segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736 - DO TRANSPORTE DE PESSOAS – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736
- DO TRANSPORTE DE PESSOAS
VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II

Do Transporte de Pessoas - (Art. 734 a 742)

 

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

 

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

 

Como lembra Claudio Luiz Bueno de Godoy, mesmo antes e a despeito da edição do Código Civil de 2002, sempre se admitiu que, ínsita ao contrato de transporte, havia, coo de fato há, uma cláusula de incolumidade, porquanto ao transportador afeta uma obrigação de resultado, a de levar o passageiro e suas bagagens ao destino, a salvo e incólumes, ademais, induvidoso tratar-se de uma atividade perigosa, induzindo, assim, caso típico de risco criado.

 

Pois exatamente nessa esteira instituiu-se, de forma genérica, como se deu o Código Civil a regrar o transporte, uma responsabilidade indenizatória para o transportador, do embarque ao desembarque – os quais, aliás, a Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) por exemplo, explicita serem parte da execução do contrato de transporte (art. 233) -, a responsabilidade de culpa e só elidível por força maior, como está na lei e na esteira do que, para a responsabilidade civil em geral, se estabeleceu, quanto às atividades que ensejam risco especial, no CC 927, parágrafo único.

 

Era mesmo uma tendência, evidenciada desde a previsão do art. 17 do Decreto n. 2.681/12, que cuidava da responsabilidade das estradas de ferro, com culpa presumida. Assim, igualmente, comportou-se a jurisprudência, inclusive interpretando a regra do decreto citado como atinente a uma responsabilidade objetiva, mais que de culpa presumida, e estendendo-a a outras espécies de transporte.

 

Bem se verá, aliás, que o Código Civil de 2002, ao dispor sobre a responsabilidade no contrato de transporte, da mesma maneira com que regrou a responsabilidade civil, no capítulo próprio (ver comentários ao CC 927 e ss.), incorporou a seu texto muito do que já haviam consolidado os tribunais. Pois, assentado que a responsabilidade do transportador, uma vez inalcançado o resultado pelo qual se obrigou, prescinde da verificação de sua culpa, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a atividade de transporte, ressalvou a lei – ademais da regra do CC 741, acerca da conclusão de viagem interrompida mesmo que pelo casus – que essa responsabilidade apenas se exclui se provada força maior, tal como, para as obrigações em geral, se previu no CC 393. E lá se a definiu, sem distinção para o caso fortuito, o qual, portanto, se deve entender também excludente da responsabilidade do transportador, como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

 

Insta não olvidar, porém, que o transporte envolve forçosamente uma atividade que cria especial risco (Ver CC 927, parágrafo único) e a que, destarte, inerentes alguns eventos de força maior ou caso fortuito. Ou seja, é preciso diferenciar o que se passou a denominar fortuito interno do fortuito externo, conforme o acontecimento se apresente, ou não, ao transporte. Por isso mesmo, vem-se considerando que eventos como o defeito mecânico ou o mal súbito do condutor não eximam o transportador da responsabilidade pelos danos causados no transporte (fortuitos internos). Ao revés, prejuízos ocasionados ao passageiro ou à bagagem por obra de enchente, terremotos, raios são, aí sim, fortuitos externos e, destarte, causa excludente, por efetivamente romperem o nexo de causalidade do dano com a atividade de transporte. O assalto, como regra, sempre se considerou um fortuito externo, o que se vem, todavia, revendo em casos com ocorrências repetidas, práticas reiteradamente nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se poderia esperar fossem tomadas.

 

Mais, até, como já tive oportunidade de sustentar, procurando fixar um conteúdo para a cláusula geral do CC 927, parágrafo único, e dissociado da ideia de defeito de segurança (periculosidade anormal, adquirida), no exercício da atividade que cria risco especial, assim compreendida a responsabilidade independente de culpa, ademais a que atinente a uma causalidade a merecer releitura, porquanto não só mais física, porém, antes, jurídica, reduz-se o espaço reservado para a entrevisão da estraneidade de eventos fortuitos, inclusive coo, ocasionalmente, o assalto em relação ao transporte. Com efeito, se o transportador responde pelo risco especial que sua atividade induz, então deixa de importar, na mesma extensão, a discussão sobre medidas preventivas que pudesse razoavelmente tomar para impedir ocorrências como roubos, tiroteios ou outras semelhantes. Tal debate importaria à luz da necessidade de se verificar se sucedido defeito de segurança. Mas não é o que se admite dar substrato à responsabilidade pelo risco da atividade, inclusive levada, agora, à disposição geral do CC 927, parágrafo único, bastando aferir se a atividade desempenhada, de que decorrente o prejuízo havido, induz risco diferenciado aos direitos, bens e interesses alheios, ou seja, se o evento lesivo se favorece pelo exercício da atividade, dado o risco especial que ela enseja (ver comentário ao artigo e, ainda: Claudio Luiz Bueno de Godoy. Responsabilidade Civil pelo risco da atividade. São Paulo, Saraiva, 2009). Daí já se ter decidido, como citado no item reservado à jurisprudência, por exemplo, que o transportador de valores responde pelos danos impingidos à vítima de atropelamento de seu turno provocado por disparo de arma que atingiu o motorista.

