terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.368-B Da Propriedade Fiduciária – (Incluído pela Lei n. 13.043, de 2014). VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.368-B

Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo IX – Da Propriedade Fiduciária - (Art. 1.361 a 1.368-A,B,C,D,E) digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela Lei n. 13.043, de 2014).

Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem. (Incluído pela Lei n. 13.043, de 2014).

Segundo ensaio publicado por Éder Rodrigues de Souza, em novembro de 2017, no site  colegioregistralrs.org.br., intitulado “A alienação fiduciária de bens imóveis”, a natureza da garantia fiduciária sobe bens imóveis e do contrato que lhe serve de veículo tem como foco a análise da alienação fiduciária de bem imóvel e a  sua  conceituação  como  um  verdadeiro  veículo  de  constituição  do  direito  real  de garantia,    consistente    na    propriedade    fiduciária. Por    meio    de    um estudo jurisprudencial  e  doutrinário,  desde  a  definição  da  propriedade  plena  e  suas características,  passando  pela  propriedade  resolúvel  e,  por  fim,  pelo  contrato  de alienação   fiduciária,   são   abordados   temas   de   extrema   relevância   para   a compreensão deste que é um instituto de grande utilização no meio negocial. Ainda com  base  na  leitura  da  Lei  9514/97,  mais  especificamente  do  seu  art.  38,  sem  se distanciar,  é  claro,  da  interpretação  sistêmica  e  condizente  com  o  ordenamento jurídico   nacional,   procura-se   responder   importante questionamento   sobre   a necessidade  ou  desnecessidade  da  lavratura  de  escritura  pública  para  fins  de alienação fiduciária de bens imóveis.

O  ingresso  e  a  confecção  de  contratos de alienação fiduciária  de bens imóveis  são  recorrentes  na  atividade  notarial  e  registral,  notadamente  aqueles intermediados por instituições financeiras. Destinam-se, em regra, à consecução de contratos  de  mútuo,  daí  a  sua  natureza  acessória.  Nessa  relação  de  direito  real, o devedor fiduciante detém o direito de reivindicar a propriedade após o adimplemento de  uma  dívida  contratada  com  o  credor  fiduciário que,  por  sua  vez,  detém  a propriedade resolúvel daquele bem. Não há se negar a natureza obrigacional do contrato de alienação fiduciária, que se traduz no veículo que concede suporte formal à constituição da propriedade fiduciária,  essa  sim  um  direito  real.  Assim,  é  importante  ressaltar  a  natureza obrigacional decorrente da celebração de tal contrato e a natureza real do direito de garantia constituído com o seu registro.

Para se entender o referido contrato e o direito real em questão é necessário que  se  tenha em  mente  as  características  que  diferenciam  a  propriedade  plena  da propriedade resolúvel sobre bens imóveis, essa última como aquela resultante de um contrato de alienação fiduciária. Segundo o Código Civil de 2002, em seu CC 1.225, inciso I, a propriedade é um direito real e, por conseguinte, a propriedade resolúvel também  o  é. A  diferença  essencial  entre  ambas  está no fato  de  que  a  propriedade resolúvel,  vista  sob  o  enfoque  do  contrato  de  alienação  fiduciária, tem  como finalidade  a  garantia  de  uma  dívida contraída  pelo  devedor  fiduciante  frente  ao credor fiduciário. 

O  estudo intenta, mais especificamente, verificar a necessidade ou não da celebração do contrato por meio de escritura pública, conforme o disposto no art.  38  da  Lei  9514/97  e o  CC  108. O  direito  real  de propriedade  vem  expresso  no  CC  1.225,  inciso  I, e é tido como o direito real por excelência, pois é aquele mais amplo da pessoa em relação à coisa (VENOSA, 2012).E isso se dá em virtude de nele se materializarem todas as características inerentes aos direitos reais, ou seja, de sua titularidade decorrem as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar. Cabe dizer que tais faculdades também se  encontram presentes nos demais direitos  reais,  mas não  em  sua  totalidade,  pois  sempre  lhes  faltarão uma  ou  outra. Ou seja, no usufruto estarão presentes as faculdades de usar, gozar e reivindicar a coisa de quem a injustamente possua ou detenha, mas não terá o usufrutuário a sua disponibilidade.  Da  mesma  forma,  aquele  que  tenha  o  direito  de  uso,  para  o  qual faltará a faculdade de gozo e a faculdade de dispor. E assim, acontece com cada um dos direitos reais, em maior ou menor grau. Entende-se a faculdade de usar como “colocar a coisa a serviço do seu titular sem  alterar-lhe a substância” (VENOSA,  P.  170,  2012).  Assim,  poderá  o  titular  do direito  real  servir-se  da  coisa,  direta  ou  indiretamente,  de  acordo  com  a  sua natureza. O exemplo clássico é do proprietário de um imóvel que o habita ou permite que terceiro o faça, como no caso da locação ou do comodato. Gozar  ou  fruir se  materializa  pela  percepção  dos  frutos  advindos  do  bem, sejam  naturais  ou  civis.  Por  meio  dessa  faculdade,  o  usufrutuário,  por  exemplo,  é  detentor do direito de receber os aluguéis por ventura advindos da locação do imóvel objeto  do  usufruto;  ou  o  titular  do  direito  de  superfície  em  relação  ao  produto  da plantação que se tenha sobre o terreno. Dispor, como assinala Venosa (P. 170, 2012), é o poder mais abrangente, pois aquele  que  o  detém,  pode também  usar  e  gozar.  Ter  o  poder  de  dispor  do  bem  é poder  aliená-lo  ou  mesmo  gravá-lo.  É  inerente  ao  proprietário,  pois,  diferente  das demais faculdades, essa se relaciona apenas com este e não com o usufrutuário, o promissário comprador etc. Direito  de reivindicar  é  uma  das  outras  faculdades  dos  direitos  reais.  Em virtude   dessa   faculdade,   poderá   o   titular   do   direito   real   valer-se   da   ação reivindicatória  perante  aquele  que  possua  ou  detenha  injustamente  a  coisa.  É importante  destacar  que  não  é  uma  faculdade  exclusiva  do  direito  de  propriedade, como  entendem  alguns  autores,  mas  inerente  a  todos  os  direitos  reais,  ainda  que sejam esses direitos reais limitados. 

Recurso   Especial.   Ação   Petitória.   Ação   reivindicatória. Usufruto. Direito Real Limitado. Usufrutuário. Legitimidade   e   Interesse.   1.   Cuida-se   que   ação   denominada "petitória-reivindicatória" proposta por usufrutuário, na qual busca garantir o seu direito de usufruto vitalício sobre o imóvel. 2. Cinge-se a controvérsia a definir   se   o   usufrutuário   tem   legitimidade/interesse   para   propor   ação petitória/reivindicatória para fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o  bem.  3.  O  usufrutuário na  condição  de  possuidor  direto  do  bem pode valer-se   das   ações   possessórias   contra   o   possuidor   indireto   (nuproprietário) e - na condição de titular de um direito real limitado (usufruto) - também  tem  legitimidade/interesse  para  a  propositura  de  ações  de  caráter petitório,  tal  como  a  reivindicatória,  contra  o  nuproprietário  ou  contra terceiros. 4. Recurso especial provido. RECURSO  ESPECIAL  Nº  1.202.843 - PR  (2010/0137288-9);  RELATOR  : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (BRASIL, 2014).

Enfim,  ao se  afirmar que  no  direito  de  propriedade  estão  consubstanciadas todas essas faculdades, pode se concluir, com reservas, que este é um direito real absoluto.   Diz-se   com   reservas   porque   o   é   dentro   dos   limites   impostos   pelo ordenamento.  Assim,  o  caráter  amplo  e  abrangente  do  direito  de  propriedade  no concernente   às   faculdades   encontra   limites   no   próprio   conjunto   de   normas positivadas, sejam elas infraconstitucionais ou advindas da própria constituição. São  exemplos  de  normas  limitadoras  do  direito  de  propriedade  aquelas relativas à sua função social, como o artigo 186 da Constituição Federal de 1988, in verbis: “Art.  186.  A  função  social  é  cumprida  quando  a  propriedade  rural  atende, simultaneamente, segundo critérios e  graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I -aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância  das  disposições  que  regulam  as  relações  de  trabalho; (BRASIL, 1988).

