quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 73 Erro na execução – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

Comentários ao Código Penal – Art. 73
Erro na execução VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Erro na execução (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 73.  Quando, por acidente do erro no uso dos meios de execução, o agente ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

Segundo a apreciação de Rogério Greco. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Erro na execução” – Art. 73 do CP, o autor inicia falando dos chamados crimes aberrantes que são as três hipóteses a saber: a) aberratio ictus; b) aberratio criminis; c) aberratio causae.

Somente as duas primeiras encontram previsão legal, respectivamente, nos arts. 73 e 74 do Código Penal. Ocorrerá a chamada aberratio causae, ou aberração na causa, quando o resultado pretendido pelo agente advier de uma outra causa, que não aquela pretendida por ele inicialmente, mas que se encontra abrangida pelo seu dolo. Assim, suponhamos que o agente, querendo causar a morte da vítima por afogamento, a arremesse, por exemplo, da ponte Rio - Niterói, sendo que, antes de cair na baía de Guanabara, a vítima choca-se com um dos pilares da aludida ponte e morre em virtude de traumatismo craniano, e não por afogamento, como inicialmente pretendia o agente. Pode acontecer, ainda, que ocorra um resultado aberrante também na hipótese em que o agente, após efetuar dois disparos, supondo já ter causado a morte da vítima, com a finalidade de ocultar o suposto cadáver, coloca-a em uma cova, enterrando-a, sendo que essa, na verdade, ainda se encontrava viva, vindo, contudo, a morrer asfixiada.

Erro na execução: Também conhecido por aberratio ictus, que significa desvio no golpe ou aberração no ataque.

Resta configurado o erro na execução, quando reconhecida a unidade criminosa, dirigida contra a pessoa almejada, mas que por desvio da trajetória desejada, vem a ser atingida pessoa diversa (TJMG, Processo 1.0105.97.003426-7/001, Rel. Des. Adilson Lamounier, DJ 6/7/2009).

Erro de pessoa para pessoa: Para que se possa falar em aberratio ictus deve ocorrer a seguinte situação: a) o agente quer atingir uma pessoa; b) contudo, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, vem a atingir uma pessoa diversa.

Se a pessoa ofendida foi diversa da pretendida, estamos diante de uma situação que se amolda ao contido no art. 73 do CP (aberratio ictus), porque a mudança da vítima não tem o condão de alterar a natureza do fato (TJMG, REsp 1.0236.06.008812-7/001, Rel. Des. Ediwal José de Morais, DJ 1/4/2009).

Ocorre a aberratio ictus quando por acidente ou erro o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, devendo, pois, responder pelo crime como se tivesse atingido a pessoa visada, considerando-se então as qualidades dessa pessoa para a caracterização do delito (TJMG, Processo 1.0000.00.343709-2/000 [1], Des. Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro, DJ 20/9/2003).

Aberratio ictus com unidade simples: Nessa hipótese, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, produzindo um único resultado (morte ou lesão corporal). O art. 73 do Código Penal determina, neste caso, seja aplicada a regra do erro sobre a pessoa, prevista no § 3º do art. 20 do Código Penal. Assim, se houver a produção do resultado morte em pessoa diversa, o agente responderá por um único crime de homicídio doloso consumado, como se efetivamente tivesse atingido a pessoa a quem pretendia ofender. Se queria a morte de seu pai e, por erro na execução, matar um estranho, responderá pelo delito de homicídio, aplicando-se, ainda, a circunstância agravante prevista no art. 61, II, e, primeira figura do Código Penal (ter cometido o crime contra ascendente). Se, contudo, ainda agindo com animus necandi, atingir terceira pessoa, causando-lhe lesões corporais, deverá o agente responder pela tentativa de homicídio.

Aberratio ictus com unidade complexa: Há um resultado duplo, razão pela qual a unidade é tida como complexa. Aplica-se, nesse caso, a regra do concurso formal de crimes, prevista no art. 70 do Código Penal. São quatro as hipóteses de aberratio ictus com unidade complexa, partindo-se do pressuposto de que em todos os casos o agente atua com o dolo de matar: 1ª) o agente atira em A, causando não somente sua morte, como também a de B. Responderá pelo crime de homicídio doloso consumado, com a pena aumentada de 1/6 até metade; 2ª) o agente mata A e fere B. Responderá pelo homicídio consumado, aplicando-se também o aumento previsto pelo art. 70; 3ª) o agente fere A e B. Deverá ser responsabilizado pela tentativa de homicídio, aplicando-se o aumento de 1/6 até metade; 4ª) o agente fere A, aquele contra o qual havia atuado com dolo de matar; contudo, acaba produzindo o resultado morte em B. Responderá pelo homicídio doloso consumado, aplicando-se o aumento do concurso formal de crimes.

Na aberratio ictus com unidade complexa, aplica-se a regra do concurso formal (TJMG, AC 1.0708.03.003711-1/001, Rel. Des. José Antonino Baía Borges, DJ 28/5/2008).

Hipótese em que se atingiu não só a pessoa visada como também terceiro, por erro de execução. Regência da espécie pela disciplina do concurso formal (Precedente do Supremo Tribunal Federal, HC 62655/BA, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 7/7/85). Se, por erro de execução, o agente atingiu não só a pessoa visada, mas também terceira pessoa se aplica o concurso formal (STF, RT 598/420). Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp. 439058/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5a T., DJ 9/6/2003, p. 288).

Necessidade de previsibilidade do resultado aberrante: Se o resultado aberrante não tiver sido previsível, não se poderá cogitar da hipótese de aberratio ictus, pois, caso contrário, estaríamos aceitando a possibilidade de responsabilizar objetivamente o agente.

Aberratio ictus e dolo eventual: Se o caso é de erro na execução, aquele que atinge outra pessoa que não aquela que pretendia ofender, somente se poderá cogitar em aberratio se o resultado for proveniente de culpa, afastando-se o erro na hipótese de dolo, seja ele direto ou mesmo eventual. Isso porque se o agente queria (diretamente) ou não se importava em produzir o resultado por ele previsto e aceito, agindo com dolo eventual, não há falar em erro na execução.

