cogita de pessoa jurídica estabelecendo
moradia própria ou com sua família no lote urbano. Nada impede que diversos
compossuidores, familiares ou não, desde que preencham os demais requisitos
previstos no CC 1.240, figurem todos no polo ativo. Não pode o usucapiente ser proprietário
de outro imóvel urbano ou rural. A respeito de tal requisito, remete-se o
leitor aos comentários ao artigo anterior, aqui se aplicando, em tal ponto,
tudo o que lá foi dito. No que se refere aos requisitos especiais objetivos,
deve a área usucapida situar-se em zona urbana. O critério é por localização e
não por destinação da área, descabendo usucapião sobre imóvel situado na zona
rural, mas com finalidade urbana. A área de superfície máxima do terreno é de
250 m². Pouco importa que a construção tenha área superior à do terreno,
edificada em mais de um pavimento (RT 675/89). Cabe inclusive a
modalidade especial para usucapir unidade autônoma em condomínio edilício,
consoante dispõe o Enunciado n. 85 do CEJ: “ Para efeitos do CC 1.240, caput,
do novo Código Civil, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado ou não,
inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”. Em tal caso,
é razoável que a área de superfície a ser levada em conta seja a total, a área
privativa da unidade autônoma somada à fração ideal do terreno (RDI12/201).
Como referido nos comentários ao artigo anterior, não pode o usucapiente manter
posse de gleba maior, mas dela decotar a área de superfície de 250 m² apenas
para obter usucapião especial. A conduta significaria inegável surpresa ao
titular do registro, pois suprimiria o prazo suplementar para as demais
modalidades de usucapião. Durante todo o quinquênio, deve a posse obedecer ao
limite de área fixado no artigo em exame. Como já visto, nada impede, por outro
lado, que a gleba usucapienda seja de dimensões inferiores ao tamanho mínimo de
lotes, previsto no art. 4º da Lei n. 6.766/79, ou em legislação municipal.
O
§ 2º do CC 1.240 do atual Código Civil reza que a usucapião urbana e a
concessão especial de uso não serão reconhecidas ao possuidor mais de uma vez.
A restrição se limita à usucapião especial urbana, não se estendendo, portanto,
à usucapião especial rural, que, como visto, pode ser postulada mais de uma vez
pelo usucapiente. Impede o legislador, assim, que o usucapiente se beneficie
mais de uma vez da figura protetiva da usucapião especial urbana. Nada impede,
portanto, já ter requerido anteriormente outra modalidade de usucapião, desde
que não seja proprietário ao tempo no qual corre o prazo quinquenal; ou, ao
contrário, que, após usar a prerrogativa do CC 1.240, requeira, em relação a
imóvel diverso, usucapião rural, ordinária ou extraordinária.
O
§ 1º do artigo diz que o título de domínio e a concessão de uso serão
concedidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
O que permite o preceito é a pessoa solteira, casada, ou vivendo em regime de
união estável, poder ajuizar individualmente a ação de usucapião, sem
consentimento do outro cônjuge ou necessidade de que este figure como
litisconsorte ativo necessário. A situação tem especial utilidade nos casos de
casais separados de fato, permitindo ao possuidor usucapir em nome individual o
imóvel e, desde que todo o prazo quinquenal tenha corrido após a separação de
fato, o bem se tornará próprio, sem comunicação ao consorte. Caso, porém, o
prazo quinquenal para a usucapião tenha corrido na constância de união estável
ou do casamento, pode qualquer um dos cônjuges figurar sozinho no polo ativo da
demanda, mas a procedência da ação a ambos beneficiará, tornando o imóvel
comum. A alusão da incidência de algumas das regras da usucapião à concessão de
uso especial para fins de moradia não deveria constar do Código Civil, que dela
não trata no caput do preceito, nem em outros dispositivos. A figura da
concessão estava prevista nos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade, os quais,
porém, receberam veto do Presidente da República e atualmente é disciplinada
pela Medida Provisória n. 2.220/2001. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.225-26. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
28/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Como não deixou passar a observação na Doutrina do
relator Ricardo Fiuza, a
usucapião prevista no art. 183 da CF, agora adotada pelo Código Civil, é a
chamada usucapião especial urbana. Tem características próprias que fazem
ressaltar o caráter social do instituto. Começando pela legitimidade, somente
poderá beneficiar-se com a usucapião especial urbana a pessoa física que não
tenha título de propriedade de outro imóvel urbano ou rural. A pessoa jurídica,
portanto, não poderá valer-se dessa modalidade de usucapião. Cumpre não perder
de vista que o imóvel deverá estar localizado em área urbana e ter dimensões
máximas de duzentos e cinquenta metros quadrados, não podendo ser de domínio
público. A posse deve prolongar-se pelo prazo mínimo de cinco anos
ininterruptos, e o bem deverá destinar-se à moradia do usucapiente ou de sua
família. O direito à usucapião não será reconhecido mais de uma vez ao mesmo
possuidor. Entendemos que o possuidor só teria legitimidade para propor a
usucapião especial urbana a partir de 5-10-1993 (RT, 727/169),
data em que se completaram os cinco anos de vigência da CF de 1988, e isso em
função do direito intertemporal, respeitando-se, por conseguinte, o princípio
da irretroatividade da lei. Não importando o estado civil dos possuidores,
homem ou mulher, o título de domínio e a concessão de uso serão dados aos dois,
sendo que esse direito não será dado ao mesmo possuidor mais de uma vez.
(Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 641, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na linha de raciocínio dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, a usucapião urbana especial (pro misero) requer o
mesmo prazo quinquenal de posse, com a prova efetiva da moradia do possuidor,
em área urbana não superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, desde que
não seja proprietário de outro bem imóvel. Esta modalidade de prescrição
aquisitiva urbana encontra-se regulada tanto no art. 183 da Carta Magna quanto
no art. 9º do Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, que acaba complementando
o regramento do Código Civil. O Estatuto da cidade dispõe que o herdeiro
legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já
resida no imóvel por ocasião da sucessão (§ 3º do art. 9º). Trata-se de regra
especial em relação ao disposto no CC 1.243, a soma das posses, no caso da
usucapião especial urbana, somente pode ser mortis causa.
De acordo com os Enunciados do
Conselho da Justiça Federal de números 85 “Para efeitos do CC 1.240, caput,
do atual Código civil, entende-se por “área urbana” o imóvel edificado ou não,
inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”; e 314 “Para
os efeitos do CC 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem
máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum”.
(Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2
(dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com
exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros
quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou
ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O
direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.
§ 2º No
registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor da ação
judicialmente considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do registrador
não incidirão e nem serão acrescidos a quaisquer títulos taxas, custas e
contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo
de custeio de atos gratuitos, fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como
de associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer
título ou denominação.
Em artigo
publicado por Douglas Phillips Freitas, em 09/2011, intitulado Usucapião e
Direito de Família - Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, o advento
da Lei n. 12.424 exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso da ex
companheira ou ex cônjuge e as custas desta, promova ato a fim de regularizar a
situação jurídica do bem em face ao casal.
A
comunidade jurídica foi surpreendida com a publicação da Lei 12.424 de 16 de
junho de 2011, que, ao tutelar questões relativas ao plano Minha Casa, Minha
Vida, do Governo Federal, alterou a redação do Código civil de 2002, incluindo
o CC 1.240-A em sua redação. A intervenção e
colisão dos interesses público e privado é situação estruturada e consolidada
em nosso ordenamento jurídico, que, tem se avolumado nos últimos anos, em
especial com a efetivação dos princípios e escopos constitucionais, tais como
dignidade da pessoa humana, função da propriedade, entre outros. A referida
inovação normativa, ocorreu pela ordem trazida no art. 9º da lei n.
