segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Código Civil Comentado – Preliminares - Art. 424, 425, 426 - Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Código Civil Comentado – Preliminares - Art. 424, 425, 426
- Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com


Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título V – Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições

Gerais - Seção I – Preliminares (art. 421 a 426)

 

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Na apreciação de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 424, p. 485-486, Código Civil Comentado: É forçoso reconhecer que falar em contrato de adesão não implica reconhecimento de abusividade de cláusulas. Apesar do desequilíbrio de forças entre estipulante e aderente, um contrato de adesão pode ser equânime e não consubstanciar disposições iníquas.

Todavia, a própria técnica unilateral de construção do contrato de adesão propicia a incidência frequente de cláusulas excessivamente desfavoráveis aos aderentes.

O art. 424 explicita justamente uma dessas hipóteses. Uma cláusula que implique renúncia antecipada do aderente a um direito subjetivo será certamente lesiva à função social interna do contrato (art. 421 do CC) e ao dever anexo de proteção (art. 422 do CC), ínsitos a qualquer relação contratual.

Basta cogitar de cláusulas de limitação de responsabilidade. Assim, se em um contrato negociado as partes podem, por cláusula expressa, reduzir ou excluir a responsabilidade pela evicção (art. 449 do CC), o mesmo não acontecerá em contratos de adesão diante da sanção de invalidade prevista no artigo em comento.

Certamente, poderá o estudioso estranhar a timidez do legislador em contraste com a amplitude das hipóteses de tutela de consumidores quanto às cláusulas que impossibilitem, exonerem, atenuem ou impliquem a renúncia de novos direitos (art. 51,I, II, III, V I, XV e XV I, do CDC).

Contudo, há antijuridicidade e ilicitude objetiva em qualquer atuação do estipulante ofensiva à cláusula geral do abuso do direito (art. 187 do CC). Coíbe-se todo e qualquer exercício excessivo e desmedido de direito subjetivo que importe na aposição de cláusulas despidas de legitimidade, a ponto de ultrapassarem os limites éticos do ordenamento.

Enfim, conjugando-se os arts. 423 e 424, parece-nos que o legislador concedeu especial atenção a dois momentos: a interpretação do contrato de adesão e a fiscalização sobre o seu conteúdo, prestigiando a equidade contratual. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 424, p. 485-486, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Segundo a interpretação dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Princípio Da Liberdade de Contratar1.2.5. Interpretação dos contratos de adesão, p. 972, Comentários ao CC, art. 424: o contrato de adesão se encontra definido no art. 54, caput do Código de Defesa do consumidor: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

As regras de interpretação do contrato de adesão são objetivas, pois visam atender ao princípio de ordem pública de proteção à hipossuficiência do consumidor. Não é demais lembrar que o art. 1º do CDC dispõe que “o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições transitórias”.

Assim, o próprio Código Civil dispõe que, quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423). Além disso, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente (art. 423). Além disso, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio (art. 424 – interpretação objetiva).

O Código de defesa do Consumidor, também fornece critérios para a interpretação dos contratos de adesão, desde a interpretação mais favorável ao consumidor (Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor) até a proibição de cláusulas restritivas de responsabilidade, de utilização compulsória de arbitragem ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, I, IV e VII), por exemplo. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Princípio Da Liberdade de Contratar1.2.5. Interpretação dos contratos de adesão, p. 972, Comentários ao CC, art. 424. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em sua crítica apud Direito.com, Marco Túlio de Carvalho Rocha, nos comentários ao CC, art. 424, leciona o seguinte:

Ao realizar um contrato de locação, o locatário pretende a posse e o uso do bem; num contrato de compra e venda, o comprador pretende adquirir a propriedade da coisa vendida. A posse e a fruição do bem na locação e a aquisição do bem na compra e venda são da natureza do negócio. Uma cláusula que retirem ao aderente deve ser considerada nula pois contraria o próprio intuito negocial ínsito à sua situação.

O dispositivo determina a nulidade da cláusula relativa à natureza do negócio e, portanto, pressupõe a validade do negócio, i.é, embora determine a nulidade de cláusula essencial para o negócio, o dispositivo permite que o contrato produza os efeitos típicos validamente. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 424, acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Na apreciação de Rosenvald, comentários ao CC art. 425, p. 486-487, Código Civil Comentado, o Direito romano, excessivamente preocupado com o rigor formal, restringia os contratos aos tipos de negócios jurídicos taxativamente enumerados. Porém, o individualismo e o liberalismo econômico subjacentes aos códigos modernos permitiram que as partes pudessem concluir contratos que não fossem especialmente regulamentados pelo legislador. Isso demonstra que a gênese dos contratos se encontra na vontade, devendo as formas se colocarem a seu serviço.

Consistem os contratos atípicos justamente nessa maior amplitude de ação reservada aos particulares em sua autonomia privada e liberdade contratual. Não se confundem com os contratos inominados, apesar de ser comum a confluência. O contrato atípico não está devidamente regulamentado, já o contrato inominado é aquele que não possui nomen juris. Exemplificando, o contrato de franquia é nominado e atípico. Enfim, todo contrato típico é nominado, mas a recíproca não é válida.

A liberdade contratual que permite a elaboração de contratos atípicos é objeto de controle pelos princípios da boa-fé, função social e justiça contratual. Ou seja, amplia-se a autonomia privada, mas não a ponto de ferir a ordem pública, como tal considerado o exposto no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil. Não se olvide de que qualquer negócio jurídico é sujeito ao regime de validade do art. 104 do Código Civil.

Existem contratos atípicos que se caracterizam por sua complexidade, já que conjugam aspectos cie vários contratos típicos. E o caso do arrendamento mercantil - leasing. Nele podemos observar a incidência de uma locação atrelada a um mútuo, com opção de compra e venda em sua fase derradeira.