Ocorrendo a figura da aberratio ictus, mas com dolo eventual, em face da previsibilidade do risco de lesão com relação a terceiros, conquanto se tenha concurso formal de crimes dolosos, as penas são aplicadas cumulativamente, de conformidade com a norma do art. 70, parte final, do Código Penal (STF, HC 73548/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Ia T., DJ 17/5/1996 p. 16.328).

Concurso material benéfico: Em qualquer das hipóteses de aberratio ictus com unidade complexa, ou seja, com a produção de dois resultados, deverá ser observada a regra do concurso material benéfico.

Conflito de competência: Ainda que tenha ocorrido a aberratio ictus, o militar, na intenção de cometer o crime contra colega da corporação, outro militar, na verdade, acabou praticando-o contra uma vítima civil, tal fato não afasta a competência do juízo comum. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o suscitado (STJ, CC 27368/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 1ª T., p. 123/JBC 39, p. 286).

Reparação dos danos: O agente que, estando em situação de legítima defesa, causa ofensa a terceiro, por erro na execução, responde pela indenização do dano, se provada no juízo cível a sua culpa. Negado esse fato pela instância ordinária, descabe condenar o réu a indenizar o dano sofrido pela vítima. Arts.1.540 e 159 do CG (STJ, REsp. 152030/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. 4ª T., RSTJ 113, p. 290/RT 756 p. 190). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Erro na execução” – Art. 73 do CP, p.187-188. Ed. Impetus.com.br, acessado em 28/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários ao art. 73 do Código Penal, Thais Lima, em artigo publicado em junho de 2022 com o título “Erro de tipo”, comenta que o erro de tipo se relaciona diretamente ao dolo do agente. Consequentemente, seus efeitos recaem sobre a tipicidade do ato, já que o fato típico congrega, à luz da Teoria Finalista, o elemento subjetivo da conduta.

 

Nessa linha, existem o erro de tipo essencial – ou somente erro de tipo – e o erro de tipo acidental, ambos acarretando consequências jurídicas bastante distintas entre si.

 

Do erro de tipo essencial: Com previsão no artigo 20, caput, do Código Penal, o erro de tipo se manifesta quando o agente, por possuir uma ignorância ou uma percepção inexata da realidade, comete o delito sem a percepção de que o faz. Assim, o engano concerne às características primárias – à essência – da norma incriminadora, de sorte que, se o sujeito conhecesse completamente a situação, não prosseguiria com o ato. Resta-se, então, excluído o dolo, visto que este é composto pela vontade (aspecto volitivo) e pela consciência (aspecto intelectual) de se praticar a conduta prevista no tipo penal. (SANTOS, 2014).

 

Nesse sentido, um exemplo doutrinário é o do caçador que, ao ver um movimento no arbusto, acredita que ali se encontre um animal e atira, matando, todavia, um homem que estava atrás da planta. Em uma primeira observação, pressupõe-se que foi praticado o crime de homicídio, tipificado no artigo 121 do Código Penal: “Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos”. Porém, ao ser feita uma análise mais profunda, é notório que o agente erra em relação à elementar “alguém”, porquanto possuía a intenção de matar um animal, e não uma pessoa (NUCCI, 2019). Por isso, o dolo não se concretiza.

Sob esse viés, faz-se mister entender os efeitos legais do erro de tipo. Para tal, é necessário averiguar se o equívoco era evitável ou não, perante as circunstâncias em que o autor se encontrava, sendo indispensável, então, a análise do caso concreto. Primeiramente, o erro inevitável, invencível ou escusável se apresenta sempre que não fosse possível imaginar o resultado ocorrido. Desse modo, são excluídos o dolo e a culpa, e afasta-se, por via de consequência, o próprio fato típico, não havendo crime. Em contrapartida, o erro evitável, vencível ou inescusável é aquele que poderia ser previsto, se o agente observasse o dever de cuidado objetivo. Nessa condição, o dolo não se manifesta – uma vez que não havia a vontade de praticar o crime –, mas o sujeito responde por este na modalidade culposa, caso a lei a preveja. Assim, explicando acerca da situação supracitada, Rogério Sanches (2020) finaliza: se o caçador agiu em mata densa, longe do centro urbano, certamente seu erro será considerado inevitável, ficando isento de pena. Se, no entanto, agiu em mata próxima a centro habitado, ciente de que outros acidentes ocorreram na região, não observando o seu dever de cuidado, seu erro será etiquetado como evitável, respondendo por crime culposo.

 

Do erro de tipo acidental: Até agora, tratou-se do erro de tipo considerado essencial, que, conforme explicitado, incide sobre as características fundamentais da norma penal incriminadora. A doutrina o diferencia, pois, do erro de tipo acidental, o qual recai sobre aspectos secundários da conduta tipificada. Nesse caso, o autor possui o dolo de praticar o delito, entretanto, durante o ato, comete um erro relacionado a um elemento não primordial ou aos meios de execução.

 

Nessa perspectiva, o erro de tipo acidental se manifesta em cinco hipóteses: erro sobre o objeto (error in objecto), erro sobre a pessoa (error in persona), erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) e erro sobre nexo de causalidade (aberratio causae). A partir disso, é importante diferenciar cada uma dessas subespécies, destacando suas consequências.

 

Error in objecto: Ao cometer o delito, o sujeito se confunde em relação ao objeto alvo da conduta. É o caso de ele querer furtar uma pulseira de ouro, mas, por equívoco, levar uma bijuteria qualquer, de baixo valor.

 

Urge salientar que o error in objecto não possui previsão legal, sendo discutido apenas pela doutrina. Acerca de seus efeitos, a corrente mais aceita defende que a punição a ser aplicada deve levar em consideração o objeto sobre o qual efetivamente recaiu a conduta. Então, no caso acima, o agente responderia pela bijuteria subtraída, e não pela joia que desejava tomar.


Error in persona: Caracteriza-se por um engano referente à vítima da conduta. Ilustra-se tal cenário com o caso do indivíduo que, a fim de matar o pai, esfaqueia o irmão gêmeo deste por confundi-lo com o genitor.

 

Nessa situação, são consideradas as características da vítima pretendida (vítima virtual), e não as daquela que foi efetivamente morta (vítima real). É o que afirma a segunda parte do artigo 20, § 3º, do Código Penal: “Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.” (Grifo nosso).

 

Destarte, tomando o caso em análise, ainda que o agente tenha matado o tio, sobre sua pena incidirá a circunstância agravante prevista no artigo 61, II, e, do aludido dispositivo legal, posto que tinha como vítima virtual seu ascendente.