12.424/11 (In verbis: "Art. 9º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a
vigorar acrescida do seguinte art. 1.240-A") , sendo, que tal
artigo não fora incluso na explicação da ementa da norma, pois, como pode
se vislumbrar no Projeto de Conversão de Lei n. 10/2011, a exposição de
motivos (ver:senado.gov.br/atividade/materia)
constante, é a transcrição literal da mesma exposição de motivos da MP
514/2010, (senado.gov.br/atividade/materia) tanto
que a expressão "medida provisória" sequer foi alterada na teor da
explicação da ementa da nova lei, tampouco, houve comentário aos artigos não
existentes na dita Medida Provisória, como o art. 9º, que inclui o CC 1.240-A
no Código Civil. Porém, a polêmica não se deu apenas pelas gravíssimas falhas
técnicas da referida norma, até por uma possível inconstitucionalidade ante o
princípio da vedação de retrocesso, (que, como se argumentará, é superável, já
que não há retrocesso por uma análise sistemática da norma), mas, sobretudo,
pelo reflexo nas questões familiares, no tocante ao patrimônio comum dos
cônjuges e companheiros e seu destino após a separação de fato
do casal. A redação do referido instituto controverso, que, a princípio criou
uma nova modalidade de usucapião urbana especial, é a redação do artigo em comento com seus
parágrafos. Antes de adentrar nos reflexos da referida norma e as primeiras
impressões sobre o instituto, há que se falar na substancial
inconstitucionalidade referida, como bem identificou o jurista e pesquisador
gaúcho, Ricardo Arrone na palestra Usucapião por abandono familiar:
possível retrocesso jurisprudencial por miopia legislativa, realizada no
dia 2 de setembro de 2011, no curso "Usucapião por abandono familiar –
aspectos constitucionais, materiais e processuais" realizado sob a
coordenação de meu amigo Marcos Catalan, na OAB do Rio Grande do Sul, em
promoção da ESA-RS, em 01 e 02 de setembro de 2011.
Da possível inconstitucionalidade - No entendimento de muitos juristas,
o art. 1.240-A do Código Civil impõe o retorno da discussão do elemento da
culpa no fim da relação, a fim de configurar o abandono de lar decorrente da
menção legislativa "abandonou o lar" trazido no caput da norma,
quando, a jurisprudência, doutrina, e, de certa forma, a lei, com o advento da
EC 66 do divórcio, rechaçam tal discussão, que, sobretudo atenta contra a
dignidade da pessoa humana, senão, impossível de ser travada ante a
inexistência de culpados pelo desamor.
O STJ, neste sentido, também se manifesta, referenciando em seus
julgados a decisão: “Separação Judicial. Pedido Intentado Com Base Na Culpa
Exclusiva Do Cônjuge Mulher. Decisão Que Acolhe A Pretensão Em Face Da
Insuportabilidade Da Vida Em Comum, Independentemente Da Verificação Da Culpa
Em Relação A Ambos Os Litigantes. Admissibilidade. - A despeito de o pedido
inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não
comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração
outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e,
diante disso, decretar a separação judicial do casal. – Hipótese em que da
decretação da separação judicial não surtem consequências jurídicas relevantes.
Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados (STJ. EREsp 466329
(2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ 01/12/2006).
Ante tal contexto, o CC 1.240-A, estaria, à luz do entendimento daqueles
que veem a norma como forma de voltar a discutir o elemento culpa no fim do
relacionamento, promovendo um verdadeiro retrocesso jurídico, afrontando o
princípio constitucional de vedação a retrocesso.
Da
Contextualização Da Norma: Desnecessidade De Discussão Da Culpa Pelo Fim Da
União - Desde o advento da Constituição Cidadão, o princípio de vedação a
retrocesso, guinado à carta máxima, com reforço decorrente da EC 45, há
imposição de regras à produção e interpretação da legislação a fim de não
recepcionar e tornar inconstitucional as incompatibilidades com o texto
expresso, bem como, determinar ao legislador a produção de normas consoante aos
valores fundamentais, proibindo retrocessos. Com máxima
vênia ao entendimento diverso, o fato é que o processo hermenêutico
exige, à luz do próprio princípio de vedação a retrocesso, que
a aplicação prática da norma se dê de forma atual, contextualizada e,
sobretudo, sistematizada.
[...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas
constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo
pé, a sua eficácia e permanência [...] a ideia aqui expressa também tem sido
designada como proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária.
Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos. A necessidade de
voltar a discutir a culpa pela separação de fato, seria, sem dúvidas, um
retrocesso jurídico, já que encontra-se superada esta questão pela
jurisprudência e, consequente atentado à direitos constitucionais como a
dignidade da pessoa humana e o direito a proteção ao patrimônio. Mas,
entende-se que houve atecnia na dicção da legislação na expressão
"abandonou o lar", que, sem dúvidas, remete o leitor ao instituto do
"abandono familiar". Porém, para efeitos de aplicação eficaz da norma
dever ser lida como "separação de fato" e "abandono
patrimonial" e os efeitos decorrentes destes institutos, onde, no
primeiro, impõem-se o fim da comunicação patrimonial, e, no segundo, da perda
do patrimonial, ambas situações previstas na lei. A interpretação sistemática
da legislação, regra de hermenêutica jurídica, dita que, na análise desta
situação, se houver interpretação diversa, haverá a necessidade de discussão de
culpados, fato que se colide com o princípio constitucional de dignidade da
pessoa humana, e, coadunando, no caso do entendimento da separação de fato como
instituto aplicável, há perfeita vinculação do principio da dignidade da pessoa
humana com o da função social da propriedade, que, no entendimento contrário,
tal amalgama, não se torna possível, fazendo tais princípios colidirem entre
si.
