sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO

 – Seção II - (art. 778 a 788)

 

 

Art. 781. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

 

Aprendendo com Claudio Luiz Bueno de Godoy o presente artigo, completa, a rigor, a ideia básica acerca do seguro de dano, que já se explicitou no CC 778 e que se completa pelo preceito do CC 782, representando, a bem dizer, relevante inovação na esfera do direito posto, positivado. Como se assentou nos comentários ao CC 778, permeia o conceito de seguro de dano o chamado princípio indenitário, segundo o qual, em síntese, a cobertura securitária deve se restringir ao ressarcimento do valor do prejuízo efetivamente experimentado pelo segurado, com o sinistro havido. Trata-se da referência central do ajuste: a indenização. Em diversos termos, quer-se evitar que o seguro possa ser fonte de enriquecimento do segurado, de modo a colocá-lo em situação melhor da eu teria se o sinistro, conta o qual se garante seu interesse, não tivesse sucedido. Tudo, em última análise, à consideração de que o seguro de forma, na verdade, e conforme já comentado ao exame do CC 757, por um fundo composto pelos prêmios pagos por uma universalidade de segurados – típica revelação de um mutualismo sem o qual os contratos individuais se inviabilizam -, gerido pelo segurador, por isso necessariamente uma entidade a tal fim autorizada (CC 757, parágrafo único), que só se pode desfalcar pela devida reparação a que s destina, portanto sem que, a dano de outras coberturas, possa servir a propósito especulativo. Vale lembrar que o fundo e os prêmios que o constituem, afinal, resultam de um cálculo de probabilidade dos sinistros em relação aos interesses cuja garantia se contrata. Não por outro motivo é que, como se viu, não se pode contratar o seguro por valor maior que o do interesse segurado (art. 778). A ideia, enfim, é a de que o seguro se preste tão somente à recomposição, e não ao fomento do patrimônio do segurado, desfalcado pelo sinistro contra o qual quis se garantir.

 

Isso induz importante reflexo no seguro de coisas que se desvalorizam com o tempo. Pense-se na cobertura de automóveis, que perdem valor com o uso e que, sinistrados depois de algum tempo, com perda total, já não valem mais o importe originalmente indicado na contratação. É dizer então que, quando do acidente que danificou por completo o veículo, a perda patrimonial sofrida pelo segurado foi a do valor do auto no instante em que sinistrado, agora, como determina a lei, o obrigatório importe da cobertura a ser honrada. Destarte, não mais caberá discutir, como tem sido frequente, se cabe ou não o pagamento do seguro pelo valor de mercado do bem ou pelo valor da apólice, ausente cláusula que preveja aquela primeira modalidade. Impõe a lei que o pagamento se faça pelo valor da cosa ao tempo do sinistro, e sempre limitado ao importe máximo da garantia, o que significa patentear que o seguro de dano tem dois importes: o da apólice, que representa o limite máximo da indenização que poderá ser paga, em caso de sinistro, e o da cobertura pelo sinistro havido, correspondente, observado aquele teto máximo, ao exato importe do prejuízo experimentado, no momento em que ocorrido.

 

No entanto, um grande problema, na realidade, se coloca no que diz respeito ao prêmio que foi fixado e pago pelo segurado. Por exemplo, para Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 706), vindo o valor da indenização a ser inferior ao constante da apólice, pela eventual desvalorização do importe da coisa, ao instante do sinistro, impor-se-á uma redução proporcional do prêmio, já abatida do montante do seguro a ser pago. A seu ver, trata-se de corolário direito do princípio da eticidade que ilumina a nova legislação, impeditiva da vantagem indevida de uma parte, em detrimento de outra, na relação contratual. Ernesto Tzirulnik (“Princípio indenitário no contrato de seguro”; In: Revista dos Tribunais, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121), ao revés, e apoiado na lição de Pedro Alvim, já defendia, mesmo antes da edição da novel legislação, que a indenização paga pela perda do bem em importe menor que o da apólice não deveria levar a nenhuma redução do prêmio. Relembra o autor que o cálculo desse prêmio toma em consideração a massa dos bens objeto do fundo constituído, portanto nem só o daquele segurado além de inúmeras outras variáveis, dentre elas valorização ou desvalorização de salvados e probabilidade de perdas parciais antes da perda total, de modo que, a rigor, a oscilação do preço da coisa seja integrante natural do ajuste. Salienta Tzirulnik que o cálculo do prêmio não pode levar em conta, e não leva, apenas a situação específica de um segurado atingido pela perda total de seu bem. Mais, a seu ver, da mesma forma que não se verificará aumento de prêmio nos casos de sinistros parciais honrados e depois perda total também ressarcida, não deve haver redução se a indenização pela perda total se faz pelo valor atual e depreciado do bem, em relação ao montante da apólice. Importa é eu tenha havido risco a que exposto o bem, para fazer devido o prêmio, no importe em que fixado. A alteração de seu valor somente terá lugar se inexistente ou em muito reduzido o risco (CC 770) ou, por identidade de motivos, se em muito aumenta o risco coberto (CC 769). Aliás, o paralelismo com esses dispositivos é eloquente. Da mesma maneira que não se altera o prêmio por qualquer modificação da probabilidade de ocorrência do sinistro, senão quando considerável, também não se haverá de alterá-lo quando o valor do bem se deprecia, porquanto oscilável, uma vez que, afinal, calcula-se o prêmio não com base, especificamente, no valor da apólice daquele bem, em particular considerado.