Pode-se  citar,  também, como  norma  limitadora  ao  direito  de  propriedade o CC 1.299, que assim prescreve: “Art.  1.229.  A  propriedade  do  solo  abrange  a  do  espaço  aéreo  e  subsolo  correspondentes,  em  altura  e  profundidade  úteis  ao  seu  exercício,  não podendo  o  proprietário  opor-se  a  atividades  que  sejam  realizadas,  por terceiros,  a  uma  altura  ou  profundidade  tais, que  não  tenha  ele  interesse legítimo em impedi-las. (BRASIL, 2002).

Apesar de limitarem o exercício da propriedade, tais normas não tiram o seu caráter absoluto, pois não se trata aqui do absolutismo puro e simples de um direito, o que não seria algo suportável no Estado Democrático de Direito. Não há de se tolerar na  sociedade  um  direito  descurado  dos  demais,  alheio  àqueles com  que  se relaciona,  direta  ou  indiretamente,  o  seu  titular,  sejam  eles  da  titularidade  de particulares ou mesmo do próprio Estado. Nesse sentido, Farias e Rosenvald: [...] o absolutismo dos direitos reais não decorre do Poder ilimitado de seus titulares  sobre  os  bens  que  se  submetem  a  sua  autoridade.    muito,  a ciência  do  direito  relativizou  a  sacralidade  da  propriedade.  Como  qualquer outro   direito   fundamental   o   ordenamento   jurídico   a   submete   a   uma ponderação  de  valores,  eis  que  em  um  Estado  Democrático  de  Direito marcado  pela  pluralidade,  não    espaço  para  dogmas.  (ROSENVALD,  P. 2, 2010).

São atributos do   direito   de   propriedade   a   sua perpetuidade   e   a   sua elasticidade.  É  perpétuo “...no sentido de que não pode simplesmente se extinguir pelo não uso.” (VENOSA,  P.  172,  2012).  Já a  sua  elasticidade  é  notada  quando  a propriedade,  até  então  vinculada  a  direitos  reais  limitados,  como  o  usufruto  ou  o penhor, por exemplo, se desvincula destes. Num primeiro momento seu âmbito está restrito e, ao se livrar dessas limitações, volta a ser plena. Pela impossibilidade de se estabelecer um direito real onde outro da mesma natureza    esteja  presente,  tem-se  o  atributo  da  exclusividade  (ROSENVALD,  P. 193,  2010).  Cristiano  Chaves  de  Farias e  Nelson  Rosenvald  ensinam  que  a exclusividade  está  presente  ainda  que  haja  uma  pluralidade  de  sujeitos,  como no condomínio  tradicional.  Os  consagrados  juristas  o  fazem com  base  na  distinção entre  o  direito  subjetivo  de  propriedade,  consubstanciado  essencialmente  pela relação entre o seu titular e a coletividade, e o domínio, que se traduz nos poderes que  ele  exerce  sobre  a  coisa.  Assim,  ainda  que  haja  mais  de  um  sujeito,  por possuírem apenas cotas abstratas, tornam-se donos de uma cota parte e do todo ao

mesmo tempo (ROSENVALD, P. 193, 2010). Dessa forma, entende-se que o atributo da exclusividade não é mitigado pela pluralidade  de  titulares  do  direito  de  propriedade  sobre  determinado  bem,  uma  vez que a unidade do domínio não é afastada.

A propriedade resolúvel como visto, uma das características é a sua perpetuidade. É perpétua porque se estende no tempo, sem limitações sofridas pelo comportamento passivo  do  seu  titular.  Quando  se  perde  o  bem  pela  usucapião,  destaca-se pelo comportamento  positivo  do  possuidor  usucapiente  e  não  pela  passividade  do proprietário. Entretanto, o seu caráter perpétuo é mitigado com a previsão em nosso ordenamento jurídico da propriedade resolúvel, prevista nos CC 1.359 e 1.360 do Código Civil de 2002.

Art.  1.359.  Resolvida  a  propriedade  pelo  implemento  da  condição  ou  pelo advento   do   termo,   entendem-se   também   resolvidos   os   direitos   reais concedidos  na  sua  pendência,  e o  proprietário,  em  cujo  favor  se  opera  a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha. 

Art.  1.360.  Se  a  propriedade  se  resolver  por  outra  causa  superveniente,  o possuidor,  que  a  tiver  adquirido  por  título  anterior  à  sua  resolução,  será considerado  proprietário  perfeito,  restando  à  pessoa,  em  cujo  benefício houve  a  resolução,  ação  contra  aquele  cuja  propriedade  se  resolveu  para haver a própria coisa ou o seu valor. (BRASIL, 2002).

Conforme os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, o titular sabe, ou deve saber, que de algum modo a propriedade pode se resolver, ou seja, pode findar-se.  E  tal  resolução  se  dará  com  o  implemento  de  condição  ou  advento  de  termo (VENOSA, P. 395, 2002), o que deve estar expressamente previsto no contrato. O CC 121 define condição como “a cláusula que, derivando  exclusivamente  da  vontade  das  partes,  subordina  o  efeito  do  negócio jurídico a evento futuro e incerto.” (BRASIL, 2002). Dessa forma, tem-se a condição como a conjugação de um fato futuro e a sua incerteza,  além  da  sua  derivação  exclusiva  da  vontade  das  partes. É  importante, para  a  compreensão  da  propriedade  resolúvel,  que  se  diferencie  a  condição suspensiva da condição resolutiva. A primeira, como o próprio nome diz, suspende o exercício  de  determinado  direito  até  o  seu  implemento.    a  segunda,  na  qual  se funda  a  propriedade  resolúvel,  tem  como  efeito  a  cessação  do  direito  após  o implemento da condição, ou seja, a aquisição do direito se dá de plano e cessa com a ocorrência da condição. Sílvio de Salvo Venosa assim discorre sobre essa última espécie: No caso de condição resolutiva, dá-se de plano, desde logo, a aquisição do direito.  A  aquisição  é  inversa  à  condição  suspensiva.  O  implemento da condição resolutiva “resolve” o direito em questão, isto é, faz cessar seus efeitos,  extingue-se.  A  obrigação  é  desde  logo  exigível,  mas  o  implemento restitui  as  partes  ao  estado  anterior.  A  retroatividade  das  condições  é  aqui mais  patente  porque  o  direito  sob  condição  resolutiva  é  limitado,  podendo-se até dizer, ainda que impropriamente, mas para melhor compreensão, que se trata de um direito “temporário”. Com o implemento, apagam-se os traços

do direito. A cláusula resolutiva, por ser limitação ao direito, deve constar do Registro Público porque, se assim não for, terceiros não serão obrigados a respeitá-la,   não   sendo   atingidos,   de   qualquer   forma,   os   atos   de administração. (VENOSA, P. 510, 2015). Já  o  termo  consiste  na  fixação  da  eficácia  do  negócio jurídico  no  tempo.  No termo,  o  evento,  assim  como  na  condição,  é  futuro,  porém,  é  certo.  Venosa  faz  a distinção  entre  condição  e  termo,  demonstrando,  no  entanto,  que  guardam  estrita relação: Na  condição,  tem-se  em mira  evento  futuro  e  incerto;  no  termo,  considera-se evento futuro e certo. Tanto que, na condição, o implemento desta pode falhar  e  o  direito  nunca  vir  a  se  consubstanciar;  o  termo  é  inexorável  e sempre  ocorrerá.  No  termo,  o  direito  é  futuro,  mas  diferido,  porque  não impede  a  sua  aquisição,  cuja eficácia  é  apenas  suspensa.  (VENOSA,  P. 517, 2015).

Na propriedade sujeita a condição ou termo têm-se as figuras do proprietário atual  e  do  proprietário  diferido.  O  primeiro  exerce  a  propriedade  atual  da  coisa, enquanto o segundo tem um direito eventual sobre ele, sob condição ou termo. Assim,  com  o  implemento  do  termo  ou  a  condição  tal  como  pactuados,  a propriedade  se  resolverá,  desaparecerá  como  se  jamais  houvesse  existido.  Com isso, a propriedade retornará àquele que a transmitiu, o proprietário diferido. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald fazem, ainda, uma distinção entre  a  propriedade  resolúvel  e  a  propriedade  ad  tempus (ROSENVALD,  P.  371,

2010). Nessa  última não    uma  previsão  contratual  quanto à  eficácia  do  negócio jurídico;   há,   na verdade,   uma   causa   superveniente,   que   não   resulta   em retroatividade,  ou  seja,  a  propriedade  não  retorna  ao  status  quo  ante.  Assim, permanecem  válidos  os  atos  praticados  pelo  proprietário  antes  da  extinção  da propriedade. A  propriedade ad  tempus surge  nas transmissões  gratuitas  e  pode-se  citar como exemplo a revogação da doação por ingratidão do donatário.