 

Aberratio ictus: Devido a um acidente ou erro na execução, atinge-se vítima diferente da pretendida. Ad ezempio, um indivíduo quer matar seu desafeto, todavia, ao atirar contra ele, falha na pontaria e acerta um desconhecido que passava pelo local.

 

Com fulcro no artigo 73 do Código Penal, depreende-se que, havendo apenas uma vítima, deve ser aplicada a mesma regra do error in persona, ou seja, o autor responde pela vítima pretendida, e não por aquela que realmente atingiu. Porém, caso acerte ambas, responderá por dois crimes, em concurso formal.

 

Aberratio criminis: O autor, também por acidente ou erro na execução, lesiona bem jurídico diverso do que idealizava.  Nesse cenário, em contrapartida ao anterior, se advir um resultado não pretendido, o agente será responsabilizado por este, na modalidade culposa, quando prevista em lei. Contudo, se ele, além do episódio falho, cometer o delito que realmente planejou, responderá por ambos, em concurso formal. É o que denota o artigo 74 do Código Penal:


Fora dos casos do artigo anterior [aberratio ictus], quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código [concurso formal].


Para esclarecer, cita-se a cena de uma pessoa que, visando danificar um carro, lança uma pedra contra este. Contudo, por erro de pontaria, acerta o motorista, lesionando-o. Nesse caso, ocorrerá a responsabilização apenas pela lesão corporal culposa, que absorve a tentativa de dano (CUNHA, 2020). Todavia, se o infrator lesionar o condutor por erro e, na sequência, atirar novamente e atingir também o automóvel, responderá pelos dois acontecimentos: crime de dano consumado em concurso formal com lesão corporal culposa.

Entretanto, como bem explica Flávio Monteiro de Barros (2003), deve ser conferida uma interpretação restritiva ao artigo supracitado, com o intuito de se evitar a impunidade de tentativas de crimes mais graves:

O art. 74, 1ª parte, do CP, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de gerar soluções absurdas. Tome-se o seguinte exemplo: A atira em B, para matá-lo, erra o alvo e, por culpa, acaba destruindo uma planta. Vale lembrar que o art. 49, parágrafo único, da Lei 9.605/98, passou a incriminar, o dano culposo em plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia. Uma interpretação gramatical do art. 74 faria com que o agente respondesse apenas pelo delito do art. 49 da citada lei. Por isso, deve ser interpretada restritivamente, porque disse mais do que quis. Assim, quando o art. 74 do CP enuncia que o agente deve responder tão somente pelo resultado produzido, leia-se: `desde que o resultado produzido seja um crime mais grave do que o visado pelo agente' (...) Portanto, no exemplo ministrado, haverá tão-somente a tentativa de homicídio".

Aberratio causaeOcorre quando se produz a consequência almejada, porém de uma maneira diferente da esperada. É o caso do sujeito que empurra a vítima da ponte, com o intuito de matá-la mediante afogamento, mas ela, durante a queda, bate a cabeça em uma pedra, morrendo, na verdade, por traumatismo craniano. Aqui, o agente, por intermédio de um só ato, pratica o crime, se enganando quanto ao nexo causal.

 

Outrossim, uma outra hipótese de aberratio causae se manifesta quando presente o dolo geral. Isso porque, em tal situação, o agente erroneamente acredita já ter alcançado o resultado, praticando, com finalidade diversa, nova ação que o consuma de fato (HUNGRIA, 1978). Por exemplo, um indivíduo, com intenção de matar, golpeia com força a cabeça de sua vítima, que desmaia. Crendo que ela está morta, joga-a no rio, produzindo efetivamente o óbito, por afogamento.

 

Nota-se que, nesse último cenário, o crime se efetiva por meio de uma pluralidade de ações. Diante disso, uma corrente minoritária entende que, como foram praticadas duas condutas, deverá o autor responder por dois crimes: um na forma tentada, já que não produziu o resultado, e outro na forma consumada, a título de culpa. Todavia, essa concepção não prospera, visto que o dolo do agente é geral e engloba todo o acontecimento. Nessa lógica, assevera Rogério Greco (2017) que se o agente atuou com animus necandi (dolo de matar) ao efetuar os golpes na vítima, deverá responder por homicídio doloso, mesmo que o resultado morte advenha de outro modo que não aquele pretendido pelo agente (aberratio causae), quer dizer, o dolo acompanhará todos os seus atos até a produção do resultado, respondendo o agente, portanto, por um único homicídio doloso, independentemente da ocorrência do resultado aberrante.

Assim, diante da aberratio causae, o autor responderá pela consumação de um único crime, na modalidade dolosa, ainda que tenha praticado ações sucessivas, na condição do dolus generalis.


Portanto, nas conjunturas em que se afigura o erro de tipo essencial, sempre será afastado o dolo, posto que o agente não tinha a intenção de praticar o crime. Apesar disso, pode ele responder na modalidade culposa, caso prevista em lei, a depender da evitabilidade do seu equívoco. Por outro lado, o erro de tipo acidental nunca excluirá o dolo, porque era manifesta a vontade de se cometer o delito, enganando-se o sujeito apenas quanto a elementos secundários. (Thais Lima, em artigo publicado em junho de 2022, no site thaithais03076459.jusbrasil.com.br com o título “Erro de tipo”, comentários ao art. 73 do Código Penal, acessado em 28/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Guilherme Espíndola Kuhn em artigo intitulado: “Aberratio ictus: uma verdadeira aberração regulamentada pelo Código Penal, comentários ao art. 73 do CP em 2017, em sua inteligência explica:

O erro na execução, ou por acidente (aberratio ictus), está regulamentado no artigo 73 do Código Penal, cujo teor se transcreve:


Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

Desde logo, é preciso esclarecer que a aberratio ictus não se confunde com o erro sobre a pessoa (error in persona), que encontra regulamentação no art. 20, § 3º, do CP.

 

Com efeito, no error in persona o agente incorre em equívoco quanto à identidade da vítima, vale dizer, ele atinge pessoa diversa da pretendida, pensando que era a certa. Till ekzemple, o agente A acerta B, acreditando que B era C (C é a vítima desejada e não atingida no mundo da realidade).