 

Ainda quanto às excludentes, tem-se renovado o mesmo problema, já examinado nos comentários ao CC 732, a que se remete, relativo à concorrência normativa como o Código de Defesa do Consumidor. Por exemplo, na legislação consumerista, como se disse, a cuja conceituação via de regra, malgrado nem sempre, se subsumirá o transporte, prevê-se a culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade do fornecedor, o que o Código Civil omite, ao menos quando não haja concorrência do transportador (CC 738, parágrafo único). De toda a sorte, a culpa exclusiva da vítima, tal qual se dá, com infeliz frequência, nos casos do chamado surf ferroviário, quebra o nexo de causalidade e deve, assim, ter igual efeito excludente ao que se reserva ao fortuito externo. Porém, tornar-se-á a esse assunto da concorrência com o Código de Defesa do Consumidor, em matéria de excludentes, no exame dos artigos subsequentes.

 

De novo expressão da absorção, pelo Código Civil de 2002, de orientação jurisprudencial já consolidada, o artigo em comento veda ajuste, no contrato de transporte, de qualquer cláusula excludente de responsabilidade. É o que já constava da Súmula n. 161 do STF e já se havia incorporado à legislação consumerista (art. 25). Isso, na verdade, porque próprio do contrato de transporte, corolário da boa-fé objetiva nas relações contratuais (CC 422), é o dever de segurança afeto ao transportador, que não se pode afastar, sob pena, primeiro, de se desnaturar a avença e, segundo, tanto mais, uma vez evidenciada relação de consumo já intrinsecamente desequilibrada e o que não se pode agravar com a exclusão da responsabilidade do transportador. Não se veda a cláusula de limitação de responsabilidade desde que, por um lado, não se preste a burlar a vedação da exclusão, e por outro, com especial cautela nas relações desiguais, usada a fim de verificar se sua previsão decorre de consenso e não de imposição. Veja-se, mais ainda, que, mesmo no regime do Código Civil de 1916, cláusulas excludentes já não eram aceitas para afastar responsabilidade por dolo, a que se equipara a culpa grave.

 

Por fim, e para se evitar incerteza quanto ao importe indenizatório, permite-se hoje, pelo parágrafo único do artigo em comento, que exija o transportador a declaração, feita pelo passageiro, do valor de sua bagagem, sob pena da recusa ao contrato – que não é a regra (CC 739) -, estabelecendo-se, dessa forma, o limite da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 755-756 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na linha da doutrina de Ricardo Fiuza, o transportador tem de levar o passageiro vivo e incólume a seu destino e responde pelos danos a ele causados, bem como a sua bagagem. Em todo contrato de transporte há, ínsita, a cláusula de incolumidade.

 

No contrato de transporte, a responsabilidade do transportador é objetiva, prescindindo, portanto, de verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causal entre a atividade e o dano. Tratando-se de transporte efetuado por pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva é estatuída em norma constitucional (CF 37, § 6~).

Mas a excludente da força maior (vis maior) aproveita ao transportador (CC 393, § 1º). Se o navio, em meio à tempestade, naufragou; se despencou o raio que destruiu o ônibus, não há responsabilidade civil.

Encontramos decisões judiciais afirmando que não responde a empresa transportadora pela morte de passageiro, no interior do veículo, no meio da viagem, em consequência de assalto, por tal evento resulta de força maior e não configura risco coberto pela tarifa (Adcoas, 1981, n. 80.420); nem pelo fato de passageiro de ônibus ser atingido por estilhaço de vidro produzido por uma pedra atirada por terceiros, ato equiparado a caso fortuito, não havendo que falar em divergência com a Súmula 187 do STF (JB, 141/182).

É nula a cláusula de não indenizar, i. é, não tem qualquer validade e eficácia o dispositivo que afaste a responsabilidade do transportador. Nesse sentido, aliás, enuncia a Súmula 161 do STF: “Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”. Aponte-se, ainda, que, na maioria dos casos, o contrato de transporte forma-se por adesão, e, também por essa razão, para impedir que se frustrem as justas expectativas, a boa-fé e os direitos do aderente, a cláusula de não indenizar é abusiva, inadmissível, nula de pleno direito (CC 421, 422, 423 e 424 e CDC, 51, I, e 54).

A doutrina admite, todavia – com cuidados e ressalvas -, a cláusula que limite a responsabilidade, desde que não seja expediente falacioso para burlar a proibição da cláusula excludente da responsabilidade, quando a indenização, por exemplo, for fixada em valor ridículo, insignificante (STJ, 4ª T., REsp 76.619, em 12-2-1996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a responsabilidade civil do transportador é objetiva e sua obrigação é de resultado. É nula a cláusula de não indenizar (Súmula 161 do STF).

 

Na responsabilidade objetiva não se perquire de culpa do agente. Isso não significa que ele tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer um prejuízo, pois é necessário tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer m prejuízo, pois é necessário que o dano seja proveniente do serviço prestado, i.é, que haja nexo causal. Assim as hipóteses de exoneração da responsabilidade civil do transportador são todas relacionadas à inexistência ou quebra do nexo de causalidade entre o dano e o serviço que presta.

