segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Código Civil Comentado - Art. 421, 422, 423 - Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Código Civil Comentado - Art. 421, 422, 423
- Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com


Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título V – Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições

Gerais - Seção I – Preliminares (art. 421 a 426)

 

 

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

 

Iniciando teoricamente o primeiro artigo do tema, Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 421, p. 480-482, Código Civil Comentado, leciona: A teoria contratual contemporânea contempla quatro grandes princípios: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual e função social do contrato.

 

O art. 421 inaugura o estudo dos contratos, demonstrando a imprescindível conjugação entre a liberdade contratual e o princípio constitucional da solidariedade (art. 3°, I, da CF).

 

Remotamente, a função social do contrato prendia-se à própria função social da propriedade, eis que no liberalismo do século XIX o dogma da autonomia da vontade e a ampla liberdade contratual serviam de instrumento para que o indivíduo desse efetividade ao direito de propriedade. Atualmente, os contratos são instrumentos por excelência de circulação de riquezas, sendo que as trocas demandam utilidade e justiça, censurando-se assim o abuso da liberdade contratual.

 

A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.

 

Atendendo ao que havia muito já mencionava o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, a função social do contrato objetiva conjugar o bem comum dos contratantes e da sociedade. Portanto, pode-se cogitar uma função social interna e uma função social externa do contrato.

 

A função social interna concerne à indispensável relação de cooperação entre os contratantes, por toda a vida da relação. Implica a necessidade de os parceiros se identificarem como sujeitos de direitos fundamentais e titulares de igual dignidade. Assim, deverão colaborar mutuamente nos deveres de proteção, informação e lealdade contratual, pois a finalidade de ambos é idêntica: o adimplemento, da forma mais satisfatória ao credor e menos onerosa ao devedor.

 

Nesse plano, a função social se converte em limite positivo e interno à estrutura contratual, impedindo a formação de uma relação de subordinação sobre a pessoa do devedor, o que implicaria a quebra de sua autonomia privada com reflexo em seus direitos de personalidade.

 

Em qualquer relação contratual, os partícipes cedem uma parcela de sua liberdade jurídica em prol do êxito do programa comum. A função social interna pretende acautelar os contratantes da recuperação dessa liberdade contratual ao término do empreendimento conjunto.

 

Por outro ângulo, é sabido que os contratos interessam à sociedade. É inconcebível crer que, no momento atual, possam-se plagiar os oitocentistas, alegando que a relação contratual é res inter alios acta (ou seja, que apenas concerne às partes, e não a terceiros).

 

Os bons e maus contratos repercutem socialmente. Ambos os gêneros produzem efeito cascata sobre toda a economia. Os bons contratos promovem a confiança nas relações sociais. Já os contratos inquinados por cláusulas abusivas resultam em desprestígio aos fundamentos da boa-fé e quebra de solidariedade social.

 

Daí a necessidade de oponibilidade externa dos contratos em desfavor dos interesses dos contratantes. Ou seja, é possível que os contratos satisfaçam aos desígnios particulares dos contratantes, mas ofendam interesses metaindividuais - coletivos ou difusos. Basta supor a realização de avenças que afetem o meio ambiente, direitos de consumidores ou a livre concorrência. Em tais casos, a sociedade poderá intervir sobre as cláusulas contratuais ofensivas a direitos fundamentais.

 

O grande debate que hoje se estabelece é pertinente à tutela externa do crédito. As relações creditícias escapam do controle de seus artífices, alcançando terceiros que, algumas vezes, podem ser ofendidos por elas e, em outras hipóteses, podem até mesmo se colocar em situação de violar a relação da qual não fazem parte.

 

Sem dúvida, não é raro que um terceiro seja atingido por um contrato que, em princípio, lhe seja completamente estranho. Seria o caso daquele que é vítima de um acidente de consumo, derivado de relação em que não participara como consumidor stricto sensu (art. 2º do CDC). De acordo com o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, o bystander (observador, espectador, nota VD) possui ação de responsabilidade objetiva contra os fornecedores do produto ou serviço defeituoso, na qualidade de consumidor equiparado.

 

Poder-se-ia inserir ainda a situação daquele que é vítima de um acidente de trânsito com relação ao contrato entre o autor do ilícito - que se recusa a ressarcir o dano - e a seguradora. No mesmo sentido, a situação do promissário comprador que integralizou as prestações do imóvel, em face do contrato de mútuo hipotecário entre a instituição financeira e a construtora que não lhe repassou os créditos.

 

Porém, da mesma forma que podem ser afetados por contratos alheios, terceiros também podem agir de forma a violar uma relação contratual em andamento. A função externa do contrato é via de mão dupla. Ilustrativamente, há o parecer de Antônio Junqueira de Azevedo (RT 750/113) acerca da atuação de distribuidoras de combustíveis que, ao promover a venda de produtos a postos de gasolina, quebram a exclusividade de fornecimento com outra distribuidora. A lesão ao contrato primitivo permite que se responsabilize a distribuidora, em solidariedade passiva com o posto de gasolina.

 

Em suma, a sociedade não pode se portar de modo a ignorar a existência de contratos firmados. Isso explica uma tendência de prestigiar a oponibilidade erga ornnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção por parte de terceiros da prática de relações contratuais que possam afetar a segurança e a certeza dos contratos estabelecidos. Aliás, nesse mesmo sentido existe a regra do art. 608 do Código Civil.

 

Não se trata aqui de revogar a tradicional relatividade dos contratos, pois os seus efeitos obrigacionais compreendem apenas os seus protagonistas, mas de atenuar os seus efeitos perante a coletividade, prestigiando uma oponibilidade geral à maneira pela qual tradicionalmente vislumbramos nos direitos reais.

 

Em síntese, todo contrato é uma soma de seu tipo, sua estrutura e sua função. O tipo emana da conformação mínima do ordenamento jurídico sobre as relações econômicas mais comuns. A estrutura é dada pela vontade das partes no espaço reservado pela sociedade ao exercício da autonomia privada. A função social diz respeito às consequências objetivas da relação sobre a sociedade.

 

A função social do contrato é uma cláusula geral. Norma intencionalmente formulada de maneira vaga e imprecisa, a fim de que o magistrado possa densificar o seu conteúdo. A concretização da cláusula geral se dará em maior ou menor grau, conforme a concretude dos interesses envolvidos e as peculiaridades do caso. Diversamente do que ocorre com a função social da propriedade, sobre a qual a Constituição Federal (arts. 182 e 184) é explícita quanto às sanções pelo seu inadimplemento, descurou o legislador de qualificar a consequência da ofensa à função social do contrato.

 

Parece-nos que, em casos extremos, há que aplicar a invalidade do negócio jurídico, por nulidade, em razão da ofensa à norma de ordem pública, na dicção do parágrafo único do art. 2.035. Contudo, prestigiando-se o princípio da conservação dos negócios jurídicos, sempre que possível, restringir-se-á a sanção ao plano da ineficácia da cláusula ofensiva à função social, preservando-se a relação jurídica no restante, como sugere o próprio artigo em comento, ao aludir a relação entre a função social e o exercício (e não a validade) da liberdade contratual.