 

Já, na aberratio ictus, o sujeito ativo não faz qualquer confusão quanto à identidade da vítima. Ao contrário: ele sabe perfeitamente quem ela é, porém, erra na execução do delito, atingindo pessoa diferente, que não era alvo da ação delituosa, ou, ainda, atingindo a vítima desejada e também pessoa diversa.

O Código Penal confere idêntico tratamento jurídico a estes institutos, apesar de não se confundirem. Consoante se percebe dos artigos 20, § 3, e 73, tanto no erro sobre a pessoa, como no erro de execução, o agente responde como se tivesse acertado a vítima visada, i. é, a vítima virtual e não a real.

 

Houve a adoção, portanto, ex vi legis, da teoria da equivalência. É o que dispõe o artigo 20, § 3º, do Estatuto Repressivo Pátrio, in verbis: “Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”

 

Exemplificativamente, se o agente A, desejando matar B, equivoca-se na identidade deste e mata C (error in persona), ou atinge C devido a erro de pontaria (aberratio ictus), A responderá como se tivesse, de fato, atingido B (vítima virtual), muito embora, no mundo da realidade, apenas C (vítima real) tenha sido alvejada.

 

Inclusive, supondo que a vontade do criminoso A fosse dar cabo a vida de seu pai B, mesmo B não tendo sido alvejado, mas tão somente C, que lhe era um completo estranho, deverá haver a incidência da circunstância agravante de crime perpetrado contra ascendente, estampada no art. 61, II, alínea “e”, do Código Penal, justamente em virtude da regra consagrada no art. 20, § 3, do Diploma em voga.

 

Ou seja: o Código Penal criou uma verdadeira ficção jurídica, que ignora a realidade e acaba por criar imbróglios jurídicos, situações surreais, verdadeiras aberrações, que ensejam inequívocos excessos punitivos, em afronta ao preceito constitucional da proporcionalidade.

 

Eugenio Pacelli (2014, p. 159), em brilhante artigo intitulado de Funcionalismo e Dogmática Penal: ensaio para um sistema de interpretação, já chamou a atenção para a matéria, asseverando que se deve discutir com profundidade “a hermenêutica das incriminações, com a desconstrução, se necessário, da primazia do texto, inerente a olhares positivistas, se e quando em descompasso com o contexto.”


Antes de mais nada, salienta-se que a teoria da equivalência é perfeitamente compatível com o instituto do error in persona, haja vista que “a proteção da lei é reservada a qualquer pessoa [...], sendo irrelevante o erro quanto àquela atingida (PACELLI, 2014, p. 179).”

 

Não obstante, é de uma imperdoável irrazoabilidade a sua aplicação na aberratio ictus, diante das incongruências que surgem e do excesso punitivo que sedimenta. Basta a apresentação de um caso real, trazido à tona por Paulo Queiroz (2014, p. 279), para perceber isto.

 

Com efeito, no interior do Estado da Bahia, uma esposa decidiu, “em razão dos maus-tratos sofridos e constantes ameaças de morte, matar seu companheiro, B (QUEIROZ, 2014, p. 279).” Para tanto, deu-lhe uma refeição, especialmente temperada com veneno, que seria levada por B ao trabalho.

Ocorre que, naquele fatídico dia, não houve serviço para B executar, de modo que ele entregou a marmita aos seus filhos, C, de 7 anos, e D, de 12 anos. Os menores acabaram por comer a refeição e, assim, vieram a óbito, vítimas do veneno “chumbinho”.

A esposa, consectariamente, fora acusada pela prática do crime de homicídio qualificado consumado, com a agravante de ser cometido contra o marido (art. 61, II, “e”, do CP), com fundamento na teoria da equivalência, por erro na execução (o autor responde como se tivesse atingido a vítima virtual e não a real, in casu, as reais!).

 

Essa situação, que é um caso verídico, revela toda a irrazoabilidade e desproporcionalidade da incidência da teoria da equivalência na aberratio ictus: como adverte Paulo Queiroz (2014, p. 280), esta teoria consagra “resquício próprio de um direito penal do autor [...], para ela não importa, ou só importa secundariamente, o fato efetivamente praticado pelo autor, mas aquele que pensou em ou pretendeu praticar.”

 

Veja-se que o Código Penal acaba por ignorar a realidade e por dar prevalência a uma ficção/aberração: ficção esta que, no exemplo apresentado, impossibilitaria a concessão do perdão judicial à mãe, já que ela responderia como se tivesse atingido a vítima desejada e, portanto, por homicídio doloso qualificado consumado.

 

Mais razoável, diante do tratamento gritantemente injusto e desproporcional conferido pela lei criminal, seria, de acordo com Pacelli (2014) e Queiroz (2014), a adoção, no que tange ao erro na execução (aberratio ictus), da teoria da concretização, que leva em consideração a realidade concreta dos fatos.


No case apontado, a responsabilização mais racional seria a seguinte: a esposa responderia por homicídio culposo em relação aos filhos - já que não desejava a morte deles, que acabou causando por imprudência e imperícia - e por tentativa de homicídio doloso qualificado contra o marido, que não veio a óbito por circunstâncias alheias à vontade da agente (art. 14, inciso II, do CP).

 

Sinala-se que, com a teoria da concretização, seria possível a concessão do perdão judicial em relação aos crimes culposos. No exemplo citado, assim, a mãe poderia - e deveria - ser agraciada pelo perdão judicial no que diz respeito aos homicídios culposos, uma vez que ela não desejava a morte de seus filhos, e o aconteceu por imperícia e/ou imprudência dela. Divergência haveria, todavia, quanto à espécie do concurso de crimes que incidiria.

 

Utilizando-se do exemplo apresentado, estaríamos diante de concurso formal entre tentativa de homicídio doloso qualificado e duplo homicídio culposo - situação em que o sujeito ativo responderia somente pelo crime mais grave, vale dizer, tentativa de homicídio doloso qualificado, com a exasperação prevista no artigo 70 do CP - ou de concurso material entre o crime de homicídio doloso qualificado tentado e o dois homicídios culposos.

 

As duas interpretações são possíveis. Há que se observar, de qualquer forma, que a exasperação do concurso formal jamais pode ser superior à soma das penas, decorrente do cúmulo material, por força do disposto no parágrafo único do artigo 70 do Código Penal.