 

No entanto, ainda que se aceda a essa tese, três ressalvas devem ser feitas. A primeira é a de que a excessiva, considerável desvalorização da coisa objeto do seguro pode suscitar pleito de revisão e mesmo de repetição de prêmio que, então, terá sido pago a maior. Afinal, a sensível perda de valor da coisa segurada acaba afetando, em última análise, a própria extensão do risco, senão de sua conversão em sinistro, mas da dimensão de suas consequências. Veja-se que, a rigor, isso nada mais é que um paralelismo estrito com as regras dos CC 769 e 770, ou seja, oscilações quanto ao risco não geram revisão do prêmio a não ser quando consideráveis. Especificamente para o caso de diminuição do prêmio, se, de um lado, o CC 770 começa por dizer que a redução do risco, em princípio, não acarreta a redução do prêmio, termina, de outro, por estatuir que isso poderá acontecer se a redução for considerável. A segunda ressalva importante, mesmo que aí individualmente considerado o contrato de seguro, afinal um trato de adesão, no qual, em regra, uma das partes está em situação de vulnerabilidade, sendo a outra uma profissional, muito mais afeito às regras legais da entabulação, é a necessidade de que os termos do ajuste expressem, com clareza, a limitação da indenização ao efetivo importe do prejuízo experimentado, de modo a evitar possa ser inculcada no aderente a expectativa de que, no caso de perda total da coisa, lhe será ressarcido o valor da apólice. Trata-se de notório corolário da transparência, um dos deveres anexos que a boa-fé objetiva, em sua função supletiva, impõe, de resto coo visto desde o CC 766. Por último, e agora a ressalva é legal, havendo mora do segurador, o importe a que estará sujeito poderá ultrapassar o valor do prejuízo da coisa, se afinal incidem os acréscimos de que cuida o CC 772. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 806 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, a disposição tenta conciliar o antagonismo de interesses na relação securitária, diante do escólio jurisprudencial firmado a respeito do tema. A esse propósito, resultou assente, por exemplo, que “no seguro de automóvel, em caso de perda total, a indenização a ser paga pela seguradora deve tornar como base a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do Código Civil de 1916), sobre a qual cobrador do prêmio (STJ, 3’T., REsp 191.189-MG), por se considerar prática abusiva pretender-se a indenização por valor inferior ao previsto na apólice sobre o qual o segurado houver pago o prêmio.

 

A indenização pelo limite máximo da apólice, a saber aquele cogitado como valor do interesse assegurado por ocasião da conclusão do contrato, sempre gerou embate doutrinário e jurisprudencial, entendendo-se compatível e justo aquela corresponder ao valor da apólice, na hipótese do perecimento da coisa, inclusive porque, “se (a seguradora) aceitou segurar o bem por valor superior, e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, não pode reduzir o pagamento do bem sinistrado (...)” (RI’, 730/222).

 

Agora, ao ficar expresso que a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, tem-se uma nova realidade temporal em termos de significado econômico que implicou, efetivamente, prejuízo ao titular do interesse. Ponderável essa correlação, tem-se, por outra lado, o limite valorativo do bem jungido ao teto do valor da apólice, porque a este correspondeu o valor do prêmio. Mas é preciso ainda admitir e ponderar que, vindo o valor da indenização a ser menor do que aquele mensurado ao tempo do ajuste e fixado na apólice, o prêmio pago será superior ao aqui estabelecido pelo valor do interesse assegurado no momento do sinistro, caso em que terá de ser reduzido, com a diferença acrescida ao pagamento indenizatório. Essa conciliação de interesses afigura-se corolário do princípio da eticidade que timbra o CC/2002, pois nenhuma das partes deve obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio da outra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 778, seguindo a tradição jurídica, estabeleceu que a indenização não pode ser superior ao valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato. O presente dispositivo inovou ao estabelecer que ela não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. A conjunção das duas regras resulta em eu a indenização deve respeitar o patamar que for mais baixo entre o valor do interesse segurado no momento da contratação e o valor que venha a ter no momento do sinistro.

 

Ambos os limites têm em vista a natureza indenitária do seguro e evitar que ele possa ser fonte de enriquecimento para o segurado.

 

As referidas regras podem acarretar soluções manifestamente injustas, diante da valorização nominal do interesse segurado, principalmente, em decorrência de inflação. Se um bem é avaliado por R$100,00 no momento da contratação e, um ano depois, quando da ocorrência do sinistro que resulte em sua perda total valor R$ 200,00 é manifestamente injusto que o segurado que tenha contratado a proteção contra a perda do bem venha a receber apenas R$100,00. A correção, no caso, há de ser admitida com base no princípio do equilíbrio contratual e no CC 317. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

 

Explica Claudio Luiz Bueno de Godoy, não por motivo diverso do que anima, hoje, a previsão do CC 778, o Código anterior já se ocupava do caso de efetivação de um segundo seguro, quando outro anterior já se tivesse feito, sobre o mesmo interesse segurado e contra o mesmo risco coberto. Vedava-o, com efeito, quando o primeiro seguro já houvesse sido entabulado pelo valor integral do interesse segurado, sempre a fim de evitar o intuito especulativo do ajuste, sabidamente adstrito ao importe máximo da coisa segurada. Acrescentava-se que, insciente o segundo segurador acerca do primeiro seguro, era-lhe lícito não só recusar o pagamento de eventual sinistro, mas também recobrar o que acaso já tivesse pago, sem restituição do prêmio. A ideia básica era, de um lado, a de que, já segurada a coisa, uma primeira vez, contra o mesmo risco, por seu importe total, o segundo seguro não teria risco a cobrir, porquanto, afinal, já garantido pelo antecedente ajuste. Daí a possibilidade de anular o segundo seguro. Em segunda parte, permitia o antigo art. 1.439 que, insciente o segundo segurador sobre a existência do anterior, poderia ele deixar de honrar a cobertura, assim como, se já a tivesse honrado, reaver a quantia paga a maior, sem restituição do prêmio. E compreendia-se, ainda, nessa segunda parte do preceito, também o antecedente seguro não incidente sobre o valor total, quando, pago o primeiro seguro, viesse o segundo a ser honrado em sobejo do valor da coisa, então abrindo-se a possibilidade de o segurador recobrar a quantia paga em excesso do importe do interesse segurado e sem restituição do prêmio.