A usucapião, como já visto acima, é forma de aquisição originária de
propriedade prevista no Código Civil. E "tudo começa pela existência de
uma posse", como assevera Almir Martins. Para cada espécie de
Usucapião há exigências específicas relativa à posse, forma de aquisição, tempo
e até área. Dentre as várias formas de aquisição de propriedade, a usucapião é
uma das mais interessantes a ser estudada. O CC 1.241, que será vista a seguir,
informa que "poderá o possuidor requerer ao Juiz seja declarada adquirida,
mediante usucapião a propriedade imóvel".
Dentre as espécies de Usucapião, destacam-se a Usucapião Extraordinária;
Usucapião Ordinária; Usucapião Especial Rural; Usucapião Especial Urbana;
Usucapião Indígena e, agora, a Usucapião Especial Urbana por abandono de lar.
A primeira espécie de Usucapião e mais comum, prevista no art. 1.238, do
Código Civil, a Usucapião Extraordinária, possui como critérios configuradores
deste direito, ampla possibilidade, onde: "Aquele
que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquirir-lhe a propriedade, independente de título e boa-fé,
podendo requererão ao Juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O prazo
previsto para esta modalidade de usucapião, diminui com a forma do uso (para 10
anos se for destinada a moradia, por exemplo), e, para as demais modalidade, o
prazo já inicia reduzido, sendo, que cada qual, de acordo com as peculiaridade,
como o tipo do título de aquisição e área de abrangência da propriedade, o
prazo reduz-se ainda mais. Além da usucapião extraordinária e a ordinária, que
são as mais usuais, o Código Civil institui a usucapião constitucional ou
especial, com o fito de regularizar àqueles que detém a moradia do bem
usucapido, tanto na seara rural, como urbana. Embora haja outras modalidades e
muito o que se discorrer sobre o assunto, faz mister analisar a usucapião
urbana especial. Esta modalidade originalmente prevista na Carta Magna, é
a efetivação da função social da propriedade, prevista no mesmo diploma, entre
outros fundamentos. O fundamento desse instituto é a sanção ao proprietário por
dar cumprimento à função social da propriedade e benefício ao possuidor que a
atendeu. A referida modalidade de usucapião é prevista no CC 1.240, sendo,
antes disto, já descrita no Estatuto da Cidade, ora lei n.º 10.257 de
10/07/2001, mantendo consonância com o regramento constitucional.
A dita, nova modalidade de usucapião especial, prevista no CC 1.240-A,
segue a mesma linha, porém, trazendo outros elementos configuradores em sua
instituição, como se verá mais a frente. Antes, porém, há que se discutir a
possibilidade de usucapião em face de coproprietário, antes de passar a
discutir a modalidade prevista do CC 1.240-A, que, em linhas gerais, permite a
usucapião da meação do outro cônjuge ou companheiro.
Da Usucapião
De Bem Condominial - A
jurisprudência há algum tempo já têm se manifestado sobre a possibilidade de
usucapir imóveis condominiais. Com a separação de fato, ocorre o fim da
comunicação patrimonial, situação jurídica prevista desde a lei do divórcio e reconhecida pela doutrina e
jurisprudência, independentemente de cautelar de separação de corpos. Cabe, pois, à doutrina e à jurisprudência interpretar
que a regra constante do CC 1683, na realidade, é uma disposição geral,
aplicável, portanto, a todos os regimes de bens, e não apenas ao regime de
participação final nos aquestos, sob pena de violação aos princípios e
postulados constitucionais, além de ser clara hipótese de descumprimento do
princípio que veda o enriquecimento sem causa. A regra deve, pois, ser aplicada
aos regimes de comunhão (parcial e universal), não se podendo mais cogitar do
ingresso dos bens adquiridos, no período de separação de fato, à massa dos bens
comuns do casal.