Apesar de o constituto possessório ter sido suprimido como forma contratual de aquisição e perda da posse no Código Civil de 2002, entendemos que não há vedação para que sua atipicidade seja contemplada pelo art. 425, como espécie de negócio jurídico bilateral em que, por meio de uma inversão, aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome alheio. Entendimento contrário poderia gerar discussão sobre a legitimidade ad causam desse tipo de possuidor para a propositura de ações possessórias.

Para a interpretação do conteúdo dos contratos de tal jaez, caberá ao magistrado observar as disposições dos contratos típicos que lhe serviram de referência. Outrossim, deverá recorrer o intérprete aos usos e costumes do lugar de sua celebração (art. 113 do CC), pois os contratos atípicos correspondem a interesses sociais que não coincidem muitas vezes com a previsão racional do legislador.

Aliás, não se justifica a exclusão, no Código Civil de 2002, de contratos como franquia, arrendamento mercantil e contratos bancários (desconto, abertura de crédito). Cuida-se de modelos largamente utilizados, que tranquilamente poderiam integrar um código que tenha pretensão à estabilidade.

Em um mundo globalizado e informatizado, marcado pelo incessante tráfego econômico e jurídico, aflora a atipicidade na contratação. Atualmente, a lex mercatoria pretende conceber um direito universal que rompa com as limitações jurídicas produzidas pela peculiaridade dos regimes jurídicos de cada Estado. A finalidade negocial consiste na circulação rápida de créditos globalizados, por meio de modelos atípicos que correspondam aos interesses do mercado, com uniformização de condutas comerciais. Cite-se, como exemplo, os Incoterms (International commercial terms).

Nesse ponto, o art. 425 guarda especial vinculação com os dois artigos que o antecedem. Justamente pela necessidade de superar o imobilismo da lei em tempos de grande dinamismo econômico, os empresários culminam em conceber contratos atípicos com inclusão de cláusulas uniformes que devem ser rigorosamente sancionados pelo sistema. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 425, p. 486-487, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Consta da participação de Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Classificação dos Contratos2.1. Típicos ou atípicos, p. 973, Comentários ao CC, art. 425: Várias são as classificações dos contratos. Sua sistematização ajuda a entender algumas consequências legais daí advindas. As principais classificações do contrato são as seguintes:

2.1. Típicos ou atípicos – Conforme tenham ou não previsão específica na lei (CC-2002, art. 325), os contratos podem ser atípicos (possuem previsão legal) ou atípicos (não possuem previsão legal).

Ressalte-se que, embora seja possível a estipulação de contratos atípicos, estes não prescindem na necessária observância dos elementos de existência e validade dos negócios jurídicos em geral (CC-2002, art. 104). Os contratos atípicos, por sua vez, podem ser:

Nominados

Inominados

São aqueles que embora não tenha previsão legal, possuem denominação específica, como ocorria com a chamada venda em consignação, hoje positivada como contrato estimatório.

 

São os que, além de não terem previsão legal, não possuem denominação anterior.

(Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Classificação dos Contratos2.1. Típicos ou atípicos, p. 973, Comentários ao CC, art. 425. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No julgamento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 425, o dispositivo é dispensável. O direito de contratar e de fixar o conteúdo do contrato decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, decorre da própria necessidade do ser humano viver em sociedade. A vida em sociedade exige de seus participantes que estabeleçam os acordos mais diversos para a composição de seus interesses e realização de suas necessidades. Sempre que tais acordos atenderem aos requisitos essenciais do negócio jurídico enumerados na Parte Geral do Código Civil passam a ter valor jurídico. Ao Código civil cumpre regular apenas os negócios jurídicos mais frequentes, mais complexos e de maior relevância prática, sem prejuízo de toda variedade de negócios que possam ser criados pelo engenho humano. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 425, acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

No saber de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 426, p. 488, Código Civil Comentado, A única maneira negociai de operar a transmissão de todo um patrimônio é o negócio jurídico unilateral mortis causa do testamento. Em qualquer uma de suas modalidades ordinárias (arts. 1.862 a 1.885) ou especiais (arts. 1.886 a 1.896), requer o ato de vontade do testador e demais solenidades para afirmar a sua validade, sendo que a eficácia do negócio jurídico é condicionada ao evento morte.

Por se tratar de negócio unilateral, o testamento poderá ser revogado a qualquer tempo, prevalecendo as derradeiras disposições do testador.

Todavia, é inválido o contrato de herança de pessoa viva. Conhecido como pacto sucessório, esse contrato é um negócio jurídico bilateral, efetivado com a integração do consentimento dos herdeiros e/ou legatários. Assim, sobejaria desnaturada a revogabilidade das disposições de última vontade, pois ao contratante seria vedada a resilição unilateral do pacto, privando uma pessoa de regular a sua própria sucessão.

A vedação da sucessão contratual também é de ordem moral. A formalização de um contrato de tal natureza é conhecida como pacto corvina, pois gera clima de expectativa de óbito entre os herdeiros, que como corvos aguardam por esse momento. É flagrante a nulidade do ato pela ilicitude do objeto (art. 166, II, do CC).

Contudo, o ordenamento jurídico permite a partilha em vida pelo ascendente, por ato entre vivos (art. 2.018 do CC), desde que o doador estipule direito real de usufruto sobre renda suficiente para sua subsistência (art. 548 do CC). Aqui a hipótese é diversa. Há uma transferência antecipada de patrimônio que dispensa o futuro inventário. A divisão patrimonial produz efeitos imediatos sob a forma de escritura de doação, respeitando as legítimas dos herdeiros necessários.

Por último, a vedação ao pacto sucessório não impede que alguém realize liberalidades em vida com bens integrantes de seu patrimônio. Tratando-se de disposições em prol de descendentes e cônjuge, qualquer valor porventura doado será considerado como adiantamento de legítima, sujeito à colação ao tempo do óbito. A conferência é indispensável para a reposição da igualdade das legítimas (art. 544, c/c o art. 2.003 do CC). Caso a liberalidade seja efetuada em favor de outros beneficiários, haverá a redução das doações que se revelem inoficiosas (art. 549 do CC). (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 426, p. 488, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Segundo a lição de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 426, a tradicional vedação decorre de aversão moral às estipulações sobre patrimônio de terceiros, sob a condição de que venham a falecer.