 

Na lição de Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 283-4), na hipótese de a coisa não estar segurada pelo valor total no primeiro contrato, os demais e subsequentes seguradores só estavam obrigados pelo que, na falta, tivessem de completar quanto ao importe da coisa, na ordem das respectivas apólices. Resumindo o elastério do art. 1.439 e confrontando-o, também, com o preceito do art. 1.437, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.924, n. 1, p. 346) já assentava que, se o primeiro seguro foi integral e sobreveio outro, este poderia ser anulado, caso houvesse dolo do segurado; se de boa-fé, abrir-se-ia a possibilidade de resolução do segundo seguro ou revisão, aqui, acrescente-se, desde que houvesse ainda algum risco a segurar. Veja-se que, a rigor, é a mesma solução disposta no CC 766 do Código atual, a que o CC 778, cujo princípio básico o presente CC 782 quis preservar, remete. Ou seja, quando há má-fé do segurado, desfaz-se o contrato, mas com a agravante de perda do prêmio vencido, a título punitivo. Se ausente sua má-fé, resolve-se, necessariamente, o ajuste, visto que, afinal, não há risco a cobrir, porque coberto pelo primeiro seguro, com restituição das partes ao estado anterior. Apenas acresce o atual Código que, ao entabular o segundo seguro, o que em si não é ilícito, se o antecedente ajuste não se referia ao valor integral da coisa segurada, deve o segurado informar o primeiro segurador, justamente a fim de que também ele possa controlar o respeito à regra geral contida no CC 778. Isso, de um lado, sem que, evidentemente, esteja o segurado dispensado de dar igual aviso ao segundo segurador e, de outro, criando-se um especial dever anexo de informação ao segurado, com relação ao primeiro segurador, cujo desrespeito pode levar à perda da garantia, afinal subtraindo-se daquele contratante a possibilidade de verificar, em caso de sinistro, se já não paga a indenização pelo segundo segurador ou a possibilidade de postular a diminuição do valor de seu ajuste ao importe proporcional da coisa, conforme se viu nos comentários ao CC 778, tudo de modo, enfim, a evitar que possa o segurado ser beneficiado com garantia e eventual ressarcimento superiores ao montante da coisa segurada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 807 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na pauta de Ricardo Fiuza, a cumulação de seguros de uma mesma coisa pelos mesmos riscos somente é permitida se o primeiro seguro não alcançar o seu valor integral, ou seja, o valor do interesse segurado ao tempo da conclusão do contrato. A duplicidade de apólices apenas terá lugar quando pretender o segurado atender a integralidade do valor, ainda não protegido em sua inteireza. A cobertura integral por mais de um segurador implica infringência ao disposto no CC 778, isto porque a garantia prometida não pode ultrapassar, como ali consignado, o valor do interesse segurado aferido no ato de sua estipulação.

 

Desse modo, cumpre ao segurado, para efeito de contratar um segundo seguro, comunicar ao primeiro segurador essa sua intenção, indicando a soma que pretende segurar, a qual objetivará, sem dúvida, tornar integral o valor do seguro em relação ao valor da coisa ou do interesse segurado. A medida objetiva impedir seguros excessivos e práticas de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa (CC 778), e b) a contratação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa. A sanção em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

 

Sob as luzes da ribalta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a disposição do presente artigo é consequência direta do princípio contido nos CC 778, 780 e 781, antes examinados. Se a ideia central do seguro de dano é prever uma indenização que seja paga ao segurado em caso de sinistro, proporcionando-lhe nada mais que o ressarcimento do efetivo prejuízo experimentado, sem que lhe seja dado, então, auferir qualquer proveito da garantia contratada, de modo a que, afinal, se coloque em situação mais vantajosa do que a que teria se o evento danoso não tivesse sobrevindo, obviamente não se poderá segurar a coisa por importe inferior a seu real valor e, em caso de sinistro que a danifique em parte, não se proporcionalizar o montante da indenização. Se assim não fosse, o lucro seria evidente, emprestando ao seguro um caráter especulativo que a lei não quis que ele tivesse, ou, pior, a dano do fundo que a rigor se compõe para dar suporte a cada ajuste securitário individual, traço de mutualismo, como se viu no comentário ao CC 757, muito típico do contrato de seguro.

 

De pronto, todavia, vale reiterar, tal qual comentado à análise do CC 778, que, se se veda o seguro por mais do que a coisa valha, corolário do princípio indenitário que anima o regramento vertente, nada impede, ao revés, que se contrate o seguro por menos do que valha a coisa. Afinal, poderia nem ter havido a contratação do seguro. Se pode a parte nem contratar o seguro, pode contratá-lo por menos do que o valor real da coisa. Assim, por exemplo, será possível que se ajuste seguro por metade do valor da coisa, que, então, por consequência lógica, se sofrer sinistro parcial, ensejará indenização que, tomada a efetiva extensão do dano havido, deverá, a seguir, se proporcionalizada à mesma razão do que a menos de seu montante real se indicou na apólice. É, em última análise, o que se denomina cláusula de rateio, em que o segurado fica, ele próprio, responsável por parte das consequências do sinistro, afinal coberto parcialmente pelo segurador, conforme o valor contratado. A ressalva da lei de que as partes podem prever em contrario à proporcionalidade parece indicar a adoção, para esse caso de seguro a primeiro risco, frequentemente adotado para hipóteses de incêndio, em que se indeniza sempre o valor total da apólice, com derrogação da proporcionalidade, o que se faz, em verdade, por um agravamento do prêmio, mas de todo modo com limite indenizatória à quantia constante da apólice, que já é, em si, menor que o importe da coisa, razão pela qual não se afronta à regra do CC 778. A bem dizer, nada diverso do que, mesmo antes do atual Código, já admitia, por exemplo, Pedro Alvim, referindo cláusulas nesse sentido comumente estabelecidas (O contrato de seguro. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 325-30). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 808 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, o seguro é fixado pelas partes de acordo com o valor de seu objeto. Caso este seja segurado por menos do que valha, em sucedendo sinistro parcial a obrigação do segurador será também proporcional. Nessa hipótese, incidia, sob a égide do Código Civil de 1916, que não cuidou da matéria, a presunção absoluta (iuris et de iure) de que segurador e segurado seriam cosseguradores. Com efeito, pela porção não atendida produzir-se-ia o efeito de o segurado atuar como se segurador fosse de seu próprio interesse.