A propriedade fiduciária sobre bem imóvel é  espécie  de  propriedade  resolúvel  e,  portanto,  está adstrita  a  uma  condição futura  à  perda  de sua  eficácia.  Insere-se  no  rol  de  direitos reais  constantes do CC  1.225 e  se  presta  à  garantia  do adimplemento de uma dívida, pressupondo a existência de um credor fiduciário e um devedor fiduciante. Importante ressaltar  que  mesmo  antes  das  alterações  trazidas  pela  Lei 13.043/2014, não  restava  dúvidas  quanto à natureza  real  da  propriedade fiduciária, apesar de estar ela alocada de forma implícita no inc. I do CC 1.225:  “Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade;...”. Apesar da taxatividade, que  afirma serem de  natureza  real somente  aqueles direitos  que  a lei assim defina, sendo   vedado   às   partes   convencionar   a   transformação   de   direitos   de naturezas  diversas  em  direitos  reais,  como espécie  de  propriedade,  não havia que se negar à  propriedade fiduciária o  seu  caráter  real, ainda  que  constasse  de forma implícita no inciso I retro citado. De  toda  forma,  o  CC  1.368-B  fulminou  qualquer

margem de dúvida  quanto  à  natureza  real  da  propriedade  fiduciária ao afirmar textualmente  que “A  alienação  fiduciária  em  garantia  de  bem  móvel  ou  imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela  Lei    13.043,  de  2014)”. Com  a  inclusão  desse  artigo,  temos  uma  bipartição dos efeitos da alienação fiduciária, pois de um lado tem-se o direito real de garantia conferido  ao  credor  fiduciário  e  de  outro  o  direito  real  de  aquisição  do  devedor fiduciante. É a  propriedade  fiduciária,  portanto,  um  direito  real  de  garantia  que  se materializa pela transferência da propriedade ao credor fiduciário, o que a difere da hipoteca,  do  penhor  ou  da  anticrese,  outras  modalidades  de  direitos  reais  de garantia previstos no Código Civil. Os bens que sirvam a uma dessas hipóteses de garantia  permanecem  na  propriedade  do  devedor,  ao  passo  que  na  propriedade fiduciária,  que  se    com  a  alienação  fiduciária,  transfere-se ao  devedor  a  sua titularidade.  Trata-se  de  uma  propriedade  resolúvel,  condicionada  a  sua  eficácia  a um  evento  futuro,  ou  seja,  ao  adimplemento  da  obrigação  contraída  pelo  devedor fiduciante.  Quitada  a dívida,  a  propriedade  se  resolverá,  retornando  o  bem  à situação jurídica anterior à alienação fiduciária. Com  o  seu  registro,    o  desdobramento  da  posse.  Ao  credor fiduciário é atribuída  a  posse  indireta  da  coisa,  enquanto  ao  devedor fiduciante é  atribuída  a posse direta. O   desdobramento   (bipartição)   da   posse   é   consequente   ao   fato   da transferência da propriedade fiduciária do bem ao credor, eis que a coisa se conserva no poder imediato do devedor fiduciante (art. 1.361, § 2º, do CC), podendo  usar  e  gozar  o  bem,  segundo  a  sua  destinação,  mas  às  suas expensas   e   seus   riscos,   responsabilizando-se   por   eventual   perda, destruição ou deterioração do objeto, na qualidade de depositário (CC 1.363). O credor fiduciário adquire a posse indireta da coisa, sendo limitada a  sua  propriedade,  posto  que  duas  das  mais  importantes  faculdades dominiais sobejaram concentradas com o devedor fiduciante, quais sejam: o uso e a fruição. (FARIAS, ROSENVALD, P. 384, 2010). A transferência da propriedade do devedor fiduciante ao credor fiduciário, por óbvio, é temporária, uma vez que o seu intuito não é a transmissão em si, mas tão somente  a  garantia  de  que  irá  adimplir  com  a  dívida  contratada.  Dessa  forma, apesar  de  o  devedor  fiduciante  se  ver  despido  de  sua  titularidade  sobre  a  coisa, também não a tem de forma plena o credor fiduciário. 

Adriano Stanley tece algumas considerações sobre o caráter resolúvel da propriedade fiduciária. Quando  um  devedor  transfere  ao  credor  a  propriedade  de  um  bem  de  seu patrimônio  em  garantia  de  um  débito,  não  o  faz  com  o  intuito  de  não  mais reaver  esta  propriedade.  Pelo  contrário.  Se  o  devedor  deixa  a  propriedade de um bem seu em garantia ao credor, aquele devedor confia que, uma vez paga a sua dívida, o credor lhe devolverá esta propriedade (daí o nome de propriedade fiduciária: propriedade entrega em fidúcia; confiança). Assim, a esta   propriedade   que   é   transmitida   temporariamente   ao   credor,   para garantir  o  adimplemento  da  obrigação  dá-se  o  nome  de propriedade resolúvel.  Exatamente  porque,  adimplida  a  obrigação  pelo  devedor  ao credor,  não  existe  mais  razão  alguma  para  que  este  continue  com  a propriedade  da  coisa,  devendo  restituí-la.  Ela  se  resolve,  pois.  (STANLEY,

P. 222, 2015). A despeito do citado CC 1.368-B que prevê que ao devedor restará o direito de aquisição sobre o bem, o respeitado autor sustenta que a propriedade não deixa de ser de sua titularidade. E segue o raciocínio ao afirmar que, da mesma forma que o  credor  fiduciário, o  devedor  fiduciante exerce  a  propriedade,  apesar  de  suas faculdades se manterem suspensas. E termina por definir a propriedade conferida a esse   último   como propriedade   superveniente   em contraponto   à   propriedade

resolúvel da qual é titular o credor fiduciário. (STANLEY, P. 222, 2015). (Éder Rodrigues de Souza, publicado em novembro de 2017, no site  colegioregistralrs.org.br., intitulado “A alienação fiduciária de bens imóveis”,  acessado em 01.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a linha de raciocínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em função de tal modificação, o credor fiduciante passou a ter direito real de aquisição da coisa dada em garantia – alienação fiduciária – podendo, desta maneira, tornar-se ser seu titular pleno, passando a responder, a partir de sua emissão na posse direta do bem, pelas denominadas obrigações propter rem, ou seja, aquelas incidentes diretamente sobre o bem, tais como taxas condominiais e demais tributos específicos. Destarte, embora o CC 1.225 aponte os direitos reais de forma exaustiva (numerus clausus), a lei poderá vir a enuncia-los expressamente, como se cuida do presente caso, passando a somar-se ao rol daqueles ali já existentes. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 01.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão do Eminente Professor André Lopes Cavalcante, em verdadeira aula publicada em 17 de novembro de 2014 no site dizerodireito.com.br., têm-se as “Alterações da Lei 13.043/2014 no Regime da Alienação Fiduciária”. Dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sobre a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros, sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros e sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei n.° 12.431, de 24 de junho de 2011; altera as Leis n.° 10.179, de 6 de fevereiro de 2001, 12.431, de 24 de junho de 2011, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 12.996, de 18 de junho de 2014, 11.941, de 27 de maio de 2009, 12.249, de 11 de junho de 2010, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 11.774, de 17 de setembro de 2008, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 11.977, de 7 de julho de 2009, 12.409, de 25 de maio de 2011, 5.895, de 19 de junho de 1973, 11.948, de 16 de junho de 2009, 12.380, de 10 de janeiro de 2011, 12.087, de 11 de novembro de 2009, 12.712, de 30 de agosto de 2012, 12.096, de 24 de novembro de 2009, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 11.488, de 15 de junho de 2007, 6.830, de 22 de setembro de 1980, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 10.147, de 21 de dezembro de 2000, 12.860, de 11 de setembro de 2013, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 12.598, de 21 de março de 2012, 12.715, de 17 de setembro de 2012, 11.371, de 28 de novembro de 2006, 9.481, de 13 de agosto de 1997, 12.688, de 18 de julho de 2012, 12.101, de 27 de novembro de 2009, 11.438, de 29 de dezembro de 2006, 11.478, de 29 de maio de 2007, 12.973, de 13 de maio de 2014, 11.033, de 21 de dezembro de 2004, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 11.972, de 6 de julho de 2009, 5.991, de 17 de dezembro de 1973, 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.775, de 17 de setembro de 2008, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, e 10.865, de 30 de abril de 2004, e o Decreto-Lei n.° 911, de 1º de outubro de 1969; revoga dispositivos do Decreto-Lei n.° 1.569, de 8 de agosto de 1977, das Leis n° 5.010, de 30 de maio de 1966, e 8.666, de 21 de junho de 1993, da Medida Provisória n.° 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e do Decreto-Lei n.° 1.598, de 26 de dezembro de 1977; e dá outras providências.