 

 Causas de exoneração da responsabilidade do transportador: a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa de terceiro (CC 735) – somente elide a responsabilidade do transportador a força maior (ex.: roubo, pedrada), não os fatos que constituem risco natural do transporte, coo os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

 

Na toada de Godoy, novamente em reforço à constatação de que o Código Civil, na matéria atinente à responsabilidade do transportador, incorporou muito do que a jurisprudência já havia consolidado, conforme se vem acentuando desde os comentários aos artigos precedentes, no dispositivo em questão repete-se, a rigor, o que se continha na Súmula n. 187 do STF, estatuindo que o chamado fato de terceiro não elide a responsabilidade do transportador, contra quem terá ação regressiva.

 

O primeiro problema que a respeito se coloca é a exata definição de fato de terceiro, ou de quem seja terceiro, e mesmo sua diferenciação para a força maior, tratada no artigo anterior. Em princípio, na responsabilidade civil, deve-se entender como   terceiro quem não integre um dos polos da respectiva relação, portanto quem não seja agente ou vítima. Ou, melhor, é preciso que alguém se interponha na relação agente/vítima, ademais mostrando-se estranho à responsabilidade daí dimanada. Por isso, para fins de excludente, não são terceiros os pais quando respondem pelos atos dos filhos, ou o patrão, acerca dos atos dos empregados. Nesse sentido, portanto, a condição de terceiro só se configurará como causa excludente caso se trate de alguém completamente estranho à pessoa causadora direta do dano, ou mesmo à sua atividade.

 

Em segundo lugar, é bom lembrar ter sempre se entendido em doutrina que o fato de terceiro, desde que a causa única do evento danoso e sem qualquer ligação com o devedor, fosse excludente de responsabilidade, porquanto, assim caracterizado, seria causa de quebra do nexo de causalidade. Tal como se viu quanto à força maior nos comentários ao artigo precedente, o fato de terceiro será estranho ao responsável no transporte quando não se ligar ao risco da atividade por ele desempenhada. Esse o ponto que se reputa nodal e por vezes confundido, quando se cuida de equiparar o fato de terceiro à força maior sempre que revelado por um evento inevitável. Parece mais se afeiçoar aos pressupostos atuais da responsabilidade civil, máxime em atividades indutivas de especial risco como é a de transporte (CC 927), a verificação sobre se o fato atribuível ao terceiro se coloca ou não dentro dos limites razoáveis do risco criado, e assim assumido, pela atividade do transportador.

 

Em terceiro lugar, considera-se diferencial do fato de terceiro, em relação à força maior, a possibilidade de se determinar um agente específico responsável pela conduta.

 

Pois preceitua o Código Civil de 2002 que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador, solução exatamente oposta da que se contém no art. 14. § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor. A antinomia, segundo se entende, mostra-se solucionável pela consideração de que, afinal, o fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. E, se rompe, exclui a responsabilidade civil, decerto do que não está a tratar o artigo do Código Civil, ora em comento. Mas isto, repita-se por relevante, desde que havida a estraneidade, ao transportador, do fato de terceiro, causa única do evento danoso. Então, rompe-se o nexo de causalidade, faltando assim requisito mesmo para aplicação de regra de responsabilidade sem culpa, já que não se cuida, não transporte, de teoria do risco agravado, sem excludentes, ao que soa da redação do próprio CC 734.

 

Já, ao revés, se a conduta do terceiro, mesmo causadora do evento danoso, coloca-se nos lindes do risco do transportador, destarte se relacionando, mostrando-se ligada à sua atividade, então, a exemplo do fortuito interno, não se exclui a respectiva responsabilidade. É o que ocorre, por exemplo, quando o passageiro sofre prejuízo porque o veículo em que conduzido é fechado por terceiro. esse foi o pressuposto sobre o qual se assentou a Súmula n. 187 do STF e parece ser a interpretação reservada ao artigo em exame. Tanto assim é que os tribunais, em inúmeras oportunidades, já vinham afastando a incidência da súmula naqueles casos em que o passageiro fosse atingido, v.g., por uma pedra lançada por terceiro, dado configurar-se no caso um fato externo à atividade, todavia não quando o evento se repetisse nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se esperava fossem tomadas, tal como se disse em relação ao assalto nos comentários ao artigo anterior, e com a mesma da redução ao âmbito de incidência da excludente em virtude da aplicação da cláusula geral do CC 927, parágrafo único. Com isso, harmonizam-se as previsões do Código Civil, no artigo vertente, e as disposições do Código de Defesa do Consumidor, do art. 14, § 3º, II. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 757-758 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a doutrina de Fiuza, copiou-se aqui a Súmula 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva ".

 

Se, por exemplo, um outro veículo, por imperícia do condutor, desgovernou-se e atingiu o ônibus em que estava o passageiro, que sofreu fraturas e escoriações, a responsabilidade do transportador persiste, e ele terá de indenizar os danos sofridos pela vítima. Mas poderá acionar, regressivamente, o terceiro causador do acidente.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, somente fatos extraordinários (ex.: roubo, pedrada) elidem a responsabilidade do transportador, não os fatos inerentes à atividade, que constituem caso fortuito interno ou risco natural do transporte, como os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF. Já aqui mostrada no artigo anterior. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

 Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia.