 

O CC/2002 inova ao dispor expressamente sobre o tema, eliminando a necessidade de invocar-se a referida presunção, já que, segundo a norma em comento, o seguro de um interesse por menos do que efetivamente valha acarretará a redução proporcional da indenização, na hipótese de sinistro parcial – exceto se houver disposição expressa em contrário. Assim, ficam absolutamente dirimidas todas as eventuais dúvidas a respeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada exemplificativa de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se um bem avaliado por R$100,00 é segurado por R$ 70,00 e vier a sofrer um dano de R$ 50,00, a indenização corresponderá a R$ 35,00. O dispositivo inovou o direito brasileiro.

 

A regra é de caráter supletivo e, portanto, nada impede que a apólice contenha cláusula que exclua a proporcionalidade da indenização no caso de sinistro parcial. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 24 Estado de necessidade - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 24

Estado de necessidade

- VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Estado de necessidade (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984.)

 

§ 1ª Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11I7/1984)

 

§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/711984)

 

Segundo as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao “Estado de Necessidade – Art. 24 do CP, p. 71-74: O Estado de necessidade - Diferentemente da legítima defesa, em que o agente atua defendendo-se de uma agressão injusta, no estado de necessidade a regra é de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam, à prevalência de um sobre o outro.

 

A afetação da qualidade de vida, mesmo implicando em dificuldades financeiras, por si só, não preenche os requisitos do status necessitatis {art. 24 do C.P.) (STJ, REsp.499442/PE, Rel. Min. Felix Fischer – 5ª T., RSTJ 172, p. 542).

 

A alegação de estado de necessidade, in casu, esbarra de pronto na proibição insculpida na Súmula na 07-STJ. Além do mais, na dicção de respeitada doutrina, entre outras exigências, o estado de necessidade não pode acudir situação geral mas tão só concreta e individual, observadas, ainda, as superiores representações valorativas da comunidade (STJ, REsp. 410054/PR, Rel. Min. Félix Fischer, 5S T., DJ 3/2/2003 p. 344).

 

Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante - Para a teoria unitária, adotada pelo nosso Código Penal, todo estado de necessidade é justificante, ou seja, tem a finalidade de eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente. A teoria diferenciadora, por sua vez, traça uma distinção entre o estado de necessidade justificante (que afasta a ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (que elimina a culpabilidade), considerando-se os bens em conflito. Mesmo para a teoria diferenciadora existe uma divisão interna quanto à ponderação dos bens em conflito. Para uma corrente, haverá estado de necessidade justificante somente nas hipóteses em que o bem afetado foi de valor inferior àquele que se defende. Assim, haverá estado de necessidade justificante, por exemplo, no confronto entre a vida e o patrimônio, ou seja, para salvar a própria vida, o agente destrói patrimônio alheio. Nas demais situações, vale dizer, quando o bem salvaguardado fosse de valor igual ou inferior àquele que se agride, o estado de necessidade seria exculpante.

 

O Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora em seus arts. 39 e 43.

 

Prática de fato para salvar de perigo atual - Assis Toledo, ao enfrentar o tema, deixou transparecer que, na expressão perigo atual, está abrangida, também, a iminência, quando aduz que “perigo é a probabilidade de dano. Perigo atual ou iminente (a atualidade engloba a iminência do perigo) é o que está prestes a concretizar-se em um dano, segundo um juízo de previsão mais ou menos seguro. Se o dano já ocorreu, o perigo perde a característica da atualidade”. (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 184-185). Em sentido contrário é a posição de José Frederico Marques que, apegando-se à letra da lei, que consigna somente a atualidade do perigo, diz daí não se incluir “o perigo iminente porque é evidente que não se pode exigir o requisito da iminência da realização de dano”. (Apud JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. I, p. 324). Entendemos que a razão se encontra com a maioria dos autores, que concluiu que na expressão perigo atual também está incluído o perigo iminente. Somente afastará a referida causa de exclusão da ilicitude o perigo passado, ou seja, o perigo já ocorrido, bem como o perigo remoto ou futuro, no qual não haja uma possibilidade quase que imediata de dano.

 

Perigo provocado pelo agente - Na redação do art. 24 do Código Penal, ressalvou o legislador a possibilidade de ser arguido o estado de necessidade, desde que a situação de perigo não tenha sido provocada pela vontade do agente. Assim, o que significa a expressão “que não provocou por sua vontade”, contida no referido art. 24? Vontade quer dizer dolo, somente, ou dolo e culpa? Embora exista controvérsia doutrinária, a exemplo de Noronha, que dizia que “o fato de no art. 24 ler-se ‘[...] perigo atual, que não provocou por sua vontade [...]' não é indicativo de dolo, já que em culpa (strícto sensu) também existe vontade - vontade na ação causal é, por exceção, até no próprio resultado”, (NORONHA, Magalhães. Direito penal, v. I, p. 183-184), entendemos que a expressão “que não provocou por sua vontade” quer traduzir tão somente a conduta dolosa do agente na provocação da situação de perigo, seja esse dolo direto ou eventual.

