Direito Civil Comentado - Art. 1.275,
1.276
Da Perda da Propriedade - VARGAS,
Paulo S. R. - Parte Especial –
Livro III – Título III – Da Propriedade (Art. 1.275
e 1.276) Capítulo IV –
Da Perda
da Propriedade – digitadorvargas@outlook.com
Art.
1.275. Além
das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
I
– por
alienação;
II
– pela
renúncia;
III
– por
abandono;
IV – por perecimento da coisa;
V – por desapropriação;
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.
No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, e como ele leciona, o artigo em exame trouxe relevantes novidades, em relação ao art. 589 do Código Civil de 1916. A primeira delas está na abrangência do preceito, que traz os modos de perda da propriedade em geral, tanto móvel como imóvel, enquanto no velho Código Civil a regra se restringia à propriedade imóvel. A segunda está na eliminação do termo extinção da propriedade imóvel, que as mais modernas legislações reservam apenas aos casos de perda absoluta, ou seja, supressão do direito do mundo jurídico, como ocorre com o perecimento da coisa. Já a perda relativa não extingue o direito, apenas provoca a alteração de sua titularidade, como ocorre, por exemplo, na alienação.
Ressalva o caput que, além do rol previsto nos cinco incisos, perde-se a propriedade por outras causas previstas neste Código. Diga-se, aliás, melhor faria o legislador se mencionasse apenas que pode o proprietário sofrer perda absoluta ou relativa da propriedade, em vez de tentar relacionar as causas. No que se refere às outras causas previstas no próprio Código Civil, tomem-se como exemplo o casamento pelo regime da comunhão universal de bens, a morte natural, a ausência, a acessão e a usucapião, todas perdas relativas, pois provocam simultaneamente a perda para um e a aquisição da propriedade para outro titular.
O inciso I diz que se perde a propriedade pela alienação, que, no dizer clássico de Carvalho Santos, “é o ato pelo qual desfalcamos nosso patrimônio, transferindo a um outro determinado bem” (Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V III, p. 201). Normalmente, a alienação se faz por negócio jurídico, como a venda e compra, a troca, a doação e a dação em pagamento. Pode ocorrer, todavia, por ato independente de vontade, como o implemento de condição resolutiva no resgate da retrovenda, a arrematação ou a adjudicação em hasta pública, a alienação forçada do proprietário ao possuidor, prevista no § 4º do CC 1.228, já comentado; ou, ainda, a alienação judicial de coisa comum, para extinção do condomínio sobre coisa indivisível.
O inciso II alude à renúncia, que, segundo Nelson Rosenvald, é “o ato unilateral pelo qual o proprietário declara formal e explicitamente o propósito de despojar-se do direito de propriedade” (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2003, p. 108). Não é a declaração de vontade receptícia, independendo, portanto, da aceitação de terceiros. Caso incida sobre coisa imóvel, deve ser instrumentalizada em obediência ao requisito formal do CC 108 e levada ao registro imobiliário, tornando-se a coisa sem dono (res nullius).
O inciso III trata do abandono, que difere da renúncia, pois não exige declaração expressa, mas se deduz de comportamento concludente do proprietário. O abandono exige requisito objetivo, a conduta de quem despreza o que é seu, somado a requisito subjetivo, a intenção de abdicar da coisa - animus abandonandi. A figura será tratada com mais profundidade no comentário ao artigo subsequente.
O inciso IV trata do perecimento da coisa. Se a coisa perece em sentido material, perde-se o direito de propriedade que sobre ela incide. É o caso do imóvel definitivamente inundado, da construção consumida por incêndio ou que rui em razão de alguma catástrofe. Também o caso de coisas móveis, que são destruídas ou ficam em local inacessível. Se a coisa perdida estiver segurada, os direitos reais, inclusive os de garantia, sub-rogam-se sobre o valor da indenização.
Finalmente, o inciso V trata da desapropriação, que se define como a transferência compulsória de bens pertencentes a particulares para o Estado, mediante pagamento de prévia indenização em dinheiro. É modo originário de aquisição da propriedade, não se vinculando ao título dominial anterior e nem transmitindo ao poder expropriante eventuais vícios ou ônus que incidiam sobre a coisa expropriada. Pode dar-se a desapropriação por interesse público (Decreto-lei n. 3.365/41), por interesse social (Lei n. 4.132/62) ou sanção (art. 182, § 4°, da CF e art. 8º da Lei n. 10.257/2001), esta última com pagamento em títulos da dívida pública.