 

Por último, não há similitude entre a declaração de invalidade do contrato por ilicitude do objeto e a ofensa à função social. Prende-se a ilicitude do objeto (art. 104, II, do CC) à investigação da causa do contrato e dos aspectos relacionados à vontade subjetiva das partes. Já a função social se prende às consequências sociais e objetivas do contrato, independentemente da sua origem. Por isso, é mesmo possível que o objeto contratual seja ilícito na formulação, sem que isso importe em quebra de sua função social. A recíproca é válida. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 421, p. 480-482, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Sob orientação e assinado por Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 421, tem-se o Princípio da liberdade de contratar: O dispositivo cuida de dois dos princípios que regem os contratos: o princípio da liberdade contratual do princípio da autonomia da vontade de um lado; e o princípio da função social do contrato, de outro.

 

O princípio da liberdade contratual compõe-se da liberdade de contratar, propriamente dita, e da liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato. A liberdade de contratar sujeita-se a limitações legais, como a obrigatoriedade de contratar do fornecedor nas relações de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 39, incisos II e IX) e a de contratar seguros obrigatórios. Sujeita-se, igualmente, a restrições de caráter negocial, como no caso de contrato preliminar que obriga os contratantes a realizar o contrato definitivo.

 

A liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato é restringida por normas de ordem pública, de caráter cogente, inclusive as que concretizam a função social dos contratos. É também limitada pelos bons costumes. Em nome deles não se admite, por exemplo, a cobrança por prestação de serviços de natureza sexual.

 

Em relação da função social do contrato, este consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam contratantes.

 

Embora o princípio somente tenha sido positivado no ordenamento jurídico brasileiro com o código Civil de 2002, institutos que concretizam o princípio da função social do contrato constituem o cerne do Direito Civil: simulação; fraude contra credores; fraude à execução; propaganda enganosa; concorrência desleal.

 

No âmbito da função social do contrato localiza-se o princípio da solidariedade, de fundamento constitucional (art. 3º, I, da CF), estabelece orientação solidarista do direito, e impõe a necessidade de se observar os reflexos da atuação individual perante a sociedade.

 

Exemplo de aplicação do princípio da solidariedade ocorreu em execução de hipoteca pelo inadimplemento do construtor. O STJ entendeu pela mitigação do direito do credor, em favor dos adquirentes que haviam pago o preço de aquisição das unidades ao construtor (STJ, EDcl no REsp n. 573.059/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03.05.2005).

 

Para uma crítica ao “solidarismo jurídico” (Sampaio Jr., Rodolpho Barreto. Da liberdade ao controle: os riscos do novo direito civil brasileiro. Belo Horizonte: PUC Minas Virtual, 2009, p. 30-38). (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 421, acessado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na apreciação do dispositivo, os autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Da liberdade de contratar, p. 826, Comentários ao CC, art. 421: Por liberdade de contratar, entenda-se a livre disposição que tem o sujeito de contrair ou não obrigações, diante das oportunidades que lhe são dadas. Quando a Carta Magna diz que o cidadão não será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, está dando a ele a liberdade de se obrigar, dependendo, para tanto, apenas de sua vontade (com exceção das obrigações decorrentes de lei ou do ato ilícito).

 

O art. 421 reza a respeito da liberdade de contratar, limitando-a à sua função social. Além disso, o art. 425, reconhecendo a ampla liberdade de contratar, estabelece que é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

 

Observe-se, porém, que a autonomia da vontade não significa que a vontade das partes pode estabelecer tudo o que quiserem. Deve ser orientada pela supremacia da ordem pública, pelo respeito aos bons costumes e à lei. A isto se chama de dirigismo contratual, caracterizado pela intervenção estatal no conteúdo do contrato quando este for contrário à ordem pública, aos bons costumes ou à lei. Assim, se as partes têm, a partir dessa nova visão, um direito de determinar o conteúdo do negócio, mas limitado aos ditames da lei, torna-se óbvio que, mesmo diante da expressão da vontade de uma delas no contrato, poderá o Estado, através de pronunciamento judicial, adequar eventual contrato que, mesmo escrito e assinado pelas partes, venha a ferir o ordenamento jurídico. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Princípio Da liberdade de Contratar - p. 825-826, Comentários ao CC, art. 421. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

No lecionar de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 422, p. 482-483, Código Civil Comentado: A excepcional ascensão da boa-fé objetiva nas mais recentes legislações é fruto da superação de um modelo formalista e positivista que dominou os ordenamentos jurídicos no século XIX, sobrevivendo até o fim da II Guerra Mundial.

O dispositivo é a consagração do princípio da Treit und Glauben (lealdade & confiança), radicado no § 242 do BGB (Código Civil Alemão) de 1900: “o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.

Com a edição de conceitos abertos como o da boa-fé, é possível ao magistrado adequar a aplicação do direito aos influxos de valores sociais, pois os limites dos fatos preconizados nas cláusulas gerais são móveis e passíveis de concretização variável.

Há que salientar que existem duas acepções de boa-fé, uma subjetiva e outra objetiva. O princípio da boa-fé objetiva - circunscrito ao campo do direito das obrigações - é o objeto de nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.

Em sentido diverso, a boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito, que em verdade só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância acerca da realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. Localiza-se como atributo qualificativo de posse (art. 1.201 do CC) e requisito da usucapião ordinária (art. 1.242 do CC); também como elemento de apreciação de indenização de acessões e benfeitorias (arts. 1.219 e 1.255 do CC).

Esse dado distintivo é crucial: a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros cie honestidade e retidão.

Por isso, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social.

O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do direito das obrigações, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual mais não é que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito negocial.

Os três grandes paradigmas do Código Civil de 2002 são eticidade, socialidade e operabilidade. A boa-fé é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. No CC/2002, o neologismo eticidade se relaciona de forma mais próxima com uma noção de moralidade, que pode ser conceituada como uma forma de comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar. Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá de se portar como um "homem de seu meio e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais.

Note-se que a boa-fé sempre será concretizada em consonância com os dados fáticos que se revelarem na situação jurídica. A eficácia da boa-fé deverá variar conforme a maior ou menor igualdade das partes no contexto espacial e temporal, enfim, a intensidade da aplicação do princípio será aferida nas circunstâncias, conforme a “ética da situação”.

A boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três áreas de operatividade da boa-fé no Código Civil de 2002. Desempenha papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art. 187); finalmente, desempenha atribuição integrativa, pois dela emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de precedentes jurisprudenciais (art. 422).

A função integrativa da boa-fé resulta do art. 422 do Código Civil. Integrar traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte - deveres anexos ou laterais-, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

O conteúdo da relação obrigacional é dado pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato.

Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.

Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo.

Por fim, o grande influxo integrativo da boa-fé está localizado nas relações obrigacionais duradouras e não naquelas instantâneas em que há coincidência temporal entre a contratação e a execução. Nas obrigações duradouras, exige-se uma execução com confiança recíproca e especial observância de diligência no cumprimento da atividade assumida, pois em uma vinculação de grande período cada uma das partes depende, mais do que em nenhum outro caso, da boa-fé no cumprimento do convencionado.

Parece-nos que o art. 422 não se olvidou da responsabilidade pré-contratual, tampouco da responsabilidade post pactum finitum. Resta implícito no dispositivo que os deveres de conduta relacionados ao cumprimento honesto e leal da obrigação também se aplicam às negociações preliminares (tratativas) e sobre aquilo que se passa depois do contrato. Não se pode olvidar de que estamos diante de norma de textura aberta, que induz os operadores à sua colmatação com base em argumentações já desenvolvidas na doutrina.