 

Evitabilidade do dano - Conforme a lição de Reyes Echandía, “a inevitabilidade do perigo supõe que, dadas as concretas circunstâncias pessoais, temporais e espaciais com as quais o agente teve de atuar, a ação lesiva executada para salvar-se a si mesmo ou livrar outro do perigo, tenha sido a mais eficaz e, ao mesmo tempo, a que causou o menor dano possível ao titular do bem jurídico afetado”. Com apoio em Manzini, continua o mestre dizendo que “se deve entender evitável o perigo e, como consequência, não justificável a conduta, não somente quando o autor podia escolher conduta lícita ou indiferente para salvar-se, senão também quando, podendo escolher entre várias condutas delitivas, preferiu voluntariamente a mais grave ou a que causava maior dano concluindo que “em tais condições, se o perigo pode ser evitado pela via da fuga, esta deve ser escolhida, sem que seja válido argumentar que seria decisão humilhante, dado que no estado de necessidade não se reage contra injusto agressor, senão que se lesiona a quem não tenha criado o perigo; por esta razão, o dano que se lhe ocasiona tem que ser a última ratio para salvar-se ou a um terceiro”. (REYES ECHANOÍA, Alfonso. Antijurídicidad, p. 80).

 

Estado de necessidade próprio e de terceiros - O estado de necessidade é próprio quando a situação importa na criação de perigo para os bens pertencentes àquele que atua amparado por essa causa de justificação, ao contrário do que ocorre com o estado de necessidade de terceiros, em que os bens protegidos pertencem a outro que não àquele que atua nessa condição.

 

Razoabilidade do sacrifício - O princípio da razoabilidade, norteador do estado de necessidade, vem expresso no art. 24 do Código Penal, pela expressão cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Aqui sobreleva a necessidade da ponderação dos bens em conflito, para se concluir se o bem que é defendido pelo agente é de valor superior, igual ou mesmo inferior àquele que é atacado.

 

No estado de necessidade, o bem jurídico sacrificado pelo agente, para não ver sacrificado o próprio direito, é de um terceiro inocente. Se o perigo é consequência de ofensa injusta praticada por outrem, contra quem o agente reage para se defender, o caso é legítima defesa (TJSP, AC, Rel. Octávio Stucchi, RT 400, p. 113).

 

Dever legal de enfrentar o perigo - Detalhe importante contido no § 1º do art. 24 do Código Penal está na expressão dever legal. A pergunta que se faz é a seguinte: Na expressão dever legal está contido tão somente aquele dever imposto pela lei, ou aqui também está abrangido, por exemplo, o dever contratual? Hungria posiciona-se no sentido de que somente o dever legal impede a alegação do estado de necessidade, e não o dever jurídico de uma forma geral, tal como o dever contratual. Diz o mestre que “o direito é um complexo harmonioso de normas, não admitindo conflitos, realmente tais, em seu seio”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 279), Costa e Silva e Bento de Faria idem, entendem, entretanto, ser abrangido o dever contratual. Ora, quando o Código fala apenas em lei, não se pode ler também contrato. O dever de que aqui se cogita é tão somente o que se apresenta diretamente imposto ex lege.

 

Estado de necessidade defensivo e agressivo - Diz-se defensivo o estado de necessidade quando a conduta do agente dirige-se diretamente ao produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la. Agressivo seria o estado de necessidade em que a conduta do necessitado sacrificasse bens de um inocente não provocador da situação de perigo.

 

Elemento subjetivo no estado de necessidade - Para que possa ser erigida a causa de justificação do estado de necessidade é preciso que o agente tenha conhecimento de que atua ou, no mínimo, acredite que atua nessa condição. Caso contrário, não poderá por ela ser beneficiado.

 

Excesso no estado de necessidade - Vide excesso na legítima defesa.

 

Aberratio e estado de necessidade - Será possível o raciocínio das hipóteses relativas aos crimes aberrantes quando estivermos diante de uma situação de estado de necessidade.

 

Estado de necessidade putativo - Ocorre quando, imaginando existir uma situação de perigo atual, o agente pratica o fato produzindo lesão em bens de terceiros, aplicando-se, aqui, a regra constante do art. 20, § 1º, do Código Penal.

 

Estado de necessidade e dificuldades econômicas - Embora não seja pacífico esse entendimento, acreditamos ser perfeitamente admissível a aplicação do raciocínio relativo ao estado de necessidade alegado pelo agente que se encontra premido por dificuldades econômicas extremas, que colocam em risco a sua vida ou a saúde, bem como a de seus familiares.

 

Não se confundem estado de necessidade e estado de precisão, carência ou penúria. Tão só poderá aceitar-se a justificativa quando o agente se defronte com situação aflitiva atual, inevitável e de real seriedade, de modo a não possuir outra alternativa, a não ser a prática do fato típico proibido. O estado de necessidade, como causa de exclusão da criminalidade, corresponde a situação que legitima a ofensa ao bem jurídico alheio, em momento eventual, passageiro, ocasional e único; não uma lesão permanente, um ataque constante ao patrimônio do próximo, uma repetida violação ao direito de outrem, pois que isso, antes de ser delinquência esporádica, como há de ser próprio do estado de necessidade, corresponde à persistência criminosa, ao comodismo delinquencial, não tolerados por lei (TJMG, AC 1.0024.07.492632-0/001, Rel3. Desa. Beatriz Pinheiro Caíres, DJ 1/7/2008).

 

Para o reconhecimento da excludente de criminalidade do estado de necessidade, prevista pelo art. 24 do Código Penal, não basta a invocação de dificuldade financeira, sobretudo por mulher jovem e plenamente apta a desempenhar trabalho honesto, sendo imprescindível demonstrar situação de penúria, a justificar o ataque ao patrimônio alheio para saciar a fome, afastando-se tal possibilidade quando a subtração recai sobre equipamento eletrônico (aparelho celular), e não sobre gêneros capazes de satisfazer as necessidades de sobrevivência do agente (TJMG, AC 2.0000.00.494356-8/000, Rel. Des. William Silvestrini, DJ 30/8/2005).