O parágrafo único do artigo em exame reza que os casos dos incisos I e II - alienação e renúncia - somente produzem efeito de perda da propriedade no momento no qual o título ingressa no registro imobiliário. O registro, como já visto, tem caráter constitutivo da propriedade e outros direitos reais sobre coisa imóvel adquiridos a título derivado e inter vivos e gera presunção relativa de veracidade, até que seja cancelado. Por isso, o título da alienação gera direito de crédito, que, levado a registro, converte-se em direito real, provocando a transferência da propriedade imóvel. Embora não diga a lei, também a alienação de bens móveis somente provoca a perda da propriedade no momento da tradição. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.276-77. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Como
transmitido Ricardo Fiuza em sua doutrina, Alienação é a transferência
onerosa de domínio, por vontade própria, a outrem. Renúncia é o ato
unilateral de vontade do proprietário, que abre mão de seu direito. sobre a
coisa, em favor de terceiro. Abandono é o ato unilateral de vontade em
que o proprietário se desfaz de seu imóvel , por não mais desejar continuar
sendo seu dono. O perecimento da coisa decorre de ato involuntário do
proprietário, se proveniente de fato natural (raio, incêndio etc.) ou de ato
voluntário do proprietário (destruição). Desapropriação, no conceito de
Hely Lopes Meirelles, “é a transferência compulsória de bens particulares (ou
públicos de entidades de grau inferior) para o poder público ou seus delegados,
por necessidade ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, mediante
prévia e justa indenização em dinheiro” (Direito administrativo brasileiro,
2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966, p. 493). Este dispositivo é adjunção dos arts. 589 e
590 do Código Civil de 1916. É de notar que o referido Código Civil falava
apenas em propriedade imóvel, e o novo Código Civil ampliou esse conceito para
abranger também a propriedade móvel. De resto, merece o dispositivo, o mesmo
tratamento doutrinário dispensado aos artigos citados (sobre desapropriação, v.
Carlos Alberto Dabus Maluf, Teoria e prática da desapropriação, 2. ed.,
São Paulo, Saraiva, 1999). (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 656, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/10/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, a alienação consiste na transmissão do bem, pelo anterior
titular ao atual, mantendo-se as mesmas características intrínsecas daquele. Se
for coisa móvel opera-se pela tradição; em se tratando de imóvel, pelo registro
público do título. Exige negócio jurídico e pode ser tanto gratuita (doação)
quanto onerosa (permuta, compra e venda).
Renúncia constitui ato unilateral
de manifestação de vontade, por parte do proprietário, que abdica de seu
direito sobre o bem. Em se tratando de renúncia sobre bens imóveis, há a
necessidade de escritura pública, com o respectivo registro público
imobiliário, conforme parágrafo único do CC 1.275. Quanto aos móveis,
basta abandoná-los. Se for renúncia à herança, segue a forma do CC 1.806
da codificação.
Ocorre abandono de bens imóveis quando o
proprietário demonstrar o ânimo ou intenção de abrir mão deste título, ou seja,
há necessidade de manifestação de atos exteriores neste sentido. Se o bem for
móvel, há certa confusão com a renúncia.
O perecimento ocorre quando se verificar a efetiva
perda do objeto por fenômenos naturais, como no caso de inundação ou incêndio,
consumindo o bem e fazendo-o desaparecer, também podendo ocorrer por força da
ação humana, ou seja, por ato voluntário.
A desapropriação é modalidade tradicional de
extinção da propriedade, de forma involuntária, tratando-se de matéria
de fundamento constitucional e regulamentado pelo direito administrativo, com
base no Decreto-lei n. 3.365/1941.
Assim como a usucapião, a desapropriação é modo originário
de aquisição da propriedade – neste caso, pelo Poder Público – não havendo,
pois, qualquer relação jurídica de transmissão em relação ao antigo dono.