O que se admite é a realização de negócio sobre o patrimônio da pessoa viva. Há Inúmeros negócios, que têm como condição a morte de determinada pessoa. Tais negócios, no entanto, não podem versar sobre o patrimônio da mesma. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 426, acessado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo parecer dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 3. Proibição do pacto sucessório, p. 988, Comentários ao CC, art. 426: Pacto sucessório (ou pacta corvina) é o negócio jurídico a respeito de herança de pessoa viva. É expressamente vedado pelo art. 426 do Código Civil, que reza que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Essa proibição não veda ao próprio dono da herança que, ainda em vida, disponha por testamento a distribuição da parte disponível da herança com relação aos seus descendentes, ou mesmo promover a própria partilha, nos termos do art. 2.018 do Código civil, contanto que não prejudique os direitos dos herdeiros necessários. Confira-se o texto legal: “É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários”.

Tal possibilidade, no entanto, não importa, a nosso ver, em exceção ao princípio da proibição do pacto sucessório, pois, em verdade, o preceito do art. 426 veda expressamente aos futuros herdeiros que disponham sobre os objetos da herança enquanto em vida o seu autor. Este, na condição de ascendente, como se vê pelo conteúdo do art. 2.018, pode dispor, em vida, sobre a partilha de seus bens. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 3. Proibição do pacto sucessório, p. 988, Comentários ao CC, art. 426. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 13/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Código Civil Comentado - Art. 421, 422, 423 - Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Código Civil Comentado - Art. 421, 422, 423
- Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título V – Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições

Gerais - Seção I – Preliminares (art. 421 a 426)

 

 

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

 

Iniciando teoricamente o primeiro artigo do tema, Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 421, p. 480-482, Código Civil Comentado, leciona: A teoria contratual contemporânea contempla quatro grandes princípios: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual e função social do contrato.

 

O art. 421 inaugura o estudo dos contratos, demonstrando a imprescindível conjugação entre a liberdade contratual e o princípio constitucional da solidariedade (art. 3°, I, da CF).

 

Remotamente, a função social do contrato prendia-se à própria função social da propriedade, eis que no liberalismo do século XIX o dogma da autonomia da vontade e a ampla liberdade contratual serviam de instrumento para que o indivíduo desse efetividade ao direito de propriedade. Atualmente, os contratos são instrumentos por excelência de circulação de riquezas, sendo que as trocas demandam utilidade e justiça, censurando-se assim o abuso da liberdade contratual.

 

A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.

 

Atendendo ao que havia muito já mencionava o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, a função social do contrato objetiva conjugar o bem comum dos contratantes e da sociedade. Portanto, pode-se cogitar uma função social interna e uma função social externa do contrato.

 

A função social interna concerne à indispensável relação de cooperação entre os contratantes, por toda a vida da relação. Implica a necessidade de os parceiros se identificarem como sujeitos de direitos fundamentais e titulares de igual dignidade. Assim, deverão colaborar mutuamente nos deveres de proteção, informação e lealdade contratual, pois a finalidade de ambos é idêntica: o adimplemento, da forma mais satisfatória ao credor e menos onerosa ao devedor.

 

Nesse plano, a função social se converte em limite positivo e interno à estrutura contratual, impedindo a formação de uma relação de subordinação sobre a pessoa do devedor, o que implicaria a quebra de sua autonomia privada com reflexo em seus direitos de personalidade.

 

Em qualquer relação contratual, os partícipes cedem uma parcela de sua liberdade jurídica em prol do êxito do programa comum. A função social interna pretende acautelar os contratantes da recuperação dessa liberdade contratual ao término do empreendimento conjunto.

 

Por outro ângulo, é sabido que os contratos interessam à sociedade. É inconcebível crer que, no momento atual, possam-se plagiar os oitocentistas, alegando que a relação contratual é res inter alios acta (ou seja, que apenas concerne às partes, e não a terceiros).

 

Os bons e maus contratos repercutem socialmente. Ambos os gêneros produzem efeito cascata sobre toda a economia. Os bons contratos promovem a confiança nas relações sociais. Já os contratos inquinados por cláusulas abusivas resultam em desprestígio aos fundamentos da boa-fé e quebra de solidariedade social.

 

Daí a necessidade de oponibilidade externa dos contratos em desfavor dos interesses dos contratantes. Ou seja, é possível que os contratos satisfaçam aos desígnios particulares dos contratantes, mas ofendam interesses metaindividuais - coletivos ou difusos. Basta supor a realização de avenças que afetem o meio ambiente, direitos de consumidores ou a livre concorrência. Em tais casos, a sociedade poderá intervir sobre as cláusulas contratuais ofensivas a direitos fundamentais.

 

O grande debate que hoje se estabelece é pertinente à tutela externa do crédito. As relações creditícias escapam do controle de seus artífices, alcançando terceiros que, algumas vezes, podem ser ofendidos por elas e, em outras hipóteses, podem até mesmo se colocar em situação de violar a relação da qual não fazem parte.

 

Sem dúvida, não é raro que um terceiro seja atingido por um contrato que, em princípio, lhe seja completamente estranho. Seria o caso daquele que é vítima de um acidente de consumo, derivado de relação em que não participara como consumidor stricto sensu (art. 2º do CDC). De acordo com o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, o bystander (observador, espectador, nota VD) possui ação de responsabilidade objetiva contra os fornecedores do produto ou serviço defeituoso, na qualidade de consumidor equiparado.