 

A afetação da qualidade de vida, mesmo implicando dificuldades financeiras, por si só, não preenche os requisitos do status necessitatis (art. 24 do CP) (STJ, REsp. 499442/PE, Min. Felix Fischer, 5a T„ DJ 12/ 8/2003, p. 254).

 

Não cabe reconhecimento do estado de necessidade se o agente, podendo subtrair gêneros alimentícios de primeira necessidade, opta por bebidas e guloseimas (TJRS, AC 70000 864827, Rel. Tupinambá Pinto de Azevedo, j. 17/5/2000).

 

Efeitos civis do estado de necessidade - O Código Civil, conforme se verifica pela redação do seu art. 188, II, não considera ilícito o ato daquele que atua em estado de necessidade e que, por se encontrar diante de uma situação de perigo iminente, vê-se obrigado a deteriorar ou a destruir a coisa alheia ou produzir lesão a pessoa a fim de remover esse perigo.

 

Contudo, embora o ato não seja considerado ilícito, como ambos os bens em conflito estão amparados pelo ordenamento jurídico, o Código Civil permitiu àquele que sofreu com a conduta daquele que agiu em estado de necessidade obter uma indenização deste último, correspondente aos prejuízos experimentados. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao “Estado de Necessidade – Art. 24 do CP, p. 71-74. Editora Impetus.com.br, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

O parecer de Victor Augusto em artigo intitulado “Estado de necessidade real e putativo”, comentários ao art. 24 do CP é o seguinte: “estado de necessidade é a primeira causa excludente de ilicitude prevista no rol legal de causas justificantes. É uma circunstância que, se adimplida, torna lícita a conduta do agente, não subsistindo crime ou punição”.

 

O agente que age albergado pela referida hipótese excludente de antijuridicidade usualmente vê-se em uma situação de necessidade em que lhe é permitido sacrificar ou preterir o bem jurídico alheio na busca de preservar bem jurídico próprio ou de terceiro, quando o sacrifício destes não é razoável para as circunstâncias.

 

Um exemplo clássico envolve um incêndio em um local fechado onde há um grande aglomerado de pessoas. Diante do risco atual à integridade física de cada um, a violenta corrida para a saída de emergência pode envolver a promoção de atos típicos pelos indivíduos desesperados, notadamente lesões corporais.

 

Os elementos do estado de necessidade são os seguintes:

 

Um direito ou bem jurídico próprio ou de terceiro: a atuação do agente deve se direcionar ao salvamento do direito próprio ou de terceiro. O indivíduo pode agir para proteger a vida, a integridade física, a propriedade etc.;

 

Inexigibilidade do sacrifício do bem: nas condições concretas, não deve ser razoável o sacrifício do bem jurídico ameaçado.

 

Por exemplo, se o indivíduo em um naufrágio se apossa de um bote para duas pessoas e, por trazer consigo seu cachorro, pretere a entrada de um segundo indivíduo no bote, estará assumindo um sacrifício desproporcional e desarrazoado, tendo em vista que o sacrifício do bem salvado neste caso seria exigível.

 

A existência de um perigo atual contra esse direito: este bem jurídico deve estar sob perigo atual, presente, concreto, que pode ter sido originado por ação humana ou não. Não se admite um perigo remoto ou cogitável;

 

externalidade e inevitabilidade desse perigo: esse perigo é externo, não podendo ter sido provocado pelo agente, e deve ser inevitável. Se houver oportunidade de evitar o dano sem sacrificar direito alheio, tal postura é exigida do agente. Dessa forma, a fuga, se cabível, é obrigatória.

 

O estado de necessidade ainda é classificado em:

 

Estado de necessidade defensivo: o ato do agente sacrifica direito de quem produziu ou contribui para o perigo instaurado.

 

Estado de necessidade agressivo: o ato do agente se volta contra bem ou direito de um inocente do evento.

 

No Código Penal, o estado de necessidade envolve o sacrifício razoável de um bem. Essa noção tem por trás a comparação entre o bem jurídico protegido e o bem jurídico sacrificado. Nessa comparação, para que a causa de justificação seja adimplida, o bem jurídico protegido deve ser de igual ou maior importância do que aquele sacrificado.

 

Se o bem jurídico sacrificado for de maior importância do que aquele efetivamente protegido (como no caso em que se pretere a vida de um terceiro em prol da defesa de um bem patrimonial), o agente será beneficiado com uma redução de sua pena de um a dois terços (1/3 a 2/3). Trata-se de uma causa de diminuição (terceira fase da dosimetria). Não incide propriamente a causa excludente.

 

[…] a descriminante só deixará de existir se o bem ou interesse posto a salvo, em comparação com o que foi sacrificado, representa, manifestamente, um minus. A avaliação deve ser feita do ponto de vista objetivo, mas sem total abstração do prisma subjetivo. […] Igualmente, não se pode abstrair o estado de ânimo do agente, cujo abalo está na proporção da entidade e instância do perigo. O ponto de referência, também aqui, é o tipo do homem comum ou normal. (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 278).

 

É interessante observar, a título de complemento, que o Código Penal Militar admite também um estado de necessidade exculpante (que exclui a culpabilidade) na hipótese de o bem sacrificado for de valor superior ao protegido e não for exigível conduta diversa:

 

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade:
Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.
(
Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69).

Também é possível cogitar a situação de o indivíduo imaginar uma situação de estado de necessidade inexistente:

 No estado de necessidade putativo, o agente equivoca-se sobre o mundo fático e pensa estar diante de um perigo atual que ameaça bem jurídico próprio ou de outrem. Trata-se de um erro de tipo que se enquadra nas hipóteses de descriminantes putativas. Se o erro for justificável, não há punição, mas se o erro for injustificável, responderá por culpa o agente, caso o tipo tenha modalidade culposa.

 

Por fim, aqueles que têm o dever legal de enfrentar o perigo (bombeiros, salva-vidas etc.) não podem suscitar o estado de necessidade.