Admite-se a desapropriação nas hipóteses de necessidade
e utilidade pública, hipótese em que quaisquer bens poderão ser
desapropriados pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
(art. 2º, Decreto-lei n. 3.365/1941). Também se dá no caso de interesse social,
para fins de reforma agrária, assim contida no art. 184 da Carta Magna, de
competência exclusiva da União, quando o imóvel rural não estiver cumprindo sua
função social, salvo nos casos de propriedade produtiva (art. 185, II, CF).
Cabe também desapropriação pelo Município, a título de penalidade,
quando o imóvel urbano não promover o seu uso adequado, nos termos do plano
diretor (art. 182, § 4º. III, CF).
Desapropriação Judicial é a nova modalidade
de perda da propriedade imóvel, em favor dos possuidores, vem prevista, ao lado
das tradicionais formas de desapropriação necessidade ou utilidade
pública ou interesse social), nos §§ 4º e 5º do CC 1.228. O legislador buscou
valorizar, nesta figura jurídica – desapropriação privada – a posse
pró-labore, ou seja, aquela voltada para a efetiva ocupação do solo com realização
de obras de interesse social, refutando, assim, a ideia de propriedade voltada
para objetivos individualistas e puramente especulativos.
Enunciado 565 do Conselho da Justiça federal: “Não
ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos, que são
considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n. 12.305/2012”. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 15.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
1.276. o
imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o
conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá
ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do
Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§
1º. O
imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser
arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União,
onde quer que ele se localize.
§
2º. Presumir-se-á
de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os
atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
É enaltecido o artigo em exame por Francisco Eduardo Loureiro, em
especial seu § 2º, que consagra uma das mais relevantes inovações do Código
Civil, derrubando um dos dogmas do direito privado: a propriedade não se perder
pelo não uso, a começar pelo exame do caput do CC 1.276 que, embora
reduzindo de modo significativo o prazo de abandono do imóvel urbano, de dez
para três anos, manteve os requisitos objetivo e subjetivo do instituto, o
comportamento do proprietário de abdicar da coisa e a intenção de fazê-lo – animus
abandonandi. A prova do elemento subjetivo sempre foi tormentosa, pois a
simples ausência de utilização de um imóvel não significava, necessariamente da
quase impossível prova do estado anímico do dono. A dificuldade foi superada
pelo legislador no § 2º do preceito, adiante comentado.
O caput do art. 1.276, embora preservando os requisitos
tradicionais do abandono, introduz, desde logo, duas novidades. A primeira, já
mencionada, diz respeito ao prazo, que caiu de dez para três anos para o imóvel
urbano, com termo inicial na data da arrecadação do imóvel urbano, que o
abandono é a causa, mas a transferência da propriedade somente ocorre com o
escoamento do triênio, contado da lavratura do auto de arrecadação. A segunda
novidade é somente ocorrerem os efeitos jurídicos do abandono caso o imóvel não
esteja na posse de outrem. Trata-se de manifesta valorização da função social
da posse, evitando que se torne público o imóvel e, com isso, impedindo a
consumação da usucapião por terceiro possuidor. logo, somente pode ser
arrecadado imóvel que não esteja sob posse de terceiro, quer essa posse de
terceiro seja dependente ou não, justa ou injusta.
A arrecadação está subordinada à prévia citação do proprietário em procedimento ordinário, para que ele se defenda e elida a prova do abandono, sob pena de se ferir o princípio constitucional do devido processo legal. Segundo o Enunciado n. 242 da III Jornada de Direito Civil, em 2004: “A aplicação do CC 1.276 depende do devido processo legal, em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse”. Mesmo depois da arrecadação, o imóvel ainda não integra o patrimônio público, de tal modo que, no triênio subsequente, poderá o proprietário evitar a perda, manifestando comportamento incompatível com o abandono, especialmente praticando atos possessórios, dando ao prédio sua natural destinação social e econômica e pagando os tributos sobre ele incidentes. Terá legitimidade para requerer a arrecadação do imóvel urbano o beneficiário do abandono, ou seja, a municipalidade onde ele se localizar, ou o Distrito Federal, se no respectivo território.