 

Na hipótese de concurso material é possível perceber todo o excesso punitivo derivado da teoria acolhida pelo Estatuto Repressivo Pátrio. Ora, sob a ótica da teoria da concretização, fixadas as penas no mínimo legal, observa Paulo Queiroz (2014, p. 282), a esposa receberia uma possível pena de 02 (dois) anos de detenção, em relação aos homicídios culposos (art. 121, § 3º, do CP), somada com os 4 (quatro) anos de reclusão, relativos ao homicídio doloso qualificado tentado, realizando uma redução de 2/3 sobre a pena mínima pela tentativa, totalizando uma sanção de 06 anos de prisão.

 

O disparate é que, sob o prisma da teoria da equivalência, adotada pelo Código Penal, a esposa receberia uma reprimenda mínima de 12 anos de reclusão, já que responderia por homicídio doloso qualificado consumado (art. 121, § 2º, inciso III, do CP), como se tivesse atingido a vítima desejada (o marido - vítima virtual e não real).


Para encerrar, merece destaque uma outra situação manifestamente surreal, bem apontada por Paulo Queiroz (2014), com a maestria que lhe é peculiar: supondo, com base na teoria da equivalência, que a vítima desejada não venha a óbito (é a vítima virtual) e que o agente responda pela morte da vítima não desejada (vítima real) como se tivesse atingido a vítima desejada (vítima virtual), como se procederia se, a posteriori, o sujeito ativo viesse a matar a vítima desejada (que, de vítima virtual, tornar-se-ia vítima real, verdadeira!)? Dito de outro modo: e se a mãe, no caso apresentado, anos depois, resolvesse matar o seu marido?

 

Pois bem, salienta Paulo Queiroz (2014, p. 282), para ser coerente com a teoria, “a rigor não haveria crime punível, mesmo porque, do contrário, ocorreria bis in idem”, afinal, a esposa já havia sido punida pela morte de seu marido quando matou seus filhos…!

 

Ante o exposto, faço coro com Paulo Queiroz (2014) e Eugenio Pacelli (2014): diante da evidente inconsistência legislativa, assim como do excesso punitivo e das situações surreais que derivam da incidência da teoria da equivalência, revela-se necessária, via interpretação hermenêutica, ancorada no postulado constitucional da proporcionalidade, a acolhida da teoria da concretização no âmbito da aberratio ictus. (Guilherme Espíndola Kuhn em artigo com título “Aberratio ictus: uma verdadeira aberração regulamentada pelo Código Penal, comentários ao art. 73 do CP, publicado em 2017 no site canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br, acessado em 28/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 72 Multas no concurso de crimes – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 72
Multas no concurso de crimes

 VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Multas no concurso de crimes (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

 

Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

Veja-se o conceito de Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Multas no concurso de crimes” – Art. 72 do CP, p.186-187:

Nas hipóteses de concurso material, concurso formal ou mesmo crime continuado, as penas de multa deverão ser aplicadas isoladamente para cada infração penal. Imagine-se que alguém tenha praticado quatro crimes em concurso formal. Aqui, em vez de ser aplicado o percentual de aumento de um sexto até metade, as penas de multa serão encontradas isoladamente.

Embora com relação ao concurso material e ao concurso formal imperfeito não haja maiores discussões, no que diz respeito à aplicação da multa nas hipóteses de concurso formal perfeito e continuidade delitiva existe divergência doutrinária e jurisprudencial. Preleciona Alberto Silva Franco: “Se se entender que tratar-se de um concurso de crimes, não há dúvida de que a solução será igual à do concurso formal. Considerando-se, no entanto, que se cuida de uma hipótese não de concurso de crimes, mas, sim, de unidade legal de infrações, ou melhor, de crime único, o art. 72 da PG/84 não teria aplicabilidade e, nessa situação, a exacerbação punitiva' incidiria necessariamente na determinação do número de dias-multa, dentro do sistema de dias-multa ora acolhido na PG/84. Destarte, a divergência que já existe em nível jurisprudencial persistiria.” (FRANCO, Alberto Silva. Código penal - a sua interpretação jurisprudencial - Parte geral, v. 1, X. 1, p. 1.191).

No caso de concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas cumulativamente, não incidindo sobre elas o acréscimo decorrente do concurso formal ou do crime continuado, devendo as pecuniárias ser somadas (TJMG, Processo 1.0313.05.156 384-6/001 [1] , Rel. Des. Wílliam Silvestrini, DJ 6/6/2006).

Apesar de esta Corte já se ter manifestado pela inaplicabilidade do art. 72 do Código Penal às hipóteses de crime continuado, entendo que o texto legal prevê uma regra de exceção para a aplicação da pena de multa, e seu conteúdo é claro: nas hipóteses de concurso formal perfeito (art. 70, 1ª parte, do CP) e de crime continuado (art. 71 do CP), a pena de multa será multiplicada pelo número de infrações cometidas, não incidindo na sua fixação o sistema de exasperação (STJ, REsp. 519429/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJ 10/10/2005, p. 412).

No crime continuado, não há concurso de crimes, mas crime único, e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa. Precedentes do STJ e do STF (STJ, REsp 493227/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., DJ 22/9/2003, p. 356). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Multas no concurso de crimes” – Art. 72 do CP, p.186-187. Ed. Impetus.com.br, acessado em 27/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na inteligência de Ismaile André Polvero, em artigo com comentários ao art. 72 do CP, intitulado “Dosimetria da pena de multa e seus contornos”:

Havendo concurso de crimes as penas de multa deverão ser apuradas de forma isolada, dispondo o art. 72, CP, que as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, ou seja, as penas de multas serão somadas.

 

Para a fixação do valor de cada dia-multa o magistrado está adstrito na valoração de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato até 05 (cinco) salários mínimos por dia.

 

Na fixação da pena de multa o magistrado deve atender, principalmente, à situação econômica do agente e quanto melhor for sua situação econômica, maior deverá ser o valor fixado a título de dias-multa.

 

O valor fixado a título de dias-multa poderá ser majorado até o triplo, se o magistrado considerar que, em virtude da situação econômica do réu o valor aplicado é ineficaz, mesmo quando aplicada no máximo legal.

 

Ilustrando, se o magistrado fixou 10 (dez) dias-multa e determinou que o valor de cada dia-multa é de 02 (dois) salários-mínimos, a pena de multa será igual a 20 salários-mínimos.