 

Referências - HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. (Victor Augusto em artigo intitulado “Estado de necessidade real e putativo”, comentários ao art. 24 do CP, no site Index Jurídico, em 21 de janeiro de 2019, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No ritmo de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 24 do Código Penal, publicado no site Direito.com: Estado de Necessidade, como ensina Fernando Capez – “É causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de ameaça pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo. Exemplo: um pedestre joga-se na frente de um motorista, que, para preservar a vida humana, opta por desviar seu veículo e colidir com outro que se encontrava estacionado nas proximidades. Entre sacrificar uma vida e um bem material, o agente fez a opção claramente mais razoável. Não pratica crime de dano, pois o fato, apesar de típico, não é ilícito. (...)”. (Capez, Fernando. Curso de direito penal: parte geral I. 16ª ed., p. 299. São Paulo; Editora Saraiva, 2012).

O parágrafo primeiro declina que o dever legal de enfrentar o perigo não pode alegar estado de necessidade: “...não se exige de pessoa encarregada de enfrentar o perigo a qualquer ato de heroísmo ou abdicação de direitos fundamentais, de forma que o bombeiro não está obrigado a se matar, em um incêndio, para salvar terceiros, nem policial a irracional somente pelo disposto no art. 24, § 1º” Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, p. 241-242, Ed. RT, 7ª Ed).

 

O § 2º prevê a redução da pena faculta o magistrado reduzir a pena do agente em um a dois terços, mesmo que o bem sacrificado seja de maior valor, relevância para salvar um de bem menos valorado. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 24 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 778, 779, 780 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 778, 779, 780
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO

 – Seção II - (art. 778 a 788)

 

 

Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no CC 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

 

No dizer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como já explicitado no comentário ao CC 757, o CC/2002, ao estruturar o capítulo destinado ao regramento do seguro, depois de estatuir disposições genéricas, dividiu-o em duas partes especiais, a primeira, correspondente ao seguro de dano e a segunda, ao se seguro de pessoa. O seguro de dano, tradicionalmente chamado de seguro de coisas, é aquele destinado a garantir ao segurado uma indenização pelo sinistro que venha a atingir e danificar o bem indicado no contrato, trazendo-se, assim, prejuízo a um interesse, o denominado interesse segurado. A respeito desse seguro, vigora, como aponta o ministro Eduardo Ribeiro (“Contrato de seguro – alguns tópicos”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 729-46), princípio dito indenitário, o que significa, basicamente, que o ajuste serve a garantir tão somente a reparação do dano experimentado, limitado ao valor fixado no contrato, e este, por seu turno, adstrito ao importe do interesse segurado, no momento da contratação, tudo, frise-se, sem qualquer possibilidade de que venham o seguro e o sinistro a representar causa de lucro ao segurado.

 

Por isso mesmo, e afora as regras, também reveladoras do mesmo princípio, e até com maior correlação, contidas nos CC 781 e CC 782, proíbe o Código que se entabule seguro de coisa por mais de quanto valha o interesse segurado. Em outros termos, e de resto tal qual já determinava o Código anterior, no art. 1.438, não se pode contratar uma garantia superior ao valor efetivo do interesse que se quer garantir com o seguro – termos mais precisos, mas de mesmo significado, que aqueles que se encontravam no art. 1.438 do Código de 1916, quando se vedava o seguro por valor maior que o importe real da coisa segurada. A diferença é que, no Código vigente, explicitou-se contratar-se, no seguro, e a rigor, uma garantia a um interesse do segurado, que, todavia, igualmente não pode ser superestimado, como se o ajuste servisse a fins especulativos.

 

A ideia fundamental é a de que o seguro não pode trazer ao segurado um proveito, colocando-o em situação mais vantajosa que aquela que teria se não sucedido o sinistro. Inversamente, e como em última análise o segurado poderia nem mesmo contratar o seguro, nada impede que o faça por valor menor que o do interesse segurado. O impedimento é a superavaliação. E, prossegue o atual Código, se ela ocorrer e dimanar de má-fé do segurado na prestação das informações devidas à contratação do seguro, aplica-se o previsto no caput do CC 766, já comentado. Da mesma forma, quando o artigo em discussão refere ainda a sujeição do segurado à ação penal que couber, decerto que pressupõe, ainda, a declaração inexata daquele, mas eivada de má-fé. Ocorre que a superestimação do interesse segurado pode advir de conduta não deliberada do segurado, acerca do que se omite o Código atual, mas não o Código de 1916, que, para esse caso, previa a redução ao valor real da coisa segurada, com devolução do excedente do prêmio (art. 1.438, primeira parte).

 

Para Maria Helena Diniz (Direito civil brasileiro, 17.ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 470), e por identidade de motivos, caberá, hoje, na vigência do atual Código, remissão ao parágrafo único do mesmo CC 766, supra. Certo é que, ausente má-fé, aí sim em correspondência ao previsto no parágrafo único do CC 766, não terá lugar a penalização do segurado, com a perda do prêmio devido. Caberá a resolução do contrato, mas, observe-se, se ainda não havido o sinistro (ver comentário ao CC 766). Só que aqui, no tratamento da superavaliação, pelo princípio mencionado, vedatório de que o contrato traga proveito ao segurado, parece descaber a manutenção do ajuste apenas mediante recálculo do prêmio, como dispõe o parágrafo do CC 766. Isso porque a proibição está no importe do interesse segurado. A opção à resolução será, pois, a readequação, forçosamente, desse valor, ainda que com revisão do prêmio. Por fim, se já ocorrido o sinistro, quando, ainda ausente má-fé do segurado, se constata a superestimação do interesse segurado, já não mais haverá lugar à resolução, repete-se, mas ao pagamento do valor real máximo do interesse segurado, se este tiver sido o importe do prejuízo (perda total). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 802-803 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Emblemático de Ricardo Fiuza, o axioma é o de que o valor do seguro não deve superar o da coisa ou do interesse segurável, ao tempo da celebração do contrato, segundo o ditame já previsto pelo art. 1.437 do CC de 1916: “não se pode segurar uma coisa por mais do que valha...”. É preceito inibidor do uso especulativo do seguro, visto que constituiria locupletamento ilícito o segurado ver a receber pelo sinistro valor indenizatório superior ao adequado da coisa sinistrada ou do interesse segurado. O valor despropositado constitui engenho de lucro indevido, pelo que se sujeitará, ainda, o segurado. O valor despropositado constitui engenho de lucro indevido, pelo que se sujeitará, ainda, o segurado, à ação penal cabível. Afinal, o dever de veracidade, imposto pelo CC 765, norteia que as declarações sejam exatas, e uma delas diz respeito, claramente, ao valor real do interesse segurado. A infringência de tal dever impõe a consequência da perda do direito à garantia, além da obrigação ao prêmio vencido. Da tal maneira, não estará também o segurador autorizado a segurar o bem por valor superior, recebendo o prêmio sobre esse mesmo valor (ver, ainda, comentário ao CC 781). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 409 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam: a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa, e b) a contatação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa (CC 782). A sanção, em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