O § Iº traça regra simétrica para o imóvel rural. Dispõe deva estar ele “abandonado nas mesmas condições”, com comportamento do proprietário indicativo do abandono somado à intenção de abandonar, assim como não estar em posse de terceiro. O prazo é o mesmo, de três anos com termo inicial na data em que for o imóvel arrecadado. A única distinção é o destinatário do abandono e, portanto, da legitimidade para requerer a arrecadação, deslocando-se para a União Federal, qualquer que seja a localização do prédio. A situação do imóvel - urbano ou rural - é determinada por sua localização e não por sua destinação, tal como ocorre nas usucapiões especiais urbana e rural.
Como dito, a grande novidade está no § 2º do CC 1.276, que supera a tradicional dificuldade de demonstrar o animus abandonandi do proprietário. Diz o preceito que determinado comportamento - cessação dos atos de posse e inadimplemento dos ônus fiscais - cria presunção absoluta, iure et iure, da intenção de abandonar, não cabendo, por consequência, prova em sentido contrário do dono. O que fez o legislador foi qualificar certa conduta concludente, dela extraindo o elemento subjetivo. Note-se a utilização do aditivo e, ou seja, não basta a cessação dos atos de posse e o imóvel não se encontrar de posse de terceiros; deve se somar, também, a falta de pagamento de tributos incidentes sobre o prédio. Os dois requisitos somados, cumulativos, é que criam a presunção absoluta de abandono.
No que se refere à cessação dos atos de posse, não mais cabe a clássica noção de que o não uso é uma prerrogativa do proprietário e, portanto, a inércia é uma das facetas da possível conduta do dono. A doutrina clássica dizia que a “simples negligência em reclamar a coisa ou qualquer outro ato negativo não importa no abandono, que exige sempre um ato positivo do proprietário, que abandona voluntariamente a posse da coisa, com intenção de deixar que outro adquira” (Carvalho santos , J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V III, p. 201). A moderna noção de função social da propriedade, e também da posse, exige conduta positiva circunstanciada do possuidor, dando à coisa sua natural finalidade econômica e social. A conduta negativa somente se admite em casos excepcionais, quando revestida de interesse social, por exemplo, a não exploração de áreas de proteção ambiental. Em termos diversos, o legislador sancionou a falta de atos possessórios positivos, extraindo da conduta omissiva, aliada ao inadimplemento fiscal, o efeito jurídico de animus abandonandi.
Nada impede que comportamento diverso do dono ou a presença de apenas uma das circunstâncias previstas gerem a perda da coisa por abandono, cabendo, porém, em tal caso, ao Poder Público a difícil prova do animus abandonandi. Como consta do Enunciado n. 243 da III Jornada de Direito Civil, em 2004: “A presunção de que trata o § 2º do CC 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, IV, da Constituição da República”. A grande lacuna do preceito é não fixar a duração que se exige de comportamento concludente do dono - falta de posse e inadimplemento fiscal - para que possa ser feita a arrecadação do imóvel. Lembre-se de que o prazo de três anos, referido no caput no § Iº do artigo em exame, medeia entre a arrecadação e a incorporação definitiva e irreversível da coisa ao patrimônio público.
O tempo entre o início da inércia do proprietário e a arrecadação não é previsto em lei. É óbvio que a inércia do dono, ainda que somada ao inadimplemento fiscal por prazo reduzido, não basta para configurar o abandono. O juiz, caso a caso, sopesando a natureza do imóvel, sua localização e as condições pessoais do dono, verificará se da conduta omissiva prolongada e contínua se extrai a presunção absoluta do elemento subjetivo, franqueando, então, o prédio à arrecadação. Sublinhe-se, ainda, que, mesmo após a arrecadação, não ingressa o imóvel no patrimônio público e, tal como os bens do ausente, é permitido que o proprietário impeça a perda, adotando no triênio subsequente conduta contrária àquela punida pelo legislador. Finalmente, não há como afirmar a inconstitucionalidade do preceito, que não cria nova modalidade de desapropriação ou perda da propriedade à margem da Carta Política, mas apenas dá significação ao animus abandonandi, amoldando-o a determinada conduta do proprietário É mais uma das faces da concreção do princípio da função social da propriedade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Algumas controvérsias existem até o momento, segundo o histórico e a doutrina de Ricardo Fiuza, abrangendo o artigo em comento, como se verá: “O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, cinco anos depois, à propriedade do Município, ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. O imóvel, situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, cinco anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize”. este era o texto original do dispositivo. Emenda senatorial de n. 132, alterou sua redação, passando a configurar-se nos termos atuais. O relator parcial da matéria no período final de tramitação do projeto, Deputado José Roberto Batochio, opinou pela rejeição da emenda, entendendo que. “embora a emenda aluda apenas ao ‘caput’ do CC 1.276, na verdade o que faz é suprimir o conteúdo do seu parágrafo, deslocando, para este, o período final do ‘caput’. Entretanto, o dispositivo do parágrafo, na redação do projeto, é necessário para a compreensão do ‘caput”’.