 

A fundamentação na aplicação da pena de multa guarda simetria quando analisada a pena de prisão, não podendo ou não devendo o magistrado fixar multa em quantidade de dias além do mínimo legal se não houver motivação, bem como, fixar o valor dos dias-multa de maneira elevada se a situação econômica do agente não for compatível.

 

Desta feita, cabe ao profissional do direito instruir a defesa com documentos hábeis a comprovar os rendimentos exatos do agente e não olvidar de juntar as despesas pessoais e familiares, no intuito de possibilitar que magistrado tenha os elementos necessários a fixação da pena de multa, evitando valorações injustas.

 

A pena de multa poderá sofrer incidência de correção monetária, inclusive dispõe a súmula do Superior Tribunal de Justiça que incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.

 

O pagamento da pena de multa deve ocorrer de forma voluntária, havendo duas possibilidades, a primeira efetuar o pagamento 10 (dez) dias após a intimação ou requerer que o valor seja pago de maneira parcelada e de forma mensal, o magistrado pode fixar a multa na quantidade de parcelas que sejam necessárias em decorrência da análise da situação econômica do agente.

 

A doutrina e jurisprudência entendem que não será convertida em prisão, em hipótese alguma, a multa não paga, conforme o art. 51 do CP:

 

Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

 

No ano de 2018 o Supremo Tribunal Federal (ADI 3150) decidiu que o Ministério Público possui legitimidade e prioridade para a execução da multa penal imposta e não paga pelo réu, sendo que a cobrança pela Fazenda Pública ocorrerá de forma subsidiária.

 

A pena de multa prescreve em 02 (dois) anos, quando aplicada de forma isolada e quando imposta com a pena de prisão, prescreve no prazo desta, contudo, quanto as causas suspensivas e interruptivas devem ser aplicadas as disposições da lei de execução fiscal (art. 51, CP).


Por fim, é suspensa a execução, mas não a prescrição, da pena de multa, se sobrevém ao agente doença mental, bem como, é extinta em caso de óbito do agente. (Ismaile André Polvero, em artigo com comentários ao art. 72 do CP, intitulado “Dosimetria da pena de multa e seus contornos”, publicado no site ismaileandrepolvero.jusbrasil.com.br, há 3 anos, acessado em 27/12 /2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No ritmo de Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 72 do Código Penal, ao falar sobre “Multas no concurso de crimes”, é citado que a mens leges é concurso de infrações e as penas de multas devem ser somadas: ad esempio, dois homicídios, multa de 10 salários-mínimos para cada crime, total de vinte salários-mínimos. O autor toma como exemplo a explicação na jurisprudência de Concurso de Crimes:

“Pena de multa. Inalterada. Em que pese a revalorização das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, foram mantidos o quantum da pena de multa aplicada na sentença, vinte (20) dias-multa, à razão unitária mínima legal, porque adequado ao caso concreto, observado o número de crimes (dois) e a regra do art. 72 do mesmo diploma material referido, foi estabelecido o patamar mínimo legal para cada um dos delitos; dez (dez) dias-multa, na fração mínima legal, considerando a precária condição econômica e financeira do réu. (Texto compilado TJRS-APR: 70084078039 RS, Relª Bernadete Coutinho Friedrich, DJ 13/08/2020, 6ª Câm. Crim., DJe 29/09/2020).

Reconhecido o concurso formal de crimes, uma das penas, porque idênticas, foi elevada a fração mínima de 1/5, totalizando a pena de 08 (oito) anos, 09 (nove) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, a teor do que determina o art. 33, § 2º, a, do CP, além da pena pecuniária, aplicada distinta e integralmente, nos termos do art. 72 do CP, de 40 (quarenta) dias-multa, à razão unitária mínima. Suspensa a exigibilidade do pagamento das custas, com base no art. 98 do CPC. Apelo da acusação provido. (Apel. Crim. n. 70072006141, 8ª Câm. Crim., TJRS, Relª. Isabel de Borba Lucas, J. 25/10/2017). (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 72 do Código Penal, ao falar sobre “Multas no concurso de crimes”, publicado no site Direito.com, acessado em 27/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839 - DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839
- DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –

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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

– Seção III – Da Extinção da Fiança (art. 837 a 839) –

 

Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente, inaugurando as hipóteses de extinção da fiança, mas sem exauri-las, como se pode constatar pela existência de causas exoneratórias já antes examinadas, fora da seção (v.g., CC 835 e 836), e a exemplo do que continha o seu correspondente no CC/1916, (art. 1.502), cuida das defesas, como tal compreendida a expressão exceção, que pode o fiador opor ao credor da dívida que tenha afiançado. E, de início, faculta a lei, por evidente, a oposição pelo fiador, diante do credor, de todas as exceções pessoais, i.é, das defesas atinentes ao vínculo de garantia que entre ambos se estabeleceu. Assim, por exemplo, pode o fiador opor ao credor tudo quanto se relacione com vício de vontade que acaso tenha ocorrido. Lembre-se, ainda, das questões de forma, de exoneração, de termo da fiança, conforme comentário aos CC 819 e 835, todas exceções pessoais oponíveis pelo fiador. Da mesma forma, as restrições específicas que tocam a algumas pessoas para a prestação de fiança (ver comentário ao CC 818). Sem contar os meios indiretos extintivos da própria obrigação fidejussória, como a novação, compensação ou remissão, que ao fiador se refiram.

 

Mas, além de todas essas exceções pessoais, também é lícito ao fiador opor ao credor qualquer exceção que, posto não pessoal, destarte ainda que deduzível pelo devedor principal, seja extintiva da obrigação. Importa, aqui, não olvidar que a fiança constitui obrigação acessória que, assim, não persiste se a obrigação principal se extingue.

 

Tem-se, nesse passo, o que em doutrina se convencionou chamar de extinção indireta da fiança. Abre-se, destarte, ao fiador, em primeiro lugar, a possibilidade de alegar, perante o credor, que a dívida principal foi paga pelo devedor. a propósito, porém, há duas ressalvas a serem feitas. Uma é a do pagamento parcial feito de uma dívida parcialmente garantido em relação ao total da dívida, resta saber se, no silêncio, considera-se paga a parte da dívida afiançada ou da dívida livre da fiança. Para Lauro Laertes de Oliveira a situação se resolve com a regra geral de imputação do pagamento sempre na dívida mais onerosa (CC 355, parte final), que considera ser aquela parte afiançada (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 83), decerto o que se faz em prejuízo do credor e da garantia que favorece seu crédito, razão até de defender, por exemplo, Carvalho Santos, a posição oposta (Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 488), mas desde que não se reconheça a prévia prerrogativa que tem o credor, inerte o devedor, de imputar, ele próprio, o pagamento.