Como visto acima, a Lei n.° 13.043/2014 tratou sobre diversos assuntos. Neste post será analisado apenas a alteração promovida pela nova Lei no regime da ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Para que fique melhor de entender o que mudou, começa-se explicando em que consiste a alienação fiduciária, suas espécies, seu procedimento e, assim, quando chegar-se nas partes alteradas será destacado para o leitor.

“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565).

O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema: a) alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97; b) alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

 Resumindo:

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem ser banco)

 

 

Alienação fiduciária de bens IMÓVEIS

 

Lei nº 4.728/65

Decreto-Lei nº 911/69

 

 

Código Civil de 2002

(arts. 1.361 a 1.368-B)

 

 

   Lei nº 9.514/97

Alienação Fiduciária de Bens Móveis no Âmbito do Mercado Financeiro e de Capitais (DL 911/69). Imagine-se a seguinte situação hipotética: Antônio quer comprar um carro de R$ 30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

Assim, o Banco “X” empresta R$ 20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.

Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio. 

Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69): No contrato de alienação fiduciária, a mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento, mas a lei exige que o credor (mutuante) demonstre a ocorrência desse atraso notificando o devedor. Assim, o credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72 do STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

A notificação ao devedor é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD. Esa foi uma das mudanças operadas pela Lei nº 13.043/2014 no § 2º do DL 911/69. O objetivo da alteração foi o de reduzir o custo da notificação, permitindo que seja feita por mera emissão de carta via Correios, evitando assim que a instituição financeira tenha que pagar os emolumentos para os titulares de Cartórios. Também não precisa, o AR, ser assinado pelo próprio destinatário. Apesar de não estar expressamente prevista no DL 911/59, a jurisprudência do STJ já entendia que a notificação não precisava ser pessoal, bastando que fosse entregue no endereço do devedor.

Para o ajuizamento da ação, após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.

O juiz fará uma concessão da liminar, i.é, concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69). A Lei 13.043/2014 alterou o caput do art. 3º do DL 911/69, deixando expressamente previsto que a concessão liminar da busca e apreensão pode ocorrer no plantão judiciário. 

Apesar de a nova redação do art. 3º utilizar a expressão “podendo ser apreciada”, o que poderia indicar uma faculdade do juiz, a leitura mais adequada do dispositivo é a de que, estando presentes os requisitos legais, o magistrado tem o poder-dever de apreciar e conceder a liminar.

Inserção de restrições sobre o veículo: Se o bem objeto da alienação fiduciária for um veículo, caso seja concedida a liminar na busca e apreensão, uma medida de grande eficácia para conseguir localizar e recuperar o bem é inserir uma restrição judicial no “registro” do veículo.

Pensando nisso, a Lei n.° 13.043/2014 acrescentou o § 9º ao art. 3º do DL 911/69 estipulando que o juiz, ao decretar a busca e apreensão de veículo, deverá inserir uma restrição judicial na base de dados do RENAVAM. 

RENAVAM significa Registro Nacional de Veículos Automotores e consiste em um banco de dados que funciona como um registro de todos os veículos existentes no Brasil. Cada veículo recebe um número identificador que é chamado de “código RENAVAM” e lá são registradas todas as informações sobre a “vida” do automóvel, desde o momento da sua fabricação ou importação, passando pelo emplacamento, mudanças de proprietário, alterações em sua cor e características, até o instante em que o veículo sai de circulação.

O Poder Judiciário mantém convênio com o DENATRAN por meio do qual os magistrados possuem acesso ao sistema informatizado do RENAVAM. Assim, o juiz pode digitar seu login e sua senha, entrar na página interna do RENAVAM e inserir restrições judiciais incidentes sobre os veículos objeto do processo. Assim, quando o carro for parado em uma blitz ou for realizar uma inspeção de rotina no DETRAN, aparecerá aquela informação no sistema e o veículo será apreendido e entregue à Justiça.

Dessa forma, quando o juiz decreta a busca e apreensão, ele próprio, com sua senha, deverá inserir diretamente a restrição judicial no RENAVAM. Caso ele não tenha acesso à base de dados, deverá expedir um ofício ao DETRAN para que: I – Registre o gravame referente à decretação da busca e apreensão do veículo; e II – retire o gravame após a apreensão do veículo. (§§ 9º e 10 do art. 3º do DL 011/69, acrescentados pela Lei n. 13.043/2014).

Da apreensão do Bem: Caso o bem seja localizado em comarca diferente da qual onde está tramitando a ação (v.g., o processo tramita em Belo Horizonte e o carro foi encontrado em Lavras), a parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo dessa comarca pedindo a apreensão do veículo, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo (§ 12 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n. 13.043/2014). A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirá-lo do local depositado no prazo máximo de 48 horas (§ 13 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n. 13.043/2014). O devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos (§ 14 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n. 13.043/2014). 

Da possibilidade de pagamento integral da dívida: No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (...)

 

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004).

 

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

 

 

Do que se entende por “integralidade da dívida pendente”: Para que o devedor tenha de volta o bem, ele deverá pagar todo o valor do financiamento, v.g., Antônio financiou o veículo em 60 parcelas. A partir da 20ª prestação ele começou a não mais pagar. Estão vencidas 5 parcelas.

Para ter de volta o bem ele terá que pagar todo o financiamento restante (40 parcelas). Todo o débito.

Segundo decidiu o STJ, a Lei n.° 10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não mais faculta ao devedor a possibilidade de purgação de mora, ou seja, não mais permite que ele pague somente as prestações vencidas.

Para que o devedor fiduciante consiga ter o bem de volta, ele terá que pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a execução da liminar. No exemplo, Antônio terá que pagar, em 5 dias, as 40 parcelas restantes.

O devedor purga a mora quando ele oferece ao devedor as prestações que estão vencidas e mais o valor dos prejuízos que este sofreu (art. 401, I, do CC). Nesse caso, purgando a mora, o devedor consegue evitar as consequências do inadimplemento. Ocorre que na alienação fiduciária em garantia, a Lei n.° 10.931/2004 passou a não mais permitir a purgação da mora. 

Vale ressaltar que o tema acima foi decidido em sede de recurso repetitivo, tendo o STJ firmado a seguinte conclusão, que será aplicada em todos os processos semelhantes:


Nos contratos firmados na vigência da Lei n.° 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo).

 


Antes da Lei n.° 10.931/2004 era permitida a purgação da mora, desde que o devedor já tivesse pago no mínimo 40% do valor financiado. Tal entendimento estava, inclusive, consagrado em um enunciado do STJ:

Súmula 284-STJ: A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.

A súmula 284-STJ ainda é válida - Para contratos anteriores à Lei 10.931/2004: SIM. Para contratos posteriores à Lei 10.931/2004: NÃO. 

Da Contestação: No prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma espécie de contestação). 

Obs. 1: a resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha decidido pagar a integralidade da dívida, caso entenda ter havido pagamento a maior e deseje a restituição.

Obs. 2: nesta defesa apresentada pelo devedor, é possível que ele invoque a ilegalidade das cláusulas contratuais (ex: juros remuneratórios abusivos). Se ficar provado que o contrato era abusivo, isso justificaria o inadimplemento e descaracterizaria a mora.

Da venda do Bem: Se houve o inadimplemento ou mora e o bem foi apreendido, o credor (proprietário fiduciário) poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (art. 2º do DL 911/69). O preço da venda, i. é, o valor apurado com a alienação, deverá ser utilizado para pagar os débitos do devedor para com o credor e também para custear as despesas decorrentes da cobrança dessa dívida. Se após o pagamento da dívida ainda sobrar dinheiro esse saldo apurado deverá ser entregue ao devedor.

Alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor (CC 1.368-B, inserido pela Lei n. 13.043/2014. O credor fiduciário que e tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributário ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem (parágrafo único do CC 1.368-B inserido pela Lei n. 13.043/2014). Da alienação fiduciária de bens imóveis:

Art. 26 (...), § 4º Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (André Lopes Cavalcante, em verdadeira aula publicada em 17 de novembro de 2014 no site dizerodireito.com.br., têm-se as “Alterações da Lei 13.043 de 14 de novembro de 2014, no Regime da Alienação Fiduciária”, acessado em 01.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.367, 1.368, 1.368-A Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.367, 1.368, 1.368-A

Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo IX – 

Da Propriedade Fiduciária - (Art. 1.361 a 1.368-A,B,C,D,E e F)

digitadorvargas@outlook.com   - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.367. Aplica-se à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos arts. 1.421, 1.425,1.426, 1.427 e 1.436.