Com a morte, ocorre, a transmissão imediata do patrimônio, regra trazida
no Código Civil em seu CC 1.784, em decorrência do efeito da saisine. Aplica-se
o chamado droit de saisine, originário do direito Francês. Segundo ele, o morto transmite seus bens
ao vivo, por consequência automática e imediata, independentemente da abertura
do inventário. Esta se dá depois, para mera formalização do ato transmissivo. A
lei prevê que o abandono de coisa impõe perda do patrimônio, como dita o CC
1.275 do Código Civil. Podendo, inclusive, ir ao Estado, se tal bem não tiver
na posse de outra pessoa, pois, para os fins da lei civil, a não conservação do
patrimônio e o inadimplemento das obrigações decorrentes do bem causa a
configuração do abandono. Condomínio é utilização do bem indivisível por
mais de uma pessoa, presente nos bens de meação e herança. Estas
conjugações têm sido analisadas e interpretadas sistematicamente, promovendo
julgados interessantes sobre o uso exclusivo de bem comum e, pelo lapso
temporal, sua aquisição por usucapião. Não se refere o autor, embora haja
julgados reconhecendo tal direito na usucapião de área comum em condomínio
edilício, por exemplo, mas, da usucapião da cota parte de herdeiros e meeiros.
Neste sentido, são julgados que coadunam com tal posição:
Apelação Cível. Ação De Usucapião. Área Pertencente
A Espólio Do Pai Do Autor. Possibilidade, Desde Que Provada A Posse Exclusiva (Pro Suo), A Elidir
Por Completo A Dos Demais Herdeiros. Controvérsia Quanto À Situação Da Área E O
Caráter Da Posse. Sentença Cassada. Remessa Dos Autos À Origem Para Instrução.
Recurso Conhecido E Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, de Turvo. Relator: Des. Victor
Ferreira. Dj 18/08/2010).
Apelação Cível. Usucapião Extraordinária.
Sucessão. Posse Exclusiva De Herdeiro. Comprovação. Transmutação Do Caráter
Originário Da Posse. Sentença De Procedência Mantida. Aquisição da
propriedade do imóvel por meio de herança. Exercício de posse exclusiva por um
dos herdeiros, durante mais de vinte anos, sem intervenção dos demais.
Transmutação do caráter da posse, oriunda de transmissão causa mortis, em
conjunto com os demais herdeiros, mas cuja utilização, individual, com ânimo de
dono, desde longa data, possibilitou a usucapião. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME (Apelação Cível n. 70021247291, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes
Nunes, j. 06-8-09).
Usucapião Extraordinária. Herdeiro. Afirmação Do Exercício De Posse Exclusiva Com Animus Domini. Viabilidade. Anulação Do Decisum Para Prosseguimento Da Actio. Recurso Provido (Apelação Cível n. 2006.034085-4, Rel. Des. Cesar Abreu, j. 25-6-02).
Usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva" (STJ, REsp n. 101009/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 13-10-98).
Em todos julgados, nota-se que, o coproprietário, decorrente de aquisição de sua cota por herança, por exemplo, que utiliza o bem em sua totalidade, como se seu fosse, adquire o elemento animus domini exigido para aquisição por usucapião e, pode, após, o lapso temporal de lei, pleitear o reconhecimento desta propriedade, pois, há anos, fora tratada como se sua fosse, logo, sua será.
Porém, a jurisprudência, também reconhece que certas situações elidem a figuração do animus domini, em situações correlatas ao tema, como, por exemplo, a existência de um comodato:
Usucapião extraordinário Ação procedente Recurso da contestante objetivando o reconhecimento de posse em condomínio Impossibilidade Existência de comodato verbal, reconhecido em outra demanda judicial Ausência de animus domini Recurso improvido. “Os comodatários, os depositários e os locatários, justamente por não serem portadores de animus domini, não têm posse ad usucapionem” (TJSP. AC 0279862-27.2009.8.26.00. Rel.: Des. Jesus Lofrano. Dj 13/09/2011).
Outrossim,
há que se informar que para desnaturar a posse ininterrupta e sem oposição, não
adianta o cônjuge temeroso em perder sua meação, promover notificações ou
realizar boletins de ocorrência, tem que se buscar medida efetiva para
assegurar seu direito, ou seja, é por meio de ação reivindicatória de direito
sobre o referido bem, através de propositura de ação de divórcio, dissolução de
união estável, arbitramento de aluguel, concessão de usufruto, fixação de
comodato, utilização do bem como pagamento de alimentos in natura ou parte da pensão alimentícia
em ação de alimentos ou pelo menos o custeio das despesas e manutenção do bem
(não, necessariamente de seu uso).