 

Poder-se-ia inserir ainda a situação daquele que é vítima de um acidente de trânsito com relação ao contrato entre o autor do ilícito - que se recusa a ressarcir o dano - e a seguradora. No mesmo sentido, a situação do promissário comprador que integralizou as prestações do imóvel, em face do contrato de mútuo hipotecário entre a instituição financeira e a construtora que não lhe repassou os créditos.

 

Porém, da mesma forma que podem ser afetados por contratos alheios, terceiros também podem agir de forma a violar uma relação contratual em andamento. A função externa do contrato é via de mão dupla. Ilustrativamente, há o parecer de Antônio Junqueira de Azevedo (RT 750/113) acerca da atuação de distribuidoras de combustíveis que, ao promover a venda de produtos a postos de gasolina, quebram a exclusividade de fornecimento com outra distribuidora. A lesão ao contrato primitivo permite que se responsabilize a distribuidora, em solidariedade passiva com o posto de gasolina.

 

Em suma, a sociedade não pode se portar de modo a ignorar a existência de contratos firmados. Isso explica uma tendência de prestigiar a oponibilidade erga ornnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção por parte de terceiros da prática de relações contratuais que possam afetar a segurança e a certeza dos contratos estabelecidos. Aliás, nesse mesmo sentido existe a regra do art. 608 do Código Civil.

 

Não se trata aqui de revogar a tradicional relatividade dos contratos, pois os seus efeitos obrigacionais compreendem apenas os seus protagonistas, mas de atenuar os seus efeitos perante a coletividade, prestigiando uma oponibilidade geral à maneira pela qual tradicionalmente vislumbramos nos direitos reais.

 

Em síntese, todo contrato é uma soma de seu tipo, sua estrutura e sua função. O tipo emana da conformação mínima do ordenamento jurídico sobre as relações econômicas mais comuns. A estrutura é dada pela vontade das partes no espaço reservado pela sociedade ao exercício da autonomia privada. A função social diz respeito às consequências objetivas da relação sobre a sociedade.

 

A função social do contrato é uma cláusula geral. Norma intencionalmente formulada de maneira vaga e imprecisa, a fim de que o magistrado possa densificar o seu conteúdo. A concretização da cláusula geral se dará em maior ou menor grau, conforme a concretude dos interesses envolvidos e as peculiaridades do caso. Diversamente do que ocorre com a função social da propriedade, sobre a qual a Constituição Federal (arts. 182 e 184) é explícita quanto às sanções pelo seu inadimplemento, descurou o legislador de qualificar a consequência da ofensa à função social do contrato.

 

Parece-nos que, em casos extremos, há que aplicar a invalidade do negócio jurídico, por nulidade, em razão da ofensa à norma de ordem pública, na dicção do parágrafo único do art. 2.035. Contudo, prestigiando-se o princípio da conservação dos negócios jurídicos, sempre que possível, restringir-se-á a sanção ao plano da ineficácia da cláusula ofensiva à função social, preservando-se a relação jurídica no restante, como sugere o próprio artigo em comento, ao aludir a relação entre a função social e o exercício (e não a validade) da liberdade contratual.

 

Por último, não há similitude entre a declaração de invalidade do contrato por ilicitude do objeto e a ofensa à função social. Prende-se a ilicitude do objeto (art. 104, II, do CC) à investigação da causa do contrato e dos aspectos relacionados à vontade subjetiva das partes. Já a função social se prende às consequências sociais e objetivas do contrato, independentemente da sua origem. Por isso, é mesmo possível que o objeto contratual seja ilícito na formulação, sem que isso importe em quebra de sua função social. A recíproca é válida. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 421, p. 480-482, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Sob orientação e assinado por Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 421, tem-se o Princípio da liberdade de contratar: O dispositivo cuida de dois dos princípios que regem os contratos: o princípio da liberdade contratual do princípio da autonomia da vontade de um lado; e o princípio da função social do contrato, de outro.

 

O princípio da liberdade contratual compõe-se da liberdade de contratar, propriamente dita, e da liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato. A liberdade de contratar sujeita-se a limitações legais, como a obrigatoriedade de contratar do fornecedor nas relações de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 39, incisos II e IX) e a de contratar seguros obrigatórios. Sujeita-se, igualmente, a restrições de caráter negocial, como no caso de contrato preliminar que obriga os contratantes a realizar o contrato definitivo.

 

A liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato é restringida por normas de ordem pública, de caráter cogente, inclusive as que concretizam a função social dos contratos. É também limitada pelos bons costumes. Em nome deles não se admite, por exemplo, a cobrança por prestação de serviços de natureza sexual.

 

Em relação da função social do contrato, este consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam contratantes.

 

Embora o princípio somente tenha sido positivado no ordenamento jurídico brasileiro com o código Civil de 2002, institutos que concretizam o princípio da função social do contrato constituem o cerne do Direito Civil: simulação; fraude contra credores; fraude à execução; propaganda enganosa; concorrência desleal.

 

No âmbito da função social do contrato localiza-se o princípio da solidariedade, de fundamento constitucional (art. 3º, I, da CF), estabelece orientação solidarista do direito, e impõe a necessidade de se observar os reflexos da atuação individual perante a sociedade.

 

Exemplo de aplicação do princípio da solidariedade ocorreu em execução de hipoteca pelo inadimplemento do construtor. O STJ entendeu pela mitigação do direito do credor, em favor dos adquirentes que haviam pago o preço de aquisição das unidades ao construtor (STJ, EDcl no REsp n. 573.059/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03.05.2005).

 

Para uma crítica ao “solidarismo jurídico” (Sampaio Jr., Rodolpho Barreto. Da liberdade ao controle: os riscos do novo direito civil brasileiro. Belo Horizonte: PUC Minas Virtual, 2009, p. 30-38). (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 421, acessado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na apreciação do dispositivo, os autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Da liberdade de contratar, p. 826, Comentários ao CC, art. 421: Por liberdade de contratar, entenda-se a livre disposição que tem o sujeito de contrair ou não obrigações, diante das oportunidades que lhe são dadas. Quando a Carta Magna diz que o cidadão não será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, está dando a ele a liberdade de se obrigar, dependendo, para tanto, apenas de sua vontade (com exceção das obrigações decorrentes de lei ou do ato ilícito).