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916. O preceito é repetido no § 5º, do art. 66-B, da Lei n. 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, que se aplica, como já visto, à alienação fiduciária na qual figure como credor fiduciário instituição financeira. Embora se encontre a propriedade fiduciária regulada no atual Código Civil como modalidade de propriedade resolúvel, é inequívoca sua afetação à garantia da solução de uma obrigação. Atento a tal realidade, o legislador, em um só dispositivo, estendeu ao regime jurídico da propriedade fiduciária diversos princípios e regras que orientam os direitos reais de garantia. O primeiro princípio é o CC 1.421, que consagra o princípio da indivisibilidade da garantia real, segundo o qual toda a coisa e cada uma de suas partes garantem a totalidade da dívida, de modo que o cumprimento parcial da obrigação não implica liberação parcial da garantia, salvo disposição contratual cm sentido contrário. Vale apenas destacar que se aplica por analogia a exceção ao princípio da indivisibilidade previsto no art. 1.488 do Código Civil (que permite a liberação parcial da hipoteca de imóveis loteados e em condomínio edilício) à propriedade fiduciária sobre bens imóveis (Lei n. 9.514/97).

O segundo princípio mencionado é o CC 1.425, sobre o vencimento antecipado da dívida, em razão de fatos supervenientes que coloquem em risco ou acarretem a perda da garantia. As hipóteses previstas em lei serão analisadas individualmente no comentário ao artigo citado. Cabe lembrar, em relação à propriedade fiduciária, somente ter sentido o vencimento antecipado da obrigação no caso de risco à garantia do credor. A insolvência do devedor, por exemplo, nem sempre afeta a garantia, pois, na propriedade fiduciária, a coisa já pertence ao credor e se encontra a salvo de penhora ou arrecadação. Logo, a transposição do CC 1.425 deve ser feita levando em conta as peculiaridades da propriedade fiduciária e o risco efetivo trazido pelo fato superveniente à garantia do credor fiduciário.

O terceiro princípio é o CC 1.426, que trata do abatimento proporcional dos juros relativos ao tempo ainda não decorrido, no caso de vencimento antecipado da obrigação. É regra que concretiza a cláusula geral da vedação do enriquecimento sem causa, porque não pode receber o credor remuneração do capital por período de tempo futuro, no caso de vencimento antecipado da dívida.

O preceito deve ser lido em consonância com o art. 49 da Lei n. 11.101/2005, cujo § 3º estipula: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6" desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. A jurisprudência dos Tribunais subordina a execução da apreensão ao prévio decurso do prazo de 180 dias, com termo inicial na data do deferimento do pedido de recuperação.

O quarto princípio mencionado é o CC 1.427, que trata da garantia real prestada por terceiro à obrigação alheia. Determinado bem é colocado à disposição, com vínculo real, à solução de obrigação contraída por outrem. Se a garantia se perde ou se deteriora por fato não imputável ao terceiro garantidor, este não está obrigado a reforçá-la ou a substituí-la, salvo cláusula expressa cm sentido inverso, pois a norma é dispositiva.

Finalmente, o quinto artigo mencionado é o 1.436, que trata das causas de extinção do penhor. A propriedade fiduciária é acessória à obrigação garantida, de tal modo que segue sua sorte. Extinta a obrigação, por qualquer causa original ou superveniente, com ou sem cumprimento, extingue-se com ela a garantia. De igual modo, o perecimento da coisa, renúncia, remissão ou confusão extinguem a propriedade fiduciária. O perecimento parcial mantém incólume a garantia quanto à parte remanescente. Na excussão judicial ou extrajudicial da coisa a terceiro, o adquirente a recebe desonerada, pois o credor satisfará seu crédito com o respectivo preço.

Quanto à adjudicação de coisas móveis no regime do Código Civil, cabe lembrar a lição de Orlando Gomes, para quem há, na verdade, consolidação, pois o credor fiduciário já era proprietário da coisa, inicialmente em caráter resolúvel e depois em caráter pleno, apenas com o dever de promover sua excussão (Alienação fiduciária em garantia. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, p. 138). Deve haver extrema cautela com a adjudicação no caso de propriedade fiduciária, pois o bem não é avaliado judicialmente. Assim, somente a adjudicação por valor de mercado do bem é que se admite, para evitar o enriquecimento sem causa do credor e o desmedido sacrifício do devedor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.419-20. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, A remissão a determinados artigos de lei dizem respeito às disposições gerais (Capítulo 1, Título X) dos direitos reais de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), exceto a alusão feita ao CC 1.436, que diz respeito diretamente à Seção II, do Capítulo II, específica para versar a respeito do penhor e, em particular, da sua extinção. Esses três institutos mencionados encontrado aplicabilidade por meio dos artigos tipificados nesse dispositivo ora anotado, se quando encontrarem manifesta ressonância devido a harmoniosa interpretação sistemática e aplicabilidade no caso concreto. Por isso, a utilização da expressão referente às respectivas aplicações no que couber, ou seja, em tudo aquilo e somente naquilo que for manifesta e efetivamente compatível com o instituto jurídico da alienação fiduciária em garantia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 701, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, com o advento da Lei 13.043/14 o dispositivo em estudo foi adaptado, particularmente no que respeita ao regime da alienação fiduciária em garantia, adotando-se, doravante, as regras inerentes ao direito de posse e propriedade do Código Civil. A propriedade plena (CC 1.231) é aquela segundo a qual todos seus atributos intrínsecos – disposição, uso e fruição – estão já presumidos ou contidos nas mãos do seu titular, ainda que regulado constitucionalmente pela função social. A nova redação busca fazer, entretanto, distinção entre a propriedade plena e aquela surgida em função da alienação fiduciária, que poderá ocorrer em caso de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciante, como sucede em caso de inadimplência do devedor.  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 30.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No artigo apresentado por Monica Azevedo Torres de Oliveira, postado em janeiro de 2016, no site Jus.com.br., intitulado “A alienação Fiduciária, seu conceito e características”, a autora dá uma pincelada plus em seu entendimento e diz: O direito civil possui uma instituição de formalização de negócio jurídico chamada alienação fiduciária, que trata-se de uma obrigação bilateral, onerosa, acessória, formal e indivisível, em que é realizada a transferência de uma propriedade resolúvel, feita pelo devedor ao credor, para garantir um determinado débito, sendo que, após a quitação da dívida, a posse passa a ser novamente do devedor. O reconhecimento da existência da celebração do contrato com garantia de alienação fiduciária, tratando ela de bem móvel ou imóvel, no que se refere ao Direito Civil, leva à necessidade de expansão no conhecimento e abrangência no assunto. Desta forma,  poderá ser verificado que a alienação fiduciária se trata de uma transferência feita pelo devedor de uma propriedade resolúvel, de um bem móvel ou imóvel, resolvendo-se a obrigação com o pagamento da dívida. Poderão ser observadas as obrigações do credor e devedor, bem como meios de execução, em caso de inadimplemento da dívida e hipóteses de extinção da obrigação.

 

O negócio jurídico fiduciário surgiu em nosso país em meados de 1930, quando ocorria um processo de crescente industrialização, no qual houve um grande crescimento no mercado interno, que só entrou em recessão nos anos 60. Momento este em que nosso governo criou um plano de ação econômica a fim de obter aceleração no desenvolvimento, tendo como consequência a inflação e reformas sociais. Um dos escopos para institucionalizar foi a promulgação das leis nº 4.594/64 e 4.728/65, lei do Mercado de Capitais, a qual foi criada em busca de racionalizar as sociedades de investimentos. Atualmente a propriedade fiduciária está regida pelos CC 1.361 a 1.368 do Código Civil.