Na
verdade, o advento desta lei exige que o coproprietário que deixa o bem ao uso
da ex-companheira ou ex-cônjuge, e as custas desta, promova ato a fim de
regularizar a situação jurídica do bem em face ao casal, não necessariamente
impondo litígio entre as partes, mas tornando o bem objeto de composição,
consensual ou mesmo litigiosa, para que desapareça a situação recorrente nas
lides familistas, onde o cônjuge após 5 ou 10 anos, busca, uma das partes, a
partilha de um bem, sem nada ter contribuído ao longo dos anos, tampouco
reembolsando o que contribuíra aquele cônjuge ou companheiro, persistente, que
ficara no imóvel de forma pessoal ou com sua família.
É claro,
que a vigência da norma não será a partir de sua publicação, mas a contar da
mesma, ou seja, a partir de 2013 as pessoas que se adequarem a situação trazida
no CC 1.240-A, poderão usucapir a meação do ex-companheiro ou ex-cônjuge, não
impondo, porém, que desde hoje, possa se usucapir copropriedade de coerdeiro ou
ex-cônjuge / ex-companheiro, quando a situação adequar-se
às outras modalidades de usucapião (extraordinária, ordinária ou
especial).
O que
parece um situação nova no direito de
família não
o é no direito das coisas, pois, se um detentor de um bem por anos nada reivindicar
sobre seu bem à disposição de outro, que exerce o animus domini ao invés daquele, perderá sua
propriedade pela usucapião. O CC 1.240-A, apenas traz nova situação para caso
específico, não inova em substância, apenas em casuística.
O tempo
trará novas perguntas, a imaturidade do tema, causará muitos erros, mas, como
tudo no direito, a discussão, o tempo e a boa vontade de seus profissionais,
por certo, promoverá a adequação do instituto ao mais próximo da justiça, ato e
fato que se espera do direito. (Douglas Phillips Freitas, publicado em 09/2011,
no site da Jus.com.br, intitulado Usucapião e Direito de Família -
Comentários ao art. 1240 A do Código Civil, Acessado em 28/09/2020, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Sob o
prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião especial
urbana por abandono do lar foi instituída pela Lei 12.424/2011 e possui
semelhanças com a prevista no artigo 1.240, denominada regular por parte
da doutrina. Uma das principais diferenças em relação à usucapião especial
urbana regular é a exiguidade do prazo, uma vez bastar a posse pelo período de
dois anos, sendo o abandono do lar elemento essencial para a sua configuração.
Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal a seguir dizem:
Enunciado n. 498: “A fluência do prazo de 2 anos, previsto pelo CC 1.240-A para a nova
modalidade de usucapião nele contemplada, tem início a partir da entrada em
vigor da Lei n. 12.424/2011”;
Enunciado n. 499: “A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião
prevista no CC 1.240-A só pode ocorrer em virtude de implemento de seus
pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser
interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento
do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres
conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando
desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza
unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio
imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens
quanto ao objeto de usucapião”;
Enunciado n. 500: “A modalidade de usucapião prevista no CC 1.240-A
pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família
ou entidades familiares, inclusive homoafetivas”;
Enunciado n. 501: “As expressões ‘ex-cônjuge’ e ‘ex-companheiro’,
contidas no CC 1.240-A, correspondem à situação fática da separação,
independentemente de divórcio”;
Enunciado n. 502: “O conceito
de posse direta do CC 1.240-A não coincide com a acepção empregada no CC 1.197
do mesmo Código”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 28.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Este artigo publicado no site Âmbito Jurídico por Silvano Vieira
Rodrigues, “A incoerência sistêmica do Artigo 1.240-A do Código Civil
brasileiro”, traz uma análise crítica da nova modalidade de usucapião
estabelecida pela Lei 12.424, de 16 de junho de 20122, a qual inseriu o CC
1.240-A no Código Civil brasileiro, considerando, sobretudo, as normas já
existentes no que tange ao Instituto da Usucapião e bem ainda as implicações da
nova previsão legal nas normas atinentes às relações de família. Segundo ele,
ao legislador cumpre a produção de normas que atendam às demandas sociais, sem,
todavia, provocar incoerências no sistema legal já existente, uma vez que o
ordenamento jurídico é compreendido como um godo, um sistema harmonioso de
regras e princípios que disciplinam a convivência de determinado povo submetido
a uma determinada jurisdição. Nesse diapasão, qualquer norma criada sem a
devida observância da harmonia sistêmica e tida como desconexa, devendo,
portanto, ser extirpada do referido sistema.