 

O art. 421 reza a respeito da liberdade de contratar, limitando-a à sua função social. Além disso, o art. 425, reconhecendo a ampla liberdade de contratar, estabelece que é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

 

Observe-se, porém, que a autonomia da vontade não significa que a vontade das partes pode estabelecer tudo o que quiserem. Deve ser orientada pela supremacia da ordem pública, pelo respeito aos bons costumes e à lei. A isto se chama de dirigismo contratual, caracterizado pela intervenção estatal no conteúdo do contrato quando este for contrário à ordem pública, aos bons costumes ou à lei. Assim, se as partes têm, a partir dessa nova visão, um direito de determinar o conteúdo do negócio, mas limitado aos ditames da lei, torna-se óbvio que, mesmo diante da expressão da vontade de uma delas no contrato, poderá o Estado, através de pronunciamento judicial, adequar eventual contrato que, mesmo escrito e assinado pelas partes, venha a ferir o ordenamento jurídico. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – 2. Princípio Da liberdade de Contratar - p. 825-826, Comentários ao CC, art. 421. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

No lecionar de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 422, p. 482-483, Código Civil Comentado: A excepcional ascensão da boa-fé objetiva nas mais recentes legislações é fruto da superação de um modelo formalista e positivista que dominou os ordenamentos jurídicos no século XIX, sobrevivendo até o fim da II Guerra Mundial.

O dispositivo é a consagração do princípio da Treit und Glauben (lealdade & confiança), radicado no § 242 do BGB (Código Civil Alemão) de 1900: “o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.

Com a edição de conceitos abertos como o da boa-fé, é possível ao magistrado adequar a aplicação do direito aos influxos de valores sociais, pois os limites dos fatos preconizados nas cláusulas gerais são móveis e passíveis de concretização variável.

Há que salientar que existem duas acepções de boa-fé, uma subjetiva e outra objetiva. O princípio da boa-fé objetiva - circunscrito ao campo do direito das obrigações - é o objeto de nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.

Em sentido diverso, a boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito, que em verdade só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância acerca da realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. Localiza-se como atributo qualificativo de posse (art. 1.201 do CC) e requisito da usucapião ordinária (art. 1.242 do CC); também como elemento de apreciação de indenização de acessões e benfeitorias (arts. 1.219 e 1.255 do CC).

Esse dado distintivo é crucial: a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros cie honestidade e retidão.

Por isso, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social.

O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do direito das obrigações, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual mais não é que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito negocial.

Os três grandes paradigmas do Código Civil de 2002 são eticidade, socialidade e operabilidade. A boa-fé é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. No CC/2002, o neologismo eticidade se relaciona de forma mais próxima com uma noção de moralidade, que pode ser conceituada como uma forma de comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar. Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá de se portar como um "homem de seu meio e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais.

Note-se que a boa-fé sempre será concretizada em consonância com os dados fáticos que se revelarem na situação jurídica. A eficácia da boa-fé deverá variar conforme a maior ou menor igualdade das partes no contexto espacial e temporal, enfim, a intensidade da aplicação do princípio será aferida nas circunstâncias, conforme a “ética da situação”.

A boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três áreas de operatividade da boa-fé no Código Civil de 2002. Desempenha papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art. 187); finalmente, desempenha atribuição integrativa, pois dela emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de precedentes jurisprudenciais (art. 422).

A função integrativa da boa-fé resulta do art. 422 do Código Civil. Integrar traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte - deveres anexos ou laterais-, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

O conteúdo da relação obrigacional é dado pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato.

Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.

Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo.

Por fim, o grande influxo integrativo da boa-fé está localizado nas relações obrigacionais duradouras e não naquelas instantâneas em que há coincidência temporal entre a contratação e a execução. Nas obrigações duradouras, exige-se uma execução com confiança recíproca e especial observância de diligência no cumprimento da atividade assumida, pois em uma vinculação de grande período cada uma das partes depende, mais do que em nenhum outro caso, da boa-fé no cumprimento do convencionado.

Parece-nos que o art. 422 não se olvidou da responsabilidade pré-contratual, tampouco da responsabilidade post pactum finitum. Resta implícito no dispositivo que os deveres de conduta relacionados ao cumprimento honesto e leal da obrigação também se aplicam às negociações preliminares (tratativas) e sobre aquilo que se passa depois do contrato. Não se pode olvidar de que estamos diante de norma de textura aberta, que induz os operadores à sua colmatação com base em argumentações já desenvolvidas na doutrina.

Em verdade, mesmo antes de a relação obrigacional ser pactuada, já existe o contato social entre as partes. Os deveres de conduta emergem no momento das primeiras negociações, pois a boa-fé objetiva diz respeito à manutenção da palavra empenhada. Assim, a complexidade da relação obrigacional apanha todo o processo relacionai construído pelas partes, não se podendo dissociar os acertos e as promessas inaugurais de tudo aquilo que se verificou após a subscrição do contrato.

O mesmo se entende da responsabilidade pós-contratual. A confiança recíproca - que permitiu a concretização da relação obrigacional - não termina no instante em que a prestação principal é satisfeita. Há uma enorme expectativa de que o outro contratante não frustrará os fins do pactuado. Isso explica a razão da corriqueira imposição de cláusulas de confidencialidade e de não concorrência no bojo de contratos negociados. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 422, p. 482-484, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Na apreciação do relator, Deputado Ricardo Fiuza, em sua doutrina diz:  Cuida-se de dispositivo específico sobre os princípios da probidade e da boa-fé. O Código de 1916 não ofereceu tratamento objetivo a respeito.