Em verdade, mesmo antes de a relação obrigacional ser pactuada, já existe o contato social entre as partes. Os deveres de conduta emergem no momento das primeiras negociações, pois a boa-fé objetiva diz respeito à manutenção da palavra empenhada. Assim, a complexidade da relação obrigacional apanha todo o processo relacionai construído pelas partes, não se podendo dissociar os acertos e as promessas inaugurais de tudo aquilo que se verificou após a subscrição do contrato.

O mesmo se entende da responsabilidade pós-contratual. A confiança recíproca - que permitiu a concretização da relação obrigacional - não termina no instante em que a prestação principal é satisfeita. Há uma enorme expectativa de que o outro contratante não frustrará os fins do pactuado. Isso explica a razão da corriqueira imposição de cláusulas de confidencialidade e de não concorrência no bojo de contratos negociados. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 422, p. 482-484, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Na apreciação do relator, Deputado Ricardo Fiuza, em sua doutrina diz:  Cuida-se de dispositivo específico sobre os princípios da probidade e da boa-fé. O Código de 1916 não ofereceu tratamento objetivo a respeito.

O primeiro princípio versa sobre um conjunto de deveres, exigidos nas relações jurídicas, em especial os de veracidade, integridade, honradez e lealdade, deles resultando como corolário lógico o segundo.

O princípio da boa-fé não apenas reflete uma regra de conduta. Consubstancia a eticidade orientadora da construção jurídica do novo Código Civil. É, em verdade, o preceito paradigma na estrutura do negócio jurídico, da qual decorrem diversas teorias, dentre as quais a teoria da confiança tratada por Cláudia Lima Marques no alcance da certeza e segurança que devem emprestar efetividade aos contratos.

O dispositivo apresenta, conforme aponta Antonio Junqueira de Azevedo, insuficiências e deficiências, na questão objetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento. As deficiências decorrem da ausência de duas funções, do direito pretoriano, para a cláusula geral da boa-fé: a supplendi e a corrigendi, no que dizem respeito, fundamentalmente, aos deveres anexos ao vínculo principal, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas

Direito comparado: Arts. 1.337 do Código Civil italiano, de 1942; 227 do Código Civil português; § 242 do BGB.

Sugestão legislativa: As reflexões do eminente jurista, em proeminente estudo, fornecem fonte suficiente para o aperfeiçoamento do dispositivo, sugerindo-se, por oportuno, ao Deputado Ricardo Fiuza, a seguinte redação: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar; assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade.

Bibliografia: Antonio Junqueira de Azevedo, Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos, RTDC — Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, Editora PADMA, 1/3-12; Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Judith Martins-Costa, A boa fé no direito privado: sistema e tópico no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Antonio Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1997.

Por orientação de Marco Tulio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 422, acessado em 10/06/2022 diz: Da Caracterização:  o princípio da boa-fé objetiva representa a aplicação da doutrina do abuso de direito em matéria contratual. Permite a ampliação da responsabilidade civil às fases pré-contratual (culpa in contrahendo) e pó-contratual (culpa post pactum finitum) e aos deveres laterais. 

Direito Civil. Responsabilidade civil pré-contratual. A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta – após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores – rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por jhering, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do CC/2002, dispôs-se de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422) da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento legítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de casualidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples tato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material. REsp 1.051.065/AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013.

A doutrina distingue os deveres contratuais em primários, secundários e laterais (Martins-Costa, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000, p. 439): são estes: a) deveres de cuidado previdência e segurança; b) deveres de aviso e de esclarecimento; c) deveres de informação (CDC, arts. 12, 14, 18, 20, 30, 31); d) dever de prestar contas; e) deveres de colaboração e de cooperação; f) deveres de proteção e de cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte (ex.: adimplemento substancial do contrato); g) deveres de omissão e de segredo.

Origem histórica da boa-fé: Exceptio doli: instituto de direito romano contra a utilização de particularidades formais das declarações de vontade ou do aproveitamento de incompletudes de regras jurídicas, absorvido, modernamente, pelos demais institutos que concretizam o princípio da boa-fé.

Tipos de atos abusivos: a) venire contra factum proprium: comportamento que contraria ato do próprio agente e agride a confiança gerada na parte contrária. A conduta contrária à lei e às cláusulas contratuais configura ilicitude e violação do contrato, não configura o venire... Para a aplicação do venire... é necessário um comportamento não previsto em regras primárias ou secundárias que induza confiança da contraparte.

Exemplos: Trabalhador que pretende rescisão de contrato por atraso no pagamento de salários após aprovar plano de recuperação da empresa em que é acordada moratória; locador que requer o despejo por falta de pagamento após receber aluguem em local diverso do ajustado por três anos; locador que requer o despejo por ter o locatário alterado a estrutura do prédio após ter sido autorizado pelo mesmo locador a realizar as obras de responsabilidade deste; proprietário que exige a devolução de terreno após autorizar plantação; mulher casada que vive com terceiro e reclama do marido o pagamento de alimentos

b) Supressio (Verwirkung): limitação do conteúdo contratual? Ausência de exercício de direito subjetivo durante lapso de tempo suficiente para gerar a confiança na contraparte de que não mais será exercido.

A consagração dogmática da supressio ocorreu com a inflação na Alemanha após a I Guerra Mundial: “Em consequência dessas alterações [econômicas], o exercício retardado de alguns direitos levava a situações de desequilíbrio inadmissível entre as partes” (Menezes Cordeiro, Antonio M. da R. Da boa fé no direito civil, p. 801). 

A supressio considera-se prejudicada pelos mesmos fatos que interrompem ou suspendem a prescrição (Cordeiro, Antonio Menezes. Tratado de direito civil português, v. I, t. IV. Coimbra: Almedina, 2005, p. 322). [...] (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 422, acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Segundo a crítica de Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 423, acessado em 10/06/2022, o Código de Defesa do Consumidor conceitua o contrato de adesão no artigo 54: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Os contratos de adesão são caracterizados pela menor possibilidade de uma das partes, chamada aderente, estabelecer o conteúdo do contrato. Em razão disso, a lei civil permite que o aderente seja beneficiado com a interpretação mais favorável.

A referida regra não exclui a possibilidade de a intenção das partes ser aclarada por outros elementos, pois, nos termos do art. 112 do Código Civil, o fundamental é a intenção consubstanciada nas declarações de vontade. Desse modo, por exemplo, a própria prática que os contratantes estabeleceram para cumprimento do contrato revela o intento delas ao contratar. a interpretação mais favorável ao aderente é, portanto, uma regra subsidiária. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 423, acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo apreciação de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 423, p. 484-485, Código Civil Comentado: Os contratos de adesão traduzem um modelo de sociedade marcado pela massificação das relações econômicas. Não se trata de uma espécie de contrato, como a compra e venda ou a doação, mas de um instrumento contemporâneo de contratação no qual a manifestação de vontade não se exterioriza pelo consentimento tradicional, mas pela forma de adesão. O contrato por adesão convive com o tradicional contrato paritário, marcado pela existência de uma etapa de negociação de cláusulas.

A contratação por adesão possui uma grande característica: elimina a fase das conversações preliminares, pois uma das partes estabelece unilateralmente as condições gerais do contrato, sendo que o consentimento do outro contratante será a própria adesão em bloco - take it or leave it.