A recente alteração havida no Código Civil brasileiro, introduzida pela
Lei 12.424, a qual inseriu o artigo em comento, parece se ressentir de falta de
coerência com o sistema normativo no qual foi inserida. A análise da sua
conveniência ou inconveniência deve ser feita de modo detido, pondo-a em
confronto com as regras e princípios informadores da área específica onde a sua
força normativa irá atuar. Assim, considerando que as alterações advindas da
referida Lei, criam uma nova espécie de Usucapião e bem ainda, espraiam sua
força normativa sobre as relações de família, é sob esse binômio que ela deve
ser posta em análise.
A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, nas palavras de
Carlos Alberto Gonçalves (2010, p. 256) “é o modo originário da aquisição da
propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado
(entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo,
acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei” e continua o jurista
citado, “é uma instituição multissecular, que nos foi transmitida pelos
romanos” (Gonçalves, 2010, p. 257). Conforme se observa, a usucapião foi
concebida com o fito de possibilitar a aquisição da propriedade àquele que,
tendo a posse, e sendo esta somada a determinados requisitos legalmente
previstos, faltasse-lhe o título de domínio.
A nova modalidade de usucapião, prevista no CC 1.240-A, a exemplo das
demais modalidades já existentes, encontra-se inserida no livro III, título
III, especificamente no capítulo II do Código, intitulado: Da aquisição da
propriedade imóvel, todavia, parece não ter observado o legislador que, em
regra, o bem a ser usucapido já pertence ao usucapiente, que o possui em condomínio
com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, conforme se observa da leitura do referido
artigo:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2
(dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com
exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros
quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou
ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural. (grifo nosso).
Ora, sendo
o usucapiente dono de fração ideal do bem a ser usucapido, não se pode dizer
que este teria exercido meramente a posse sobre uma determinada parte do imóvel,
posto que, sendo condômino, possui o todo em conjunto com o seu ex-cônjuge ou
ex-companheiro. Assim, não se encontrando o bem já devidamente partilhado, em
todos os cômodos do imóvel onde o possuidor exerceu a sua posse, exerceu também
a propriedade, não podendo, por isso, usucapi-lo, uma vez que, em última
análise, estaria usucapindo bem de sua propriedade.
Conforme
ensina Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 258), com sua habitual precisão e
maestria, “o fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da
utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à
propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do
domínio”. Consoante se pode observar, constitui fundamento comum a todas as
modalidades de usucapião, o objetivo de impor ao proprietário o uso racional da
propriedade, e bem ainda a necessidade de conferir à posse, que é mera situação
de fato, a qual a lei não negue efeitos possessórios, uma transmutação em
situação de direito, outorgando ao possuidor o título de propriedade.
Uadi
Lammêgo Bulos (2009, p. 1262), referindo-se à usucapião promoradia, prevista
na Constituição Federal de 1988, enfatiza que: “A criação do novo instituto
justifica-se diante do quadro caótico por que passa a problemática da moradia
em nosso país. Seu objetivo é cumprir a função social da propriedade urbana,
atendendo ao apelo proveniente de vários movimentos e pressões de favelados
quando da feitura do Texto de 1988.” Nesse caso, justifica-se a preocupação do
legislador, uma vez que a falta de um instrumento legal capaz de atender aos
clamores advindos da sociedade, referentes à regularização da propriedade, é
causa de outros vários problemas de ordem urbanística, sendo, inclusive,
obstáculo ao cumprimento da função social da cidade.
Diferentemente
é o que ocorre com o novo instituto de usucapião, criado pelo CC 1.240-A, pois
se pretendeu o legislador fazer com que aquela propriedade, passível de ser
usucapida, seja utilizada de acordo com a sua função social, andou mal, uma vez
que o imóvel jamais esteve em abandono, sendo utilizado pelo ex-cônjuge ou
ex-companheiro, no mais das vezes, em conjunto com os próprios filhos do casal.
O mesmo se diga se o argumento justificador da criação do novo instituto foi o
de criar uma forma de regularização da propriedade, posto que o cônjuge que
permanece no imóvel já dispõe de instrumento legal para regularizar a situação
do bem cuja propriedade divide com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, que é
promoção da partilha dos bens do casal.