 

Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.

 

O Código Civil de 2002, no artigo em comento, no entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, enfrenta antiga discussão sobre a natureza do transporte feito por cortesia ou amizade, a carona que se dá a alguém que vem a sofrer dano durante o percurso. O debate não era ocioso dado que, admitida a tese de se tratar de contrato, e porque gratuito, a responsabilidade daquele a quem o ajuste não beneficiava, portanto, o transportador, somente se erigiria em caso de dolo ou culpa grave, que a ele se equipara, conforme já previa o art. 1.057 do Código Civil de 1916, repetido pelo Código Civil de 2002 art. 392.

 

Destarte, suposta contratual a responsabilidade de quem oferece carona, apenas por dolo, ou culpa grave, haveria o dever de indenizar o passageiro danificado durante o transporte gratuito – este por amizade ou cortesia. Pois era essa a tese que parecia prevalecer, não sem críticas, antes da edição do CC/2002, mercê inclusive da edição da Súmula n. 145 do STJ, segundo a qual “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

 

Todavia, a nova normatização civil expressa, no artigo em comento, não se submeter ao regime contratual o transporte feito por mera amizade ou cortesia. Assim, ao que se entende, consagra-se, para este transporte desinteressado, a tese da responsabilidade extracontratual, que se rege pelo CC 927 e ss, suscitando discussão outra, sobre se o caso é de teoria da culpa ou do risco, muito embora não se furte a observar que a carona não encerra, nos termos do parágrafo único daquele mesmo CC 927 e a despeito do perigo inerente a todo transporte, uma atividade normalmente desenvolvida de modo a criar habitual risco aos direitos de outrem, pelo que a responsabilidade será baseada na demonstração de dolo ou de qualquer modalidade ou grau de culpa, mesmo que leve. Mas é bem de ver que, no quanto aqui interessa, a hipótese não se sujeitará ao regramento do contrato de transporte. Não se sujeitará, mesmo, ao regime dos contratos.

 

Porém, ressalva o Código Civil de 2002 que, por vezes, mesmo sem remuneração direta, o transporte não é desinteressado. Produz, ao revés, vantagens indiretas, portanto, bem longe de consubstanciar mera cortesia ou amizade. Nesses casos, a regência é do ordenamento aplicável ao contrato de transporte. Assim, por exemplo, o sistema de concessão de milhagens, bilhetes de fidelidade, ou mesmo o transporte solidário, o chamado rodízio. Da mesma forma, no exemplo de Humberto Theodoro Jr. (“Do transporte de pessoas no novo Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, 2003, v. 807, p. 11-26), o corretor que leva o cliente em seu veículo para visitar um imóvel. Muito menos haverá de se cogitar de regramento outro que não o contratual nos casos de transporte coletivo clandestino, que, malgrado feito ao arrepio da regulamentação estatal, como se impõe (CC 731), não pode, no âmbito civil, excluir a responsabilidade do transportador, nos termos deste Código. Por fim, igualmente não se vem considerando seja desinteressado o transporte coletivo devidamente regulamentado, mas disponibilizado ao idoso sem pagamento de passagem, pois em verdade há custo diluído que indica não agir o concessionário por mera cortesia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 759 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a doutrina de Fiuza, no sentido deste dispositivo, há a Súmula 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

 

Se o transporte representa ato de mero favor, e feito gratuitamente, por amizade, cortesia, a rigor, nem configura contrato de transporte. A relação não fica regida pelas normas deste Capítulo. Nem há, no caso, reponsabilidade objetiva do condutor. Com maior razão se o transporte gratuito está sendo feito por necessidade, urgência, solidariedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte gratuito não se regula pelos dispositivos do contrato de transporte. No transporte gratuito, a responsabilidade do transportador é subjetiva, i.é, somente reponde mediante a prova de que agiu com culpa. É nesse sentido a Súmula n. 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

 

Se o transportador obtém proveito econômico com o transporte de forma indireta, como ocorre no transporte de empregados pelo próprio empregador, o transporte não se considera gratuito.

 

O transportador que celebra contrato com empresa para o transporte de seus empregados não fornece ao passageiro um transporte gratuito e tem a obrigação de levar a viagem a bom termo, obrigação que assume com a pessoa que transporta, pouco importando quem forneceu o numerário para o pagamento da passagem (STJ, REsp. 238.676-RJ, rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, j. 08.02.2000). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 16 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 6º Lugar do Crime – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 6º
Lugar do Crime – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral – Título I – Da Aplicação da Lei Penal

 

Lugar do crime

 

Art. 6ª. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

Segundo apreciação de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 6º do CP, p.18-20: Têm como escopo a determinação do lugar do crime, a saber: a) teoria da atividade; b) teoria do resultado; c) teoria mista ou da ubiquidade.

Pela teoria da atividade lugar do crime é o da ação ou da omissão, ainda que outro seja o da ocorrência do resultado. Já a teoria do resultado despreza o lugar da conduta e defende a tese de que lugar do crime será, tão somente, aquele em que ocorrer o resultado. A teoria da ubiquidade ou mista adota as duas posições anteriores e aduz que o lugar do crime será o da ação ou da omissão, bem como onde se produziu ou deveria se produzir o resultado.