O art. 423 reconhece a contratualidade da adesão, mesmo que ela seja privada do espaço de discussão de cláusulas pela existência de certo desequilíbrio entre os contratantes. Em virtude desse desequilíbrio prévio, caberá ao ordenamento uma intervenção mais drástica sobre os contratos dessa natureza, a fim de que a parte mais débil possa se relacionar com total intelecção da avença.

O art. 423 cuida da interpretação do contrato de adesão. As suas cláusulas dúbias ou vacilantes serão interpretadas contra quem redigiu o contrato. 

Porém, deve o dispositivo em estudo ser sempre aferido em conjugação com a norma geral de interpretação da boa-fé. No plano da otimização do comportamento contratual e do estrito cumprimento do ordenamento jurídico, o art. 113 dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé. O magistrado não apelará a uma interpretação literal do texto contratual, mas observará o sentido correspondente às convenções sociais ao analisar a relação obrigacional que lhe é submetida. Deverá aferir a celeuma conforme os costumes e o tráfego jurídico do local em que se estabeleceu o contrato.

Há um equívoco em supor que os contratos de adesão sejam específicos das relações de consumo. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor, por excelência, constituir-se em sede de tais contratos, nada impede que de relações privadas, envolvendo dois empresários ou particulares, nasçam contratos de adesão, sem que em um dos polos exista a figura do consumidor.

Normalmente os contratos são uniformes e direcionados a um número indeterminado de pessoas, posto que são confeccionados em formulários-modelo, despersonalizando-se as relações daí produzidas. Mas, como visto no tópico anterior, nem todo contrato de adesão é padronizado ou standardizado, sendo suficiente à sua caracterização a inexistência de negociação entre as partes.

Isso explica a redação diferenciada do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor: “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Ou seja, nas relações entre os desiguais, a tutela ampla do vulnerável, demanda critérios de interpretação mais elásticos, exclusivamente em benefício do consumidor. Já nas relações civis, haver-se-á de prestigiar especialmente o aderente tão somente no que for pertinente às cláusulas contraditórias.

Aliás, no diálogo de fontes, as normas gerais do Código Civil podem ser utilizadas subsidiariamente pelo consumidor, quando forem mais favoráveis que as do microssistema (art. 7º do CDC). Todavia, a recíproca não se aplica. Vale dizer, tendo o Código Civil silenciado sobre o conceito do contrato de adesão, que descabe o recurso à definição emprestada pelo art. 54 do Código consumeirista. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 423, p. 484-485, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Na crítica ao dispositivo, como postado Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 423, p. 227-228, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado: A referência a contrato de adesão sugere, por conceituação legal, espécie e não gênero. Em verdade, porém, não existe um contrato de adesão; são existentes contratos celebrados por adesão, como pontifica Agostinho de Arruda Alvim em sua Exposição de Motivos Complementar ao anteprojeto do CC revisto (25-3-1973). O mesmo ocorre com relação aos contratos aleatórios e os atípicos, que se pretendem regulados em seções do Título V do Livro 1 da Parte Especial. Nessa categoria, existem diversos contratos por adesão, caracterizados por técnicas comuns de contratação de massa, com visível desequilíbrio de forças dos contratantes e forte atenuação na liberdade de contratar diante de cláusulas pré-elaboradas. Não foi dispensada, todavia, regulação própria aos contratos por adesão. tal como observada pela Lei n. 8.078. de 11-9-1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), a permitir a crítica do eminente jurista Nelson Nery que aponta um tratamento tímido dado pelo CC de 2002 a essa técnica de formação de contrato ao dispensar-lhe apenas dois de seus dispositivos.

O art. 54 do CDC define: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo”. A norma alcança, segundo a doutrina de Orlando Gomes, as duas formas de contratação, a de estipulação produzida pelo poder público, onde manifesta a irrecusabilidade das cláusulas (contrato de adesão) e a estabelecida, unilateralmente, pelo particular, em face do potencial aderente (contrato por adesão). 

A definição contrats d’adhesion foi oferecida por Raymond Saleilles, em sua obra Dela déclaration de volonté (Paris, LGDJ, 1929, p. 229-30) quando examinou o Código Civil alemão em sua Parte Geral. 

Direito comparado: Ai. 1.370 do Código Civil italiano de 1942, instituidor da regra interpretatio contra stipulatorem ou interpretatio contra proferentem.

O princípio de interpretação contratual mais favorável ao aderente decorre de necessidade isonômica estabelecendo em seus fins uma igualdade substancial real entre os contratantes. É que, como lembra Georges Pcipert, “o único ato de vontade do aderente consiste em colocar-se em situação tal que a lei da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar”. O dispositivo, ao preceituar a sua aplicação, todavia, em casos de cláusulas obscuras ou ambíguas, vem limitá-lo a essas hipóteses, o que contraria o avanço trazido pelo Art. 47 do CDC prevendo o princípio aplicado a todas as cláusulas contratuais. O aderente como sujeito da relação contratual deve receber idêntico tratamento dado ao consumidor, diante do significado da igualdade de fato que estimula o princípio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 423, p. 227-228, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Código Civil Comentado - Das Preliminares – Art. 421 - Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título V – Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições

Gerais - Seção I – Preliminares (art. 421 a 426)

 

Das Preliminares

 

Antes de iniciar o Assunto dos Contratos em Geral, é de bom alvitre falar-se das Noções Introdutórias – A Teoria Contratual. Trata-se de uma parte da história que tenha sido necessária para organização da ideia de contrato(s). Para melhor entendimento dos neófitos, serão usadas as originalidades dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Noções Introdutórias à Teoria Contratual, p. 819-820 [...].

 

Introito – Para se entender o fenômeno contratual, é preciso entender a necessidade e a liberdade de contratar. Em primeiro lugar, portanto, deve-se traçar o paralelo entre as concepções tradicionais (ou clássica) e social do contrato e resgatar, ainda que de forma breve, a evolução histórica da ciência contratual entre uma e outra.

 

No art. 5º, II da Constituição federal (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei) encontra-se a centelha da liberdade de contratar. Aí se consagra que, a não ser em virtude lei, ninguém se obriga. A inferência lógica disso é a de que o ordenamento jurídico confere ao sujeito a chamada autonomia da vontade.

 

O contrato, em verdade, desde o Direito Romano, está ao lado da lei e do ato ilícito como uma das principais fontes de obrigações. Concebiam os antigos que o contrato era a união de duas declarações de vontade de pessoas que manifestavam interesses aptos a se convergirem.

 

A regra, portanto, era a da liberdade plena de contratar, muito embora a vontade pudesse fazer surgir obrigações outras que não propriamente pelo contrato, como se dava – e ainda se dá – nos atos jurídicos em sentido estrito (ex.: reconhecimento de filho), nos negócios jurídicos unilaterais (ex.: emissão de títulos de crédito, promessas de recompensa) ou nos quase contratos (ex.: gestão de negócios).

 

Dessa liberdade plena de contratar, portanto, devia derivar uma resposta jurídica, que era a força vinculante dos contratos. Ora, se posso, livremente, me obrigar ou não, devo, a partir do momento em que opto por me vincular, observar irrestritamente aquilo a que me obriguei. Nada resulta mais lógico do que isso, numa primeira visão da matéria.