 

A segunda ressalva diz respeito ás formas especiais de pagamento. Quanto ao pagamento por consignação, vale lembrar a regra contida no CC 339, segundo a qual, acolhida a demanda consignatória, ao devedor já não será dado levantar a prestação que depositou, mesmo que o credor o consinta, sem a anuência do fiador, sob pena de se ter esse último por exonerado. De idêntica forma se, mesmo antes do julgamento, credor e devedor ajustam o levantamento da coisa depositada por este, autor da ação. Quanto ao pagamento feito por terceiro, é de ver que, havida a sub-rogação (CC 346 e ss.), se preserva a responsabilidade do fiador, portanto a quem não se reconhecerá a possibilidade de se valer daquela quitação (CC 349). Já se houver pagamento por dação, a repristinação da obrigação pela evicção da coisa dada em pagamento, prevista no CC 359, não autoriza que se reconheça o restabelecimento da fiança (ver CC 838, III, infra).

 

Também a novação da dívida principal pode ser oposta pelo fiador ao credor. Conforme disposição do CC 366, a novação levada a cabo sem a anuência do fiador implica a sua exoneração. É idêntica a solução legal para quando haja transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador (CC 844, § 1º). Quanto à compensação, outro dos meios indiretos de extinção da obrigação, o caso do fiador é justamente a exceção à regra da reciprocidade entre credor e devedor, de tal sorte que a um terceiro na relação creditícia, no caso o fiador, será dado recorrer a crédito do devedor afiançado contra o credor para opor, diante deste, a compensação (CC 371). A remissão concedida ao devedor afiançado igualmente aproveita ao fiador. Já a prescrição, embora não extinga a dívida principal, propriamente dita, prejudicando a pretensão respectiva, de coativa satisfação, tem-se entendido beneficiar o fiador, que pode, portanto, alega-la em seu favor (v.g., Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLIV, § 4.796, n. 7, p. 223; Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 85). Mas é bem de ver que a interrupção da prescrição operada contra o devedor principal prejudica o fiador (CC 204, § 3º).

 

Por fim, ressalva o dispositivo em comento que a incapacidade pessoal do devedor não pode ser alegada pelo fiador, em seu proveito, salvo no caso do mútuo, que, quando feito a menor, não pode ser reavido nem mesmo do garantidor fidejussório (ver CC 588, com as ressalvas do CC 589). A regra complementa aquela já contida no CC 824, em que a matéria foi já examinada, portanto a cujo comentário ora se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860-61 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Há um histórico na toada de Ricardo Fiuza que aponta a redação ser a mesma do projeto. O CC de 1916 traz um artigo correspondente, de n. 1.502, cuja redação é: “O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do art. 1.259”. O referido art. 1.259, por sua vez, refere-se ao mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver.

 

Na doutrina, o presente artigo enfoca um dos modos extintivos próprios da natureza da fiança. A fiança resulta extinta pela ocorrência de exceções pessoais ou extintivas, que excluem a responsabilidade do garante, salvo se advindas de incapacidade do garante, excepcionada a hipótese do mútuo feito a pessoa menor.

 

Exemplos de exceções pessoais são: a novação feita sem consenso do fiador com o devedor originário, a interrupção da prescrição produzida contra o principal devedor etc. Exemplos de exceções que extinguem a obrigação pagamento prescrição, nulidade da obrigação principal, dentre outras. (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3.) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a fiança pode ser extinta em virtude de fato relativo a ela própria e, como é um contrato acessório, em regra, as causas que extinguem o contrato principal causam igualmente a extinção da fiança.

 

São causas de extinção da fiança: a) a anulação da obrigação principal ou da própria fiança. A fiança é, contudo, válida se a nulidade da obrigação principal decorre de incapacidade do devedor, menos no caso de mútuo feito a menor, quando, apesar da nulidade da obrigação principal, a fiança será válida (CC 824); b) a extinção da obrigação principal pelo pagamento, dação em pagamento, remissão, transação, novação, compensação, confusão etc.; c) a confusão entre credor e fiador; d) a compensação, isto é, quando o fiador torna-se credor do credor; e) distrato; f) término do prazo na fiança por prazo determinado; g) morte do fiador ou do afiançado; h) exoneração do fiador em casos de: h.1) renúncia do fiador na fiança por prazo indeterminado. O fiador continua responsável por 60 dias após a notificação (CC 835); h.2) moratória dada ao devedor (CC 838, I); h.3) impossibilidade de sub-rogação nos direitos do credor (CC 838, II); h.4) aceitação de dação em pagamento (CC 838, III); h.5) se, por negligência do credor, os bens livres do devedor não forem executados (CC 839) e h.6) na locação de imóveis, denúncia do fiador, quando da prorrogação do contrato por prazo indeterminado. O fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias. O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

 

I – se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;

 

II – se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;

 

III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perde-lo por evicção.

 

No luzir de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo em comento, trata de hipóteses em que, agora, por atos de iniciativa do credor, fica o fiador, ainda que solidário (ver CC 828), exonerado da obrigação fidejussória. No primeiro inciso, determina a lei que, concedida pelo credor moratória ao devedor, sem o consentimento do fiador, dá-se a sua exoneração, ficando ele desobrigado pela fiança prestada.

 

A moratória, propriamente, é a concessão de prazo suplementar para que o devedor cumpra sua obrigação. Para grande parte da doutrina, essa hipótese legal deve ser entendida, verdadeiramente, como uma novação. É certo que, havida a novação, sem a aquiescência do fiador, extinta estará a fiança, tanto quanto ela se extingue se havida a transação (CC 844, § 1º). Como ainda vale lembrar, o que é muito frequente em contratos de locação, e o que já se mencionou no comentário ao CC 819, também não responde o fiador, aí mesmo que sem a extinção da fiança, por reajustes convencionados a que não tenha anuído (Súmula n. 214 do STJ).