Nosso Código Penal adotou a teoria da ubiquidade, conforme se verifica pela leitura de seu art. 6a.

Com a adoção da teoria da ubiquidade resolvem-se os problemas já há muito apontados pela doutrina, como aqueles relacionados aos crimes à distância. Na situação clássica, suponhamos que alguém, residente na Argentina, enviasse uma carta-bomba tendo como destinatário uma vítima que residisse no Brasil. A carta-bomba chega ao seu destino e, ao abri-la, a vítima detona o seu mecanismo de funcionamento, fazendo-a explodir, causando-lhe a morte. Se adotada no Brasil a teoria da atividade e na Argentina a teoria do resultado, o agente, autor do homicídio, ficaria impune. A adoção da teoria da ubiquidade resolve problemas de Direito Penal internacional. Ela não se destina à definição de competência interna, mas, sim, à determinação da competência da justiça brasileira.

Embora competente a justiça brasileira, pode acontecer que, em virtude de convenções, tratados e regras de Direito Internacional, o Brasil deixe de aplicar a sua lei penal aos crimes cometidos no território nacional.

Nos crimes qualificados peio resultado, fixa-se a competência no lugar onde ocorreu o evento qualificador, ou seja, onde o resultado morte foi atingido, assim, tendo os corpos das vítimas do latrocínio sido encontrados na Comarca de Dourados, e havendo indícios de que lã foram executadas, a competência se faz peia regra geral disposta nos arts. 69, I e 70, caput, do CPP. (STJ, RHC 22295/MS, Relª. Minª. Jane Silva, 5ª T., DJ 17/12/2007 p. 229).

Competência da Justiça Estadual – Súmulas: Súmula nº- 38 do STJ. Compete a Justiça Estadual comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da união ou de suas entidades.

Súmula nº 42 do STJ. Com pete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

Súmula nº 53 do STJ. Com pete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais.

Súmula nº 62 do STJ. Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada. Súmula nº 73 do STJ. A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual.

Súmula nº 75 do STJ. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de Estabelecimento Penal.

Súmula nº 140 do STJ. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.

Súmula nº 172 do STJ. Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

Súmula n° 522 do STF. Salvo ocorrência de tráfico com o exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

Competência da Justiça Federal Súmula n° 122 do STJ. Compete a Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, ii, "a", do Código de Processo Penal.

Súmula nº 147 do STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

Súmula nº 151 do STJ. A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.

Súmula n° 165 do STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista.

Súmula nº 200 do STJ. O Juízo Federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou.

Competência da justiça Federal estabelecida no art. 109, V, da Constituição de 1988, para o processo e julgamento de crime previsto ‘em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro’ (STJ, HC 24858/GO, Rel. Min. Paulo Medina, & r., RSTJ 184, p. 508).

A orientação básica da Lei é eleger situações que melhor atendam à finalidade do processo. Este, busca a verdade real. A ação penal, então, deve desenrolar-se no local que facilite a melhor instrução a fim de o julgamento projetar a melhor decisão (STJ, CC 8734/DF, Rel. Min. Pedro Aciolí, S3, DJ 20/3/1995, p. 6.079).

Juizado Especial Criminal - Nos termos do art. 63 da Lei n° 9.099/95, a competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.

Crimes conexos - Súmula nº 704 do STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Tratando-se de crimes conexos, prevalece a competência por prevenção (art. 78, II, c, do Código de Processo Penal), o que não impede se mantenha a separação dos processos, consoante faculta o art. 80 do mesmo diploma processual. Precedente do STJ (STJ, HC 103741/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 3/11/2008).

 Havendo crimes conexos, apenados diversamente, a competência para processar e julgar a ação penal é definida pelo lugar do crime cuja pena é mais gravosa, prevalecendo o critério qualitativo (art. 78, inciso II, alínea a, do CPP) (STJ, H C 26288/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T. (DJU 11/4/2005, p. 385).

No concurso de crimes, a competência criminal da Justiça Federal para um deles atrai o processo dos crimes conexos. Isto não ocorrerá, entretanto, quando já exista sentença condenatória proferida pela Justiça Estadual, hipótese em que, embora os crimes tenham sido reunidos em processo único na Justiça do Estado, aplica-se o art. 82 do Código de Processo Penal, restringindo-se a nulidade ao delito federal. Precedentes: HC 57.949-SP, Xavier de Albuquerque, DJ 17/10/80; HC 74.788-MS, Sepúlveda Pertence, DJ 12/9/97. (STF, HC 81617/MT, Rel. Min. Carlos Velloso, 2® T., DJ 28/6/2002, p. 142).