Consoante
se depreende da leitura do CC 1.208, há situações que, a despeito de existir de
fato o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, não resta
caracterizada a posse, mas mera detenção, conforme se observa: “Art. 1.208. Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade”. Como se observa, para que fique caracterizada
a posse, necessário se faz sobre a situação de fato onde se exerce algum dos
poderes inerentes à propriedade, não recaia norma legal proibindo expressamente
a sua caracterização.
Dessa
forma, ainda que se pudesse desconsiderar que, em regra, o usucapiente já se
faz proprietário do bem a ser usucapido, esbarraríamos em outro inconveniente,
que seria a inexistência de posse, mas mera detenção sobre a fração ideal do
imóvel do ex-cônjuge ou ex-companheiro que, ao ver frustrado seu enlace
matrimonial, sai do imóvel para que nele possa continuar residindo seu
ex-cônjuge ou ex-companheiro, restando patente a caracterização de mera
permissão ou tolerância, o que fulmina qualquer pretensão de ver reconhecida a
existência de posse.
Oportuno
lembrar, ainda, que o nosso direito civil atual, pautado na solidariedade e
eticidade, jamais poderia premiar o cônjuge remanescente que já sabe, desde o
início quem, juntamente consigo, detém a propriedade do imóvel, dispondo,
inclusive, de instrumentos legais para a regularização da sua fração ideal na
propriedade, o que pode fazer através da partilha dos bens do casal.
Diferentemente, tem-se a situação em que alguém ocupa um bem ocioso, de
propriedade desconhecida, onde se observa a utilidade do instituto da
usucapião, uma vez que o único instrumento legal para a regularização da
propriedade seria lançar mão do referido instituto. Legitimar a conduta de
alguém que, sabendo ser proprietário de apenas uma fração ideal do imóvel, e
bem ainda que já dispõe de meios para efetivar a partilha do bem, não o faz,
preferindo aguardo o decurso dos dois anos para intentar ação d usucapião,
seria abandonar a boa-fé e premiar comportamentos espúrios, conspurcando todo
um sistema normativo protetor da dignidade da pessoa humana, da eticidade das
condutas e da solidariedade entre os povos. Dessa forma, se o novo instituto se
faz inadequado para a regularização da propriedade, mostrando-se também inócuo
à imposição de cumprimento da sua função social, resta analisar se o mesmo se
faz útil às relações de família, onde inevitavelmente, provoca reflexos.
A nova
modalidade de usucapião traz reflexos diretos nas relações de família, trazendo
uma penalidade injustificada ao cônjuge que, ao ver fracassado o seu projeto de
família, busca minimizar os reflexos negativos da situação deixando o
ex-cônjuge ou ex-companheiro, por vezes na companhia dos filhos do casal, na
residência pertencente a ambos. Dessa forma, onde hodiernamente não se discutia
mais culpa pelo insucesso do casamento, com a instituição da nova modalidade de
usucapião, vê-se novamente punir aquele que deixa o lar após o termino do
casamento, o que não se coaduna com o atual estágio do direito de família.
Conforme
observa Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 24/25), com amparo na Doutrina de
Caio Mario da Silva Pereira, assevera: “Os novos rumos conduzem à família
socioafetiva, onde prevalecem os laços de afetividade sobre os elementos
meramente formais. Nessa linha, a dissolução da sociedade conjugal pela
separação judicial e pelo divórcio tende a ser uma consequência da extinção da
affectio e não da culpa de qualquer dos cônjuges.”
O novo direito de família, com uma visão
constitucional e ampla proteção à dignidade da pessoa humana, não busca
perquirir culpa nas relações conjugais, estando o novo dispositivo em contramão
com as normas já existentes. A nova modalidade de usucapião contraria, ainda, o
princípio da livre aquisição e administração do patrimônio familiar, previsto
no inciso II do CC 1.642, não se justificando a ingerência do Estado na forma
como devem os ex-cônjuges ou ex-conviventes lidar com o patrimônio que
adquiriram durante a existência da relação familiar. (Silvano Vieira Rodrigues, Acadêmico de Direito na
UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso/BA “A incoerência sistêmica do Artigo
1.240-A do Código Civil brasileiro”, publicado em 01/03/2012 no site
ambitojuridico.com.br, acessado em 28/09/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).