 

A alienação fiduciária é uma transferência de uma propriedade resolúvel de um bem fungível, infungível ou de um bem imóvel realizada pelo devedor ao credor para garantir um débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o comprimento da obrigação, conforme exemplo dado por Maria Helena Diniz: “A” pretende comprar “X”, mas, como não possui dinheiro disponível, “B” (financeira) fornece-lhe o quantum necessário, mas recebe a propriedade fiduciária de “X”, como garantia de que “A” (fiduciante), possuidor direto, far-lhe-á o pagamento. “B” (fiduciário) é, portanto, proprietário e possuidor indireto.” Logo, a posse indireta da propriedade fiduciária passa a ser do credor, em garantia, por se tratar de um negócio jurídico que possui relação obrigacional em que o fiduciário recebe o bem para ter como se seu fosse, mas após o pagamento da dívida obriga-se a entregá-lo ao devedor.


A propriedade fiduciária está prevista no Código Civil de 2002, tendo como objeto somente bens imóveis, pois a lei que trata da alienação de bens imóveis é a de nº 9.514/97. Desta forma, ao direito fiduciário são aplicadas as normas relativas à propriedade resolúvel, previstas nos artigos 1.359 e 1.360 do Código Civil: CC 1.359: “Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.” CC 1.360: “Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.”

Existem três requisitos para a existência da alienação fiduciária, sendo eles divididos em subjetivos, objetivos e formais: a)    Requisitos subjetivos: Poderá alienar qualquer pessoa natural ou jurídica de direito privado ou público, devendo ser dotadas de capacidade genérica para atos da vida civil e capacidade de disposição devendo ter o domínio do bem dado em garantia para poder dispor dele livremente; b)   Requisitos objetivos: Este requisito refere-se ao bem móvel dado em garantia, podendo ser fungível e infungível. Contudo, a jurisprudência já havia admitido à alienação de bens imóveis, sendo que além da propriedade plena também poderá haver direito de uso especial para fins de mora e direito real de uso; c)    Requisitos formais: Para a formalização da alienação fiduciária deverá ser celebrado um instrumento escrito, público ou particular, devendo conter: o valor da dívida, o prazo para pagamento, taxa de juros, cláusula penal, estipulação de atualização monetária com indicação dos índices aplicados, descrição do objeto da alienação e elementos de identificação.

Quando a garantia for de bem imóvel, no instrumento de contrato deverá conter o valor do principal de dívida, o prazo do empréstimo ou do crédito fiduciário, taxa de juros e encargos incidentes, cláusula de constituição da propriedade fiduciária com a descrição do imóvel e indicação do título e modo de aquisição. Os instrumentos do contrato, público ou particular, deverão ser registrados no Cartório de Registro de Títulos e Documentos quanto tratarem de bens móveis, no Cartório de Registro de Imóveis quando tratar de bens imóveis ou se tratando de veículos na repartição competente para o licenciamento para anotação no registro do veículo, tornando assim pública a garantia.

São direitos do fiduciante: a)  Obter a posse direta do bem alienado como garantia fiduciária, passando assim o alienante ou fiduciante (devedor) possuir o nome de adquirente, tornando-se possuidor da coisa, conservando-a com as obrigações de depositário, conforme dispõe o artigo 1.361, § 2º do Código Civil: “Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.”; b)   A restituição do bem dado em garantia somente irá acontecer após o pagamento da dívida, devendo ser realizada a baixa no Cartório competente onde esta arquivada a cópia do instrumento constitutivo. Tratando-se de bem imóvel a extinção da obrigação ocorre no prazo de 30 dias contados da liquidação da dívida, obtenção do termo de quitação, pois através desta, o Oficial procederá a averbação na matrícula do imóvel de cancelamento do registro de caráter fiduciário; c)  Após a quitação do débito poderá o devedor reivindicar a coisa, visto que após o pagamento da dívida o fiduciário não poderá se recusar a proceder à entrega do bem ao alienante; d) Em situações que ocorrem a venda do bem alienado, poderá o fiduciário receber o saldo da venda da coisa, sendo que caso vendida por valor superior ao valor da dívida terá direito a receber o remanescente; e)Caso o credor recuse a receber o pagamento ou quitação da dívida, poderá o devedor ingressar com ação de consignação em pagamento, valendo a sentença como título liberatório e de recuperação da propriedade da coisa alienada; f)   Purgar a mora; g)  Com anuência do fiduciário poderá ser transmitido os direitos sobre o bem imóvel, passando o adquirente a assumir as respectivas obrigações; h) Desde que ocorrer o arquivamento do instrumento, deverá tornar eficaz a transferência da propriedade fiduciária, se adquiriu domínio superveniente, visto que quem transfere propriedade que não é sua, torna a relação jurídica eficaz, conforme dispõe o CC 1.361 em seu § 3º do Código Civil: “A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.”;  i)    Após o vencimento da dívida, poderá o devedor obtendo anuência do credor, dar o bem em pagamento da dívida, conforme o artigo 1.365, parágrafo único, do Código Civil: “CC 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.” Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.”

São Obrigações do fiduciante: a)   Deverá o fiduciante efetuar o pagamento da dívida, solvendo-a integralmente, pagando pontualmente todas as prestações a qual se obrigou a pagar, caso tenham sido estipuladas parcelas, sob pena de execução de garantia se for inadimplente; b)   Conservar o bem alienado, defendendo-o contra interditos possessórios e contra os que o turbarem ou esbulharem a posse; c)   Permitir a qualquer momento a fiscalização do bem pelo credor; d)   Não dispor da coisa alienada de forma onerosa ou gratuita, visto que o bem passou a pertencer ao credor; e)   Em caso de inadimplemento da obrigação deverá o alienante entregar o bem ao credor; f)     Caso o bem alienado não satisfaça o valor da dívida, o fiduciante ficará obrigado a pagar o saldo remanesce do débito e as despesas efetuadas com a cobrança, conforme dispõe o CC 1.366: “Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.”

 

São direitos do fiduciário: a) Ser proprietário indireto do bem que lhe foi transferido com posse indireta, independentemente da sua tradição; b) Postular o bem em ação de reivindicação contra o fiduciante ou terceiro que o detenha injustamente; c) Vender o bem alienado, para pagamento e quitação da dívida e despesas de cobrança, ficando responsável a efetuar o pagamento de saldo ao fiduciante, caso houver, conforme artigo 1.364 do Código Civil: “Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.”  d)  Permanecer como credor do fiduciante caso o preço da venda não satisfazer o débito; e) Caso o bem não esteja mais em posse do devedor ou este se recusar a entregá-lo, poderá o fiduciário ingressar com ação de depósito contra o devedor para restituição da coisa ou pagamento do valor equivalente; f)  Havendo falência do fiduciante, poderá o fiduciário pedir devolução do bem alienado; g)  Sendo o bem penhora por outro credor, poderá ingressar com embargos de terceiro; h)  Solicitar busca e apreensão do bem; i) Ingressar com ação possessória; j)  Em caso de inadimplemento da dívida, poderá o fiduciário considerar vencida a dívida sem a necessidade de proceder à notificação ao devedor; k) Estabelecer o bem imóvel em seu nome caso o fiduciante não realizar a purgação da mora, sendo que após a sua consolidação o bem não poderá ser alienado a não ser por leilão; l)  Requer reintegração de posse do imóvel, desde que comprovada a consolidação da propriedade em seu nome, podendo solicitar a sua desocupação no prazo de até 60 dias; m) Em caso de insolvência ou recuperação judicial do devedor, poderá o fiduciário obter a devolução do imóvel alienado; n) Obter declaração de ineficácia de locação do imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano sem a concordância escrita do fiduciante.

 

São deveres do fiduciário: a) Proporcionalizar ao devedor o financiamento, entregar o bem ou proceder empréstimo ao fiduciante; b)  Não molestar a posse direta, nem se apropriar do bem, respeitando o usa da propriedade fiduciária; c)  Após o pagamento integra da dívida, ficará o fiduciário responsável em proceder a devolução do bem alienado, procedendo assim a baixo do instrumento; d) Em caso de inadimplemento da dívida poderá realizar a venda do bem alienado para pagamento do crédito e demais despesas da cobrança; e) Entregar ao fiduciante o saldo remanescente se houver, com o valor da venda do bem que foi suficiente para a quitação do débito; f) Em situações em que o bem alienado não puder ser identificado por números, marcas e sinais indicados no instrumento de constituição de garantia deverá o fiduciário provar contra terceiros a sua posse do bem; g) Recusando-se a receber o pagamento da dívida ou dar total quitação do débito, deverá ressarcir o devedor com perdas e danos por acarretar prejuízos ao alienante.