O primeiro princípio versa sobre um conjunto de deveres, exigidos nas relações jurídicas, em especial os de veracidade, integridade, honradez e lealdade, deles resultando como corolário lógico o segundo.

O princípio da boa-fé não apenas reflete uma regra de conduta. Consubstancia a eticidade orientadora da construção jurídica do novo Código Civil. É, em verdade, o preceito paradigma na estrutura do negócio jurídico, da qual decorrem diversas teorias, dentre as quais a teoria da confiança tratada por Cláudia Lima Marques no alcance da certeza e segurança que devem emprestar efetividade aos contratos.

O dispositivo apresenta, conforme aponta Antonio Junqueira de Azevedo, insuficiências e deficiências, na questão objetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento. As deficiências decorrem da ausência de duas funções, do direito pretoriano, para a cláusula geral da boa-fé: a supplendi e a corrigendi, no que dizem respeito, fundamentalmente, aos deveres anexos ao vínculo principal, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas

Direito comparado: Arts. 1.337 do Código Civil italiano, de 1942; 227 do Código Civil português; § 242 do BGB.

Sugestão legislativa: As reflexões do eminente jurista, em proeminente estudo, fornecem fonte suficiente para o aperfeiçoamento do dispositivo, sugerindo-se, por oportuno, ao Deputado Ricardo Fiuza, a seguinte redação: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar; assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade.

Bibliografia: Antonio Junqueira de Azevedo, Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos, RTDC — Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, Editora PADMA, 1/3-12; Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Judith Martins-Costa, A boa fé no direito privado: sistema e tópico no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Antonio Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1997.

Por orientação de Marco Tulio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 422, acessado em 10/06/2022 diz: Da Caracterização:  o princípio da boa-fé objetiva representa a aplicação da doutrina do abuso de direito em matéria contratual. Permite a ampliação da responsabilidade civil às fases pré-contratual (culpa in contrahendo) e pó-contratual (culpa post pactum finitum) e aos deveres laterais. 

Direito Civil. Responsabilidade civil pré-contratual. A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta – após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores – rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por jhering, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do CC/2002, dispôs-se de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422) da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento legítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de casualidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples tato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material. REsp 1.051.065/AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013.

A doutrina distingue os deveres contratuais em primários, secundários e laterais (Martins-Costa, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000, p. 439): são estes: a) deveres de cuidado previdência e segurança; b) deveres de aviso e de esclarecimento; c) deveres de informação (CDC, arts. 12, 14, 18, 20, 30, 31); d) dever de prestar contas; e) deveres de colaboração e de cooperação; f) deveres de proteção e de cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte (ex.: adimplemento substancial do contrato); g) deveres de omissão e de segredo.

Origem histórica da boa-fé: Exceptio doli: instituto de direito romano contra a utilização de particularidades formais das declarações de vontade ou do aproveitamento de incompletudes de regras jurídicas, absorvido, modernamente, pelos demais institutos que concretizam o princípio da boa-fé.

Tipos de atos abusivos: a) venire contra factum proprium: comportamento que contraria ato do próprio agente e agride a confiança gerada na parte contrária. A conduta contrária à lei e às cláusulas contratuais configura ilicitude e violação do contrato, não configura o venire... Para a aplicação do venire... é necessário um comportamento não previsto em regras primárias ou secundárias que induza confiança da contraparte.

Exemplos: Trabalhador que pretende rescisão de contrato por atraso no pagamento de salários após aprovar plano de recuperação da empresa em que é acordada moratória; locador que requer o despejo por falta de pagamento após receber aluguem em local diverso do ajustado por três anos; locador que requer o despejo por ter o locatário alterado a estrutura do prédio após ter sido autorizado pelo mesmo locador a realizar as obras de responsabilidade deste; proprietário que exige a devolução de terreno após autorizar plantação; mulher casada que vive com terceiro e reclama do marido o pagamento de alimentos

b) Supressio (Verwirkung): limitação do conteúdo contratual? Ausência de exercício de direito subjetivo durante lapso de tempo suficiente para gerar a confiança na contraparte de que não mais será exercido.

A consagração dogmática da supressio ocorreu com a inflação na Alemanha após a I Guerra Mundial: “Em consequência dessas alterações [econômicas], o exercício retardado de alguns direitos levava a situações de desequilíbrio inadmissível entre as partes” (Menezes Cordeiro, Antonio M. da R. Da boa fé no direito civil, p. 801). 

A supressio considera-se prejudicada pelos mesmos fatos que interrompem ou suspendem a prescrição (Cordeiro, Antonio Menezes. Tratado de direito civil português, v. I, t. IV. Coimbra: Almedina, 2005, p. 322). [...] (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 422, acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Segundo a crítica de Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 423, acessado em 10/06/2022, o Código de Defesa do Consumidor conceitua o contrato de adesão no artigo 54: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Os contratos de adesão são caracterizados pela menor possibilidade de uma das partes, chamada aderente, estabelecer o conteúdo do contrato. Em razão disso, a lei civil permite que o aderente seja beneficiado com a interpretação mais favorável.

A referida regra não exclui a possibilidade de a intenção das partes ser aclarada por outros elementos, pois, nos termos do art. 112 do Código Civil, o fundamental é a intenção consubstanciada nas declarações de vontade. Desse modo, por exemplo, a própria prática que os contratantes estabeleceram para cumprimento do contrato revela o intento delas ao contratar. a interpretação mais favorável ao aderente é, portanto, uma regra subsidiária. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 423, acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo apreciação de Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 423, p. 484-485, Código Civil Comentado: Os contratos de adesão traduzem um modelo de sociedade marcado pela massificação das relações econômicas. Não se trata de uma espécie de contrato, como a compra e venda ou a doação, mas de um instrumento contemporâneo de contratação no qual a manifestação de vontade não se exterioriza pelo consentimento tradicional, mas pela forma de adesão. O contrato por adesão convive com o tradicional contrato paritário, marcado pela existência de uma etapa de negociação de cláusulas.