O Deputado Fiuza discordou da relatoria parcial, entendendo que “a emenda apresentada não se restringia aos aspectos formais do dispositivo original, visto como propõe a substituição do prazo de 5 (cinco) anos, pelo prazo de 3 (três) anos, conducente à perda da propriedade em benefício do Município, do Distrito Federal ou da União. Sendo oportuno assinalar que o Código Civil, atualmente em vigor, exige, para configuração da hipótese, o decurso de 10 (dez) anos para o imóvel localizado em zona urbana, e 5 (cinco) anos se localizado em zona rural. Nesse particular, a emenda encurtou o prazo de incorporação do bem vago ao patrimônio dos órgãos públicos territoriais, militando em favor da política habitacional urbana e da reforma agrária, constitucionalmente previstas (CF, arts. 182/183 e 184/191).
À vista do incremento numérico dos chamados ‘sem teto’ e ‘sem terra’, fenômeno inquestionável nos dias atuais, a exigir, nessa área, uma atuação crescente e eficaz da União e dos Municípios, tínhamos como merecedora de acolhimento a emenda, que aliás não nos parecia padecer de qualquer vício formal”. Foi aprovada a alteração.
Segundo a Doutrina, este artigo corresponde ao § 2º do art. 589 do Código Civil de 1916, e introduz inúmeras inovações. A que mais chama a atenção é a redução do prazo, de dez para três anos, para que ocorra a perda da propriedade dos imóveis urbanos por abandono. Não menos importante, também, é a exclusão do Estado-Membro do rol daqueles entes que podem arrecadar imóveis urbanos abandonados. É de causar espécie a possibilidade de ser considerado abandonado o imóvel cujo proprietário não venha pagando os impostos sobre ele devidos, uma vez que a inadimplência pode ter como causa, inclusive, a discussão, administrativa ou judicial, dos valores lançados, ou mesmo motivos de força maior, sendo tal possibilidade um autêntico confisco, vedado pela CF/88, que assegura, também, o direito de propriedade maculado por essa hipótese.
Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para supressão, no § 2º este artigo, das palavras “de modo absoluto”, por entendermos tratar-se de presunção relativa (Juris tantum), e não absoluta (juris ei de jure). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 656-57, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o bem imóvel for abandonado e não estiver na posse de terceiros, será arrecadado como bem vago e, após três anos, passará ao domínio do Município, se for urbano. Em sendo rural, passará ao domínio da União.
O § 2º traz uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel, quando o dono deixar de exercer a posse sobre o bem e, ao mesmo tempo, de pagar os ônus fiscais incidentes, como o IPTU ou ITR. A lei passou a presumir esta situação como de abandono, de forma absoluta.
É uma maneira de ceifar a utilização anormal da propriedade, ou seja, de demonstrar que a propriedade exerce, hodiernamente, uma função social, e seu exercício deve pautar este princípio geral. A polêmica deste dispositivo poderá surgir quanto à sua operabilidade, já que se refere à arrecadação como bem vago, sendo que, para a cobrança de exações, há o meio jurídico adequado pela fazenda Pública, seguindo o devido processo legal. Trata-se, pois, de uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel por arrecadação, como bem vago, por inexistir função social da posse e pela falta de pagamento dos respectivos tributos.
Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 242 “A
aplicação do CC 1.276 depende do devido processo legal, em que seja assegurado
ao interessado demonstrar a não-cessação da posse”; 243 “A presunção de que
trata o § 2º do CC 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a
norma-princípio do art. 150, IV, da Constituição da República”; 316 “Eventual
ação judicial de abandono de imóvel,, caso procedente, impede o sucesso de
demanda petitória”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 15.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).