 

Execução do Contrato: Havendo inadimplemento da obrigação, deixando o devedor de pagar a dívida, poderá o credor efetuar a venda do bem alienado judicialmente ou extrajudicialmente a terceiros, para quitação do débito e despesas de cobrança. Inicialmente o fiduciário deverá constituir o fiduciante em mora, mediante protesto e notificação, expedida pelo Cartório de Títulos e Documentos, devendo ser entregue no endereço do devedor sendo necessário ser recebido por ele próprio ou por terceiro que o conheça. Após a comprovação da mora, ingressará com ação requerendo a busca e apreensão do bem, na qual o devedor terá o prazo de 05 (cinco) dias para o pagamento do débito e não o fazendo, passará o bem ser de caráter exclusivo do credor. Existindo a busca e apreensão o devedor deverá apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias da execução, mesmo que tenha efetuado o pagamento do débito ou tenha entendido pagar valor maior ao devido.

 

De acordo com a Súmula 72 do Superior Tribunal de Justiça sobre a busca e apreensão do bem e a Súmula 245 sobre a notificação do fiduciante: Súmula 72: “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.”. Súmula 245: “A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.”. Da sentença caberá apelação em efeito devolutivo e existindo ação de improcedência, o credor fiduciário deverá pagar multa ao fiduciante equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor financiado, devidamente atualizado. O credor não é obrigado a ingressar com ação de busca e apreensão do bem, podendo se preferir entrar com ação de execução contra o fiduciante ou avalistas, hipótese em que poderá efetuar a penhora do bem. Ocorrendo a falência do devedor, o credor terá direito em requerer a devolução da coisa alienada, não alterando a estrutura de execução do bem. Entretanto, se houver a falência do credor, o devedor poderá requer após a quitação do débito a devolução da propriedade livre de ônus.

 

Extinção da Propriedade Fiduciária: Havendo a ocorrência de qualquer uma das situações elencadas abaixo, será necessário o cancelamento da inscrição no Registro de Títulos e Documentos ou Registro de Imóveis, dependo do tipo de garantia que poderá ser móvel ou imóvel. Desta forma, poderá ocorrer a extinção da propriedade fiduciária com: a) A extinção da obrigação cessa a garantia, visto que a dívida considera-se vencida não só com o pagamento da dívida, mas também com o vencimento antecipado do débito, onde não haverá juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido, conforme CC 1.367, 1.425, I ao V e § 1º e  CC 1.426.  A dívida poderá ser considerada vencida em caso de deterioração, desvalorização ou perca do bem alienado, ficando o devedor responsável em restituí-lo: “CC 1.367: A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o CC 1.231.”. “Artigo 1.425: A dívida considera-se vencida: I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; II - se o devedor cair em insolvência ou falir; III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. § 1º  Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.”. “Artigo 1.426: Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da dívida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.” b)  O perecimento do bem alienado; c) A renúncia do credor, caso em que o crédito irá permanecer sem esta garantia; d) A remição, adjudicação judicial, arrematação ou venda extrajudicial para quem adjudicou, resgatou ou adquiriu a coisa, tornar proprietário pleno; e) A confusão, que ocorre quando a mesma pessoa possui qualidades de credor e proprietário pleno; f)  A desapropriação do bem alienado, caso em que a dívida será considerada vencida; g) A realização da condição resolutiva a que estava subordinado o alienante, antes da cessação de sua finalidade de garantia.”.

 

No que tange a alienação fiduciária, verificou-se que caracteriza através da transferência de um bem móvel ou imóvel, de propriedade do credor para o devedor, que ficará na posse direta do bem até que seja realizada a quitação do débito. Após satisfação do débito, o devedor passará a ser proprietário do bem, mas caso ocorra o inadimplemento do pagamento, o credor titular do bem, poderá reaver a posse direta do bem dado em garantia na relação jurídica. O contrato com garantia de alienação fiduciária trata-se de um contrato bilateral, fazendo parte de uma garantia real do Direito Civil Brasileiro, em que se tratando também de um direito de propriedade poderá ser realizado por bens móveis ou imóveis. Deverá ser realizado de forma escrita, pública ou particular devendo o contrato ser registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos ou Cartório de Registro de Imóveis, dependendo do tipo de garantia. Assim observa-se que a constituição da garantia de alienação fiduciária trata-se de uma segurança para o credor, bem como uma facilidade do devedor em adquirir uma determinada dívida por possuir um bem como garantia da dívida. (Monica Azevedo Torres de Oliveira, postado em janeiro de 2016, no site Jus.com.br., intitulado “A alienação Fiduciária, seu conceito e características”, Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 1.368. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.

O art. 6º do Decreto-lei n. 911/69 assegura a sub-rogação apenas ao terceiro interessado, ao fiador e ao avalista. A lei especial se aplica às instituições financeiras credoras fiduciárias com regime jurídico diferenciado. Na lição de Luiz Edson Fachin, “sub-rogação é a substituição nos direitos creditórios, operada em favor de quem pagou a dívida” (Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro, Saraiva, 2003, v. XIV, p. 1.368).

Segundo desenvolver de Francisco Eduardo Loureiro a novidade do Código Civil está em permitir ao terceiro, interessado ou não, sub-rogação no crédito e na garantia, de pleno direito. A sub-rogação, portanto, dá-se em duas frentes: no crédito e na garantia, que lhe é acessória. O preceito é mais amplo do que a regra geral da sub-rogação do CC 346 no Código Civil, que admite a sub-rogação legal, de pleno direito, em relação apenas a determinados credores, previstos em seus três incisos. A sub-rogação legal, portanto, ganha nova feição quando ocorre em obrigações garantidas por propriedade fiduciária, abrangendo também os terceiros não interessados. Consequência da sub-rogação legal é a possibilidade de o terceiro, novo credor, prosseguir na ação originalmente ajuizada pelo credor fiduciário, como substituto processual, ou, ainda, ajuizar ação de busca e apreensão (Decreto-lei n. 911/69) ou de reintegração de posse (Código Civil de 2002), ou mesmo de depósito, contra o devedor fiduciante. Tome-se como exemplo a seguradora que paga indenização correspondente ao crédito do credor fiduciário, que pode ajuizar ação de busca e apreensão do veículo segurado (TACMG, Ap. n. 308.948- 30, rel. Juiz Geraldo Augusto, j. 15.06.2000). No mesmo sentido, admitindo busca e apreensão ajuizada pela seguradora sub-rogada, o STJ decidiu que “o comando do art. 6º do Decreto-lei n. 911/69 é expresso ao assegurar a sub-rogação de pleno direito em favor daquele que pagar a dívida, assim o avalista, o fiador ou o terceiro interessado” (REsp n. 148.865/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Jorge Andersson Vasconcelos Dias, em seu artigo de 03.12.2014, no site do Conteúdo Jurídico, intitulado: “Principais alterações na alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro”, implica lembrar que a alienação fiduciária é uma espécie de direito real de garantia sobre determina coisa, havendo a sua previsão no Código Civil de 2002 (CC 1.361 a 1.368-A) e no Decreto-lei nº 911/1969. A sua conceituação pode ser encontrada no próprio direito positivo, através do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, onde prevê que “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Já o art. 1º do Decreto-lei nº 911/1969 dispõe que “a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”. Explicando de forma mais clara, Flávio Tartuce leciona: “O credor fiduciário é o proprietário da coisa, tendo, ainda, um direito real de garantia sobre o bem que lhe é próprio. Com o pagamento de todos os valores devidos, o fiduciante adquire a propriedade, o que traz a conclusão pela qual a propriedade do credor é resolúvel”. Assim, percebe-se que a alienação fiduciária possui previsão no próprio Código Civil de 2002, que traz regras genéricas sobre o assunto; na Lei nº 9.514/97, que envolve os bens imóveis; e na Lei nº 4.728/65 e Decreto-lei nº 911/69, que trata dos bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Porém, havendo, em determinada situação específica, previsão na legislação especial, as regras do Código Civil devem ser aplicadas de forma subsidiária, conforme determina o seu próprio art. 1.368-A, in verbis:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. Artigo acrescentado pela Lei n. 10.931, de 02.08.2004.

As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. Calha registrar que, recentemente, houve, no dia 14 de novembro de 2014, a publicação da Lei nº 13.043/2014, que trouxe diversas alterações no tema relacionado à alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, alterações essas que serão vistas nos tópicos a seguir.

Quando se fala em alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, o primeiro negócio jurídico que vem na mente de qualquer pessoa é a compra de um veículo, através de determinado banco, com garantia de alienação fiduciária. Como visto nos conceitos acima, caso o comprador (devedor no contrato de alienação fiduciária) deixe de pagar determina(s) parcela(s), o banco (credor) poderá tomar medidas para adimplir, mesmo que de forma forçada, a dívida. Inicialmente, o credor deverá notificar o devedor, a fim de comunicá-lo acerca do atraso no pagamento da dívida, o que comprova a sua mora. Importante destacar que, sobre esta notificação, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado de que “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente” (Súmula 72), ou seja, para comprovar uma das condições da ação de busca e apreensão (interesse de agir), o credor deve, através de uma notificação, comprovar a mora do devedor.