 

Esta foi a primitiva expressão d liberdade de contratar, ou autonomia da vontade. Trata-se da força obrigatória dos contratos, ou, em latim, pacta sunt servanda (os pactos devem ser observados). Com efeito, a liberdade que tem o cidadão de assumir ou não suas obrigações civis, induzirá à vinculação que para ele surgirá em eventual celebração de algum negócio jurídico. Quando se diz pacta sunt servanda quer-se salientar que aquele que contraiu uma obrigação deve cumpri-la na exata medida daquilo a que se obrigou. Na antiga lição de Pothier, “chama-se obrigação civil aquela que é um vínculo de direito, vinculum juris, e que dá, em relação àquele com quem se contratou, o direito de exigir na justiça aquilo que nela está contido” (2001, p. 57).

 

Dessa primeira concepção – clássica porque remonta à Antiguidade Clássica e tradicional por levar em conta apenas os elementos mais evidentes da relação jurídica, como os agentes e a vontade - segue-se um momento histórico de mudança.

 

No Direito Canônico costumou-se condenar a superestimação da autonomia da vontade. Em que pesem as razões religiosas que levavam a efeito esse pensamento – a par da influência do Direito germânico – o fato é que se podem identificar, nos institutos canônicos, algumas figuras jurídicas que apontavam para uma mitigação e, por que não dizer, evolução do conceito de contrato, quando, por exemplo, se permitia a anulação dos negócios pela lesão e se proibia a usura.

 

Mas a dominação clerical que se seguiu à decadência romana – e o consequente mergulho na obscuridade naquela que se convencionou chamar Idade das Trevas – fez surgir efusiva reação às diretrizes do Direito canônico, máxime no sentido de se afirmar a liberdade do cidadão em face do Estado e da Igreja.

 

Daí se passa da primeira concepção – tradicional – para outra, que considera os fundamentos da democracia e do liberalismo, em função do surgimento do extremado individualismo idealizado após as evoluções libertárias do final do Século XVIII. É a concepção individualista ou liberal do contrato.

 

Pode-se observar, portanto, que no Direito Civil que ocorreu imediatamente da Revolução francesa, com a consagração das ideias liberais e individualistas do iluminismo, privilegiou-se, novamente – e ainda com mais veemência – a força vinculativa do contrato, de tal forma a eu o devedor, uma vez obrigado, deveria cumprir a sua prestação exatamente como a contraiu.

 

Não mais se perquiria sobre a causa ou a razão que levava o devedor a contrair a dívida, fosse ela lícita ou não. O positivismo jurídico, principalmente, passou a retaliar qualquer invocação subjetivista na teoria contratual. Não importava, portanto, o motivo que levava a parte a contratar: tendo contratado, pacta sunt servanda, ou seja, cumpram-se os pactos. O causalismo contratual foi violentamente repelido na codificação francesa (Code Napoleão de 1804), influenciando o Código Civil brasileiro de 1916 (Concepção liberal do contrato).

 

O afastamento do Estado da relação contratual era a forma mais veemente de se reagir à dominação real da época absolutista.

 

Ocorre que a causa do negócio, como já se teve a oportunidade de observar na parte geral, pode levar a consequências que implicam no atingimento da relação jurídica obrigacional. As pessoas contratam para satisfazer necessidades econômicas da vida, por isso, não podem ser eternamente condenadas à satisfação lasciva da ganância da parte adversa na relação contratual, que, não raro, contrata também com a intenção de se aproveitar da necessidade ou inexperiência da outra, impondo cláusulas que podem comprometer o equilíbrio da relação contratual.

 

Embora a evolução do Direito Civil, em geral, não destoe da ideia da força vinculativa dos contratos, que continuam a obrigar o contratante ao cumprimento de sua prestação, a ordem moderna indica que o cidadão, agora, pode questionar, em juízo, a licitude ou até mesmo a legitimidade da prestação a que ele próprio se obrigou, isso porque o Estado não está mais totalmente alheio às contratações particulares do cidadão. [...] (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Noções Introdutórias à Teoria Contratual, p. 819-822, seguidas dos Comentários ao CC, art. 421 em diante. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Capítulo VI – Das Arras ou Sinal (art. 417 a 420)

 

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

Conceituando Arras ou Sinal, para Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Título 6. Arras ou Sinal. 6.1. Conceito, 6.11. Espécies, p. 800, Comentários ao CC, art. 417: As arras constituem-se em uma quantia em dinheiro ou prestação de outra espécie - desde que consistente em bem móvel – oferecida por uma das partes a fim de garantir que o ajuste final será cumprido (arras confirmatórias) ou prefixar o valor das perdas e danos em caso de arrependimento (arras penitenciais). Por isso, são conhecidas, também, como sinal.

 

Quanto às espécies, as arras são fixadas para a finalidade de, em sendo cumprido o contrato, serem restituídas ou computadas na prestação principal, ou seja, em qualquer caso, significam início de pagamento quando o contrato for cumprido. Podem ser confirmatórias ou penitenciais.

 

Nas arras confirmatórias, não existe direito de arrependimento e, em caso de descumprimento do contrato, o valor dado a título de arras confirmatórias, além de ser retido ou devolvido (conforme o caso), não exclui da parte inocente o direito à execução do contrato e às perdas e danos, valendo, apenas, como taxa mínima de indenização. O que significa que se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as.

 

Já as arras penitenciais são estipuladas para o caso em que o contrato preveja o direito de arrependimento. Assim, valem como prefixação dos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato pela parte que se arrependeu. Nesse caso, o direito à retenção das arras ou à sua devolução exclui da parte inocente o direito à indenização e à execução do contrato. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Título 6. Arras ou Sinal. 6.1. Conceito, 6.11. Espécies, p. 800, Comentários ao CC, art. 417. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No mesmo sentido, o relator Ricardo Fiuza em sua doutrina: “Arras ou sinal é a quantia em dinheiro, ou outra coisa fungível, que um dos contratantes dá ao outro em antecipado, com o objetivo de assegurar o cumprimento da obrigação, evitando o seu inadimplemento. Não se confunde com a cláusula penal, que só pode ser exigida após o inadimplemento, enquanto as arras são pagas de forma antecipada, justamente para evitar o descumprimento do contrato. 

 

Se a obrigação vem a ser cumprida normalmente, as arras deverão ser descontadas do preço ou restituídas a quem as prestou”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 417, p. 224, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Na inteligência da equipe de Guimarães e Mezzalira, as arras constituem convenção acessória real, com a finalidade de assegurar a conclusão de um determinado contrato, evitando o arrependimento de uma das partes para a conclusão do contrato. As arras somente podem ser convencionadas em contratos bilaterais de transferência de domínio.

 

As arras podem ser (i) confirmatórias, quando inexiste direito de arrependimento e o valor estipulado serve como prefixação de perdas e danos, caso a parte que deu as arras deixe de cumprir com a prestação confirmada, ou (ii) penitenciais, quando for expressamente estipulado o direito de arrependimento (vide comentários ao artigo 420). A maior distinção entre ambas reside na possibilidade de a parte que deu as arras vir a se arrepender da obrigação principal. Em se tratando de arras confirmatórias e havendo descumprimento da parte que deu as arras, a contraparte poderá reter as arras e, alternativamente, exigir a cobrança de indenização suplementar, se demonstrar que o valor das perdas supera o sinal, ou exigir o cumprimento da obrigação. Se for o caso de arras penitenciais, o sinal dado terá a função de reparar os danos acarretados pelo arrependimento e nada mais será devido pela parte que as deu.