 

Ante entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito em pauta repete a redação do art. 1.461 do Código anterior, mas com a supressão da ressalva, em contrário à regra, que a apólice poderia estipular. Ou seja, em primeiro lugar reitera o Código Civil de 2002 que o risco coberto pelo seguro de dano compreende não só o direito e efetivo prejuízo provocado, pelo sinistro, ao interesse segurado, como também tudo quanto tenha sido despendido na tentativa de evitar o sinistro, minorar-lhe as consequências ou salvar o que resta da coisa a que se refere o seguro (salvados).

 

Lembre-se, a propósito, ser obrigação do segurado tomar todas as medidas possíveis e razoáveis para diminuir a extensão e consequências danosas do sinistro, mas à conta do segurador, tudo tal qual prevê o CC 771, antes examinado. Pois, a complementar-lhe o sentido, a regra em discussão estabelece que justamente essas despesas, que experimenta o segurado no cumprimento do dever que possui de tomar medidas de diminuição dos efeitos do sinistro, fazem parte do risco coberto pelo segurador. E isso, agora, com a supressão da permissão de disposição em contrário na apólice, contida no art. 1.438 do Código de 1916, sem que essa mesma responsabilidade do segurador possa ser afastada por convenção. Em outras palavras, tem-se hoje regra cogente de responsabilidade do segurador pelas despesas já mencionadas, independentemente de expressa alusão do ajuste e sem que nele se possa, portanto, excluir a respectiva cobertura. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 804 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No diapasão de Fiuza, a norma prescreve que o segurador responda, com a necessária abrangência, por todos os prejuízos resultantes ou consequentes dos esforços realizados para minimizar o dano ou mesmo evitá-lo, conforme o referido no parágrafo único do CC 771 deste Código. percebe-se, pela clareza do artigo, que foi excluída do contrato de seguro a não-responsabilização do segurador na parte que diga respeito aos danos consequentes da tentativa de preservação do bem assegurado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 410 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma vez que o seguro preveja indenização pela ocorrência de sinistro, todos os danos decorrentes dele encontram-se abrangidos. Assim, um seguro de viagem inclui, em regra, a garantia contra danos pessoais, à bagagem, despesas de estadia e de transporte que se fizerem necessários em virtude de evento que interrompa a viagem. Nada obsta, no entanto, que a limitação a certos eventos seja estabelecida no próprio contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 780. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

 

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, essa regra, de um lado, especifica exigência, contida no CC 760, de que a apólice de seguro identifique o início e o fim de sua validade, mas, em se cuidando de seguro de coisas transportadas, particulariza a questão da vigência da garantia, determinando que se inicie com o recebimento das mercadorias e cesse com sua entrega ao destinatário. Nesse pondo, e de outro lado, a norma se põe consonante com a previsão do CC 750, segundo a qual, no transporte de mercadorias, a responsabilidade do transportador começa com seu recebimento e só termina com sua entrega ao destinatário. Assim, é seguro dessa responsabilidade que se faz, portanto com simétrica normatização sobre o período de vigência. Além disso, prevê o Decreto-lei n. 73/66, nesse passo alterado pelo Decreto n. 61.887/67, que o seguro de responsabilidade dos transportadores em geral seja mesmo obrigatório. A cessação do seguro, que se dá com a entrega da mercadoria ao consignatário, pressupõe, como observa o Ministro José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro. Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 441), tenha recebido a coisa o verdadeiro destinatário. De outra parte, se a entrega se faz, por motivo atribuível ao transportador, a recebedor indevido, perduram os efeitos do seguro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 804 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na linha de Ricardo Fiuza, estabelecida pela norma a vigência da garantia, i.é, a duração do contrato, o risco é compreendido no iter em que a coisa segurada se acha recebida pelo transportador ou seus prepostos até o momento de sua entrega no lugar do destino.

 

O contrato de seguro de coisas transportadas não exclui o contido no Decreto n. 2.681, de 7-12-1912, o qual já estabelecia a responsabilidade do transportador e levar as cosias incólumes ao seu lugar de destino, ressalvando as circunstâncias de caso fortuito ou força maior e o que agora dispõe o CC 750, com responsabilidade objetiva, em princípio, pelo transportador, na condução da coisa para sua entrega em bom estado.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 410 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo determina a vigência do seguro de coisas transportadas durante o tempo em que elas estejam na posse e sob os cuidados do transportador. Pode ocorrer que antes ou depois do trajeto as coisas sejam armazenadas pelo próprio transportador. Em tais situações, continuam cobertas pelo seguro. Se o destinatário não receber a coisa transportada do modo como acordado, cessa a responsabilidade do transportador e, por conseguinte, cessa a vigência do seguro de transporte. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).