Uma das alterações existentes na Lei nº 13.043/2014 é a possibilidade de o credor notificar o devedor através de carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário (Art. 2º, § 2º, do DL 911/69). Anteriormente à novel legislação, o credor só poderia demonstrar a mora do devedor através de carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do titulo, realizado pelo Tabelionato de Protesto. Percebe-se que, na prática, essa alteração irá facilitar ainda mais a reação do credor, pois este, além de não depender mais das burocracias dos Cartórios, irá economizar na efetivação da demonstração da mora do devedor. Aliás, sobre a facilitação desta efetivação, não é demais apontar a parte final do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69, onde o legislador inseriu algo previsto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: prescindibilidade da assinatura do devedor no Aviso de Recebimento (AR) da carta. Vejamos a decisão do Tribunal Superior:

Agravo Regimental em Agravo de Recurso Especial. Processual Civil. Ação de Busca e Apreensão. Constituição do Devedor em Mora Mediante Notificação Extrajudicial. Desnecessidade de Intimação Pessoal. Suficiente a Entrega no Endereço do Devedor. Precedentes. Incidência da Súmula 7 do STJ. Decisão Mantida. 1. Esta Corte consolidou entendimento no sentido de que, para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Precedentes. 2. Na presente hipótese, o acórdão recorrido informa que a notificação extrajudicial foi entregue no endereço da devedora. Rever esta conclusão importaria no reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado pelo teor da Súmula 7 deste Superior Tribunal. 3. Não tendo o agravante trazido qualquer razão jurídica capaz de alterar o entendimento sobre a causa, mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental não provido.

Ao ingressar com uma Ação de Busca e Apreensão, o credor poderá requerer a concessão de liminar inaudita altera pars, desde que seja comprovada, através da notificação extrajudicial, a mora do devedor e o seu inadimplemento. Sobre a liminar, uma alteração existente, através da novel Lei nº 13.043/2014, foi a possibilidade de o credor utilizar o plantão judiciário para essa finalidade (Art. 3º, caput, do DL 911/69), ou seja, além dos casos absolutamente graves passíveis de utilização do referido plantão, o legislador autorizou a inclusão das liminares nas ações de busca e apreensão, onde o objeto é o contrato de alienação fiduciária. Demais disso, quando se trata de alienação fiduciária de veículo, que, conforme dito, é a maioria dos casos práticos, o legislador forneceu ao magistrado um meio eficaz para inserção de restrições sobre o veículo. Com a inserção do § 9º ao art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969, o juiz deverá, através do convênio com o DENATRAN, inserir uma restrição judicial na base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAN. Para isso, o magistrado poderá utilizar o seu cadastro no sistema, inserindo, ele mesmo, a restrição judicial. Do contrário, caso o juiz não tenha acesso direto à base de dados, deverá expedir ofício ao DETRAN da localidade para os procedimentos previstos nos §§ 9º e 10 do art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969. Se, porventura, o veículo esteja em comarca que não aquela onde esteja tramitando a Ação de Busca e Apreensão, a parte credora poderá requerer àquele juízo a apreensão do objeto móvel, bastando, para isso, que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, se for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo (§ 12, do art. 3º, do DL 911/69). 

Posteriormente, seguindo o procedimento previsto nos §§ 13 e 14 do art. 3º, “a apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas” e “o devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos”. É válido frisar, ainda, que o devedor terá o prazo de 05 (cinco) dias, após o cumprimento da liminar, para pagar a integralidade da dívida (§ 2º do art. 3º do DL 911/69), entendo esta como o valor referente a todas as parcelas vencidas e vincendas, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.418.593-MS). Porém, esta última interpretação do Tribunal Superior se deu após a edição da Lei n° 10.931/2004, podendo, nas hipóteses ocorridas antes desta Lei, a purgação da mora pelo devedor, desde que tenha havido o pagamento de, no mínimo, 40% (quarenta por cento) do valor financiado, conforme Súmula 284 do próprio Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a referida súmula está prejudicada nos casos posteriores à edição da Lei n° 10.931/2004. No que toca à defesa do devedor, este poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar resposta, mesmo que tenha efetuado o pagamento total da dívida. Nesse caso, a defesa será referente ao pagamento feito a maior pelo devedor, o que poderá levar à devida restituição do quantum pago indevidamente, ou então à uma possível ilegalidade de cláusula inserida no contrato, o que justificaria, em tese, a aplicação da teoria da exceção do contrato não cumprido.

De mais a mais, com relação à própria satisfação do crédito, o credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (Art. 2º do DL 911/69). Assim, o preço levantado com a venda da coisa será justamente para quitar o débito do devedor, além de pagar as despesas com a cobrança da dívida. Feito todo esse pagamento devido, qualquer sobra deverá ser devolvida ao devedor, ex vi da parte final do art. 2º, in litteris:Art. 2o  No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas”.

Por fim, caso o bem alienado fiduciariamente não seja encontrado, o credor poderá, nos próprios autos da busca e apreensão, requere a conversão para a ação executiva, onde serão penhorados tantos bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução (Art. 2º do DL 911/69). Considerando os argumentos expostos, percebe-se que o legislador facilitou sobremaneira a reação do credor fiduciário, criando novos mecanismos para a satisfação do crédito. (Jorge Andersson Vasconcelos Dias, em seu artigo de 03.12.2014, no site do Conteúdo Jurídico, intitulado: “Principais alterações na alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro”. Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na versão de Francisco Eduardo Loureiro, Este artigo não constava da redação original do Código Civil de 2002 e foi acrescentado pela Lei n. 10.931/2004. Cuidou o legislador de marcar os múltiplos regimes jurídicos da propriedade fiduciária e de estabelecer as regras de sua incidência. Como comentado no art. 1.361, há profusa legislação especial tratando da mesma matéria. Pode-se afirmar a atual coexistência de múltiplos regimes jurídicos da propriedade fiduciária: o Código Civil disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, quando o credor fiduciário não for instituição financeira; o art. 66-B da Lei n. 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, e o Decreto-lei n. 911/69 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira; a Lei n. 9.514/97, também modificada pela Lei n. 10.931/2004, disciplina a propriedade fiduciária sobre bens imóveis, quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras, além da titularidade fiduciária de créditos como lastro de operação de securitizaçâo de dívidas do Sistema Financeiro Imobiliário; a Lei n. 6.404/76 disciplina a propriedade fiduciária de ações.

O atual Código Civil, pode-se assim dizer, popularizou a utilização da propriedade fiduciária, franqueando-a a pessoas físicas e jurídicas. Qualquer pessoa pode ser credora fiduciária e utilizar essa forte garantia real nas obrigações em geral. Limitou o objeto, porém, às coisas móveis infungíveis. A Lei n. 10.931/2004 fixou regime jurídico próprio, com regras específicas de direito material e processual, para os casos de propriedade fiduciária em garantia de obrigação na qual o credor fiduciário seja instituição financeira, tendo por objeto bens móveis, tanto infungíveis como fungíveis, inclusive bens incorpóreos, como créditos. A Lei n. 9.514/97, por seu turno, criou regime jurídico especial tendo cm conta não os sujeitos da obrigação, mas o objeto da garantia, que recai sobre coisa imóvel. Aplica-se a lei especial, desde que a garantia fiduciária recaia sobre coisa imóvel, a todos os credores fiduciários, instituições financeiras ou não.

Em relação às propriedades fiduciárias previstas em leis especiais, criou o Código Civil regra clara para evitar o conflito de normas: aplicam-se de modo primário as leis especiais e, em suas lacunas e no que não as contrariar, as normas gerais do Código Civil. O inverso, porém, não é verdadeiro. Não se aplica de modo supletivo à propriedade fiduciária regulada pelo Código Civil a disciplina das diversas leis especiais, especialmente quanto às regras de direito processual do Decreto-lei n. 911/69; por dispor o art. 8°-A do Decreto-lei n. 911/69, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004, que o procedimento judicial da lei especial (busca e apreensão) aplica-se somente às hipóteses de alienação fiduciária reguladas pela Lei de Mercado de Capitais, vedada sua extensão às relações do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.423. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).