 

As arras, assim, exercem três funções: confirmam o contrato, serve de prefixação de perdas e danos e integram o preço, se forem do mesmo gênero da obrigação principal (do contrário, servem apenas como uma garantia).

 

As arras diferem da cláusula penal, dado que, enquanto, na primeira hipótese, há, desde a sua constituição, a entrega de determinado valor ou bem móvel a contraparte, visando à confirmação do negócio, na segunda, o valor só é pago posteriormente, em caso de descumprimento contratual pela parte infratora.

 

Nesse caso, as arras são consideradas princípio de pagamento. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 417, acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regulamente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

 

Segundo o histórico, analisado o texto originariamente proposto à Câmara, verificou-se não ter o dispositivo sofrido qualquer alteração relevante durante o período de tramitação, salvo quanto à substituição da expressão “correção monetária” por “atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos”. Corresponde ao Art. 1.097 do Código Civil de 1916.

 

Segundo a apreciação do relator, o Art. 418 supre omissão do Art. 1.097 do Código Civil de 1916, estabelecendo as diversas consequências do inadimplemento da obrigação, em que tenham sido prestadas as arras: a) se o descumprimento for imputável a quem deu as arras, este as perderá em benefício do que recebeu; b) se a inexecução for imputável a quem recebeu as arras, deverá devolvê-las em dobro, acrescidas de juros, correção e honorários de advogado.

 

O novo Código substituiu a expressão “devolver em dobro” usada no Código Civil de 1916 por “devolver mais o equivalente”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 418, p. 224, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Para o entendimento de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 418, p. 473-474, Código Civil Comentado, “As arras podem ser confirmatórias ou penitenciais. Sua principal função é confirmar o contrato, tornando-o obrigatório. A entrega do sinal faz prova do acordo de vontades e as partes não podem mais rescindi-lo unilateralmente, sob pena de responder por perdas e danos, nos termos do disposto neste artigo e no seguinte. As arras confirmatórias tornam obrigatório o negócio e impedem o arrependimento de qualquer das partes. Na lição de Arnaldo Rizzardo, são seus elementos: “a) a entrega na conclusão do contrato, isto é, quando o mesmo se efetua, ou depois de enviada a proposta e emitida a aceitação; b) a entrega de dinheiro ou de um bem móvel; c) a devolução do dinheiro ou do bem quando da execução, ou conclusão do contrato; d) a faculdade de computar a quantia ou o bem móvel entregue no preço do negócio, se do mesmo gênero da coisa principal” (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 567). Note-se que não há menção ao arrependimento, presente apenas nas arras penitenciais. No caso do sinal confirmatório, o arrependimento de qualquer dos contratantes significa inadimplemento e o bem ou o valor entregue para tornar o negócio definitivo tem a função de pré-fixar o valor indenizatório.

 

O presente dispositivo estabelece que, se aquele que deu as arras não executar o contrato, as perderá em favor do outro, que poderá considerar desfeito o negócio. Acrescenta que se a inexecução foi de quem recebeu as arras, aquele que as deu pode considerar desfeito o contrato e exigir sua devolução, além do equivalente, atualizado monetariamente e acrescido de juros e honorários de advogado.

 

A parte final equivale à devolução em dobro prevista no art. 1.095 do Código Civil de 1916. A parte inocente pode satisfazer-se com a retenção do sinal, ou com sua devolução acrescida do equivalente. Mas pode também demonstrar que seu prejuízo foi superior ao valor do sinal e pretender indenização suplementar. Nessa hipótese, prevista no art. 419, o valor das arras valerá como o mínimo da indenização. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 418, p. 473-474, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Definindo o dispositivo, art. 418, para a equipe de Guimarães e Mezzalira, o caso em questão trata das arras confirmatórias referidas no artigo 417. Se a prestação tornar-se impossível sem culpa de qualquer das partes, nenhuma delas poderá ser punida. Assim, nesse caso, há apenas a restituição das arras, anteriormente, entregues, sob pena de enriquecimento sem causa.

 

Rescisão de compromisso de compra e venda decorrente de inadimplemento do comprador: As arras possuem natureza indenizatória, servindo para compensar em parte os prejuízos suportados, de modo que também devem ser levadas em consideração ao se fixar o percentual de retenção sobre os valores pagos pelo comprador” (STJ, 3ª T. REsp n. 1224921, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, j. 26.4.2011).

 

Compra e venda de veículo. Arras confirmatórias. Retenção. Impossibilidade. O fato de deixar de cumprir com o avençado, impõe-lhe o dever de responder pelo desfazimento do contrato, as não o ônus de perder em favor da vendedora, o que lhe fora entregue a título de arras confirmatórias. Recurso não provido” (TJSP, Proc. N. 106720899834-1/001 (1), rel. Des. Pereira da Silva, j. 15.2.2011). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 418, acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

 

Na apreciação de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 419, p. 476-477, Código Civil Comentado: Segundo a parte final deste artigo, a parte inocente pode postular a execução do contrato com perdas e danos, valendo as arras como mínimo de indenização. Essa solução é possível quando as arras forem confirmatórias, isto é, confirmarem a celebração do contrato, sem direito de arrependimento. Sempre que as partes não convencionarem em sentido diverso, as arras serão consideradas confirmatórias. E, se confirmatórias, prevalece a função das arras de tornar definitivo o negócio, tanto que a parte final do presente artigo autoriza a parte inocente a exigir a execução do contrato e cumular tal pretensão com a indenização pelos prejuízos que houver suportado.

 

Se houver expressa referência a natureza penitencial das arras, considera-se presente o direito de arrependimento (Tepedino, Gustavo; Barboza, Heloísa Helena e Moraes, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado, v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 763).

 

As arras serão penitenciais quando as partes convencionarem a possibilidade de arrependimento. Nesses casos, elas atuam como pena convencional, como sanção ao arrependimento, mesmo que ele tenha sido previsto. É o que está consignado no art. 420. Segundo esta regra, nesses casos, não haverá direito à indenização suplementar.

 

O Código Civil de 1916 não previa a possibilidade de a parte inocente postular indenização suplementar. Durante sua vigência, foi editada a Súmula n. 412 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal por quem o deu, ou a sua restituição em dobro por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo”.

 

Para cobrança das arras não há necessidade de prova do prejuízo real. O sinal integra o valor da prestação devida nos casos em que ele é confirmatório, como revela o art. 417. Isso só não acontecerá se as arras não forem do mesmo gênero da obrigação principal. Mas se o sinal for penitencial, ele só terá natureza indenizatória (art. 420, parte final, do CC).

 

Em certas hipóteses, a jurisprudência admite que as arras sejam devolvidas simplesmente, e não em dobro: quando houver acordo entre as partes, quando ambos os contratantes agirem com culpa e quando o cumprimento do contrato não se verificar em decorrência de caso fortuito ou outro motivo estranho à vontade das partes. Nesse sentido: Rocha, José Dionízio da. “Das arras ou sinal”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 550.