A contratação por adesão possui uma grande característica: elimina a fase das conversações preliminares, pois uma das partes estabelece unilateralmente as condições gerais do contrato, sendo que o consentimento do outro contratante será a própria adesão em bloco - take it or leave it.

O art. 423 reconhece a contratualidade da adesão, mesmo que ela seja privada do espaço de discussão de cláusulas pela existência de certo desequilíbrio entre os contratantes. Em virtude desse desequilíbrio prévio, caberá ao ordenamento uma intervenção mais drástica sobre os contratos dessa natureza, a fim de que a parte mais débil possa se relacionar com total intelecção da avença.

O art. 423 cuida da interpretação do contrato de adesão. As suas cláusulas dúbias ou vacilantes serão interpretadas contra quem redigiu o contrato. 

Porém, deve o dispositivo em estudo ser sempre aferido em conjugação com a norma geral de interpretação da boa-fé. No plano da otimização do comportamento contratual e do estrito cumprimento do ordenamento jurídico, o art. 113 dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé. O magistrado não apelará a uma interpretação literal do texto contratual, mas observará o sentido correspondente às convenções sociais ao analisar a relação obrigacional que lhe é submetida. Deverá aferir a celeuma conforme os costumes e o tráfego jurídico do local em que se estabeleceu o contrato.

Há um equívoco em supor que os contratos de adesão sejam específicos das relações de consumo. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor, por excelência, constituir-se em sede de tais contratos, nada impede que de relações privadas, envolvendo dois empresários ou particulares, nasçam contratos de adesão, sem que em um dos polos exista a figura do consumidor.

Normalmente os contratos são uniformes e direcionados a um número indeterminado de pessoas, posto que são confeccionados em formulários-modelo, despersonalizando-se as relações daí produzidas. Mas, como visto no tópico anterior, nem todo contrato de adesão é padronizado ou standardizado, sendo suficiente à sua caracterização a inexistência de negociação entre as partes.

Isso explica a redação diferenciada do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor: “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Ou seja, nas relações entre os desiguais, a tutela ampla do vulnerável, demanda critérios de interpretação mais elásticos, exclusivamente em benefício do consumidor. Já nas relações civis, haver-se-á de prestigiar especialmente o aderente tão somente no que for pertinente às cláusulas contraditórias.

Aliás, no diálogo de fontes, as normas gerais do Código Civil podem ser utilizadas subsidiariamente pelo consumidor, quando forem mais favoráveis que as do microssistema (art. 7º do CDC). Todavia, a recíproca não se aplica. Vale dizer, tendo o Código Civil silenciado sobre o conceito do contrato de adesão, que descabe o recurso à definição emprestada pelo art. 54 do Código consumeirista. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 423, p. 484-485, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Na crítica ao dispositivo, como postado Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 423, p. 227-228, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado: A referência a contrato de adesão sugere, por conceituação legal, espécie e não gênero. Em verdade, porém, não existe um contrato de adesão; são existentes contratos celebrados por adesão, como pontifica Agostinho de Arruda Alvim em sua Exposição de Motivos Complementar ao anteprojeto do CC revisto (25-3-1973). O mesmo ocorre com relação aos contratos aleatórios e os atípicos, que se pretendem regulados em seções do Título V do Livro 1 da Parte Especial. Nessa categoria, existem diversos contratos por adesão, caracterizados por técnicas comuns de contratação de massa, com visível desequilíbrio de forças dos contratantes e forte atenuação na liberdade de contratar diante de cláusulas pré-elaboradas. Não foi dispensada, todavia, regulação própria aos contratos por adesão. tal como observada pela Lei n. 8.078. de 11-9-1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), a permitir a crítica do eminente jurista Nelson Nery que aponta um tratamento tímido dado pelo CC de 2002 a essa técnica de formação de contrato ao dispensar-lhe apenas dois de seus dispositivos.

O art. 54 do CDC define: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo”. A norma alcança, segundo a doutrina de Orlando Gomes, as duas formas de contratação, a de estipulação produzida pelo poder público, onde manifesta a irrecusabilidade das cláusulas (contrato de adesão) e a estabelecida, unilateralmente, pelo particular, em face do potencial aderente (contrato por adesão). 

A definição contrats d’adhesion foi oferecida por Raymond Saleilles, em sua obra Dela déclaration de volonté (Paris, LGDJ, 1929, p. 229-30) quando examinou o Código Civil alemão em sua Parte Geral. 

Direito comparado: Ai. 1.370 do Código Civil italiano de 1942, instituidor da regra interpretatio contra stipulatorem ou interpretatio contra proferentem.

O princípio de interpretação contratual mais favorável ao aderente decorre de necessidade isonômica estabelecendo em seus fins uma igualdade substancial real entre os contratantes. É que, como lembra Georges Pcipert, “o único ato de vontade do aderente consiste em colocar-se em situação tal que a lei da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar”. O dispositivo, ao preceituar a sua aplicação, todavia, em casos de cláusulas obscuras ou ambíguas, vem limitá-lo a essas hipóteses, o que contraria o avanço trazido pelo Art. 47 do CDC prevendo o princípio aplicado a todas as cláusulas contratuais. O aderente como sujeito da relação contratual deve receber idêntico tratamento dado ao consumidor, diante do significado da igualdade de fato que estimula o princípio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 423, p. 227-228, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

Código Civil Comentado - Das Preliminares – Art. 421 - Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 
Código Civil Comentado - Das Preliminares – Art. 421
- Dos Contratos em Geral – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título V – Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições

Gerais - Seção I – Preliminares (art. 421 a 426)

 

Das Preliminares

 

Antes de iniciar o Assunto dos Contratos em Geral, é de bom alvitre falar-se das Noções Introdutórias – A Teoria Contratual. Trata-se de uma parte da história que tenha sido necessária para organização da ideia de contrato(s). Para melhor entendimento dos neófitos, serão usadas as originalidades dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Noções Introdutórias à Teoria Contratual, p. 819-820 [...].