 

Bem de ver, porém, que, se com a novação se extingue a originária obrigação, crê-se ter-se exigido menos no preceito em exame. Foi pretensão do legislador figurar caso em que, mesmo sem aquela indireta extinção, persista a dívida, todavia com novo e dilargado prazo para pagamento, o que coloca em risco a situação do fiador, com a eventual insolvência do devedor, já reconhecidamente inapto a pagar no prazo, daí que se exigindo a respectiva anuência do garantidor, sob pena de extinção da fiança. Não se deve confundir essa situação de formal alargamento de termo final de cumprimento da obrigação com mera inércia ou demora do credor em cobrar seu crédito. Nesse caso o sistema disponibiliza ao fiador a medida do CC 834, sempre ao mesmo fundamento de preservação das circunstancias de concessão da garantia. Também não se confunde com a moratória a mera suspensão de ação acaso já em curso, se afinal não implicar acordo para prorrogação de prazo da dívida.

 

O segundo inciso do artigo presente versa sobre o prejuízo que, por ato doo credor, possa o fiador ter experimentado na sub-rogação que o favorece, mercê da regra contida no CC 831, sempre quando pague o débito afiançado. Trata-se de terceiro juridicamente interessado no pagamento que, ao fazê-lo, se sub-roga nos direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor, que lhe são transferidos, como se contém no CC 349. Pois sempre que de alguma maneira, por ato do credor, essa sub-rogação se prejudicar, extingue-se a fiança. Pense-se, por exemplo, em crédito garantido por penhor cujo objeto o credor deixa perecer. Ou na sua inércia em registrar hipoteca, permitindo, com isso, a alienação, pelo devedor, do imóvel hipotecado. Todas hipóteses em que, por fato atribuível ao credor, o fiador vê frustrada a sub-rogação decorrente do pagamento que fez da dívida afiançada.

 

Por último, e tal como já se deduziu no comentário ao artigo antecedente, extingue-se a fiança se o credor aceita dação em pagamento de seu crédito, mesmo que venha a perder, por evicção, o respectivo objeto, o que restabelece a obrigação primitiva mas, como está no inciso último, em exame, não repristina a fiança, permanecendo desobrigado o fiador. A ideia, malgrado por alguns criticada, é a de que, afinal, acedeu o credor ao recebimento de uma forma de pagamento cujo risco não garantiu o fiador, por isso que exonerado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 862 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No pontuar de Ricardo Fiuza, o dispositivo cuida das causas em que, mesmo solidário com o obrigado principal liberar-se-á o fiador de sua obrigação acessória. A moratória que o credor, sem o seu assentimento, concede ao devedor. O fato de o credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus acessórios opor evicção, são causas extintivas da fiança por liberação do fiador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo enumera as causas de exoneração do fiador antes do término da fiança. A fiança não admite interpretação extensiva (CC 819). A vinculação do fiador ao cumprimento das obrigações assumidas pelo afiançado depende da manutenção das condições iniciais do contrato, pois não se obriga por mais ou por condições diferentes, ainda que mais favoráveis ao afiançado. Para que o fiador seja mantido vinculado ao cumprimento das obrigações, deve anuir expressamente às alterações que as partes pretendam introduzir nas condições iniciais do contrato.

 

Desse modo, a moratória que o credor concede ao devedor modifica o prazo em que a obrigação deve ser cumprida; se o credor libera o devedor de alguma outra garantia que tenha recebido do devedor, impede que o fiador possa se sub-rogar na mesma garantia, caso venha a adimplir a obrigação; se o credor aceita do devedor dação em pagamento, altera-se o objeto da prestação. Todas essas alterações acarretam, ipso facto, a exoneração do fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

 

Segundo parecer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, estabelece o Código, no presente artigo, outra causa de extinção da fiança, por conduta imputável ao credor, móvel, afinal, do agravamento da situação jurídica do fiador, por isso que então exonerado. A hipótese é a do fiador que, invocando em seu favor benefício de ordem, nomeia bens livres e desembaraçados do devedor, na exata forma do que está contido no CC 827, e parágrafo, o que, porém, se prejudica pela inércia do credor, sem justa causa, em promover o regular andamento da demanda satisfativa, sobrevindo, nesse meio tempo, a insolvência do devedor. ou seja, por fato injustificável, atribuível ao credor, frustra-se, a constrição de bens do devedor, indicados pelo fiador e comprovadamente suficientes, à época em que nomeados, para solução da dívida afiançada.

 

A ideia fundamental, destarte, é que o retardo do credor obviou a regular penhora de bens do devedor, livres, desembaraçados e suficientes, quando nomeados pelo fiador. Ou, de qualquer forma, tem-se hipótese em que, por incúria do credor, operou-se uma piora, em virtude da superveniente insolvência do devedor, na situação do fiador que, regularmente, havia cumprido o ônus que lhe impunha o parágrafo único do CC 827, providência, todavia, enfim frustrada por conduta do credor. É certo que a disposição do artigo não exclui a prerrogativa que, havendo retardo do credor na demanda de cobrança, se defere ao fiador de promover-lhe o andamento, conforme está no CC 834, o que, por evidente, todavia não encerra uma imposição, mas mera faculdade. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 863 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina de Ricardo Fiuza, em exercendo o fiador o benefício de ordem, na forma do parágrafo único do CC 821, com a indicação dos bens do devedor principal, a circunstância de operar-se atraso na execução com a superveniente insolvência do devedor e executado tem a aptidão legal de exonerar uma vez provando este que a nomeação feita dos bens do devedor ao tempo da penhora era eficaz suficiente para garantir o juízo da execução e, em consequência satisfazer o débito a ele afiançado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

 No saber de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a demora do credor em executar o devedor pode causar alteração relevante nas condições do contrato se, conforme prevê o dispositivo, o devedor cair em insolvência. Exonera-se o fiador de sua responsabilidade mediante a prova de que o devedor possuía bens suficientes para o pagamento da dívida no momento em que ocorrer a penhora de bens do fiador.

 

Melhor solução seria a de se permitir a exoneração do fiador uma vez que este provasse que o devedor era solvente quando do vencimento da obrigação, pois, tomando como marco temporal o momento da penhora, permite a regra que o credor demore-se no ajuizamento da ação de cobrança contra o devedor, com possível prejuízo para o fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).