 

As arras desempenham três funções: confirmam o contrato, servem de prefixação de perdas e danos e como princípio de pagamento, integrando o preço, se do mesmo gênero da obrigação principal. Nas hipóteses em que as arras não forem do mesmo gênero da obrigação principal, elas não integram o preço, mas representam uma garantia e devem ser devolvidas a quem as entregou quando o preço for pago integralmente. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 419, p. 476-477, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Em relação às arras penitenciais, alínea b, comentam os autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Título 6. Arras ou Sinal. 6.1. Conceito, 6.11. Espécies alínea b, p. 801 que, se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Nesse caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte, e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. Observe-se que, para o caso das arras penitenciais, o não cumprimento do contrato por quem as recebeu não autoriza que o inocente acresça atualização monetária, juros e honorários de advogado ao equivalente, segundo a redação do art. 420 do Código Civil.

 

Importante salientar, no entanto, que o direito de arrependimento, por ser cláusula especial, deve constar de vontade expressamente manifestada, sob pena de ser interpretado o contrato no sentido da perda do sinal, com direito à parte inocente de postular pelas perdas e danos, como já observado em precedente do STJ.

 

Em que pese isso, deve ser ressaltado que, em aplicação ao art. 112 do Código civil, não se exige que haja, no contrato, palavras sacramentais no sentido do direito ao arrependimento, bastando que dos seus termos ressaia a manifestação da vontade que o estipule, ainda consoante decisão do STJ. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Título 6. Arras ou Sinal. 6.1. Conceito, 6.11. Espécies alínea b, p. 801, Comentários ao CC, art. 419. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na crítica formada pela equipe de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo em questão pôs termos à longa discussão doutrinária existente a respeito da possibilidade de se exigir, cumulativamente, indenização e o recebimento das arras, em caso de inexecução do contrato. Vale lembrar que o caso em questão somente é aplicável às hipóteses de arras confirmatórias (vide comentário ao artigo 420). No caso de descumprimento da prestação, não há necessidade de prova do prejuízo, para o recebimento das arras. Tal ônus impõe-se apenas nas hipóteses de cobrança de prejuízo suplementar.

 

É invalida a cláusula contratual que prevê a perda de parte das parcelas pagas pelo promissário-vendedor, com a rescisão de compromisso de compra e venda do imóvel, ainda que seja a título de direito às arras, quando tal valor represente o enriquecimento sem causa do promitente-vendedor”. (STJ, 3ª T. REsp. 223118, Relª Minª Nancy Andrighi, j. 19.11.2001). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 419, acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

 

Na apreciação do relator em sua doutrina: Arras penitenciais: Adquirem essa qualificação sempre que as partes houverem convencionado expressamente o direito de arrependimento, ou seja, de desistir do contrato, valendo as arras, no caso, como indenização pré-fixada: quem deu, perde; quem recebeu, devolve em dobro.

 

Independem, as arras penitenciais, de haver ou não inadimplemento da obrigação. unia vez que os contratantes podem escolher entre cumprir ou não cumprir o contrato, já estando a indenização prefixada.

 

Se o contrato não se concretizar por caso fortuito ou força maior, não incidirá o disposto neste artigo. Quem deu as arras, as receberá de volta, acrescidas apenas da atualização monetária pertinente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 420, p. 225, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No parecer de Bdine Jr, comentários ao CC art. 420, p. 478, Código Civil Comentado: Nos casos em que o contrato estipular a possibilidade de arrependimento, o sinal indenizará a parte prejudicada pelo exercício desse direito, de modo que sua natureza será penitencial, ao punir o contratante que exerce o direito de se arrepender. Não será possível indenização suplementar, pois o arrependimento já estava previsto desde a celebração do contrato, de maneira que o valor do sinal já foi avaliado pelos contratantes com o objetivo de indenizá-los no caso de arrependimento da outra parte.

 

Arnaldo Rizzardo observa que não há lugar ao arrependimento, mesmo no caso de arras penitenciais, se elas representarem início de pagamento, pois, forte em Pontes de Miranda, sustenta que nessa hipótese haveria contradição indesejada entre “firmeza e infirmeza do contrato” (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 565). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 420, p. 478, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Interpretando a equipe de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo em questão trata das arras penitenciais, as quais deverão ser, expressamente, estipuladas pelas partes no título da obrigação. Do contrário, as arras terão apenas o aspecto confirmatório, tratado nos dispositivos anteriores. A grande diferença entre ambas é a impossibilidade de se exigir indenização suplementar, dado que as arras penitenciais são consideradas uma estimativa convencionada entre as partes de perdas e danos.

 

Tratando-se de penitenciais, a restituição em dobro do devidamente corrigido pelo promitente vendedor exclui indenização maior a título de perdas e danos. Súmula 412 do STF e precedentes do STJ” (RSTJ 110/281). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 420, acessado em 07/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Código Civil Comentado - Art. 414, 415, 416 - Da Cláusula Penal – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Código Civil Comentado - Art. 414, 415, 416
- Da Cláusula Penal – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com


Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título IV – Do Inadimplemento das Obrigações

(art. 408 a 416) Capítulo V – Da Cláusula Penal

 

Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas essa só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.

 

Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.

 

Lecionando Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 414, p. 467, Código Civil Comentado: Caso a obrigação seja indivisível e sejam vários os devedores, se apenas um deles inadimplir o contrato, todos incorrerão na pena. No entanto, segundo este dispositivo, somente o culpado poderá ser cobrado pela dívida toda. Os demais responderão apenas por sua quota.

 

O parágrafo único deste dispositivo autoriza os não culpados a ajuizarem ação regressiva em face do culpado. Caso a obrigação seja divisível, só incorre na pena o devedor infrator, ou seu herdeiro, proporcionalmente à sua parte na obrigação (art. 415)”. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 414, p. 467, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Seguindo a doutrina do relator, Deputado Ricardo Fiuza: Quando a obrigação é indivisível e vários são os devedores, o inadimplemento de qualquer um deles determina a cominação da pena a todos. Como a pena é representada, em regra, por uma quantia em dinheiro, torna-se divisível e por isso deve ser exigida proporcionalmente a cada um dos devedores, admitindo o Código que seja exigida de forma integral apenas do culpado.

 

É claro que se a cláusula penal se constituir também em obrigação indivisível ou se estiver estabelecido quanto a ela a solidariedade, poderá ser toda ela exigida de qualquer um dos codevedores, independentemente de culpa, sempre ressalvada a ação regressiva contra o culpado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 414, p. 222-223, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Considerando a equipe de Guimarães e Mezzalira, o Código parte do pressuposto de que a cláusula penal não é indivisível, especialmente por, em geral, ser estipulada em pecúnia. Por essa razão, cada um dos codevedores deve ser responsável por sua quota-parte (concursu partes fiunt). No entanto, em se tratando de cláusula penal que contenha obrigação indivisível, a pena poderá ser cobrada de qualquer um dos codevedores, ao qual caberá o devido direito de regresso contra o culpado pelo descumprimento.

 

Na solidariedade entre os codevedores, aplica-se o regramento pertinente (CC, art. 264 a 685), ficando todos os devedores responsáveis pela integralidade de cláusula penal.