 

Introito – Para se entender o fenômeno contratual, é preciso entender a necessidade e a liberdade de contratar. Em primeiro lugar, portanto, deve-se traçar o paralelo entre as concepções tradicionais (ou clássica) e social do contrato e resgatar, ainda que de forma breve, a evolução histórica da ciência contratual entre uma e outra.

 

No art. 5º, II da Constituição federal (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei) encontra-se a centelha da liberdade de contratar. Aí se consagra que, a não ser em virtude lei, ninguém se obriga. A inferência lógica disso é a de que o ordenamento jurídico confere ao sujeito a chamada autonomia da vontade.

 

O contrato, em verdade, desde o Direito Romano, está ao lado da lei e do ato ilícito como uma das principais fontes de obrigações. Concebiam os antigos que o contrato era a união de duas declarações de vontade de pessoas que manifestavam interesses aptos a se convergirem.

 

A regra, portanto, era a da liberdade plena de contratar, muito embora a vontade pudesse fazer surgir obrigações outras que não propriamente pelo contrato, como se dava – e ainda se dá – nos atos jurídicos em sentido estrito (ex.: reconhecimento de filho), nos negócios jurídicos unilaterais (ex.: emissão de títulos de crédito, promessas de recompensa) ou nos quase contratos (ex.: gestão de negócios).

 

Dessa liberdade plena de contratar, portanto, devia derivar uma resposta jurídica, que era a força vinculante dos contratos. Ora, se posso, livremente, me obrigar ou não, devo, a partir do momento em que opto por me vincular, observar irrestritamente aquilo a que me obriguei. Nada resulta mais lógico do que isso, numa primeira visão da matéria.

 

Esta foi a primitiva expressão d liberdade de contratar, ou autonomia da vontade. Trata-se da força obrigatória dos contratos, ou, em latim, pacta sunt servanda (os pactos devem ser observados). Com efeito, a liberdade que tem o cidadão de assumir ou não suas obrigações civis, induzirá à vinculação que para ele surgirá em eventual celebração de algum negócio jurídico. Quando se diz pacta sunt servanda quer-se salientar que aquele que contraiu uma obrigação deve cumpri-la na exata medida daquilo a que se obrigou. Na antiga lição de Pothier, “chama-se obrigação civil aquela que é um vínculo de direito, vinculum juris, e que dá, em relação àquele com quem se contratou, o direito de exigir na justiça aquilo que nela está contido” (2001, p. 57).

 

Dessa primeira concepção – clássica porque remonta à Antiguidade Clássica e tradicional por levar em conta apenas os elementos mais evidentes da relação jurídica, como os agentes e a vontade - segue-se um momento histórico de mudança.

 

No Direito Canônico costumou-se condenar a superestimação da autonomia da vontade. Em que pesem as razões religiosas que levavam a efeito esse pensamento – a par da influência do Direito germânico – o fato é que se podem identificar, nos institutos canônicos, algumas figuras jurídicas que apontavam para uma mitigação e, por que não dizer, evolução do conceito de contrato, quando, por exemplo, se permitia a anulação dos negócios pela lesão e se proibia a usura.

 

Mas a dominação clerical que se seguiu à decadência romana – e o consequente mergulho na obscuridade naquela que se convencionou chamar Idade das Trevas – fez surgir efusiva reação às diretrizes do Direito canônico, máxime no sentido de se afirmar a liberdade do cidadão em face do Estado e da Igreja.

 

Daí se passa da primeira concepção – tradicional – para outra, que considera os fundamentos da democracia e do liberalismo, em função do surgimento do extremado individualismo idealizado após as evoluções libertárias do final do Século XVIII. É a concepção individualista ou liberal do contrato.

 

Pode-se observar, portanto, que no Direito Civil que ocorreu imediatamente da Revolução francesa, com a consagração das ideias liberais e individualistas do iluminismo, privilegiou-se, novamente – e ainda com mais veemência – a força vinculativa do contrato, de tal forma a eu o devedor, uma vez obrigado, deveria cumprir a sua prestação exatamente como a contraiu.

 

Não mais se perquiria sobre a causa ou a razão que levava o devedor a contrair a dívida, fosse ela lícita ou não. O positivismo jurídico, principalmente, passou a retaliar qualquer invocação subjetivista na teoria contratual. Não importava, portanto, o motivo que levava a parte a contratar: tendo contratado, pacta sunt servanda, ou seja, cumpram-se os pactos. O causalismo contratual foi violentamente repelido na codificação francesa (Code Napoleão de 1804), influenciando o Código Civil brasileiro de 1916 (Concepção liberal do contrato).

 

O afastamento do Estado da relação contratual era a forma mais veemente de se reagir à dominação real da época absolutista.

 

Ocorre que a causa do negócio, como já se teve a oportunidade de observar na parte geral, pode levar a consequências que implicam no atingimento da relação jurídica obrigacional. As pessoas contratam para satisfazer necessidades econômicas da vida, por isso, não podem ser eternamente condenadas à satisfação lasciva da ganância da parte adversa na relação contratual, que, não raro, contrata também com a intenção de se aproveitar da necessidade ou inexperiência da outra, impondo cláusulas que podem comprometer o equilíbrio da relação contratual.

 

Embora a evolução do Direito Civil, em geral, não destoe da ideia da força vinculativa dos contratos, que continuam a obrigar o contratante ao cumprimento de sua prestação, a ordem moderna indica que o cidadão, agora, pode questionar, em juízo, a licitude ou até mesmo a legitimidade da prestação a que ele próprio se obrigou, isso porque o Estado não está mais totalmente alheio às contratações particulares do cidadão. [...] (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único, Capítulo I – Noções Introdutórias à Teoria Contratual, p. 819-822, seguidas dos Comentários ao CC, art. 421 em diante. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 08/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).