Federalização - Primeiro caso acolhido no Brasil (informações do STJ). Histórico - Manoel Bezerra de Mattos Neto atuava no enfrentamento dos grupos de extermínio que agiam em Pernambuco e na

Paraíba. A ação desses grupos foi tratada em Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados em 2005, que recomendou várias medidas específicas. Mesmo assim, o Estado não tomou providências quanto à repressão e investigação dos crimes, resultando na morte de Manoel Mattos. A Procuradoria-Geral da República (PGR), então, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização dos processos que tratam da atuação do grupo na divisa dos Estados da Paraíba e Pernambuco. Foi a segunda vez que o Tribunal analisou pedido de deslocamento de competência, possibilidade criada pela Emenda Constitucional na 45/2004 (reforma do Judiciário) para hipóteses de grave violação de direitos humanos. Anteriormente, o caso do assassinato da irmã Dorothy Stang já havia sido objeto de um incidente de deslocamento de competência. Em 2005, a Terceira Seção do STJ julgou o pedido improcedente. Com o resultado, coube à Justiça do Pará julgar os implicados no crime. No caso que trata do extermínio do Nordeste, a relatora é a Ministra Laurita Vaz, da Terceira Seção (STJ, IDC 2/DF, 3ª Seção, 2009/0121262-6, numeração única 0121262 13-2009.3.00.0000. Relª. Minª. Laurita Vaz, def. 27/10/2010).

Crime praticado por prefeito - Súmula nº 208 do STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de comas perante órgão federal.

Súmula nº 209 do STJ. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

Súmula nº 702 do STF. A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo Tribunal de segundo grau.

Crimes permanentes e continuados: Conforme lições de Francisco Dirceu Barros, “nas ações consideradas juridicamente como unidade (delito permanente, crime continuado), o crime tem-se por praticado no lugar em que se verificar um dos elementos do fato unitário”. (Barros, Francisco Dirceu. Código Penal – Parte geral, p. 32). Tratando-se o crime de quadrilha de crime permanente, que se estende no tempo, com atuação no território de diversas jurisdições, a competência fixa-se pela prevenção (art. 171 do CPP). (STJ, CC 60197/G0, Rel2. Min2. Maria Thereza de Assis Moura, 32 S, DJe 8/5/2008).

Júri e prerrogativa de função Súmula n* 721 do STF. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual. (Apesar da extensão do assunto, faz-se extremamente racional e importante, a separação por partes da federação para a atuação de competência do local do crime e de quem há de acionar. Sem essa distribuição, tornar-se-á impossível à Justiça e à Defesa/Promotoria, distinguir a quem se há de julgar um crime. Principalmente, ao neófito, pois, daqui para a frente, não há qualquer menção, em qualquer Universidade, aos assuntos concernentes ao tema, a não ser na esfera de Mestrado ou Doutorado. Nota VD). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 6º do CP, p.18-20. Ed.Impetus.com.br, acessado em 16/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo artigo de Anna Laryssa Felix, intituladoAplicação da Lei Penal no Tempo”, publicado no site Jusbrasil.com.br em ago-2022, comentários ao art. 6º do CP: Quando se fala em lei penal no tempo, se quer dizer: qual o tempo e lugar do crime, com a finalidade de identificar qual legislação será aplicada. Todavia, existem exceções e são elas as que serão abordadas.

Regra Geral – Em primeiro lugar, trata-se do tempo do crime previsto no artigo 4º, do Código Penal brasileiro e, este usa a Teoria da Atividade para configurar o tempo do crime ao qual será considerado praticado o delito, no momento da conduta do agente, quer seja, da ação ou omissão.

Tempo do crime – Relembrando: Art. 4º - considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Redação dada pela Lei n. 7.209, de 1984.

Outrossim, lugar do crime previsto no artigo 6º deste Códex, adota a Teoria da Ubiquidade, ao qual considera praticado o delito no momento da conduta ou do resultado.

Lugar do crime: interessante se faz apontar um termo bastante utilizado por diversos doutrinadores com a finalidade facilitar a identificação dessas teorias em momentos de provas, usando a palavra LUTA. Você pode associar da seguinte maneira:

Lugar do Crime – teoria da Ubiquidade – Tempo do crime – teoria da Atividade – em negrito LUTA.

É válido ressaltar que o código penal adota a teoria da atividade para considerar o lugar do crime, quer dizer, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (art. 4º, CP).

Como se depreende, é neste momento que se poderá observar quais eram as condições em que se encontrava a vítima no momento da conduta do agente e, se haverá ou não, alguma imputabilidade.

Exceções: Tenha-se presente que, para entendermos as duas exceções (Lei Penal Temporária e Lei Penal Excepcional), é preciso falar das quatros exceções das leis penais no tempo: Abolitio Criminis, Novatio Legis Incriminadora, Lex Mitior e Lex Gravior.

Abolitio Criminis - Aqui, é causa extintiva de punibilidade conforme o artigo 107, inciso III, do Código Penal Brasileiro e ocorre quando uma lei retroage em benefício ao réu, ou seja, uma lei vigente deixa de existir retroagindo com a finalidade de alcançar fatos que não serão mais considerados crimes.

 

Extinção da punibilidade - Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

Como se observa expressamente disposta no artigo 2º em que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime."

 

Lei penal no tempo - Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

 

Em verdade, é interessante entendermos este ponto pois, ainda que o condenado já esteja cumprindo pena, havendo a extinção da lei, deverá cessar a execução e os efeitos penais da sentença.