 

Recuperação judicial – impugnação de crédito – Instrumento Particular de Confissão de Dívida com Garantia Real – Garantia consistente em lavratura de escritura de segunda hipoteca de imóvel pertencente à interveniente anuente, empresa controlada pela recuperanda – Cláusula penal prevendo que não outorgada a escritura no prazo de trinta dias, incidiria multa equivalente a 50% do valor do imóvel, assumida a obrigação pela recuperanda e pela interveniente anuente – Multa que deve ser incluída no OGC – inteligência do disposto nos artigos 263, 219 e 414 do atual Código Civil – Indiscutível a solidariedade ente os devedores, a cláusula penal prevista contratualmente, há de ser exigida integralmente de qualquer um dos devedores solidários, já que compõe o valor da obrigação originariamente assumida por todos eles – Sentença reformada e agravo de instrumento provido determinando-se a inclusão da multa” (TJSP, Câm. Especial de Fal. e Rec. Jud., AI n 512.896-4, Rel. Des. Romeu Ricupero, j. 31.10.2007). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 414, acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

 

Bastante reticente a inspiração de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 415, p. 468, Código Civil Comentado, uma vez o dispositivo ser auto resolutivo: “No caso de obrigações com prestação divisível, somente o devedor que infringir a obrigação estará sujeito à cláusula penal e só responderá em proporção à sua parte na obrigação”. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 415, p. 468, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No mesmo sentido o relator em sua doutrina declara: O dispositivo foi simplesmente repetido do Código Civil de 1916. Sobre o tema, já sintetizava Beviláqua que “a divisibilidade da obrigação personaliza a responsabilidade pela infração. Somente o culpado incorre na pena, e essa se lhe aplica, proporcionalmente a sua quota, porque o credor apenas em relação a essa parte foi prejudicado. Pela parte restante continuam os outros devedores responsáveis, como desde o começo, cada um por sua quota” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 78). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 415, p. 223, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No mesmo ritmo a equipe de Guimarães e Mezzalira: Referido dispositivo nem encontrava razão de existir face à regra geral a respeito de obrigações divisíveis (CC, art. 257). O dispositivo em questão parece ter sido inserido em mera simetria ao artigo 414. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 415, acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

 

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

 

No lecionar de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 416, p. 468-469, Código Civil Comentado, “A cláusula penal é semelhante às perdas e danos, da qual se distingue porque seu valor é arbitrado antecipadamente pelos contratantes, e não posteriormente, pelo juiz. As perdas e danos abrangem o dano emergente e o lucro cessante, nos termos do art. 402. Dessa forma, permitem que os prejuízos sejam ressarcidos integralmente.

 

Por contemplar uma estimativa antecipada feita pelos contratantes, a cláusula penal pode estar além ou aquém do montante efetivo dos prejuízos. A cláusula penal também não se confunde com a multa simples, constituída por certa importância que deve ser paga em caso de infração a certos deveres: multa de trânsito, multa por infração à convenção do condomínio etc. A multa simples não mantém relação com o ressarcimento dos danos, ou com o inadimplemento contratual, visando apenas a punir o infrator.

 

A multa penitencial é outro instituto que não se confunde com a cláusula penal. A cláusula penal é instituída cm benefício do credor, como está expresso no art. 410 do Código Civil. O devedor não tem a faculdade de optar entre cumprir a obrigação ou pagar a multa. A multa penitencial é estabelecida em favor do devedor. Caracteriza-se quando as partes estabelecem que ele poderá cumprir a prestação devida ou pagará multa.

 

Em relação às arras penitenciais, a cláusula penal apresenta semelhanças. Ambas são acessórias e destinam-se a garantir o cumprimento da obrigação, sendo certo que seus valores são prefixação de perdas e danos. Diferenciam-se, no entanto, em razão do seguinte:

 

a) a cláusula penal atua como elemento de coerção para evitar o inadimplemento contratual, enquanto as arras penitenciais, por permitirem o arrependimento, facilitam o descumprimento da avença. Nessa hipótese, segundo a regra do art. 420 do Código Civil e a Súmula n. 412 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ocorrerá a perda do sinal ou sua restituição em dobro, sem que nada mais possa ser exigido a título de perdas. É preciso observar, contudo, que a regra do art. 420 do Código Civil só se refere às arras penitenciais, como se verá no estudo do item específico sobre o tema;

 

b) a cláusula penal pode ser reduzida pelo juiz em caso de cumprimento parcial da obrigação ou de montante manifestamente excessivo, o que não ocorre em relação às arras;

 

c) a cláusula penal é exigível somente se houver inadimplemento do contrato, mas as arras são pagas antecipadamente;

 

d) a cláusula aperfeiçoa-se com a simples estipulação no instrumento, mas as arras dependem da entrega de dinheiro ou de outro objeto.

 

Com a utilização da cláusula, as partes dispensam a necessidade da demonstração dos prejuízos e de sua liquidação, tornando-se suficiente a demonstração do inadimplemento. É o que está consignado neste art. 416. O parágrafo único deste dispositivo impede o credor de exigir o valor suplementar dos prejuízos, quando ele ultrapassar o da cláusula penal. Ressalva, porém, a possibilidade de as partes convencionarem o contrário, hipótese em que a pena estipulada corresponderá ao valor mínimo da indenização. Desse modo, caso os prejuízos demonstrados na ação sejam inferiores ao valor da pena convencional, prevalecerá este último.

 

Para Carlos Roberto Gonçalves, “não pode o credor pretender aumentar seu valor, a pretexto de ser insuficiente. Resta-lhe, neste caso, deixar de lado a cláusula penal e pleitear perdas e danos, que abrangem o dano emergente e o lucro cessante. O ressarcimento do prejuízo será, então, integral. A desvantagem é que terá de provar o prejuízo alegado. Se optar por cobrar a cláusula penal, estará dispensado desse ônus. Mas o ressarcimento pode não ser integral, se o quantum fixado não corresponder ao valor dos prejuízos” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 384).

 

No entanto, talvez o melhor entendimento a respeito para esta questão é o de que, mesmo nos casos em que o credor pretender abrir mão da cláusula penal e demonstrar os prejuízos, estará impedido de fazê-lo se as partes optaram pela fixação prévia do montante por intermédio da aludida pena convencional, sem convencionar a possibilidade de cobrança de indenização suplementar (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 482).

 

Caso os prejuízos resultem de dolo ou de culpa extracontratual, não prevalecerá a cláusula penal, que apenas se destina às hipóteses de perdas e danos resultantes de culpa contratual (Gonçalves, Carlos Roberto. Op. cit., p. 385). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 416, p. 468-469, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, “Um dos efeitos da cláusula penal é a sua exigibilidade imediata, independentemente de qualquer alegação de prejuízo por parte do credor.

 

O Art. 416, em seu parágrafo único, inova o direito anterior ao permitir, na prática, a elevação da cláusula penal, sob o rótulo de “indenização suplementar”, sempre que as partes houverem convencionado essa possibilidade”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 416, p. 223, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No dizer da equipe de Guimarães e Mezzalira, “Em razão de sua função assecuratória, a prova contrária produzida pelo devedor no sentido de ausência de prejuízos do credor não ilide a aplicação da cláusula penal. Para sua exigibilidade, basta apenas e tão somente a prova do descumprimento da obrigação garantida.

 

Em regra, a cláusula penal compensatória não pode ser exigida em conjunto com a obrigação principal, dado que a primeira se configura alternativa do credor à segunda (CC, art. 410). Todavia, por não se tratar de matéria de ordem pública, podem as partes estipular de modo contrário, instituindo a possibilidade de exigir perdas e danos adicionais à cláusula penal compensatória. Nesse caso, caberá ao credor demonstrar que o valor estipulado à cláusula penal não é suficiente para indenizar os prejuízos acarretados pelo descumprimento da obrigação. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 416, acessado em 06/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).