 

Convém notar, outrossim, que aqui a lei não foi revogada passando a conduta a existir em outra norma incriminadora. O que ocorre de fato é a extinção da imputação daquele fato como crime.

Novatio Legis - De outra face, nesta hipótese a própria norma traz uma nova conduta incriminadora, ou seja, legislador vai tipificar uma nova conduta que até então não era considerada como crime e que, a partir de então será incriminadora.

 

Em virtude de ser maléfico para o agente, esta nova norma não irá retroagir para alcançar o réu, visto que as exceções só podem ser usadas em benefício ao agente.

Art. 2º, Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

 

Lex Mitior - Semelhante a novatio legis, aqui o legislador vai tipificar uma nova conduta dentro de uma norma já existente ou não. Neste caso, qualquer lei que surja após a conduta incriminadora, mas que venha a beneficiar o réu, lhe será aplicada.

No mesmo sentido da abolitio criminis, esta regra é uma exceção a anterioridade da lei penal e, não respeita a coisa julgada, isto pois, o condenado ainda que já em momento de cumprimento de sentença poderá ser beneficiado com esta nova legislação.

Lex Gravor - Ao contrário da Lex Mitior, haverá a criação de uma nova legislação posterior a conduta incriminadora, e esta traz uma redação que venha prejudicar a situação do agente. Da mesma sorte, a novatio legis incriminadora, é uma norma que não beneficia em nada o agente e, portanto, não irá retroagir e nem alcançar seus efeitos.

 

É sobremodo importante assinalar a Súmula 711, do Supremo Tribunal Federal em que, na hipótese de crime continuado ou permanente (aquele que a ação se prolonga no tempo), a nova lei penal ainda que mais grave, alcançará o agente, desde que, a sua vigência seja em momento anterior a cessação da continuidade ou permanência.


Súmula 711, STF: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência."

Todavia, em se tratando da do Crime Continuado há na doutrina uma divergência quanto ao benefício que o agente estaria recebendo, uma vez que esta classificação é a junção de diversas ações. No dizer sempre expressivo do doutrinador Bitencourt, que considera inconstitucional este trecho na súmula:


Contudo, apresentamos seriíssimas restrições à indigitada Súmula 711, relativamente à entidade crime continuado, na medida em que não se pode confundir alhos com bugalhos: nunca se poderá perder de vista que o instituto do crime continuado é integrado por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único.

Não se pode esquecer, por outro lado, que “o crime continuado é uma ficção jurídica concebida por razões de política criminal, que considera que os crimes subsequentes devem ser tidos como continuação do primeiro, estabelecendo, em outros termos, um tratamento unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinando uma forma especial de puni-los”.

Admitir, como pretende a Súmula 711 do STF, a retroatividade de lei penal mais grave para atingir fatos praticados antes de sua vigência, não só viola o secular princípio da irretroatividade da lei penal, como ignora o fundamento da origem do instituto do crime continuado, construído pelos glosadores e pós-glosadores, qual seja, o de permitir que os autores do terceiro furto pudessem escapar da pena de morte.

Com efeito, a longa elaboração dos glosadores e pós-glosadores teve a finalidade exclusiva de beneficiar o infrator e jamais prejudicá-lo. E foi exatamente esse mesmo fundamento que justificou o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o infrator. Não se pretenderá, certamente, insinuar que o enunciado da Súmula 711 do STF relativamente ao crime continuado beneficia o infrator!

Por certo, mesmo no Brasil de hoje, ninguém ignora que o crime continuado é composto por mais de uma ação em si mesmas criminosas, praticadas em momentos, locais e formas diversas, que, por ficção jurídica, são consideradas crime único, tão somente para efeitos de dosimetria penal.

O texto da Súmula 711, determinando a aplicação retroativa de lei penal mais grave, para a hipótese de crime continuado, estará impondo pena (mais grave) inexistente na data do crime para aqueles fatos cometidos antes de sua vigência. 

Por outro lado, convém destacar que o art. 119 do Código Penal determina que, em se tratando de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá em cada um dos crimes, isoladamente. Essa previsão resta prejudicada se for dada eficácia plena à indigitada Súmula 711. 

Nesse sentido, já se havia pacificado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consoante se pode perceber do seguinte aresto: “Consolidado o entendimento de que, no crime continuado, o termo inicial da prescrição é considerado em relação a cada delito componente, isoladamente”.

Dessa forma, aplicando-se retroativamente a lei posterior mais grave, alterar-se-á, consequentemente, o lapso prescricional dos fatos anteriores, afrontando o princípio da reserva legal.

Enfim, a nosso juízo, venia concessa, é inconstitucional a Súmula 711, editada pelo Supremo Tribunal Federal, no que se refere ao crime continuado. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte geral: arts. 1 a 120 – v. 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 27. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

Por conseguinte, temos as duas exceções, a retroatividade benéfica e a, ultraatividade. A lei posterior beneficia a conduta criminal que será revogada e alcançará o agente e, a lei que fora revogada irá regular os fatos ocorridos durante sua vigência.


Lei Penal Temporária e Excepcional - Em linhas gerais, temos que nos ater as leis temporárias e excepcionais, criadas em determinado momento diante de uma situação excepcional.

Como se observa, ambas são ultra-ativas e autorrevogáveis, todavia oportuno se torna dizer nas lições dos promotores André Estevam e Victor Gonçalves quanto ao fenômeno desta ultraatividade a fim de que não haja violação ao princípio da retroatividade benéfica da lei penal.


A doutrina costuma afirmar que as leis excepcionais e temporárias são leis ultra-ativas, ou seja, produzem efeitos mesmo após o término de sua vigência. Na verdade, não se trata do fenômeno da ultra-atividade, uma vez que, com o passar da situação excepcional ou do período de tempo estipulados na lei, ela continua em vigor, embora inapta a reger novas situações.

O art. 2º, VI, da Lei n. 1.521/51 (Lei dos Crimes contra a Economia Popular e contra a Saúde Pública), que vigorou de fevereiro de 1952 a dezembro de 1991, definia como crime a conduta do comerciante que vendia ou expunha à venda produto acima do preço definido em tabela oficial (“tabela de congelamento de preços”).

Durante suas quatro décadas de vigência, permaneceu a maior parte do tempo inaplicável, salvo em épocas como o “Plano Cruzado” (1986/1987), no qual se decretou o tabelamento de preços, restaurando a eficácia da norma penal; as­sim, vários comerciantes flagrados vendendo produtos acima do preço oficial foram investigados e processados criminalmente; superado o período do congelamento oficial, os processos já instaurados prosseguiram seu curso, uma vez que a norma não fora, então, revogada: a ação de vender ou expor à venda produtos acima do pre­ço oficial continuou sendo crime até sua substituição pelo art. 6º, I, da Lei n. 8.137/90 (este revogado em 2011), o qual punia conduta semelhante, mas com pena maior.

O fim do “congelamento” ocorrido na década de 1980 assinalou, portanto, apenas o encerramento da aptidão da lei para reger novos fatos concretos, sem, contudo, afetar sua vigência que persistiu, bem como sua eficácia, no que pertine aos atos verificados du­rante o tabelamento oficial.

Não há de se falar, assim, em ultra-atividade, de modo que fica superada qualquer alegação de violação ao princípio da retroatividade benéfica da lei penal (CF, art. 5º, XL). Aliás, nesse sentido já se manifestaram consagrados penalistas.

A norma constante do art. 3º do CP tem ainda uma razão prática evidente, declarada na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal: “Esta ressalva visa impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais”. Estefam, André. Direito Penal - Parte Geral / André Estefam, Victor Eduardo Rios Gonçalves; coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Jur, 2022. (Coleção Esquematizado ®).

Desta forma, como funciona a regularização das condutas cometidas dentro dessas novas legislações, sabendo que ambas são ultra-ativas e autorrevogáveis.

 

O artigo 3º do Código Penal Brasileiro, aponta a possibilidade destes dois tipos de leis e expressamente responde que “embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinam, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”, ou seja, não é porque a lei é autorrevogável que não haverá punição com o seu descumprimento.

 

Lei excepcional ou temporária - Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

 

Tenha-se presente que a lei temporária é aquela que tem especificada no texto o seu tempo de vigência, ou seja, já vem explícito qual o dia do seu início e, o dia da sua cessação.

 

Por outro lado, a lei excepcional não vem dizendo expressamente qual dia da sua cessação, pois uma vez que este tipo de legislação, é utilizada apenas para atender calamidades públicas e necessidades estatais, não haveria como saber ou supor seu fim. Assim, a sua cessação ocorre com ao término da necessidade estatal.

 

Destarte, os fatos ocorridos durante sua vigência serão punidos mesmo com o fim da mesma, pois caso não fosse, não haveria eficácia nenhuma a sua vigência, bem como ocasionaria insegurança jurídica. (Anna Laryssa Felix, advogada pela OAB n° 47634Aplicação da Lei Penal no Tempo”, artigo publicado no site Jusbrasil.com.br em ago-2022, comentários ao art. 6º do CP, acessado em 16/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

De acordo com a toada de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 6º do Código Penal, publicado no site Direito.com: Na órbita do Direito Penal três teorias regem o local do crime, vejamos:

 

a) Teoria da atividade: é considerado o lugar do crime, aquele em que foi praticada a conduta delituosa quer por ação ou omissão;

 

b) Teoria do resultado: Não importa para essa teoria o local da prática delitiva, mas o local do resultado do evento criminoso, quanto ao local do resultado;

 

c) Teoria Mista ou da ubiquidade: é a fusão das duas anteriores. Considera-se o lugar do crime como também lugar do resultado.

 

Dentro de várias teorias, a adotada pelo Código Penal brasileiro é a teoria mista ou da ubiquidade, considerando tanto o local da conduta como o local que produziu o resultado.

 

A título de exemplo cite-se um homicídio ocorrido na fronteira do Brasil com a Bolívia, o agente desfere vários tiros na vítima que, claudicante, atravessa a fronteira para o país vizinho, vindo a falecer. A Lei brasileira, nesta hipótese, será aplicada. (Ver artigo 70 e 71 do CPP). (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 6º do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 16/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).